MÉTRICA REGULAR
O DEVER
Perde
O medo é um aviso
Ao perigo alerta,
Mas perde o juízo:
Medo ao medo viso
Já de porta aberta...
Se isto é o que diviso,
Então de anti-vida
É mera saída.
Provável
Dos medos a maioria
É dum provável futuro.
Preocupação nos cria
E o presente nem apuro,
Que o medo já mo inibia.
Portanto, quando o depuro,
Nele nada de hoje havia.
- Perdi a oportunidade
De agir hoje de verdade.
Apenas
O medo apenas existe
Quando aqui me identifico
Com este corpo, esta mente...
No vazio que persiste,
Em mim já nada replico
Do Infinito agora ausente.
Que, se ele fora presente,
Sou o Além, nunca em mim fico:
- Onde é que um medo se aliste?
Sismo
Quando os monges meditavam,
Um sismo abala o mosteiro.
Todos os pecados lavam
Correndo, qual mais ligeiro.
Todos, não, que um permanece
No estado contemplativo.
Quando o susto já esmorece,
Nos escombros ei-lo vivo.
“Porque é que tu não fugiste?
Não tiveste acaso medo?”
“Tive medo e não é um chiste.
E fugi. Se fugi, credo!
Fugi mui rápido, assim,
Mas para dentro de mim!”
- Que coragem se requer
Para quem se é vir a ser!
Crença
A crença de qualquer fé
Um obstáculo devém:
A revelação ninguém
Em mim a porá de pé,
Pois qualquer revelação
Em mim mora sempre à mão.
Se a meu imo presto ouvidos,
É que descubro sentidos.
Imo
Meu imo quer uma causa,
Nunca um aplauso requer,
Quer agir sem qualquer pausa,
Nunca impressionar quenquer.
O sucesso vem da entrega
Entusiástica à refrega.
E é sentir-me bem comigo,
Ache ou não o que persigo.
Sempre
Quem tiver sempre razão
Se imagina superior,
Orgulho gerando então,
Arrogância a tudo impor.
Sente-se desrespeitado
Por quem não tem tal visão
Ou não lhe houver demonstrado
Toda a consideração.
É o que nos leva à rotura,
A atacar todos os mais.
Finda só quem na secura
Se atasca de tais sinais.
Resulta
Quando um acto de bondade
É feito de ostentação,
É dum ego prioridade
E tudo resulta em vão.
O ego é que glorificado
Quer ser pelo bem gerado.
Então muda-lhe o sinal
E todo o bem devém mal.
Cepticismo
O cepticismo é dum ego
A fazer de superior:
“Isso não existe!” – prego. –
“É imaginário propor.”
Falsa superioridade,
Fuga a esconder falsidade.
É o caminho mais seguro,
Embora aparentemente:
Sem expectativa, auguro
Que decepção não consente.
Caminho mais melindroso
É o da fé que frustre o gozo.
Ora, só o discernimento
O cepticismo supera,
Como a fé cujo fermento
Finde a vida inteira à espera.
Fé não é crer cegamente
No que quenquer me apresente.
É abrir-me a todo o possível,
Sempre a escutar e a sentir
Se faz sentido vivível,
Harmonia a me atingir
Se o testar logro em vivência,
Se o sinto em minha experiência...
- Se eu testar cada premissa,
Logo à vida mudo a liça.
Dúvida
Dúvida que é indecisão
Opõe-se à realização.
Era uma vez um mendigo
Vivendo entre dois mosteiros.
Cada qual tem um abrigo,
Mas há um rio sem veleiros
Muito largo a separá-los.
Um dia, ao pequeno-almoço,
Ouvem-se dum os badalos
A chamar com toque grosso.
Joga-se o mendigo ao rio,
Nada para a refeição.
A meio deste alvedrio
Ouve o sino do outro então.
Volta logo para trás.
Não chegou a tempo, ao fim,
A nenhum deles, aliás,
De vez fica à fome, assim.
Dúvida que é indecisão
Opõe-se à realização.
Vives
Vives a desilusão?
Não mergulhes na tristeza,
Porque a vitimização
Te esconde o que mais se preza.
Estarás, sem a ilusão,
Bem mais perto da verdade.
Será de sorrir então,
Embora o pé não te agrade.
Direito
Amar um filho é aceitar
O direito de ele andar
Pela estrada que escolher,
Mesmo que ache um mau caminho
O de que ali me avizinho:
Com ele vou aprender
Que o amor é desapego.
- Só nisto inteiro há sossego.
Prisioneiros
Se for tua decisão
Ganhar asas e voar,
Que sofrimento terão
Os prisioneiros do lar!
Mas assim é que aprendemos
A entregar tudo o que temos:
Só o total despojamento
Aos céus liberta o momento.
Desafios
Desafios conjugais
Devem ser ultrapassados.
Humildes, é vermos quais
São nossos muros reais
Que noutrem vão espelhados.
Depois é de ir derrubando
Tudo onde eu for encalhando.
Impermanência
A impermanência de tudo,
Aceitá-la é ultrapassar
A dor que emerge do agudo
Golpe que a perda talhar.
O melhor para viver
É aprender a devolver
O que o caminho onde vou
Tão generoso emprestou.
Porque nada nos é dado
Do empréstimo ao fim cobrado.
Efeito
Termos consideração
Pelos mais é discernir
O efeito que cada acção
Neles há-de produzir
E escolhermos o adequado
A livrar de restrições
O mundo inteiro do fado
De andar sempre aos tropeções.
Sem isto, desenvolver-se
Interiormente não cresce.
Importa
Que importa quem tem razão?
Importa é como se sentem
Para se ajudar então.
Ajuda apenas consentem
Laços de libertação.
Tudo o mais é servidão
Que abraços enganar tentem.
Generoso
Quem generoso pensar
Regozija-se do bem
De que outro ande a desfrutar.
