MÉTRICA  IRREGULAR

 

O  SER

 

 

Tempo

 

O tempo tudo cura

Porque nos mata.

O trabalho entusiástico nos depura,

 Não maltrata.

E faz-nos crescer, enquanto nos apura

A fundura

E a ela nos ata.

 

 

Indolentemente

 

Como a vida

É indolentemente lenta!

E como a esperança

Assumida

É violenta:

Mal se alcança...

 

Que trança

Mais retorcida!

 

 

Mora

 

Infinitamente além

De nossos minúsculos patamares,

Como convém

Deus mora em todos os altares:

Na íntima calma

De qualquer alma.

 

 

Dentro

 

Deus rejubila

Dentro de ti

Como o amor por tudo e todos que se perfila

Aí,

Pois não tem outras mãos, outras bocas,

Outros braços, outras pernas

Além das tuas, quando ao dispor lhas colocas,

Subalternas,

Íntimas locas

Já neste tempo de algum modo eternas.

 

 

Real

 

O amor não é pensamento

Nem palavra.

Só é real a partir do momento

Em que de cada dia o torrão

Lavra,

De corajoso coração,

Com o desembestado vento

Da acção.

 

 

Atrás

 

O mundo atrai:

A conjuntura donde provém

Atrás de mim todo o dia vai,

Para eu a poder enfrentar e transformar vida além.

 

O medo é um bloqueio

Numa memória onde tropecei, da vida pelo meio.

 

E bato e torno a bater com a cabeça na parede

Que com a memória me enrede.

 

 

Entram

 

Quando uma religião

Tem a verdade absoluta,

Então

É a luta.

Intolerância e discriminação

Entram em disputa.

 

Quanto maior a espiritual inconsciência,

Maior a física violência.

 

Ignoram o que é espiritualidade:

O seu credo

De verdade

É o medo.

 

 

Ser

 

Ser espiritual

É vivenciar o amor

Em todos, em tudo e em todo o lado.

Percepcioná-lo, real,

Compartilhar-lhe o fulgor

Gratuito, iluminado.

 

Não é crer nesta ou naquela doutrina:

Só importa o amor a que qualquer nos inclina.

 

Tudo rumo à união

E universal inclusão,

 

Em busca do eterno tesoiro

Dum fugidio equilíbrio duradoiro.

 

O que gerar exclusão e afastamento

Não é espiritualidade, é de inferno fermento.

 

 

Entrega

 

A vida não é um caminho de luta

Mas de entrega, a discernir

O que eu aprender na labuta

Para bem evoluir,

 

Nunca a me abandonar, trivial,

Pelo que encontrar de prejudicial.

 

É caminhar da noite para o dia

Do luar pela magia.

 

 

Expectativa

 

Expectativa gera apego,

Apego gera controlo e manipulação.

O que se recebe é pouco, é um desassossego,

Nem há lugar à gratidão.

É querer sempre mais e mais

- E a dor preenche todos os locais.

 

É o alheamento de si:

O inferno vai por aí!

 

 

Desejo

 

Um desejo é um infinito

Enxertado no meu peito.

O efeito:

Não pode nunca o quesito

Ser de vez satisfeito,

Há-de sempre mais e mais

Querer sem limites reais.

 

Então

A conclusão

Do que se almeje

É singular:

Só tem tudo o que deseje

Quem deixar de desejar.

 

A quem não tiver desejos no peito

Todo o desejo será satisfeito.

 

 

Crença

 

A crença determina a vida.

Aquilo em que acredita

Devém real e palpável, em seguida,

Rasga o caminho que dali fita.

 

Dirige o que faz,

É a premissa

Eficaz

De tudo o que na lida

Aceita e enliça,

Tenaz.

 

Cuidado, pois, com o pensamento:

- É de tudo o fermento!

 

 

Nova

 

A nova ideia

Que da humanidade amplie a consciência

Atrai a violência

De quanto opositor contra ela ameia.

 

Proporcional

À importância dos efeitos:

Se nem for real,

Nem há pleitos;

Se for verdadeira,

Com poder transformador,

A bala certeira

Logo lhe apontará o estertor.

 

O ego nunca tolera

Que das fundações lhe desmascarem a quimera.

 

 

Mente

 

Mente fechada

Por falta de fé,

Nela não entra nada,

De si perdeu o pé.

 

A ignorância é escuridão

Que tudo encobre,

Permeia a mental distorção

E o indivíduo que sobre

Ignora de tudo o que preza

Qual a verdadeira natureza.

 

 

Age

 

Ninguém age desligado

Do mundo que o rodeia

E nele ameia.

Como sentir-me culpado?

Na imensa teia

Sou apenas um elo de cadeia

Pela torrente arrastado.

 

 

Fugir

 

Fugir dos problemas, fugir da dor, fugir da realidade?...

Vivem na superficialidade,

Não curam a raiz.

Não olham para dentro,

Não transformam, no centro,

A matriz.

 

Negar a sombra é protegê-la.

Um dia, do chão ao tecto,

Por nenhuma sombra se vislumbra uma estrela,

Tudo é sombra por completo.

 

A representação de fachada

Oculta, sofrida

A cada jornada,

A dor reprimida.

 

 

Oculta

 

Felicidade

Que termina

É infelicidade

Oculta por prazeres com que combina.

 

Finda incomodada

E, sem saber porquê, culpada:

 

Não repara que assim

Perdeu de vista o fim.

