MÉTRICA IRREGULAR
O SER
Tempo
O tempo tudo cura
Porque nos mata.
O trabalho entusiástico nos depura,
Não maltrata.
E faz-nos crescer, enquanto nos apura
A fundura
E a ela nos ata.
Indolentemente
Como a vida
É indolentemente lenta!
E como a esperança
Assumida
É violenta:
Mal se alcança...
Que trança
Mais retorcida!
Mora
Infinitamente além
De nossos minúsculos patamares,
Como convém
Deus mora em todos os altares:
Na íntima calma
De qualquer alma.
Dentro
Deus rejubila
Dentro de ti
Como o amor por tudo e todos que se perfila
Aí,
Pois não tem outras mãos, outras bocas,
Outros braços, outras pernas
Além das tuas, quando ao dispor lhas colocas,
Subalternas,
Íntimas locas
Já neste tempo de algum modo eternas.
Real
O amor não é pensamento
Nem palavra.
Só é real a partir do momento
Em que de cada dia o torrão
Lavra,
De corajoso coração,
Com o desembestado vento
Da acção.
Atrás
O mundo atrai:
A conjuntura donde provém
Atrás de mim todo o dia vai,
Para eu a poder enfrentar e transformar vida além.
O medo é um bloqueio
Numa memória onde tropecei, da vida pelo meio.
E bato e torno a bater com a cabeça na parede
Que com a memória me enrede.
Entram
Quando uma religião
Tem a verdade absoluta,
Então
É a luta.
Intolerância e discriminação
Entram em disputa.
Quanto maior a espiritual inconsciência,
Maior a física violência.
Ignoram o que é espiritualidade:
O seu credo
De verdade
É o medo.
Ser
Ser espiritual
É vivenciar o amor
Em todos, em tudo e em todo o lado.
Percepcioná-lo, real,
Compartilhar-lhe o fulgor
Gratuito, iluminado.
Não é crer nesta ou naquela doutrina:
Só importa o amor a que qualquer nos inclina.
Tudo rumo à união
E universal inclusão,
Em busca do eterno tesoiro
Dum fugidio equilíbrio duradoiro.
O que gerar exclusão e afastamento
Não é espiritualidade, é de inferno fermento.
Entrega
A vida não é um caminho de luta
Mas de entrega, a discernir
O que eu aprender na labuta
Para bem evoluir,
Nunca a me abandonar, trivial,
Pelo que encontrar de prejudicial.
É caminhar da noite para o dia
Do luar pela magia.
Expectativa
Expectativa gera apego,
Apego gera controlo e manipulação.
O que se recebe é pouco, é um desassossego,
Nem há lugar à gratidão.
É querer sempre mais e mais
- E a dor preenche todos os locais.
É o alheamento de si:
O inferno vai por aí!
Desejo
Um desejo é um infinito
Enxertado no meu peito.
O efeito:
Não pode nunca o quesito
Ser de vez satisfeito,
Há-de sempre mais e mais
Querer sem limites reais.
Então
A conclusão
Do que se almeje
É singular:
Só tem tudo o que deseje
Quem deixar de desejar.
A quem não tiver desejos no peito
Todo o desejo será satisfeito.
Crença
A crença determina a vida.
Aquilo em que acredita
Devém real e palpável, em seguida,
Rasga o caminho que dali fita.
Dirige o que faz,
É a premissa
Eficaz
De tudo o que na lida
Aceita e enliça,
Tenaz.
Cuidado, pois, com o pensamento:
- É de tudo o fermento!
Nova
A nova ideia
Que da humanidade amplie a consciência
Atrai a violência
De quanto opositor contra ela ameia.
Proporcional
À importância dos efeitos:
Se nem for real,
Nem há pleitos;
Se for verdadeira,
Com poder transformador,
A bala certeira
Logo lhe apontará o estertor.
O ego nunca tolera
Que das fundações lhe desmascarem a quimera.
Mente
Mente fechada
Por falta de fé,
Nela não entra nada,
De si perdeu o pé.
A ignorância é escuridão
Que tudo encobre,
Permeia a mental distorção
E o indivíduo que sobre
Ignora de tudo o que preza
Qual a verdadeira natureza.
Age
Ninguém age desligado
Do mundo que o rodeia
E nele ameia.
Como sentir-me culpado?
Na imensa teia
Sou apenas um elo de cadeia
Pela torrente arrastado.
Fugir
Fugir dos problemas, fugir da dor, fugir da realidade?...
Vivem na superficialidade,
Não curam a raiz.
Não olham para dentro,
Não transformam, no centro,
A matriz.
Negar a sombra é protegê-la.
Um dia, do chão ao tecto,
Por nenhuma sombra se vislumbra uma estrela,
Tudo é sombra por completo.
A representação de fachada
Oculta, sofrida
A cada jornada,
A dor reprimida.
Oculta
Felicidade
Que termina
É infelicidade
Oculta por prazeres com que combina.
Finda incomodada
E, sem saber porquê, culpada:
Não repara que assim
Perdeu de vista o fim.