Por quem sofre ora também,
Por palavras aconselha
O que benéfico for.
Os actos cobre-os da telha
Da consciência do amor:
Faz aos mais o que amaria
Que alguém por ele faria.
Difícil
Difícil é de prever
Se a prenda que eu ofertar
Irá outrem ajudar
Ou mais inda perverter:
Se ao faminto der comida,
Parasita a ser convida...
- Compaixão-sabedoria
Esperto é quem os alia.
Ensina
Quem for um iluminado
Sua espiritualidade
Não ensina em nenhum lado,
A não ser solicitado:
Respeita a privacidade.
O proselitismo nega
O ritmo de amadurar
Que cada fruteira agrega,
Ano fora, rega a rega,
Até a fruta sazonar.
É sempre impingir receitas
A quem não doem maleitas...
Salvar
Desejar salvar o mundo
É comandado pelo ego
Que manda em nós tão profundo
Que jamais nos dá sossego.
É de aguardar um pedido
Para tudo ter sentido.
Sem ele não salvo nada
Mas fecho a porta de entrada:
Nem a outrem nem a mim
Nos irei salvar, por fim.
Responder
Se responder por alguém,
Vai-lhe tirar o poder
Que ele dentro em si detém:
- Não cresce ele mais também
Pela escolha que fizer.
É um ego desenfreado
O mundo a pôr amputado.
Der
Se só der a quem lhe dá,
Não é dar, mas uma troca
E tudo isto desemboca,
Sem vislumbrar luz por lá,
Em refechar-se na toca.
Quem der, se for por amor,
Outrem torna, por magia,
De si próprio protector,
Das rédeas próprias senhor,
Da noite até para o dia.
Problema
Problema não são os bens,
Problema é o apego a eles.
Quando fruis dos que tu tens,
É o bem dos bens que em ti seles.
Ficar, porém, apegado,
É espírito pôr de lado.
A legítima riqueza
É a que o espírito preza:
A riqueza interior
É que é bússola a propor.
Tudo o mais depende dela
Ou fecho à vida a janela.
Atingir
Atingir prosperidade
É desfrutar do dinheiro:
Troque-o com velocidade,
Não o acumule em celeiro.
Nada acúmulo requer
Nem apego a tal parceiro.
Previne um mal que vier?
Antes o chama a terreiro,
Que seu medo é um chamamento:
Vai-lhe atrair um tormento.
Entre o pródigo e o avaro,
Seu meio-termo é anteparo.
Pobreza
A pobreza não existe
Por faltarem os recursos
Mas por todos que eu aliste
Só acumularem: consiste
Nisto a vida dos percursos.
Que a ganância e a avareza
Se extingam no coração,
Trocadas pela nobreza
(Mais que tudo todos preza):
- Generosa compaixão.
Pagar
Não podem pagar serviços,
Nem sequer os tratamentos,
Mas cobram por seus enguiços
Tudo a todos os momentos.
Vão de costas para a vida,
Dá-lhes esta uma corrida.
Quando compram é por si,
Nunca a ajudar a quem vende.
O mundo que corre ali
Nunca a ninguém surpreende.
Como então pedem dinheiro,
A compra é sempre atoleiro.
Vítimas se sentirão:
São de si, do mundo, não!
Cuide
Há muito quem cuide pouco
De melhor vida de alguém.
Há pouco quem cuide muito
De vida melhor além.
Pouco importa gritar rouco,
O mundo tem tal intuito.
Muitos querem feito a si
O que a outrem não lhes vi.
Superior
Superior ao inimigo?
É ver nele aquele sonho
Que no fundo tem a abrigo,
Atrás do rosto medonho,
Mal vislumbrado ao postigo,
E amá-lo aí desde então,
Que isto é que é seu coração.
Sempre da luz solidário,
Salvo-nos do mau fadário.
Contra
Quando for contra quenquer,
Vai findar fortalecido
Quem se tentar combater.
E aquilo de que hás fugido
Não finda, que há persistido.
Nem compensa quem madruga,
Sequer, um acto de fuga.
Importa mesmo enfrentar
E as funduras vasculhar.
Remoer
Remoer sem perdoar
O mal do mau que é quenquer,
Nunca este irá mudar,
Antes ele o irá domar
A si com tal remoer.
Seu tempo então vai perder
E doenças cultivar.
Ego
Meu ego vive em conflito,
Separando-me em ruptura.
Ele é que me põe aflito,
Fica-me a vida sem cura:
Não esqueço insulto ou mágoas
Mesmo de passadas águas.
O ego se ofende e magoa.
Meu imo nem se atordoa:
Se em meu imo eu construíra,
Meu eu nem tal coisa vira.
Era o perdão a meu guia,
Sol a doirar cada dia.
Afecto
Que importa quem tem razão?
O que importa realmente
O afecto é na relação,
Dos medos limpa a semente,
Como da desilusão,
Do feitio prepotente,
Do ressentimento vão...
- Varrido o que é negativo,
Aí cada qual é vivo.
Enquanto
Enquanto a flor é botão,
A beleza e a fragrância
Nunca entende que virão.
A paciência é que então
O perfume traz à instância.
Se eu não quiser ilusão,
Vou refrear qualquer ânsia.
Aceite
Aceite todo o presente
Incondicionalmente
E tudo então fica belo.
No contexto, mesmo a dor
É um dom purificador,
Embora nada singelo.
Então, por quanto surgir
No seu caminho, a seguir,
Fique, do fundo, bem grato.
E desate a caminhar
Vida fora sem parar,
Em paz o passo pacato.
Treina
A vida treina a paciência
Não nos dando o que quisermos,
Da rapidez sem os termos
Que quer a nossa vivência,
Ou se somos rejeitados,
Desiludidos dos dados...
O importante era aprender
Com isto a tudo aceitar,
Sem histórias recontar
De vítima a se fazer.
Não aceita o que acontece?