 

 

Humano

 

Na infância espiritual

Cada humano é emocional,

 

Regido por sensações,

Desejos e paixões,

 

A fim de satisfazer

Instintos e emoções quaisquer.

 

Na adolescência espiritual

Qualquer humano devém mental.

 

A razão governa os desejos

E a inteligência desbrava do saber

Todo e qualquer

Dos brejos.

 

Tudo em proveito próprio, porém,

Do poder e estatuto que lhe convém.

 

No adulto espiritual, mais vivo,

Qualquer humano devém intuitivo.

 

Aprende a escutar a fundura da interioridade,

Adquire sabedoria,

Poder íntimo pessoal,

Disciplina moral:

A consciência da profundidade

Desperta dia a dia.

 

Espiritual meia-idade

É humana integridade.

 

Alia

Intuição, controlo emocional

E sabedoria,

De todos visando o progresso integral.

 

Pretende ao serviço estar,

A todos sabedoria transmitindo

Para a todos ajudar

Enquanto vão indo.

 

O espiritual ancião

É um humano realizado,

Iluminado

Pela luz dum outro chão.

Plenitude do amor,

Da íntima Verdade,

Da auto-entrega ao fulgor

Duma consciência que invade

A amplidão

Da inteira criação.

 

É um convertido que alcança

Ser genuíno e puro como uma criança.

 

Vivemos, todavia, mundialmente

Na espiritual adolescência

Da mente,

A aguardar com impaciência

Gratificação para toda a exigência,

Como se nosso desejo

Fora a estrela polar da marinhagem que entrevejo.

 

Que longe nos anda o fito

Do Infinito!

 

 

Influi

 

Ter um filho

Influi no porvir do mundo

Pelo familiar atilho

Fecundo

Onde se congraça,

Nos mistérios do fundo,

A traça

Do mundo.

 

 

Espiritualidade

 

Espiritual e material não há vida

Que os divida.

 

São o arroz que com açúcar culmina

No arroz doce.

E a sina

É como se fosse

A espiritualidade a doçura

Da vida mais pura.

 

 

Imo

 

Meu imo, Deus em mim,

Não requer nenhuma protecção.

Ele, sim,

É que tudo protege sob sua mão.

 

Só acaba por ficar

Desprotegido

Quem de sua mão traiu o lugar

E o sentido.

 

 

Solidão

 

Solidão não é estar só,

É viver de si cortado,

Encegueirado

Pelo pó

Do que houver jornadeado.

 

É perder o calor da íntima brasa

Por nunca estar em casa.

 

Quem procura um parceiro

Para quebrar a solidão,

Ignora que é de si próprio caminheiro

Desbravando o próprio chão.

 

E que ninguém mais

Tem requisitos que tais.

 

A solidão,

Afinal, é uma ilusão.

 

Na fundura de nosso imo,

Lá bem no cimo,

 

Há uma Luz que, se a deixarmos vir à tona,

Nunca mais nos abandona.

 

 

Outro

 

O outro é uma fonte

Para minha sede ver dessedentada.

É uma ponte

Para o final horizonte

Da jornada.

 

É a surpresa

De minha interior riqueza

Devir ilimitada.

 

 

Requer

 

Um amor sem compromisso

É do viço

Da imaturidade.

Da maturidade

O chamiço

Requer mais que isso:

A adultez

É abrir caminho com pés

Solidários

Que, a par,

Com outrem atar

Nos caminhos vários.

 

 

Torne

 

Amar

Não é desejar

Que o outro me torne feliz.

Isto é um pego

Onde o amor se afunda de raiz:

É apenas apego.

 

O amor quer dar

E a alegria é podê-lo fazer.

O apego, a contrariar,

Apenas quer receber.

 

 

Recursos

 

Morrer

É com os recursos anímicos

Viver,

Dispensando os corporais.

Mudam apenas os químicos

Sinais

E abrem-se todos os portais

Alquímicos.

 

 

Fundo

 

O ego separa-me de tudo,

O eu com tudo me unifica.

No fundo de meu imo há a centelha a que me grudo:

O vislumbre do Infinito ali me fica

Ao alcance,

Mas quantas vezes me confundo no lance!

 

Convencido de que sou eu o que o peito me transporta,

Fecho-lhe a porta:

 

Não sou mais luz,

Mas apenas a noite que a um vislumbre a reduz.

 

Sou o burro que, num desnorte,

Se confunde com o tesoiro que transporte.

 

 

Obriga

 

Ninguém obriga ninguém

A ser infeliz.

Ninguém poder para tal tem,

De raiz:

O que sinto,

Apenas eu o pinto.

 

Se eu decidir, porém,

Ser infeliz,

A gravidade

É que, rumo à minha infelicidade,

Tudo em redor lhe toma o matiz.

 

Só me liberto

Quando me liberto da falsa crença

De que tal poder é doutrem pertença,

Quando é apenas meu, decerto.

 

Não ando aqui a cumprir doutrem a expectativa,

Cumpro a missão por que viva.

 

 

Seguir

 

A mente mente,

Quer-me a seguir a emoção,

Quando apenas a intuição

Me dá no caminho

A semente

Do rumo que adivinho.

Discernir o melhor,

Só da intuição com o teor,

Dos dias a meio do terreno maninho.

 

 

Imo

 

O meu imo comunica

Pelo eu que harmoniza

E unifica,

Ou pelo Ego que antagoniza,

Divide e critica?