Humano
Na infância espiritual
Cada humano é emocional,
Regido por sensações,
Desejos e paixões,
A fim de satisfazer
Instintos e emoções quaisquer.
Na adolescência espiritual
Qualquer humano devém mental.
A razão governa os desejos
E a inteligência desbrava do saber
Todo e qualquer
Dos brejos.
Tudo em proveito próprio, porém,
Do poder e estatuto que lhe convém.
No adulto espiritual, mais vivo,
Qualquer humano devém intuitivo.
Aprende a escutar a fundura da interioridade,
Adquire sabedoria,
Poder íntimo pessoal,
Disciplina moral:
A consciência da profundidade
Desperta dia a dia.
Espiritual meia-idade
É humana integridade.
Alia
Intuição, controlo emocional
E sabedoria,
De todos visando o progresso integral.
Pretende ao serviço estar,
A todos sabedoria transmitindo
Para a todos ajudar
Enquanto vão indo.
O espiritual ancião
É um humano realizado,
Iluminado
Pela luz dum outro chão.
Plenitude do amor,
Da íntima Verdade,
Da auto-entrega ao fulgor
Duma consciência que invade
A amplidão
Da inteira criação.
É um convertido que alcança
Ser genuíno e puro como uma criança.
Vivemos, todavia, mundialmente
Na espiritual adolescência
Da mente,
A aguardar com impaciência
Gratificação para toda a exigência,
Como se nosso desejo
Fora a estrela polar da marinhagem que entrevejo.
Que longe nos anda o fito
Do Infinito!
Influi
Ter um filho
Influi no porvir do mundo
Pelo familiar atilho
Fecundo
Onde se congraça,
Nos mistérios do fundo,
A traça
Do mundo.
Espiritualidade
Espiritual e material não há vida
Que os divida.
São o arroz que com açúcar culmina
No arroz doce.
E a sina
É como se fosse
A espiritualidade a doçura
Da vida mais pura.
Imo
Meu imo, Deus em mim,
Não requer nenhuma protecção.
Ele, sim,
É que tudo protege sob sua mão.
Só acaba por ficar
Desprotegido
Quem de sua mão traiu o lugar
E o sentido.
Solidão
Solidão não é estar só,
É viver de si cortado,
Encegueirado
Pelo pó
Do que houver jornadeado.
É perder o calor da íntima brasa
Por nunca estar em casa.
Quem procura um parceiro
Para quebrar a solidão,
Ignora que é de si próprio caminheiro
Desbravando o próprio chão.
E que ninguém mais
Tem requisitos que tais.
A solidão,
Afinal, é uma ilusão.
Na fundura de nosso imo,
Lá bem no cimo,
Há uma Luz que, se a deixarmos vir à tona,
Nunca mais nos abandona.
Outro
O outro é uma fonte
Para minha sede ver dessedentada.
É uma ponte
Para o final horizonte
Da jornada.
É a surpresa
De minha interior riqueza
Devir ilimitada.
Requer
Um amor sem compromisso
É do viço
Da imaturidade.
Da maturidade
O chamiço
Requer mais que isso:
A adultez
É abrir caminho com pés
Solidários
Que, a par,
Com outrem atar
Nos caminhos vários.
Torne
Amar
Não é desejar
Que o outro me torne feliz.
Isto é um pego
Onde o amor se afunda de raiz:
É apenas apego.
O amor quer dar
E a alegria é podê-lo fazer.
O apego, a contrariar,
Apenas quer receber.
Recursos
Morrer
É com os recursos anímicos
Viver,
Dispensando os corporais.
Mudam apenas os químicos
Sinais
E abrem-se todos os portais
Alquímicos.
Fundo
O ego separa-me de tudo,
O eu com tudo me unifica.
No fundo de meu imo há a centelha a que me grudo:
O vislumbre do Infinito ali me fica
Ao alcance,
Mas quantas vezes me confundo no lance!
Convencido de que sou eu o que o peito me transporta,
Fecho-lhe a porta:
Não sou mais luz,
Mas apenas a noite que a um vislumbre a reduz.
Sou o burro que, num desnorte,
Se confunde com o tesoiro que transporte.
Obriga
Ninguém obriga ninguém
A ser infeliz.
Ninguém poder para tal tem,
De raiz:
O que sinto,
Apenas eu o pinto.
Se eu decidir, porém,
Ser infeliz,
A gravidade
É que, rumo à minha infelicidade,
Tudo em redor lhe toma o matiz.
Só me liberto
Quando me liberto da falsa crença
De que tal poder é doutrem pertença,
Quando é apenas meu, decerto.
Não ando aqui a cumprir doutrem a expectativa,
Cumpro a missão por que viva.
Seguir
A mente mente,
Quer-me a seguir a emoção,
Quando apenas a intuição
Me dá no caminho
A semente
Do rumo que adivinho.
Discernir o melhor,
Só da intuição com o teor,
Dos dias a meio do terreno maninho.
Imo
O meu imo comunica
Pelo eu que harmoniza
E unifica,
Ou pelo Ego que antagoniza,
Divide e critica?