Tudo em vida lhe falece.
É que irá sempre encontrar
Mil eventos que aprecia
E mil mais que não queria.
Ora, se estes rejeitar,
Com eles rejeita a vida,
De si deu cabo em seguida.
Negociar
Como pode alguém
Manipular Deus,
Negociar céus
Como lhe convém?
Deus repreender
Para tomar conta
Do que alguém quiser?
E perder-se aponta?!
Não entendeu nada
Das leiras da vida,
Termina a jornada
De jorna perdida.
É sempre seu ego
A fazer de Deus.
Não há mais sossego
Nem ponta de céus.
Apego
Todo o apego surge
Do grande vazio
Do interior onde urge,
De fio a pavio,
I-lo logo encher
Com algo ou quenquer.
Ora, o desapego
Não é celibato,
Voto de pobreza
Que em vida contrato,
Largar o que agrego
Do que a vida preza.
Pobre e solitário
Não é despegado
Ser do culto vário
Do que lhe anda ao lado:
Por norma, ao invés,
Mais lhe prende os pés.
Queixa-se e mui sofre
Por falta daquilo:
Tem vazio o cofre,
Não fica tranquilo.
Mesmo depenado,
Ei-lo: um apegado.
Ninguém livre é com apego,
O desapego liberta
Dos grilhões com que meu ego
Me prende a tudo em que acerta.
Livre desta ditadura,
Só então da vida acho a cura.
Motor
O apego relacional
Vai criar expectativa
De outrem ser o principal
Motor de que eu feliz viva.
E gera a necessidade,
Por desprendido que seja,
De haver reciprocidade
Em tudo quanto se almeja.
Ora, a reciprocidade
Não é por obrigação,
Por empatia é que invade
Bem gratuito o coração.
Ninguém devera esperar
Que quem amara morrera
Para se desapegar
De quem com amor vivera.
Isto não quebra o amor,
Quebra apenas um apego
Com que mal vivo o vigor
Do fogo com que sossego.
Doar
Quando alguém se transformar
Em quem vem doar ao mundo
O amor que compartilhar,
Em vez de pedir, do fundo,
O amor que busca no mundo,
- Então, com todo o sossego,
Vai ser alma, jamais ego.
Brota daí liberdade,
Liberta no desapego,
Jamais busca a identidade
Deste mundo em nenhum pego.
Bondade
Na bondade alheia
Outrem aprecia.
E a vida anda cheia
Doutrem nesta via.
A ler e a escrever
Aprendeu de alguém.
Lar onde viver,
Carro, de alguém vêm.
Comida que adquira,
Estrada onde viaja,
Cinema que mira,
Hospital que reaja,
Doutrem à bondade
Tudo se deveu,
Tudo lavra a grade
Dum desejo seu.
Do desejo alheio
Duma humanidade
Todo o peito é cheio
E a cumprir persuade.
Doutrem por bondade
É que irei crescer:
Meu imo me invade
Tudo o que me der.
Todos
Quando o apreço que sentir
Por todos for o seu chão,
Se sempre lhes dirigir,
Sempre, uma boa intenção,
Então qualquer relação
Resolvida irá aferir
E jamais irá ferir
Jamais, qualquer solidão.
Sofrimento
O sofrimento é ignorância,
A ignorância é uma cegueira,
Um equívoco na instância
Da realidade certeira.
Livrar-se do sofrimento
Não é mudar o exterior,
É mudar, cada momento,
O nosso mundo interior.
Busca
Doutrem busca a aprovação
E de tal vive em função
E molda toda a atitude
Sempre daquilo em virtude?
- Fica com a porta aberta
À flecha que em si acerta,
Todo permeabilidade
A que tal charrua o grade:
Para bem e para mal
É doutrem a força real.
Só se alguém se acolhe a si
Não irá mais por ali.
E mantém a integridade,
Quer agrade ou não agrade.
Pai
Um pai não ajuda
O filho a crescer,
Permite que acuda
À vida a ocorrer.
O que então alcança
Aqui na existência
É que segurança
Não é dependência.
Espelho
O espelho tem com defeito?
Um livro qualquer um abre?
Apreciá-lo a preceito
Nem mesmo a ponta de sabre,
Quase ninguém tem tal jeito.
Pare de se depreciar,
O espelho pode enganar...
E há sempre um livro qualquer
Que só você sabe ler.
Morte
Após a morte violenta
De tantos milhões de humanos,
A política inda assenta
De armamentos em mais planos.
O económico interesse
Duma dúzia de famílias
A Humanidade até esquece:
O que é bom são as quezílias!
Acolhemos até quando,
Continuando a acreditar
Em todo este desmando
Sem o fogo lhe pegar?
Bocadinho
Se de mim gostara mais
Mesmo um bocadinho apenas,
Se acreditara em mim mais,
Mesmo em pouquinhas das cenas,
Se olhara mais para mim,
Menos fora e mais cá dentro,
Se menos chorara ao fim
E mais lutara em meu centro,
Se não criticara os mais
Porque são ricos ou pobres,
Ou por egoístas demais,
Por razões mesmo as mais nobres...
- Talvez tempo nos sobrara
Para não roer as unhas,
Cuidar da palavra rara
Onde o novo mundo punhas,
Ser menos algo infantil,
Crescer além do redil.
Amar-me
Amar-me a mim próprio quer
Um princípio de respeito
Que habituados a ter
Nunca estamos, cá do peito.
Preferimos o queixume
Ao sorriso bem-disposto,
Da luxúria algum perfume
Ao amor puro com rosto.
Preferimos a avareza
Ao prazer que houver ao dar,
Da deslealdade a presa,
A mentira a conspirar...
- Tudo em lugar da esperança
De ser aquilo que somos
No fundo que mal se alcança
Do imo onde amaduram pomos.
Tudo à corrente da vida
Ligado em faixas estreitas,
Sem mentiras na guarida
Nem lugar a frases feitas.