 

O Eu nunca disputa,

Portanto não luta.

 

O Ego quer a vitória:

“Estou certo e tu, errado;

Rende-te, pois, à minha glória,

Escravo mimado!”

 

 

Traduzir

 

Podemos traduzir a verdade por palavras,

Mas as palavras não são a verdade.

Apenas escalavras

A opacidade

A partir da tua janela:

As palavras nunca são a verdade,

Apontam apenas para ela.

 

 

Intenção

 

A intenção de dar-se a si,

Sempre ao serviço,

É generosidade ali

Com todo o viço.

 

Se for com expectativas,

Desejo de reconhecimento,

Não há virtude mas esquivas

A simular merecimento.

 

Se for sacrifício, dever, obrigação,

Nem virtude imita, é submissão.

 

A generosidade

Tem um equívoco padrão,

Não é só gesto que persuade.

Por muito que desagrade,

Pode ser tudo ilusão.

 

 

Livre

 

Quem entende não pagar,

A livre circulação

Do dinheiro anda a negar

Então.

 

Não tem generosidade,

É egoísmo e avareza.

A luminosidade

Finda-lhe na noite presa.

 

Só dá para receber?

É só ego a acontecer.

 

A sensação de vazio

É o que há só neste desvio.

 

 

Resistência

 

O inflexível

Vive em resistência interior

Perante o evento, seja qual for.

Trepa então de nível

A dor

E o problema articular

Mantém-no agrilhoado ao lugar.

 

No físico

Como no existencial,

É um tísico

A sofrer doença mortal.

 

 

Aceitar

 

Aceitar é entregar.

Quando entrega,

Tudo vai dentro ao lugar,

Sem mais refrega

Nem julgamento

Sobre da vida o tormento.

 

Mata o ego

Dentro de qualquer refego.

 

Flui na vida,

Canoa sempre na lida,

Sem apego,

De fugida.

 

 

Torna-se

 

O paciente não retalia.

Quem retalia torna-se o que os outros são,

Cada vez mais se desvia

De si, de sua luz,

De seu coração.

Dia a dia

Se reduz

A poeira do chão.

 

O paciente, não!

 

 

Apenas

 

Se apenas tens conhecimento,

De análise e síntese o poder,

Sem a paixão duma fé,

Num momento

Qualquer

És só um frio intelecto de pé,

Trigo roído da vacuidade

Do gorgulho,

Cheio de vaidade

E orgulho.

 

Mais nada,

Que o fogo se te apagou na estrada.

 

Do calor da fé no invento

É que vem todo o fermento.

 

 

Crença

 

A fé mora além

De qualquer crença religiosa.

Uma escadaria esta devém

Para trepar ao cimo

Que resguarda no imo

Aquela energia prodigiosa.

 

Se o não fizer, será um muro

A me impedir

De atingir

O futuro.

 

É uma fé de fingir,

Aí não me inauguro.

 

 

Toda

 

Amar a Deus é servi-lo

Em toda a criação:

Em mim, noutrem, no meio ambiente,

Na Terra, no Universo...

Quebrar o sigilo

Do portão

Que abre para a corrente

Que lhe acede do mundo disperso

E útil assim tornar

Cada passo que caminhar.

 

A mágica festa

Só a vislumbraremos por tal fresta.

 

 

Entre

 

A oração

Entre o Céu e a Terra

Faz a união,

Num elo de comunicação

Que se aferra

Com amor

Ao Criador.

 

Pode ao Céu

Levantar eventualmente uma ponta do véu

 

E, num momento,

É o deslumbramento!

 

 

Força

 

Orar a pedir

Que uma força exterior e superior

Me resolva o problema

É não assumir

Que eu também sou causador

Do meu dilema.

 

E que qualquer solução

Implica que eu mude o coração:

 

Deus nunca será o meu criado,

Eu é que, nas forças da Natureza,queira-o ou não,

Lhe estarei fatalmente subordinado.

Se o não entender nem aceitar, então,

Apenas mais vezes irei cair para o lado.

 

E não existe alternativa,

Seja lá o que for que eu viva.

 

O ego, porém, resiste.

Orar a sério

É findar de vez com o império

Do ego que em mim persiste.

 

 

Telas

 

Tudo o que em minha interioridade

Penso, experimento ou sinto

Não é quem sou de verdade,

São só as telas que pinto.

 

Tudo isso muda.

Permanente,

Só a fonte que me acuda

Em minha derradeira fundura assente.

 

Daí me brota a energia

Com que elaboro e organizo

O siso

Dos trilhos de cada dia.

 

São, todavia, estes

Que, no fundo,

Sempre comigo confundo

Em todos os testes.

 

 

Maneira

 

A maneira construtiva

De reagir a um evento

É não me apegar ao que atraente

Me motiva

Nem ter aversão ao repelente

Do acontecimento.

 

É que tudo é um arco-íris ilusório:

Apesar de o ver,

Se o procurar recolher

Não há nada no seu repositório.

 

É outra a vera realidade

Por trás da material densidade.

 

 

Neve

 

A neve cai

Com todo o sentido:

Cada floco vai

Ocupar o lugar devido:

 

O Universo

É ordem:

Anverso e reverso

Sempre onde concordem.

 

 

Veículo

 

No seu esplendor

A verdade permanece,

Mesmo quando o veículo transmissor

Desaparece.