O Eu nunca disputa,
Portanto não luta.
O Ego quer a vitória:
“Estou certo e tu, errado;
Rende-te, pois, à minha glória,
Escravo mimado!”
Traduzir
Podemos traduzir a verdade por palavras,
Mas as palavras não são a verdade.
Apenas escalavras
A opacidade
A partir da tua janela:
As palavras nunca são a verdade,
Apontam apenas para ela.
Intenção
A intenção de dar-se a si,
Sempre ao serviço,
É generosidade ali
Com todo o viço.
Se for com expectativas,
Desejo de reconhecimento,
Não há virtude mas esquivas
A simular merecimento.
Se for sacrifício, dever, obrigação,
Nem virtude imita, é submissão.
A generosidade
Tem um equívoco padrão,
Não é só gesto que persuade.
Por muito que desagrade,
Pode ser tudo ilusão.
Livre
Quem entende não pagar,
A livre circulação
Do dinheiro anda a negar
Então.
Não tem generosidade,
É egoísmo e avareza.
A luminosidade
Finda-lhe na noite presa.
Só dá para receber?
É só ego a acontecer.
A sensação de vazio
É o que há só neste desvio.
Resistência
O inflexível
Vive em resistência interior
Perante o evento, seja qual for.
Trepa então de nível
A dor
E o problema articular
Mantém-no agrilhoado ao lugar.
No físico
Como no existencial,
É um tísico
A sofrer doença mortal.
Aceitar
Aceitar é entregar.
Quando entrega,
Tudo vai dentro ao lugar,
Sem mais refrega
Nem julgamento
Sobre da vida o tormento.
Mata o ego
Dentro de qualquer refego.
Flui na vida,
Canoa sempre na lida,
Sem apego,
De fugida.
Torna-se
O paciente não retalia.
Quem retalia torna-se o que os outros são,
Cada vez mais se desvia
De si, de sua luz,
De seu coração.
Dia a dia
Se reduz
A poeira do chão.
O paciente, não!
Apenas
Se apenas tens conhecimento,
De análise e síntese o poder,
Sem a paixão duma fé,
Num momento
Qualquer
És só um frio intelecto de pé,
Trigo roído da vacuidade
Do gorgulho,
Cheio de vaidade
E orgulho.
Mais nada,
Que o fogo se te apagou na estrada.
Do calor da fé no invento
É que vem todo o fermento.
Crença
A fé mora além
De qualquer crença religiosa.
Uma escadaria esta devém
Para trepar ao cimo
Que resguarda no imo
Aquela energia prodigiosa.
Se o não fizer, será um muro
A me impedir
De atingir
O futuro.
É uma fé de fingir,
Aí não me inauguro.
Toda
Amar a Deus é servi-lo
Em toda a criação:
Em mim, noutrem, no meio ambiente,
Na Terra, no Universo...
Quebrar o sigilo
Do portão
Que abre para a corrente
Que lhe acede do mundo disperso
E útil assim tornar
Cada passo que caminhar.
A mágica festa
Só a vislumbraremos por tal fresta.
Entre
A oração
Entre o Céu e a Terra
Faz a união,
Num elo de comunicação
Que se aferra
Com amor
Ao Criador.
Pode ao Céu
Levantar eventualmente uma ponta do véu
E, num momento,
É o deslumbramento!
Força
Orar a pedir
Que uma força exterior e superior
Me resolva o problema
É não assumir
Que eu também sou causador
Do meu dilema.
E que qualquer solução
Implica que eu mude o coração:
Deus nunca será o meu criado,
Eu é que, nas forças da Natureza,queira-o ou não,
Lhe estarei fatalmente subordinado.
Se o não entender nem aceitar, então,
Apenas mais vezes irei cair para o lado.
E não existe alternativa,
Seja lá o que for que eu viva.
O ego, porém, resiste.
Orar a sério
É findar de vez com o império
Do ego que em mim persiste.
Telas
Tudo o que em minha interioridade
Penso, experimento ou sinto
Não é quem sou de verdade,
São só as telas que pinto.
Tudo isso muda.
Permanente,
Só a fonte que me acuda
Em minha derradeira fundura assente.
Daí me brota a energia
Com que elaboro e organizo
O siso
Dos trilhos de cada dia.
São, todavia, estes
Que, no fundo,
Sempre comigo confundo
Em todos os testes.
Maneira
A maneira construtiva
De reagir a um evento
É não me apegar ao que atraente
Me motiva
Nem ter aversão ao repelente
Do acontecimento.
É que tudo é um arco-íris ilusório:
Apesar de o ver,
Se o procurar recolher
Não há nada no seu repositório.
É outra a vera realidade
Por trás da material densidade.
Neve
A neve cai
Com todo o sentido:
Cada floco vai
Ocupar o lugar devido:
O Universo
É ordem:
Anverso e reverso
Sempre onde concordem.
Veículo
No seu esplendor
A verdade permanece,
Mesmo quando o veículo transmissor
Desaparece.