Liberdade
Liberdade de expressão
Só pode ser entendida
Com respeito pela vida
Do próximo em contramão,
Tenha a cor que ele tiver,
Ou o credo que escolher,
Ou qualquer que seja a teia
Da vida com que se enleia,
Seja rei, futebolista,
Ou ambos vá tendo em vista!
Envelhecer
Envelhecer juntos
Amar é deveras.
De ambos os assuntos
São de ambos esferas.
Se tudo for sexo,
Sem parede a casa,
Sem telhado anexo,
Lareira sem brasa,
Não há uma amizade
Que enlaça o amor.
Se houver, tudo invade,
É um jardim em flor.
Parte
Faz parte do casamento
O momento muito bom
Mas também outro momento
Que é o avesso deste tom:
A doença, cheirar mal,
Ter de ir à casa de banho
(Retrete hoje quem diz tal?),
Ressonar, perder o ganho...
Se os tais momentos melhores
Não devierem jamais,
Acabam em dissabores,
Não há casamento mais.
E depois inda há o ciúme,
A preguiça, o egoísmo
E o que mais tudo resume:
Sempre o nosso egocentrismo.
Se não há compreensão,
Se não for de ambos os lados,
Se o nó não se aperta então,
Campos só há desolados.
- Ora, é isto que é preciso
Lograr enfrentar com siso.
Filhos
Amo os filhos na alegria
Como amo os filhos no pranto,
Na angústia de cada dia,
Do amor em cada recanto,
Na pequena e grande coisa,
Nos silêncios e nas dores...
É neles que me repoisa
Cada humor de meus humores.
Estão para além do aplauso,
Bem mais que efeito que causo.
Brilha
Amor incondicional,
Simples, brilha nas estrelas.
Satisfação, afinal,
De dar o melhor, como elas,
Cada dia a me propor
Ser eu cada vez melhor:
Dar sem querer receber,
Partilhar sem obrigar,
O que de melhor tiver
Ajudar a melhorar,
Perdoar, seja a quem for,
O que tiver de pior.
Cautelas
As cautelas, os avisos,
Luz que guia o que a não tem:
Das crianças os sorrisos
Sem mais mentir a ninguém,
Da Natureza a lisura,
Da meninice a figura,
O poema a céu aberto...
O vento fresco da paz:
- Um imenso, a descoberto,
Tranquilo germe que a traz.
Comunidade
Viver em sociedade
Comunidade é viver
Ou nada me persuade,
Que não cumpre o seu dever.
Então é que eu, de raiz,
Não vivo vida feliz.
Deve a sociedade alegre
Ser, deveras bem-disposta,
Para que em si cada integre
Do que ser feliz é aposta,
Ao colaborarmos juntos
De nosso imo a arar assuntos.
Todos
É de todos proteger
A vida que, dentre os dedos,
Nós deixamos escorrer,
De vingança e de prazer
Entre momentos de medos
Que, afinal, não mais serão
Que este descontentamento
Do que dói a solidão
Da vida a cada momento.
Parte
É de todos proteger
A parte que for mais débil,
Por menor que seja a flébil
Parcela de meu poder.
Cuidar de água que estragamos,
Terra de minas plantada,
Frutos que manipulamos,
Da cadela abandonada,
Cuidar de quem magoamos,
De traído na jornada...
- E todos somos bem poucos
Tudo a proteger dos moucos.
Importa
Mais importa o dia-a-dia
Quão mais ao simples me grudo:
O gosto, a minha harmonia,
O pensamento a que grudo,
As amizades, as penas,
Coisas grandes e pequenas...
E que bons são os humores
Quando já não tenho dores!
Reveses que não desnodam
Ignoro, que me incomodam.
Esforço
Todo o esforço que for feito
A deter a tempestade,
Na Natura seja o pleito
Ou então dentro do peito
Duma individualidade,
É de coração nas mãos
E com a força dum deus,
De humildade com demãos
E uma esperança nos céus
Que será feito decerto,
Tal como o Homem foi desperto,
Às curvas buscando a recta
Pela pele do planeta.
Perde
É preciso dar valor
A tudo quanto o merece:
Do que se perde o teor
Não se recupera e esquece.
O meio que nos rodeia
Tem limites e tem fundo.
Quando a natureza ameia
É de bem ver em que abundo.
É preciso conservar,
É preciso proteger
Para termos um lugar
Onde urgente é de viver.
É urgente vivermos bem,
Em paz com a natureza,
Seja a alvura da cecém,
Seja a dum homem que a preza.
Corromper
Corromper é depravado,
Adultera quem provoca
E quem aceita o legado
Que da corrupção lhe toca.
E depois há o seduzir,
Falsificar, contagiar
O vizinho que se vir
Ou todo um povo, ao calhar.
Finda a fé muito abalada
Pela falta de respeito
De quem jura proclamada
De servir fez tudo a eito.
Urge atenção permanente
Sobre todas as figuras,
Que a memória é renitente
Em esquecer-se das juras.
Momentos
Há momentos em que as mãos
São teclados, são guitarras,
Coroas reais, cortesãos,
Mas depois falham as garras.
Meus olhos desejam tanto
O azul dum azul profundo
Que os ouvidos, por encanto,
Se enchem do porvir do mundo.
Claro que são mil perguntas
E nunca vem a resposta,
Mas procuro-as todas juntas...
- Ainda um dia ganho a aposta!
Cegueira
Olhar o que andar distante
Sem ver o que morar perto
É uma cegueira diante
Do mundo feito deserto.
É um autismo voluntário,
Inibição consciente
Que torna pequeno e vário
Quem assim mata o presente.
Padrão
O padrão de qualidade
Mora logo, logo acima
De qualquer actividade
E é o que oferto com meu clima.
O caminho é de trepar
Constante, constantemente,
Sem os de baixo ignorar,
Para que eles, logo à frente,
A subida realidade
Vivam todos de repente,
O que nos traz de presente
Alguma felicidade.