 

Moisés, Buda, Jesus, Maomé

Foram-se, mas o fermento

Continua, a todo o momento,

De pé.

 

E fermenta a massa,

Mesmo quando, apodrecido,

Lhe pervertem o sentido

Algures, do mundo na praça.

 

 

Labora

 

Qualquer alma labora por uma causa,

Nunca pelo aplauso.

Sem pausa,

Apesar das greves que lhe causo.

 

Vive para mundo além

Se expressar,

Jamais para alguém

Impressionar.

Eu é que, com meu ego tolo,

No contrário me enrolo.

 

 

Falta

 

Na mente fechada

Por falta de fé,

Nenhum pé

Lhe penetra a entrada.

 

A ignorância é escuridão

Que lhe permeia

Toda a mental distorção

E a natureza das coisas nem sequer lhe ameia.

 

 

Apesar

 

Apesar da comunhão com todos a quem amo,

Nasci sozinho,

Vivo sozinho,

Morrerei sozinho.

 

É meu fundo, donde me programo:

É assim que livre para amar me proclamo

 

E a quem amo liberto

Para o seu sonho desperto.

 

De ninguém sou dependente,

Ninguém de mim depende:

Amo gratuito, dou-me de presente

E acolho o amor gratuito que a vida me rende.

 

A fiel alma, em meu imo,

É que nunca me abandona, meu arrimo.

 

 

Desapego

 

O desapego de tudo e de todos

É amor,

De tão libertador

Para todos os bodos:

 

Aí é que me entrego,

Sem qualquer desassossego.

 

Extinto o temor,

- Sou apenas amor!

 

 

Tempo

 

O tempo das árvores é lento,

Parece

Que nada acontece

Em nenhum momento.

 

Somos nós, porém,

Se nos sinais

Reparamos bem,

Que andamos depressa demais.

 

 

Momentos

 

Momentos preciosos

Mais preciosos devêm

Por já terem vindo gostosos

E já terem partido também.

 

A realidade impermanente,

Com a transitoriedade dela,

Pode ser surpreendentemente

Bela.

 

 

Arranjar

 

Podemos arranjar recordações

A partir do dinheiro,

Não podemos arranjar dinheiro

A partir de recordações.

 

O coração é  inteiro,

Não se vende a prestações.

E é tão cimeiro

Que lhe não chega dinheiro nenhum de vendilhões.

 

 

Esconderijo

 

Uma toca,

Uma toca emocional.

Mais do que pão para a boca,

Afinal,

Precisamos do esconderijo que persigo,

Em minha corrida,

Para abrigo

Das tempestades da vida.

 

 

Harmonia

 

O que me comove

É um gesto, um olhar, uma palavra,

Um momento, uma verdade que lavra

E me prove

Uma harmonia além,

O Bem.

 

Que bom se a lágrima contida

Alimentara um sentimento

Que dera um sentido à sentida

Vontade de no mundo ser fermento!

 

Que bom seria

Ser perfeito,

Para a palavra ter a magia

De lavrar o mundo a eito!

 

Que bom

De voar para longe ter o dom,

 

De morrer sem dor,

Embora no mais sofrido estertor,

 

De amar sem sofrer,

Apesar de tudo perder,

 

Que bom tudo ganhar

Apesar de tudo dar!...

 

 

Horizonte

 

Olho o mar, o horizonte sem baliza.

A natureza não se empolga, ao respirar,

Nem menoriza:

É o que é, sem julgar.

 

Ora, nós também o somos, na fundura,

Basta olhar.

 

Que é que nós perdemos pela lonjura?

 

Ignoramos a fundura como madrasta,

A vingar-nos dum suposto abandono

Que nos tira o sono

E não é verdade de nenhuma casta.

 

 

Respeito

 

A liberdade é o respeito

Pelos mais,

Pela natureza,

Pelos animais,

Pela vida que tanto o mundo inteiro preza

E, a eito,

Também despreza.

 

- É que o respeito, em verdade,

É a própria liberdade.

 

 

Belo

 

A poesia

Nem fala do sentimento

Nem da emoção que sentia,

- É o belo do momento.

 

Que importa o gozo da palavra,

Da mais terna melodia?

Quadros maravilhosos não lavra

Ao acaso da fantasia,

Porque a sabedoria

Cultiva, denodada,

A eterna inimiga do nada.

 

Retorna à paz interior,

À calma,

Vive da serenidade de alma

Com que se vai propor

Vislumbrar, através de tudo e todos,

Os engodos,

Os limos

E os lodos.

 

- Então vive e canta o que sentimos.

 

 

Importância

 

Que importância tem aquilo que comprei

Comparado com o que construí,

A crescer ajudei

E onde a fundura vivi?

 

Riqueza e felicidade têm do ganho

Outra lei:

Não moram no que tenho,

Moram no que dei.

 

 

Muito

 

Com a idade,

Pouco há que nos dê prazer,

Muito há que nos satisfaz,

A nos preencher

De saciedade,

Em paz.

 

Prova de que valeu a pena o esforço,

Todo o desgosto, toda a dor,

Todo o escorço

Que vida além

Houvemos por bem

Propor.

 

Tudo o que representámos

Quando amámos.

 

 

Corpo

 

Na morte o corpo entrego,

Matéria de empréstimo sem juros,

Para eu utilizá-la num emprego

A favor do espírito, quaisquer que sejam os apuros,

 

A fim de que a minha parcela

Da cósmica genética

Tenha um pouco mais de luz da minha vela

E do amor a chama poética.