Moisés, Buda, Jesus, Maomé
Foram-se, mas o fermento
Continua, a todo o momento,
De pé.
E fermenta a massa,
Mesmo quando, apodrecido,
Lhe pervertem o sentido
Algures, do mundo na praça.
Labora
Qualquer alma labora por uma causa,
Nunca pelo aplauso.
Sem pausa,
Apesar das greves que lhe causo.
Vive para mundo além
Se expressar,
Jamais para alguém
Impressionar.
Eu é que, com meu ego tolo,
No contrário me enrolo.
Falta
Na mente fechada
Por falta de fé,
Nenhum pé
Lhe penetra a entrada.
A ignorância é escuridão
Que lhe permeia
Toda a mental distorção
E a natureza das coisas nem sequer lhe ameia.
Apesar
Apesar da comunhão com todos a quem amo,
Nasci sozinho,
Vivo sozinho,
Morrerei sozinho.
É meu fundo, donde me programo:
É assim que livre para amar me proclamo
E a quem amo liberto
Para o seu sonho desperto.
De ninguém sou dependente,
Ninguém de mim depende:
Amo gratuito, dou-me de presente
E acolho o amor gratuito que a vida me rende.
A fiel alma, em meu imo,
É que nunca me abandona, meu arrimo.
Desapego
O desapego de tudo e de todos
É amor,
De tão libertador
Para todos os bodos:
Aí é que me entrego,
Sem qualquer desassossego.
Extinto o temor,
- Sou apenas amor!
Tempo
O tempo das árvores é lento,
Parece
Que nada acontece
Em nenhum momento.
Somos nós, porém,
Se nos sinais
Reparamos bem,
Que andamos depressa demais.
Momentos
Momentos preciosos
Mais preciosos devêm
Por já terem vindo gostosos
E já terem partido também.
A realidade impermanente,
Com a transitoriedade dela,
Pode ser surpreendentemente
Bela.
Arranjar
Podemos arranjar recordações
A partir do dinheiro,
Não podemos arranjar dinheiro
A partir de recordações.
O coração é inteiro,
Não se vende a prestações.
E é tão cimeiro
Que lhe não chega dinheiro nenhum de vendilhões.
Esconderijo
Uma toca,
Uma toca emocional.
Mais do que pão para a boca,
Afinal,
Precisamos do esconderijo que persigo,
Em minha corrida,
Para abrigo
Das tempestades da vida.
Harmonia
O que me comove
É um gesto, um olhar, uma palavra,
Um momento, uma verdade que lavra
E me prove
Uma harmonia além,
O Bem.
Que bom se a lágrima contida
Alimentara um sentimento
Que dera um sentido à sentida
Vontade de no mundo ser fermento!
Que bom seria
Ser perfeito,
Para a palavra ter a magia
De lavrar o mundo a eito!
Que bom
De voar para longe ter o dom,
De morrer sem dor,
Embora no mais sofrido estertor,
De amar sem sofrer,
Apesar de tudo perder,
Que bom tudo ganhar
Apesar de tudo dar!...
Horizonte
Olho o mar, o horizonte sem baliza.
A natureza não se empolga, ao respirar,
Nem menoriza:
É o que é, sem julgar.
Ora, nós também o somos, na fundura,
Basta olhar.
Que é que nós perdemos pela lonjura?
Ignoramos a fundura como madrasta,
A vingar-nos dum suposto abandono
Que nos tira o sono
E não é verdade de nenhuma casta.
Respeito
A liberdade é o respeito
Pelos mais,
Pela natureza,
Pelos animais,
Pela vida que tanto o mundo inteiro preza
E, a eito,
Também despreza.
- É que o respeito, em verdade,
É a própria liberdade.
Belo
A poesia
Nem fala do sentimento
Nem da emoção que sentia,
- É o belo do momento.
Que importa o gozo da palavra,
Da mais terna melodia?
Quadros maravilhosos não lavra
Ao acaso da fantasia,
Porque a sabedoria
Cultiva, denodada,
A eterna inimiga do nada.
Retorna à paz interior,
À calma,
Vive da serenidade de alma
Com que se vai propor
Vislumbrar, através de tudo e todos,
Os engodos,
Os limos
E os lodos.
- Então vive e canta o que sentimos.
Importância
Que importância tem aquilo que comprei
Comparado com o que construí,
A crescer ajudei
E onde a fundura vivi?
Riqueza e felicidade têm do ganho
Outra lei:
Não moram no que tenho,
Moram no que dei.
Muito
Com a idade,
Pouco há que nos dê prazer,
Muito há que nos satisfaz,
A nos preencher
De saciedade,
Em paz.
Prova de que valeu a pena o esforço,
Todo o desgosto, toda a dor,
Todo o escorço
Que vida além
Houvemos por bem
Propor.
Tudo o que representámos
Quando amámos.
Corpo
Na morte o corpo entrego,
Matéria de empréstimo sem juros,
Para eu utilizá-la num emprego
A favor do espírito, quaisquer que sejam os apuros,
A fim de que a minha parcela
Da cósmica genética
Tenha um pouco mais de luz da minha vela
E do amor a chama poética.