Poucos
Mui poucos erguem a voz
Contra os que abandonam velhos
Pelos hospitais a sós
Ou na morte dos artelhos
Do lar de terceira idade,
Morte à espera atrás da grade.
Contra os que atiram o cão
De carros em andamento
Ou matam à fome em vão,
Ou matam a fogo lento,
Muito pior do que um bicho,
Bebés em sacos de lixo.
Ou matam sem mais nem menos
Os que amigos nos seriam,
Os que nos roubam terrenos
E no Governo se aviam,
Desapoiam, descuidados,
Mesmo os mais carenciados...
- Porque será que tão poucos
Gritam contra ouvidos moucos?
Milhões
Como é que milhões de adultos
Laboriosos e sérios
Deixam que uns tantos estultos
Tenham o poder de impérios
Insensatos, sempre inultos,
A acorrentar-lhes as vidas
- E ninguém toma medidas?!
Sempre
Vivi sempre em liberdade,
A que dentro em mim se apura
(Não compreendo a censura,
Não lhe acolho a necedade).
Portanto, se a negam fora,
Avanço a que dentro mora.
E, quando dá reboliço,
De quem foi a culpa disso?
Avaliar
Avaliar a qualidade
Duma qualquer obra de arte
É medir o que é que agrade
Na fruta que se reparte:
Tudo são opiniões
A dividir os balcões.
Uma como outra valer
Irão todas de igual forma:
O aroma que em rosa houver
Vale mais que o cravo, em norma?
Importa é o entusiasmo
Com que ante qualquer eu pasmo.
Cuidado, muito cuidado:
Nisto não julgar ninguém!
Ter presente o malsinado
Mal que é feito quando alguém
Se sente como um destino
Melhor, superior, divino.
Outros
Com os outros aprender
Sempre poderá quenquer.
Poderá, portanto, deve,
Ou não cresce mais em breve.
E não só com diplomados:
Desde os de à berma jogados,
Correr a escada completa
Mais saber nos acarreta.
Bom
O bom não é quanto é bom,
É aquilo de que se gosta.
Isto é que lhe marca o tom,
Mas é uma primeira aposta.
Se, para o bom conseguir,
For preciso em dor agir,
Aí é que vale a pena,
Mesmo em dor nada pequena.
O que aí se não desmande
Então é deveras grande.
Manter
Manter honra e lealdade,
E ter consideração
Por outrem, de toda a idade,
E por palavra empenhada
Ter respeito, mesmo em vão,
Eis o que ampara, na estrada,
O mais frágil ante o forte:
- Nem o faz vergar a morte!
Brasas
Bem melhor é suportar
Amarga perseguição
Do que outrem infernizar
Com brasas de mau carvão.
Parecer pode insensato
Mas é o amor posto em acto.
É mais que um acto de fé:
É o que vida põe de pé.
Isolamento
Isolamento é defesa
Secreta na escuridão,
Não mostra a dor que nos lesa.
Quando à luz vem, a represa
Rebenta, porém, então.
E não há melhor saída
Que superá-lo à medida.
Crêem
Se crêem na mesma fé,
Partilham de iguais valores?
Suficiente não é,
Precisam de pôr de pé
Vida como é de supores:
Viver com eles de acordo
É que todos põe a bordo.
Lucidez
Teu par só tem uma perna?
Decerto que não dirás:
“Espero que outra lhe cresça.”
Mas com lucidez superna
Confirmas do que és capaz:
“Que importa que outra não desça?”
Pois pernas relacionais
Não crescem, só há reais.
Ver como realmente são
É a solidez de teu chão.
Amarás
Amarás quem hoje vês
Ou quem for quando se mude,
Depois de calcá-lo aos pés
Na tormenta que te ilude?
Toda a ilusão de mudança
Mata o fim que não se alcança.
Ama aqui por este agora,
Não pelo infindo em demora!
Romântica
A romântica euforia
É um afecto salutar
Mas a vida de alegria
Há-de ter de se apoiar,
Durável para que a verses,
Em sólidos alicerces.
Ora, qualquer euforia
Dura apenas o seu dia.
Meta
Cada um pode existir
E deixar que outrem também.
A união de dois num só
Não é uma meta a atingir
Nem exigência de além:
Ninguém se reduz a pó.
O convívio do diverso
Complementa e cresço, terso.
Noivos
Dirão os noivos no altar:
“Estou de livre vontade,
Não por eu sem ti pensar
Que morrerei de verdade,
Que última oportunidade
Aqui se configurar.
Não para agradar aos pais
Nem por tudo já estar pago,
Nem por vergonha demais
Por deixar o lugar vago...
Estou porque a ti te escolho,
Um ao outro nos expomos:
Vejo-te e vês-me. E te colho:
É o sim aos vindoiros pomos,
Um sim amadurecido:
Escolhemos ficar juntos.”
- É um amor bem definido,
Pronto a vindoiros assuntos.
Prometo-te
Prometo-te estar presente
Como adulto responsável,
Não como um miúdo assente
Em fantasia agradável,
Nem aquele que só gera
O que, enfim, dele se espera,
Nem sonho de minha mãe
Sou só para ti também,
Nem me move ser a inveja
Dum amigo que me veja...
Quem és tu à minha frente?
Não parto daqui às cegas,
Ver claro é já no presente,
É falar abertamente
Agora, em tempo de regras,
Ou a colheita a fazer
Deitaremos a perder.
Respeito-te, que és importante,
Como a mim tu, vida adiante.
Infantil
Se não estou com meu par,
Sinto-me então inseguro
Do afecto que me há-de dar?
- É infantil que aí me apuro.
Fico magoado, humilhado,
Se não responde ao avanço
Sexual que eu hei tentado?
- É no infantil que descanso.