 

 

Holocausto

 

Holocausto, a provocação

Ao apelo universal.

A bomba nuclear, as guerras em sucessão,

A crise sempre actual

E o mais que vier

- Eis o Homem, da Terra a viajar na elipse,

A promover

O seu próprio Apocalipse.

 

 

Mistério

 

O mistério da vida...

A ordem natural

É duma lógica tal

Que só poderemos, em seguida,

Esperar a vitória final

Da harmonia sem ludíbrio

E do equilíbrio.

 

 

Esquinas

 

Pelas esquinas da vida

Perdem-se amigos,

Ganham-se inimigos...

- Importa é não ficar só na corrida,

 

Não trair a vera natureza

Que murmura no imo da interioridade.

Então até a morte se preza

De repousar do guerreiro a enfermidade.

 

A cósmica grandeza

Duma vida,

Por pequena que seja,

É a beleza

Do que nela rumoreja

De missão cumprida

E cumprida com limpeza.

 

 

Consistência

 

A morte faz todo o sentido:

Não é o fim,

Dá consistência à vida que hei vivido,

Ao meu não e ao meu sim.

 

Abre a porta

A nova forma de vivência

Que a emendar erros exorta:

Alimenta a esperança de excelência.

 

Morrer

É levar no coração

Todas as flores por que viver,

Ofertando-as de Deus à imensidão.

 

E é a maravilha

De nunca mais ninguém ter de ser ilha.

 

 

Arder

 

É a dor uma queimadura

Sempre a arder dentro de nós.

 

Se a não cura

Do afecto algum dos nós,

A solidão

De cada dia na jornada

É enterrar a mão

Em nada.

 

A inveja destrói o sonho,

O medo envelhece o novo,

Da mentira me envergonho,

Do falso sabor que provo.

 

A intolerância confunde,

Humilha, intimida, abate,

Embaraça quanto inunde

E mata quem a não mate:

 

A vítima e o carrasco

São paúl onde me atasco.

 

- Mas da dor o sofrimento

De vida nova é fermento.

 

 

Visionário

 

Ser paciente

É lutar

Infatigavelmente

Sem nunca os braços cruzar,

 

Com a riqueza

Do visionário obstinado

À nossa esperança presa

Como um fado.

 

É de humanas jóias este cofre

De doirados fios

Para que quem sofre

Não sofra vazios.

 

 

Palhaço

 

O palhaço verdadeiro

Faz-nos rir

Com prazer e alegria.

O falso é interesseiro,

Faz-nos ir

Por outra via.

 

Faz-nos andar às avessas

De êxito com promessas.

 

Fingem sabedoria, atenção,

Cuidado, método, rigor,

Responsabilidade, erudição,

Experiência, confiança, pundonor...

 

Imitam o palhaço bom

Na pantomina e no tom

 

Para que a intrujice

Ninguém a visse.

 

- São de nossos dias

Mil e um falsos messias.

 

 

Cruza

 

A cultura é um caminho universal

Que cruza a nossa interioridade,

Quando queremos vislumbrar a germinal

Sabedoria,

No silêncio que nos invade

E nos traz a harmonia.

 

Ensina-nos as boas maneiras

E o respeito

Por quem até não gosta das jeiras

Que nos atam asas a torto e a direito,

Impedindo-nos, a par,

De acaso voar.

 

É a base donde se perspectiva

Quanto se lê,

Quanto se vê

Pela janela da paisagem viva.

 

 

Máscara

 

Ao tirar a máscara, o palhaço,

Fechando de vez os olhos,

Lembra que também foi uma pessoa,

Como as mais feita de aço

E terra boa,

Toda a vida a driblar escolhos.

 

E fez que um sonho sublime

A terra um pouco para cima arrime.

 

 

Desafiando

 

Nossos sentimentos

São de energia

Movimentos

Com que tudo em nós se pronuncia.

 

Vêm do interior

E só deles findo consciente

Quando me atingem a mente,

Desafiando ao melhor e ao pior.

 

Vêm donde a luz se manifesta,

Interferem em tudo o que julgamos,

Onde nos encontramos,

No que presta e no que não presta,

 

 

No que somos,

No que fazemos,

Ora mágicos gnomos,

Ora demos.

 

Nestes terramotos encontramos

A melhor terapia

Para o equilíbrio que buscamos

Cada dia.

 

Com eles vivemos duras batalhas

E pintamos os outros no tempo fugaz

Em que neles brilham poalhas

Duma estrela, lá dentro, por trás.

 

Satisfazendo os bons sentimentos,

Em nós iremos encontrar

O melhor que nossos fermentos

Terão para dar.

 

Arte de viver:

Dar pelo gosto de dar,

De partilhar,

A todos e quenquer

Ajudando a melhorar.

 

 

Destino

 

Não foi o destino que me deu os amigos,

Eles é que me abrirão

Os postigos

Para os pascigos

Do seu coração.

 

Destinados poderão ser,

Mas terei de cruzar por eles,

Adivinhá-los para além da epiderme das peles,

- E eles terão sempre de me escolher.

 

 

Lutos

 

Os lutos, longos ou não,

Levam a uma aceitação

Da inevitabilidade da morte

E a uma saudade serena,

Sorriso breve e doce pela sorte

De a vida ter achado valer a pena

Estarmos perto de alguém,

Pessoa ou animal,

Com quem partilhámos, afinal,

A vida vida além.