Holocausto
Holocausto, a provocação
Ao apelo universal.
A bomba nuclear, as guerras em sucessão,
A crise sempre actual
E o mais que vier
- Eis o Homem, da Terra a viajar na elipse,
A promover
O seu próprio Apocalipse.
Mistério
O mistério da vida...
A ordem natural
É duma lógica tal
Que só poderemos, em seguida,
Esperar a vitória final
Da harmonia sem ludíbrio
E do equilíbrio.
Esquinas
Pelas esquinas da vida
Perdem-se amigos,
Ganham-se inimigos...
- Importa é não ficar só na corrida,
Não trair a vera natureza
Que murmura no imo da interioridade.
Então até a morte se preza
De repousar do guerreiro a enfermidade.
A cósmica grandeza
Duma vida,
Por pequena que seja,
É a beleza
Do que nela rumoreja
De missão cumprida
E cumprida com limpeza.
Consistência
A morte faz todo o sentido:
Não é o fim,
Dá consistência à vida que hei vivido,
Ao meu não e ao meu sim.
Abre a porta
A nova forma de vivência
Que a emendar erros exorta:
Alimenta a esperança de excelência.
Morrer
É levar no coração
Todas as flores por que viver,
Ofertando-as de Deus à imensidão.
E é a maravilha
De nunca mais ninguém ter de ser ilha.
Arder
É a dor uma queimadura
Sempre a arder dentro de nós.
Se a não cura
Do afecto algum dos nós,
A solidão
De cada dia na jornada
É enterrar a mão
Em nada.
A inveja destrói o sonho,
O medo envelhece o novo,
Da mentira me envergonho,
Do falso sabor que provo.
A intolerância confunde,
Humilha, intimida, abate,
Embaraça quanto inunde
E mata quem a não mate:
A vítima e o carrasco
São paúl onde me atasco.
- Mas da dor o sofrimento
De vida nova é fermento.
Visionário
Ser paciente
É lutar
Infatigavelmente
Sem nunca os braços cruzar,
Com a riqueza
Do visionário obstinado
À nossa esperança presa
Como um fado.
É de humanas jóias este cofre
De doirados fios
Para que quem sofre
Não sofra vazios.
Palhaço
O palhaço verdadeiro
Faz-nos rir
Com prazer e alegria.
O falso é interesseiro,
Faz-nos ir
Por outra via.
Faz-nos andar às avessas
De êxito com promessas.
Fingem sabedoria, atenção,
Cuidado, método, rigor,
Responsabilidade, erudição,
Experiência, confiança, pundonor...
Imitam o palhaço bom
Na pantomina e no tom
Para que a intrujice
Ninguém a visse.
- São de nossos dias
Mil e um falsos messias.
Cruza
A cultura é um caminho universal
Que cruza a nossa interioridade,
Quando queremos vislumbrar a germinal
Sabedoria,
No silêncio que nos invade
E nos traz a harmonia.
Ensina-nos as boas maneiras
E o respeito
Por quem até não gosta das jeiras
Que nos atam asas a torto e a direito,
Impedindo-nos, a par,
De acaso voar.
É a base donde se perspectiva
Quanto se lê,
Quanto se vê
Pela janela da paisagem viva.
Máscara
Ao tirar a máscara, o palhaço,
Fechando de vez os olhos,
Lembra que também foi uma pessoa,
Como as mais feita de aço
E terra boa,
Toda a vida a driblar escolhos.
E fez que um sonho sublime
A terra um pouco para cima arrime.
Desafiando
Nossos sentimentos
São de energia
Movimentos
Com que tudo em nós se pronuncia.
Vêm do interior
E só deles findo consciente
Quando me atingem a mente,
Desafiando ao melhor e ao pior.
Vêm donde a luz se manifesta,
Interferem em tudo o que julgamos,
Onde nos encontramos,
No que presta e no que não presta,
No que somos,
No que fazemos,
Ora mágicos gnomos,
Ora demos.
Nestes terramotos encontramos
A melhor terapia
Para o equilíbrio que buscamos
Cada dia.
Com eles vivemos duras batalhas
E pintamos os outros no tempo fugaz
Em que neles brilham poalhas
Duma estrela, lá dentro, por trás.
Satisfazendo os bons sentimentos,
Em nós iremos encontrar
O melhor que nossos fermentos
Terão para dar.
Arte de viver:
Dar pelo gosto de dar,
De partilhar,
A todos e quenquer
Ajudando a melhorar.
Destino
Não foi o destino que me deu os amigos,
Eles é que me abrirão
Os postigos
Para os pascigos
Do seu coração.
Destinados poderão ser,
Mas terei de cruzar por eles,
Adivinhá-los para além da epiderme das peles,
- E eles terão sempre de me escolher.
Lutos
Os lutos, longos ou não,
Levam a uma aceitação
Da inevitabilidade da morte
E a uma saudade serena,
Sorriso breve e doce pela sorte
De a vida ter achado valer a pena
Estarmos perto de alguém,
Pessoa ou animal,
Com quem partilhámos, afinal,
A vida vida além.