Se não fico entusiasmado
Quando a vejo, a relação
Algo tem de mal contado?
- Que infantil sou eu então!
Para me sentir amado
Preciso de “amo-te!” ouvir
Ou sinto-me então de lado?
- Que infantil meu existir!
Para meu par meu desejo
Terá de se sobrepor
A quenquer, em todo o ensejo?
- Que infantil me ando a propor!
Mereço uma companheira
Que se esforce a me fazer
Feliz de qualquer maneira?
- Que infantil modo de ser!
O meu par é uma extensão
De mim próprio, a focar
A maior minha expansão?
- Que infantil meu gatinhar!
Tudo farei a evitar
Discutir algo com ela,
Conflito é prejudicar?
- É infantil toda a sequela.
Casamento significa
Dois num só a se fundir,
Única entidade rica?
- É meu infantil não ir...
Tudo são só fantasias,
Vestígios da insegurança
Da infância que antes vivias,
Donde o porvir não se alcança.
Viver
Não se pode honrar alguém
Se viver uma mentira
For aquilo que ele tem
De viver, se tem na mira
Viver connosco também.
Não se pode honrar alguém
Que de facto não exista,
Só na imaginária lista
Que a fantasia contém.
Muita mentira no altar
É aqui que vem radicar.
Alterar
Quando nos descontrolamos,
A recusar, terminantes,
A posição que tomámos
Alterar no que foi antes,
Um sequestro emocional
Vivemos ali tal qual.
É como se um terrorista
Desconhecido ocupara
Mente e coração, em vista
De invadir a nossa cara,
A controlar, infernal,
O nosso eu racional.
Quem for alvo de sequestro
Gera medo nos parceiros:
Só no desespero adestro
Os membros do lar inteiros.
Vai vencer no curto prazo;
No longo, à morte deu azo.
Telefone
Quando o telefone toca,
Interrompes a atender
Mesmo se o jantar desloca,
Com teu par te cala a boca,
Leva um carinho a morrer?
- Não terá muito futuro
De teu lar qualquer apuro.
Discute
Discute com à-vontade
Questões de seu casamento
Com o amigo que lhe agrade,
Familiar que o persuade,
Em quem confie no evento?
- São tábuas de salvação
Se se afunda num tufão.
Lucre
“Desde que para melhor
E que eu lucre algo com isso,
Prometo com pundonor
Não dormir assomadiço.
(Como te odeio, porém,
Irei dar voltas na cama,
O que logo te mantém
Acordada e já sem chama.)
Vou perdoar, esquecer...
(Deveras o que é improvável,
Dado o facto de eu crescer
Numa família intragável.)
Discutirei construtivo,
A não ser que me provoques,
Que diplomacia ao vivo
Logo cai mal tu me toques.
De silêncio tratamento
É a norma de cada dia.
É por nada: de momento
Falar não me apetecia...
A verdade é que eu, destarte,
Quero mesmo é castigar-te!”
- Dos votos de casamento
Quantos sopram deste vento?
Prometo
“Prometo que farei tudo
Que estiver ao meu alcance
Para tudo sobretudo
Ser um mundo que não canse.
Quaisquer difíceis conversas
Irei de todo evitar.
Irei de férias às berças,
Apesar de o detestar:
Irritar-me-ei calado,
Sem o mostrar no exterior.
Sofro sem me haver queixado,
Sem esgar de fora pôr,
Mas dando-te a perceber
Quanto me sinto infeliz...”
- Quanto voto de doer
Nos mata o lar de raiz!
Resistência
A resistência dum lar
É mais que a capacidade
De poder recuperar
Perante a dificuldade.
Não é aquilo que se faz
Quando a casa vem abaixo
Mas o alicerce que traz
Construído lá por baixo.
O lar que for resistente,
Que ao difícil sobrevive,
Num núcleo forte patente
Labora que em si arquive.
Se, mentindo, acreditar
Que é forte pela paixão,
O romance ou de excitar
Sexualidade em vulcão,
Os alicerces depressa
Se reduzirão a cacos,
Mal o confronto começa
Do desafio a patacos.
Se crêem que só precisam
Um doutro, qualquer reforço
Faltará e, quando o visam,
Não há de tal nem o escorço.
Feridas
Todos trazemos da infância
Feridas para curar
Do sentimento na instância
Íntima que cultivar.
Se lhes não desvendo o rosto
Perco em meu lar o que aposto.
É distinto o eu magoado
De meu eu já libertado:
Este condiz com meu imo,
Aquele perdeu-lhe o arrimo.
Ignorar
Sempre que alguém persistir
Numa atitude abusiva,
Ignorar fá-la insistir,
Há o auto-abuso, na esquiva,
E auto-punição deriva
Deste inferno sem porvir.
Quem for com tal complacente
Só fará que aquilo aumente.
Terá sempre de sair
Do laço e do modo de ir.
Areia
Se tens cabeça enterrada
Em areia movediça
De dinheiro que te enguiça
Ao tolher tua jornada,
Que nem mais um dia passe:
Resolvam a diferença
Antes de pedir avença.
Privar
Se privar de dignidade
Alguém, não há como amá-lo
Duradoiro e com verdade.
Se abdicar de si, o abalo
É que a paixão, de repente,
Foge da porta da frente.
A dignidade manter
Própria mais a de seu par
É alicerce a requerer
Ao compromisso a gizar
Satisfatório o bastante
Ao lar que quiser diante.
Questão
Ser rico ou pobre não é
Uma questão de dinheiro,
Por trás é o que tem de pé:
É o equilíbrio cimeiro
Entre dar e receber
No cotio que tiver.
Quanto investe no casal
E quanto gasta, afinal?
Um mais do que o outro investe,
Outro mais gasta no teste?
Um dá tempo, amor, dinheiro,
Outro levanta-os, leveiro?