 

 

Sistema

 

O sistema monetário

É o mais puro

E duro

Materialismo primário:

Então

Deveio religião,

Pôs de pé

A mais incontestada forma de fé.

 

Todos sonham com a lotaria,

A herança que jamais chega,

O aumento adiado de dia para dia,

O carro que a mão nunca pega,

O ridículo poder

Que uns trocos a mais poderão ter...

 

Adoecemos por falta de dinheiro

E por dinheiro a mais...

- Ser rico será por inteiro

Só questão de números que tais?

 

 

Oxalá

 

Oxalá Deus roçara

Com as flébeis asas

E incorporara

Na sua eternidade

As casas

De toda a humanidade!

 

Vencemos a terra, o mar e o espaço,

Não vencemos inda da humanidade o lerdo

Esquerdo

Traço.

 

 

País

 

Cada país é pequeno, periférico,

Cheio de problemas por resolver,

Cadavérico

Como outro qualquer.

 

E cada país é grande, antigo,

Prenhe de potencialidades,

Porto de abrigo

Da maior das grandiosidades.

 

E nisto também há-de ser

Como outro qualquer.

 

Depende das próprias gentes:

Cada qual é hoje o que for porque foi ontem

E amanhã terá patentes

As gestas que suas gentes

Hoje protagonizem e contem.

 

 

Massa

 

A massa humana,

A energia que pode gerar

A dar força a um ideal!

Ao vozear,

Ao chorar,

Ao dançar...

Dela emana

Para agir o principal:

Seja para um jogo

Ou do planeta para o desafogo.

 

 

Atitude

 

Uma atitude defensiva

Tem a natureza evasiva.

Mas o homem arreganha o cenho

E não lhe falta persistência

Nem engenho

Em toda a existência.

 

E assim brincamos, no sentido exacto,

Ao gato e ao rato.

 

 

Conta

 

Se eu não tomo conta da política,

A política toma conta de mim

Da maneira mais somítica

E será de todos nós o fim.

 

O que só cuida da medida

Prática

Ainda não entendeu nada da gramática

Da vida.

 

 

Política

 

A política, arte do possível,

Quando incoerente, dissimulada,

Não paga nada.

Bem mais credível,

Aliás,

É a coerência que paga muito mais.

Quando não no imediato,

No longo prazo é um facto.

 

 

Arte

 

Arte de cuidar, eis a política,

Cuidar dos povos, das comunidades,

Cuidar doutrem, das pessoas,

Cuidar das organizações...

 

Com sensibilidade crítica,

Senão sobrevoas

As necessidades

E aumentas os aleijões.

Senão não vamos

Para o coração da Humanidade,

Rumamos

A uma Humanidade sem coração:

É o desempregado de longa idade,

De excluídos a multidão,

Famílias desestruturadas,

Da infelicidade

As pegadas...

 

Ninguém quer novas escravaturas

Nem a desigualdade

Que delas auguras.

 

Arte de cuidar, apenas,

E as freimas não serão nunca pequenas.

 

 

Sonhar

 

O poder de sonhar é infinito

E nós sonhamos

Um país e um mundo com tal quesito

Onde nos encontramos.

 

Então se cava o fosso

Ao nosso pé:

- O mundo que é o nosso

Já o nosso não é.

 

 

Gostas

 

Muito gostas da verdura

Com que aqui, pela planura,

Te regales!

Tão diferente dos montes

Onde estéreis penedias apontes

E donde, após saborear a lonjura,

Abales.

 

Todavia,

Se não houvera montes

Donde borbotam mil fontes,

Não haveria

Verdes vales.

 

 

Coração

 

O problema

É que não se pode matar Deus.

Então todos se consomem

Com o coração do homem

E nele se somem...

O dilema

É tocar ou abolir os céus.

É o eterno tema

De todos os humanos escarcéus.

 

 

Segredo

 

Quando a alegria

Esfuzia,

De repente

A gente sente

O segredo da vida,

Como se um véu se houvera afastado,

À medida,

De algum modo, nalgum lado.

 

 

Implica

 

A jardinagem,

Como a vida,

Implica a maior coragem:

Podar os ramos secos

Da antiguidade querida,

À espera de que dos galhos pecos

Germine flora renascida.

E confiar

Que irá mesmo resultar.

 

 

Moldes

 

Perfeição

É a dos moldes e das linhas de montagem.

Nós, porém, valorizamos, na triagem,

O que é feito à mão,

Não o que da máquina sai,

Nosso filho sem pai.

O bastardo

Não é o herdeiro que aguardo.

 

 

Atingir

 

De que é que um homem precisa?

Precisa de amor.

Precisa de mãe, de esposa, de filha, de neta...

- Para atingir o que visa:

Alma concreta

Num fulgor

Que divisa.

 

Elas são o portador

Da chama

Que nos conclama.

 

Aí reside o segredo

Da vida:

No amor.

Basta nele um qualquer

Credo

E o Universo desata a acontecer

Sem medida.

 

 

Sabes

 

Sabes o que é o amor?

É aceitar

O que deveras não desejas

E renunciar

A quanto para ti tiver valor.

 

Tudo em nome dum vislumbre do que almejas

E que jamais à mão se te irá pôr.

 

Mas cujo encanto

Deslumbra tanto, tanto!...