Sistema
O sistema monetário
É o mais puro
E duro
Materialismo primário:
Então
Deveio religião,
Pôs de pé
A mais incontestada forma de fé.
Todos sonham com a lotaria,
A herança que jamais chega,
O aumento adiado de dia para dia,
O carro que a mão nunca pega,
O ridículo poder
Que uns trocos a mais poderão ter...
Adoecemos por falta de dinheiro
E por dinheiro a mais...
- Ser rico será por inteiro
Só questão de números que tais?
Oxalá
Oxalá Deus roçara
Com as flébeis asas
E incorporara
Na sua eternidade
As casas
De toda a humanidade!
Vencemos a terra, o mar e o espaço,
Não vencemos inda da humanidade o lerdo
Esquerdo
Traço.
País
Cada país é pequeno, periférico,
Cheio de problemas por resolver,
Cadavérico
Como outro qualquer.
E cada país é grande, antigo,
Prenhe de potencialidades,
Porto de abrigo
Da maior das grandiosidades.
E nisto também há-de ser
Como outro qualquer.
Depende das próprias gentes:
Cada qual é hoje o que for porque foi ontem
E amanhã terá patentes
As gestas que suas gentes
Hoje protagonizem e contem.
Massa
A massa humana,
A energia que pode gerar
A dar força a um ideal!
Ao vozear,
Ao chorar,
Ao dançar...
Dela emana
Para agir o principal:
Seja para um jogo
Ou do planeta para o desafogo.
Atitude
Uma atitude defensiva
Tem a natureza evasiva.
Mas o homem arreganha o cenho
E não lhe falta persistência
Nem engenho
Em toda a existência.
E assim brincamos, no sentido exacto,
Ao gato e ao rato.
Conta
Se eu não tomo conta da política,
A política toma conta de mim
Da maneira mais somítica
E será de todos nós o fim.
O que só cuida da medida
Prática
Ainda não entendeu nada da gramática
Da vida.
Política
A política, arte do possível,
Quando incoerente, dissimulada,
Não paga nada.
Bem mais credível,
Aliás,
É a coerência que paga muito mais.
Quando não no imediato,
No longo prazo é um facto.
Arte
Arte de cuidar, eis a política,
Cuidar dos povos, das comunidades,
Cuidar doutrem, das pessoas,
Cuidar das organizações...
Com sensibilidade crítica,
Senão sobrevoas
As necessidades
E aumentas os aleijões.
Senão não vamos
Para o coração da Humanidade,
Rumamos
A uma Humanidade sem coração:
É o desempregado de longa idade,
De excluídos a multidão,
Famílias desestruturadas,
Da infelicidade
As pegadas...
Ninguém quer novas escravaturas
Nem a desigualdade
Que delas auguras.
Arte de cuidar, apenas,
E as freimas não serão nunca pequenas.
Sonhar
O poder de sonhar é infinito
E nós sonhamos
Um país e um mundo com tal quesito
Onde nos encontramos.
Então se cava o fosso
Ao nosso pé:
- O mundo que é o nosso
Já o nosso não é.
Gostas
Muito gostas da verdura
Com que aqui, pela planura,
Te regales!
Tão diferente dos montes
Onde estéreis penedias apontes
E donde, após saborear a lonjura,
Abales.
Todavia,
Se não houvera montes
Donde borbotam mil fontes,
Não haveria
Verdes vales.
Coração
O problema
É que não se pode matar Deus.
Então todos se consomem
Com o coração do homem
E nele se somem...
O dilema
É tocar ou abolir os céus.
É o eterno tema
De todos os humanos escarcéus.
Segredo
Quando a alegria
Esfuzia,
De repente
A gente sente
O segredo da vida,
Como se um véu se houvera afastado,
À medida,
De algum modo, nalgum lado.
Implica
A jardinagem,
Como a vida,
Implica a maior coragem:
Podar os ramos secos
Da antiguidade querida,
À espera de que dos galhos pecos
Germine flora renascida.
E confiar
Que irá mesmo resultar.
Moldes
Perfeição
É a dos moldes e das linhas de montagem.
Nós, porém, valorizamos, na triagem,
O que é feito à mão,
Não o que da máquina sai,
Nosso filho sem pai.
O bastardo
Não é o herdeiro que aguardo.
Atingir
De que é que um homem precisa?
Precisa de amor.
Precisa de mãe, de esposa, de filha, de neta...
- Para atingir o que visa:
Alma concreta
Num fulgor
Que divisa.
Elas são o portador
Da chama
Que nos conclama.
Aí reside o segredo
Da vida:
No amor.
Basta nele um qualquer
Credo
E o Universo desata a acontecer
Sem medida.
Sabes
Sabes o que é o amor?
É aceitar
O que deveras não desejas
E renunciar
A quanto para ti tiver valor.
Tudo em nome dum vislumbre do que almejas
E que jamais à mão se te irá pôr.
Mas cujo encanto
Deslumbra tanto, tanto!...