Ter sexo satisfatório
Como bom companheirismo,
Do acolhimento o envoltório
Mútuo ser do íntimo abismo,
- É normal fruir do lar,
Mais o excepcional gastar.
Se um faz só levantamentos
Sem repor o suficiente,
Faz crescer ressentimentos,
Anda a perder lentamente.
Pode até repor a mais,
Mas as queixas são demais:
Ninguém deve passar cheque
Para depois pô-lo em xeque.
Plantar
Menos tema, aguarde mais,
Mastigue mais, coma menos,
Respire mais, queixe menos,
Fale menos, diga mais,
Ame mais, - que em tais terrenos,
Tudo ao pautar por tal tom,
Terá tudo o que há de bom.
Medo
Há tanto medo secreto
De meu par deixar de amar
Por fardo eu devir concreto
Ou já não lograr-me atar!
O equilíbrio da união
Vem do esforço realizado
Por cada parte em questão.
Mesmo então, se perturbado,
Aquele há que se lamenta:
“Casei-me para a tormenta?!”
Ponte
Que não tens tempo não digas,
Que a conjugal ponte andar
Sem a portagem pagar
Trará fatalmente brigas.
Tarde ou cedo, queira ou não,
Terei de o fazer então.
Quanto mais cedo o fizer,
Mais pontes transpõe quenquer.
Confiar
Confiar desaparece
Quando um, dentro do casal,
Vê que atrair lhe falece
Ou se rende ao pantanal
Da crítica, ao peso, à idade,
Mais que ao de mais validade.
Perdem-se então os tesoiros
Em valor mais duradoiros.
Famoso
O famoso tem a vida
Melhor, mais emocionante?
É porque com ela lida
E você só a vê diante!
Perder a oportunidade
Vai de viver de verdade
A que aqui lhe é oferecida?
Papéis
Nos papéis dentro do lar
É quem for mais preparado
Que os deve desempenhar.
Não é de homem nem mulher
A que andar predestinado
Por um hábito qualquer.
Todas estas tradições
São velhas escravidões.
Nunca, aliás, corresponderam
A vocações que se houveram.
Serão
Serão de se levantar
Mutuamente se caírem,
De em comum se atribuírem
A responsabilidade,
Em solidariedade,
E de sempre procurar,
Naquilo que se quebrou,
O que podem consertar,
Para aprontar novo voo.
Juro
Juro buscar a verdade,
Mesmo quando em redor gira
Tudo em busca da mentira,
A tentação não persuade.
Juro estar sempre presente,
Embora queira afastar-me.
A compaixão é premente,
Embora a fúria desarme.
Acolho as tuas carências,
Delas me ocupam as linhas
Com tão fortes evidências
Como se elas foram minhas.
Dou e recebo conforto
Nos momentos azarados.
Abro o coração ao horto
De quem amas pelos prados.
De teus parentes me ocupo
Por que tu te preocupas.
Apoio-te a sós e em grupo,
Honesto, alegre ou às upas.
Juro ir crescendo contigo,
Testemunha em tua vinha,
E convido-te ao postigo
A testemunhar a minha.
Vinte
Vinte anos de casamento
E as vidas já separadas,
Já os filhos irão no vento,
Já trilham outras estradas.
A vontade de estar juntos
Perderam noutros assuntos.
Como a crise os inquieta,
Procuram a solução.
Renovar votos é a meta
Com que ambos concordarão.
Torna o casal ao altar
De novo a jura a jurar.
Para a tarde soalheira
Saem então de mão dada,
Invadidos de altaneira
Esperança renovada.
Mas meses após, separam-se,
Um ano e divorciaram-se!
Não renovaram os votos,
Renovaram os enganos
Com que outrora, mesmo ignotos,
Juraram correr sem danos.
Foi o que os levou à crise:
Como agora outro fim vise?
Ritual de renovação
Como é que pode criar
A renovação então
Se nem se logra apontar
A falha que anteriormente
Redundou no mal presente?
A jura de esforçar mais
Não traz nada diferente
Que mais actos tais e quais
Aos que vêm de antigamente
E que afastam o casal,
Destrutivos, por seu mal.
A via da insanidade
Repete constantemente
A mórbida actividade,
Cabeçadas no batente,
À espera de conseguir
Outro efeito no porvir.
Queriam salvar o lar,
Queriam que resultasse.
E só por o desejar
Pretendiam que mudasse?
Como é que o conserto avia
Quem nem sabe da avaria?
A fé sem obras é morta.
Vais ter corpo de ginasta
Se de manhã só te importa
Vídeos ver da tua pasta
E tu deitado na cama
De aula o esforço a ver na trama?!
Assistir ao exercício
Mas sem fazer o trabalho?!
Não resulta nem resquício
Do efeito, nem um negalho.
Para vir colher os frutos,
Só do labor com condutos.
A esperança sem os actos
Nunca serve para nada.
É uma forma de, insensatos,
Cair na rotina esfiada.
Em vez de tornar à vida
Será um beco sem saída.
Estilhaços
Os estilhaços dum lar
Podem ser um salva-vidas,
Um mestre a nos ensinar
As adiadas medidas
A ser agora assumidas:
Compreender as mentiras
Com as quais temos vivido,
Escrever as novas tiras
De verdade com sentido,
Um voto novo a ser lido.
Renunciar aos demais
Que era um casulo isolado
Cuidou, sem nenhuns portais?
É mentira. Perdoado
Tem de ser seu lar travado.
Faz melhor quem aprendeu:
Se aprendeu, seja sensato,
Com coragem, bem de seu,
E a verdade, o novo fato
Com que veste a vida em acto.
Prometi
Prometi outrora amar-te
No melhor e no pior,
Como também respeitar-te.
Contudo, sempre a supor
Que era só para o melhor.
Por isso, desiludi-te
Nalguns difíceis momentos
Com este infantil palpite,
Aumentando os sofrimentos.