 

 

Inesperado

 

O triunfo

É da amargura

O trunfo,

No inesperado gosto a sangue

Que inaugura:

O sentimento da inteira solidão.

 

E há quem não mangue

Deste chão!

 

Quem morra e mate

Para que a sorte lhe acate

Um nadinha dele à mão!

 

 

Restos

 

Os restos da nobreza

Serão sempre recolhidos

Pelos burgueses que triunfam.

Por isso é que falha a presa

Qualquer revolução de sentidos:

Só os velhos baralhos trunfam.

 

Qualquer revolução é uma mentira

Por não virar nunca o que vira.

 

Qualquer revolução a sério

É a ciência

Do império

Do longo tempo e da paciência.

 

Só a longo prazo

Mudaremos acaso.

 

E é preciso o fermento

E da fermentação o tempo e o invento.

 

 

Entre

 

O espírito entre dois antolhos,

O dinheiro e a política,

Tolha a lonjura dos olhos,

A mediocridade é fatídica.

 

Que saudades do mar, das estrelas,

Das montanhas, das procelas!

 

Que tristeza fecha à porta

A vida inteira já morta!

 

 

Medíocres

 

Os medíocres são animais:

Sempre se acham satisfeitos,

As desgraças comuns jamais

Lhes afloram sequer os peitos.

 

Não trepam acima da raiz

Estes imbecis.

 

- Que matéria de homem

Afinal consomem?

 

 

Filosofia

 

A filosofia é importante

Para todos os sinais:

Para o modo como, a cada instante,

Pensamos, por exemplo, nos animais.

 

E no que nos rodeia

E no que por dentro nos encandeia

E que é demais.

 

Importa

Para o modo como, em todos os ramos,

Nos posicionamos:

Ela é que em tudo abre ou fecha a porta.

 

 

Leva

 

Toda a gente que chega à borda de água

Leva bagagem.

Não a de mão

Nem de porão,

A da mágoa

Do passado

De torna-viagem,

A pôr de vez de lado.

 

Então, em seguida,

É que ocorre a calafetagem

Da vida.

 

 

Palavras

 

As palavras não têm alma.

Se as não entendo,

São rabiscos que estou vendo

Ou sons que o ouvido empalma.

 

Quando, todavia, as interpreto,

Sobre o branco aponho o preto,

 

Cobram alma de sentido

Em tudo quanto houver de ser vivido.

 

Então a linguagem

Transmite-me alma na viagem.

 

 

Vislumbro

 

Minto?!

Como, se não conheço a verdade?

Pinto o que pinto,

Que vislumbro por trás da opacidade.

 

Agrada a quem agrada,

Mais nada.

 

Tudo o mais

Serão, não meus, mas doutrem os sinais.

 

 

Tolos

 

Afastada

Da realidade,

A espiritualidade

Não é nada:

Sem corpo, a interioridade

É já cadáver, vida enganada.

 

Como cobrir qualquer jornada

Com tal necedade?

 

- Estes pretensos espirituais

São tolos demais!

 

 

Longe

 

Toda a gente anda enganada

Com seu Deus.

Deus quer feliz a jornada

Por toda e qualquer religião infernizada,

Por cada crente ou ateu falhada:

- Só de longe vislumbramos os céus!

 

E tanto mais longe, tanto

Quanto mais dogmáticos lhe agarrámos

Ou rejeitámos

O encanto:

 

O nosso dogmatismo

É o abismo.

 

 

Ditos

 

O deus

Que figura

Nos ditos meus

Não é o dos Céus.

Resta-me a intérmina procura

Pelo chão

Da interminável aproximação.

 

O homem não precisa de iluminados,

Precisa deles calados.

 

Só então é que cada pé

Pode trilhar a luz que ele é.

 

 

Mortos

 

Dizem os mortos em paz:

Aquilo que és nós o fomos

E o que somos

É o que tu serás.

 

Há muito quem

Se arrepie

Mas há também

Quem se alegre e confie.

 

 

Vírus

 

O vírus do conhecimento,

Na condição adequada,

Multiplica-se ao sabor do vento

Por toda a estrada.

 

Para alterar o mundo,

Uma pequena população

De criatividade e inovação

Basta, no jorro fecundo

De novos modelos de pensar,

Novas ferramentas,

Arte singular,

Rituais de novas ementas...

 

De repente, sem reparar,

Já saltámos de patamar.

 

Quando o centésimo macaco

Imita o primeiro que mudou,

Naquele instante, ao desbarato,

O mundo inteiro se lhe juntou.

 

 

Mudar

 

Democracia

Que não consiga mudar de ideias

Democracia nunca seria,

Que vive peada de peias.

 

Nem a veria

A meias:

Por trás da máscara de formosura

É de facto uma ditadura.

 

 

Paisagem

 

Na paisagem pouco importa

Aquilo que se vê,

A porta

Verdadeira é

De alma o estado

Com que se lê

O outro lado.

 

O principal não mora ali,

É o que cada um traz dentro de si.

 

E que o projecta

Do Universo inteiro na mágica paleta.

 

 

Entrem

 

- “Entrem, que a casa é de todos,

Pobre, mas do coração.”

...De mil outros modos

É a mais rica então.

 

E fica

Eternamente rica

Mesmo no meio da pior escravidão.

 

 

Piada

 

Não há piada nenhuma

Em estar desarmado

Na guerra ou na paz,

Quando o sangue espuma,

Desvairado,

Na vida a cair para trás.