Inesperado
O triunfo
É da amargura
O trunfo,
No inesperado gosto a sangue
Que inaugura:
O sentimento da inteira solidão.
E há quem não mangue
Deste chão!
Quem morra e mate
Para que a sorte lhe acate
Um nadinha dele à mão!
Restos
Os restos da nobreza
Serão sempre recolhidos
Pelos burgueses que triunfam.
Por isso é que falha a presa
Qualquer revolução de sentidos:
Só os velhos baralhos trunfam.
Qualquer revolução é uma mentira
Por não virar nunca o que vira.
Qualquer revolução a sério
É a ciência
Do império
Do longo tempo e da paciência.
Só a longo prazo
Mudaremos acaso.
E é preciso o fermento
E da fermentação o tempo e o invento.
Entre
O espírito entre dois antolhos,
O dinheiro e a política,
Tolha a lonjura dos olhos,
A mediocridade é fatídica.
Que saudades do mar, das estrelas,
Das montanhas, das procelas!
Que tristeza fecha à porta
A vida inteira já morta!
Medíocres
Os medíocres são animais:
Sempre se acham satisfeitos,
As desgraças comuns jamais
Lhes afloram sequer os peitos.
Não trepam acima da raiz
Estes imbecis.
- Que matéria de homem
Afinal consomem?
Filosofia
A filosofia é importante
Para todos os sinais:
Para o modo como, a cada instante,
Pensamos, por exemplo, nos animais.
E no que nos rodeia
E no que por dentro nos encandeia
E que é demais.
Importa
Para o modo como, em todos os ramos,
Nos posicionamos:
Ela é que em tudo abre ou fecha a porta.
Leva
Toda a gente que chega à borda de água
Leva bagagem.
Não a de mão
Nem de porão,
A da mágoa
Do passado
De torna-viagem,
A pôr de vez de lado.
Então, em seguida,
É que ocorre a calafetagem
Da vida.
Palavras
As palavras não têm alma.
Se as não entendo,
São rabiscos que estou vendo
Ou sons que o ouvido empalma.
Quando, todavia, as interpreto,
Sobre o branco aponho o preto,
Cobram alma de sentido
Em tudo quanto houver de ser vivido.
Então a linguagem
Transmite-me alma na viagem.
Vislumbro
Minto?!
Como, se não conheço a verdade?
Pinto o que pinto,
Que vislumbro por trás da opacidade.
Agrada a quem agrada,
Mais nada.
Tudo o mais
Serão, não meus, mas doutrem os sinais.
Tolos
Afastada
Da realidade,
A espiritualidade
Não é nada:
Sem corpo, a interioridade
É já cadáver, vida enganada.
Como cobrir qualquer jornada
Com tal necedade?
- Estes pretensos espirituais
São tolos demais!
Longe
Toda a gente anda enganada
Com seu Deus.
Deus quer feliz a jornada
Por toda e qualquer religião infernizada,
Por cada crente ou ateu falhada:
- Só de longe vislumbramos os céus!
E tanto mais longe, tanto
Quanto mais dogmáticos lhe agarrámos
Ou rejeitámos
O encanto:
O nosso dogmatismo
É o abismo.
Ditos
O deus
Que figura
Nos ditos meus
Não é o dos Céus.
Resta-me a intérmina procura
Pelo chão
Da interminável aproximação.
O homem não precisa de iluminados,
Precisa deles calados.
Só então é que cada pé
Pode trilhar a luz que ele é.
Mortos
Dizem os mortos em paz:
Aquilo que és nós o fomos
E o que somos
É o que tu serás.
Há muito quem
Se arrepie
Mas há também
Quem se alegre e confie.
Vírus
O vírus do conhecimento,
Na condição adequada,
Multiplica-se ao sabor do vento
Por toda a estrada.
Para alterar o mundo,
Uma pequena população
De criatividade e inovação
Basta, no jorro fecundo
De novos modelos de pensar,
Novas ferramentas,
Arte singular,
Rituais de novas ementas...
De repente, sem reparar,
Já saltámos de patamar.
Quando o centésimo macaco
Imita o primeiro que mudou,
Naquele instante, ao desbarato,
O mundo inteiro se lhe juntou.
Mudar
Democracia
Que não consiga mudar de ideias
Democracia nunca seria,
Que vive peada de peias.
Nem a veria
A meias:
Por trás da máscara de formosura
É de facto uma ditadura.
Paisagem
Na paisagem pouco importa
Aquilo que se vê,
A porta
Verdadeira é
De alma o estado
Com que se lê
O outro lado.
O principal não mora ali,
É o que cada um traz dentro de si.
E que o projecta
Do Universo inteiro na mágica paleta.
Entrem
- “Entrem, que a casa é de todos,
Pobre, mas do coração.”
...De mil outros modos
É a mais rica então.
E fica
Eternamente rica
Mesmo no meio da pior escravidão.
Piada
Não há piada nenhuma
Em estar desarmado
Na guerra ou na paz,
Quando o sangue espuma,
Desvairado,
Na vida a cair para trás.
Caímos no fundo:
Não há nada pior no mundo.