Prometi amar-te então
Na riqueza e na pobreza,
Embora contasse em vão
Que fosse só na riqueza,
Fora ela material,
Fora ela emocional.
Quando a nascente secou,
A minha desilusão,
Como a folha que murchou,
Transpareceu logo então.
Castiguei-te com distância,
Fugi com beligerância.
Na saúde e na doença
Prometi amar-te então,
Embora com a ilusão
De que a jovem parecença
Nunca se extinguia, não.
Nem sempre estive disposto
A cuidar de ti, de mim.
E critiquei o suposto
Decaimento do fim.
Precisaste que eu além
Fosse com o meu esforço.
Decepcionei-te também,
Caminho a meio do escorço.
Prometi que te amaria
Até a morte separar
Com um enterro no lar.
Porém, ao longo da via,
Quanta fuga eu urdiria,
A bater a porta atrás,
Deixando-te, nesse dia,
Receosa, só, incapaz!
Hoje renovo estes votos,
Porém atento à verdade.
De hoje a alegria remotos
Jogo para a veleidade
Antigos gestos já botos.
Hoje sei o que na altura
Não sabia inteiramente:
Nosso amor é uma aventura,
Bom ou mau seja o presente,
Jamais findar se afigura.
Até
Prometi amar-te outrora,
Respeitar-te até à morte.
Que feliz era na hora
De partilharmos a sorte!
Não sabia que o amor
Sobrevive aos sentimentos
Que fracassam sempre um ror
Ao mudar o teor dos ventos.
Fugir emocionalmente...
Que fácil, entre os tormentos,
Realidade diferente
Fantasiar por momentos!
Nem via que a tolerância
Seria em mim posta à prova
Da vida por esta instância
Da dificuldade nova.
As malas que nós fizemos
Para uma vida em comum
O passado que vivemos
Arrastam sem pejo algum.
Nas horas de sofrimento
Recolhemos a tais vidas
A lamber, com o tormento,
As nossas velhas feridas.
Fiz meus votos esperando
Que tudo iria correr
Da melhor maneira quando
Nos lançámos a viver.
Agora que te conheço
Escolho-te uma vez mais.
Da vida o resto ofereço
A estimar-te por demais.
Meu amor de cada dia
Exprimirei te escutando,
Compreendendo e apoiando
Os teus sonhos de magia.
Farei tudo ao meu alcance
A mudar a nossa casa
Num recanto que descanse,
Confiante lareira em brasa.
Honro a nossa diferença,
Únicos o que nos torna,
Sem tentar mudar a tença
Minha ou tua em nossa jorna.
Irei tentar ser saudável
Sempre em pleno crescimento,
Como tu, inestimável,
És sempre a cada momento.
Oferta
Tens o mundo ao teu dispor,
Mas tal oferta depende
De examinar o teor
Do que na relação rende
(E na vida de que pende),
Pelo lado do pendor
De verdade que se usar
Contigo e com o teu par.
Nunca podes reparar
Aquilo que não conheces.
Procura ficar a par
Da dor de que até te esqueces:
Será o primeiro bloqueio
Que te deixa o trilho a meio.
Altera então a rotina,
Pode ser da vida a mina.
Rebenta
Quando nos rebenta um cano,
Desaperta um parafuso,
Rasga da cadeira o pano
Ou parte a perna com uso,
Buscamos as ferramentas
Do conserto que ali tentas.
Se ferramentas não há
Ou faltar o essencial,
Conserto não haverá,
Inviável no total.
De que é que nós precisamos
Para os tempos que aguardamos?
Compreensão é precisa
Mais o sentido de humor,
Ser disponível, se visa
Escutar e com fervor.
Como é preciso dormir
Bom sono sem o partir.
Como é preciso comer
Refeições equilibradas,
Práticas de bem se ver
Revistas e bem testadas...
- Temos de ter ao dispor
Ferramentas de valor.
Vê
Vê nas tuas relações
Que é que tiras, que é que pões.
Quem tenta levantar conta
Do multibanco da vida
Sem depósito, o que aponta
É a conta não ser devida:
O saldo insuficiente
É o que tem de ter presente.
Ora, em qualquer relação,
Esta é que é sempre a questão.
Se um der e outro receber
Sem trocar de posição,
Vai-se a laçada encolher,
Morrem de estrangulação.
Audácia
Quem com audácia especula
Quantas vezes se conforma
Tranquilamente, sem gula,
Da comunidade à norma!
Basta-lhes o pensamento.
Vesti-lo de carne e sangue
No acto de cada momento,
Só de quem com eles mangue!
Assim vão-se alienando
Os mais deles. Até quando?...
Sirvo
Sirvo a lei pelo que diz?
Sirvo a lei só porque é lei?
- E se a lei for, de raiz,
Crime a que me curvarei?...
Se se tornar lei o crime,
Já não é o crime que sei?
A virtude matarei
Para que tal lei me encime?
É preciso castigar
Quem se atreve a duvidar?!
Conta
Minha vida não é nada,
O que conta são razões
De viver aqui na estrada:
Ao correr da caminhada
É que ganho meus galões,
- É o que acorda multidões
Nas fogueiras da alvorada.
Absoluto
Nenhum homem é tão puro
Que se lhe possa atribuir,
Absoluto, o poder duro.
É de compaixão sentir
Pela sua pequenez
E ajudá-lo no revés.
Aí juntos já trepar
Podemos a algum luar.
Fora
Fora estar de toda a regra
Ou dar uma regra a tudo?
Nenhum deles nos integra,
Há um limite a que me grudo:
Aí no meio, em tensão,
Nos palpita o coração.
Navegar para o extremo
É para a morte que remo.
Marquês
O marquês chamava heróis
Aos rústicos homens seus
A que antes, nem como bois
Considerava, os plebeus.
Assim a revolução
Que lá fora combatia
À mesa lhe come o pão
- E a luz de aura principia.
A igualdade uma quimera
Deixa de ser, em tal era.