 

Caímos no fundo:

Não há nada pior no mundo.

 

 

Confiar

 

É preciso confiar no homem,

Que, perdida a confiança,

Não há vigilância que anule a desconfiança

E o pânico que então nos consomem.

 

Se todos nos lermos como criminosos,

Que porvir? Com que gozos?

 

Não é ingénua falta de siso:

Confiar é a única maneira de ter juízo.

 

 

Aspecto

 

Aspecto focado,

Importância acrescida:

A cerimónia grandiosa é o fito buscado,

Não a sementeira da união pretendida?

 

O dia do casamento

É de sonho então o momento.

 

O resto da vida a dois,

Sem elo,

É, depois,

Um pesadelo.

 

 

Amor

 

O amor infantil sente,

Com a lágrima chorada,

Toda a carência como urgente

E desesperada.

 

O amor maduro é capaz

De perspectivar carências,

Com a confiança eficaz

De as satisfazer sem premências.

 

O amor infantil vê nos mais

Meras extensões de si.

O maduro vê os sinais

De quem é completo aí,

Não contando com ninguém para fazer

De si um íntegro ser.

 

O infantil teme o abandono.

O maduro

É seguro,

Logra suportar sem dono

A tristeza ou ansiedade

Sem o consumir o que o invade.

 

O infantil requer saber

Constantemente que é amado.

O maduro acredita amado ser,

Confiado,

Sem andar sempre à procura

Da prova que o assegura.

 

O infantil doutrem depende

Para satisfazer carências

Físicas e emocionais.

O maduro a conjuntura entende,

Avalia-lhe as pendências

Reais

E encontra formas viáveis

Para satisfazer, saudáveis,

As carências.

 

O infantil não tem controlo

Sobre de emoções o estado,

Sente-se, facilmente e sem dolo,

Humilhado.

 

O maduro a imperfeição aceita

Nele e nos mais,

Não fica humilhado de despeita

Nem medroso quando erra nos trilhos vicinais.

 

O amor infantil anseia

Pela certeza.

O maduro responde pelo que na vida ameia

Mas sabe que não controla tudo o que o dia reza.

 

O infantil sente que não existe

Ausente de quem ama.

O maduro persiste

Numa pessoa completa

Que nela própria se acama,

Repleta.

 

O amor infantil, folha ao vento,

Vive ao sabor do momento.

O maduro

Planeia o futuro,

Vive o presente

No passado aprendido então assente.

 

O infantil, disperso,

Vive como centro do universo.

O maduro sente empatia

E alcança

O remover de cada dia

E a mudança.

 

A mudança teme o infantil,

Resiste a abandonar,

Febril,

A zona de bem-estar.

O maduro sabe que sair,

Afinal,

É bom para poder evoluir,

Para o bem-estar global.

 

O amor infantil tudo fará

Para não perder a relação,

Até a si próprio se anulará

Então.

O amor maduro a perda aceita,

Nunca aceita anular-se,

Seja qual for a desfeita

Ou o disfarce.

 

 

Motivo

 

O casamento em regra finda

Por um motivo fútil.

É que o motivo, por trás, ainda

É útil.

 

Pequenos ressentimentos

Por expectativas inexpressas

Pioram a todos os momentos

E as proporções, essas,

Vão adquirindo valores

Cada vez maiores.

 

Então uma gota de nada

Faz explodir uma imensa granada.

 

 

Temes

 

Se temes deixar de amar

O teu par

Ou que ele deixe de amar-te a ti,

Repara que é o frenesi

Do temor

A comandar-te,

Não do amor

Qualquer arte.

 

 

Espaço

 

A conjugal união

Não é uma jornada

De solidão.

Cria um espaço de entrada

Onde ambos se mostrarão

Como são

No seio da jura sagrada.

 

É mesmo isso

O mútuo compromisso.

 

 

Limites

 

O que sem limites se preocupa,

Com preocupação legítima,

Por quem nem de si se ocupa

É a própria definição de vítima.

 

Ninguém

Tem obrigação

De ir além

Do que os interessados vão.

 

Aliás,

De ser entendido

É bem capaz

Como indesejável intrometido.

 

É assim entre pessoas

Como entre regiões e povos:

Aqueles ovos

Gerarão as constritoras boas.

De seu tredo abraço

É o esmagamento da morte o traço.

 

 

Precisa

 

Como tudo o que é vivo,

O casamento

Precisa dum motivo,

Precisa de alimento.

 

Privado de verdade, respeito,

Honra e alegria,

Sofrerá do peito,

Murcha-lhe a magia.

 

Morto finda,

Fora da cova porventura ainda.

 

 

Desfaz-se-lhe

 

Para o homem falso

É falso o mundo inteiro.

Desfaz-se-lhe, descalço,

Em nevoeiro.

E não vê

Que ele é que é

Dum balão vazio o pioneiro

Cimeiro.

 

 

Acto

 

O acto culposo

Traz consigo, por necessidade,

O tenebroso

Da fatalidade.

 

Como o acto bondoso

Traz a alacridade,

Com o gozo

Duma inesperada liberdade.

 

 

Canta

 

O que é novo,

O que é novo não é bom:

Sabe-se lá em que tom

Canta o que nascer do ovo!

 

Depois

Matamos os arrebóis...

 

Até que a luz do dia

Nos afoga a todos na magia.

 

E nos despojos, abortos,

Ficam todos aqueles: mortos!