Confiar
É preciso confiar no homem,
Que, perdida a confiança,
Não há vigilância que anule a desconfiança
E o pânico que então nos consomem.
Se todos nos lermos como criminosos,
Que porvir? Com que gozos?
Não é ingénua falta de siso:
Confiar é a única maneira de ter juízo.
Aspecto
Aspecto focado,
Importância acrescida:
A cerimónia grandiosa é o fito buscado,
Não a sementeira da união pretendida?
O dia do casamento
É de sonho então o momento.
O resto da vida a dois,
Sem elo,
É, depois,
Um pesadelo.
Amor
O amor infantil sente,
Com a lágrima chorada,
Toda a carência como urgente
E desesperada.
O amor maduro é capaz
De perspectivar carências,
Com a confiança eficaz
De as satisfazer sem premências.
O amor infantil vê nos mais
Meras extensões de si.
O maduro vê os sinais
De quem é completo aí,
Não contando com ninguém para fazer
De si um íntegro ser.
O infantil teme o abandono.
O maduro
É seguro,
Logra suportar sem dono
A tristeza ou ansiedade
Sem o consumir o que o invade.
O infantil requer saber
Constantemente que é amado.
O maduro acredita amado ser,
Confiado,
Sem andar sempre à procura
Da prova que o assegura.
O infantil doutrem depende
Para satisfazer carências
Físicas e emocionais.
O maduro a conjuntura entende,
Avalia-lhe as pendências
Reais
E encontra formas viáveis
Para satisfazer, saudáveis,
As carências.
O infantil não tem controlo
Sobre de emoções o estado,
Sente-se, facilmente e sem dolo,
Humilhado.
O maduro a imperfeição aceita
Nele e nos mais,
Não fica humilhado de despeita
Nem medroso quando erra nos trilhos vicinais.
O amor infantil anseia
Pela certeza.
O maduro responde pelo que na vida ameia
Mas sabe que não controla tudo o que o dia reza.
O infantil sente que não existe
Ausente de quem ama.
O maduro persiste
Numa pessoa completa
Que nela própria se acama,
Repleta.
O amor infantil, folha ao vento,
Vive ao sabor do momento.
O maduro
Planeia o futuro,
Vive o presente
No passado aprendido então assente.
O infantil, disperso,
Vive como centro do universo.
O maduro sente empatia
E alcança
O remover de cada dia
E a mudança.
A mudança teme o infantil,
Resiste a abandonar,
Febril,
A zona de bem-estar.
O maduro sabe que sair,
Afinal,
É bom para poder evoluir,
Para o bem-estar global.
O amor infantil tudo fará
Para não perder a relação,
Até a si próprio se anulará
Então.
O amor maduro a perda aceita,
Nunca aceita anular-se,
Seja qual for a desfeita
Ou o disfarce.
Motivo
O casamento em regra finda
Por um motivo fútil.
É que o motivo, por trás, ainda
É útil.
Pequenos ressentimentos
Por expectativas inexpressas
Pioram a todos os momentos
E as proporções, essas,
Vão adquirindo valores
Cada vez maiores.
Então uma gota de nada
Faz explodir uma imensa granada.
Temes
Se temes deixar de amar
O teu par
Ou que ele deixe de amar-te a ti,
Repara que é o frenesi
Do temor
A comandar-te,
Não do amor
Qualquer arte.
Espaço
A conjugal união
Não é uma jornada
De solidão.
Cria um espaço de entrada
Onde ambos se mostrarão
Como são
No seio da jura sagrada.
É mesmo isso
O mútuo compromisso.
Limites
O que sem limites se preocupa,
Com preocupação legítima,
Por quem nem de si se ocupa
É a própria definição de vítima.
Ninguém
Tem obrigação
De ir além
Do que os interessados vão.
Aliás,
De ser entendido
É bem capaz
Como indesejável intrometido.
É assim entre pessoas
Como entre regiões e povos:
Aqueles ovos
Gerarão as constritoras boas.
De seu tredo abraço
É o esmagamento da morte o traço.
Precisa
Como tudo o que é vivo,
O casamento
Precisa dum motivo,
Precisa de alimento.
Privado de verdade, respeito,
Honra e alegria,
Sofrerá do peito,
Murcha-lhe a magia.
Morto finda,
Fora da cova porventura ainda.
Desfaz-se-lhe
Para o homem falso
É falso o mundo inteiro.
Desfaz-se-lhe, descalço,
Em nevoeiro.
E não vê
Que ele é que é
Dum balão vazio o pioneiro
Cimeiro.
Acto
O acto culposo
Traz consigo, por necessidade,
O tenebroso
Da fatalidade.
Como o acto bondoso
Traz a alacridade,
Com o gozo
Duma inesperada liberdade.
Canta
O que é novo,
O que é novo não é bom:
Sabe-se lá em que tom
Canta o que nascer do ovo!
Depois
Matamos os arrebóis...
Até que a luz do dia
Nos afoga a todos na magia.
E nos despojos, abortos,
Ficam todos aqueles: mortos!