MÉTRICA  REGULAR

 

O  DEVER

 

 

Perde

 

O medo é um aviso

Ao perigo alerta,

Mas perde o juízo:

Medo ao medo viso

Já de porta aberta...

Se isto é o que diviso,

Então de anti-vida

É mera saída.

 

 

Provável

 

Dos medos a maioria

É dum provável futuro.

Preocupação nos cria

E o presente nem apuro,

Que o medo já mo inibia.

Portanto, quando o depuro,

Nele nada de hoje havia.

 

- Perdi a oportunidade

De agir hoje de verdade.

 

 

Apenas

 

O medo apenas existe

Quando aqui me identifico

Com este corpo, esta mente...

No vazio que persiste,

Em mim já nada replico

Do Infinito agora ausente.

Que, se ele fora presente,

Sou o Além, nunca em mim fico:

- Onde é que um medo se aliste?

 

 

Sismo

 

Quando os monges meditavam,

Um sismo abala o mosteiro.

Todos os pecados lavam

Correndo, qual mais ligeiro.

 

Todos, não, que um permanece

No estado contemplativo.

Quando o susto já esmorece,

Nos escombros ei-lo vivo.

 

“Porque é que tu não fugiste?

Não tiveste acaso medo?”

“Tive medo e não é um chiste.

E fugi. Se fugi, credo!

 

Fugi mui rápido, assim,

Mas para dentro de mim!”

 

- Que coragem se requer

Para quem se é vir a ser!

 

 

Crença

 

A crença de qualquer fé

Um obstáculo devém:

A revelação ninguém

Em mim a porá de pé,

Pois qualquer revelação

Em mim mora sempre à mão.

 

Se a meu imo presto ouvidos,

É que descubro sentidos.

 

 

Imo

 

Meu imo quer uma causa,

Nunca um aplauso requer,

Quer agir sem qualquer pausa,

Nunca impressionar quenquer.

 

O sucesso vem da entrega

Entusiástica à refrega.

 

E é sentir-me bem comigo,

Ache ou não o que persigo.

 

 

Sempre

 

Quem tiver sempre razão

Se imagina superior,

Orgulho gerando então,

Arrogância a tudo impor.

 

Sente-se desrespeitado

Por quem não tem tal visão

Ou não lhe houver demonstrado

Toda a consideração.

 

É o que nos leva à rotura,

A atacar todos os mais.

Finda só quem na secura

Se atasca de tais sinais.

 

 

Resulta

 

Quando um acto de bondade

É feito de ostentação,

É dum ego prioridade

E tudo resulta em vão.

 

O ego é que glorificado

Quer ser pelo bem gerado.

 

Então muda-lhe o sinal

E todo o bem devém mal.

 

 

Cepticismo

 

O cepticismo é dum ego

A fazer de superior:

“Isso não existe!” – prego. –

“É imaginário propor.”

Falsa superioridade,

Fuga a esconder falsidade.

 

É o caminho mais seguro,

Embora aparentemente:

Sem expectativa, auguro

Que decepção não consente.

Caminho mais melindroso

É o da fé que frustre o gozo.

 

Ora, só o discernimento

O cepticismo supera,

Como a fé cujo fermento

Finde a vida inteira à espera.

Fé não é crer cegamente

No que quenquer me apresente.

 

É abrir-me a todo o possível,

Sempre a escutar e a sentir

Se faz sentido vivível,

Harmonia a me atingir

Se o testar logro em vivência,

Se o sinto em minha experiência...

 

- Se eu testar cada premissa,

Logo à vida mudo a liça.

 

 

Dúvida

 

Dúvida que é indecisão

Opõe-se à realização.

 

Era uma vez um mendigo

Vivendo entre dois mosteiros.

Cada qual tem um abrigo,

Mas há um rio sem veleiros

 

Muito largo a separá-los.

Um dia, ao pequeno-almoço,

Ouvem-se dum os badalos

A chamar com toque grosso.

 

Joga-se o mendigo ao rio,

Nada para a refeição.

A meio deste alvedrio

Ouve o sino do outro então.

 

Volta logo para trás.

Não chegou a tempo, ao fim,

A nenhum deles, aliás,

De vez fica à fome, assim.

 

Dúvida que é indecisão

Opõe-se à realização.

 

 

Vives

 

Vives a desilusão?

Não mergulhes na tristeza,

Porque a vitimização

Te esconde o que mais se preza.

 

Estarás, sem a ilusão,

Bem mais perto da verdade.

Será de sorrir então,

Embora o pé não te agrade.

 

 

Direito

 

Amar um filho é aceitar

O direito de ele andar

Pela estrada que escolher,

Mesmo que ache um mau caminho

O de que ali me avizinho:

Com ele vou aprender

Que o amor é desapego.

- Só nisto inteiro há sossego.

 

 

Prisioneiros

 

Se for tua decisão

Ganhar asas e voar,

Que sofrimento terão

Os prisioneiros do lar!

 

Mas assim é que aprendemos

A entregar tudo o que temos:

 

Só o total despojamento

Aos céus liberta o momento.

 

 

Desafios

 

Desafios conjugais

Devem ser ultrapassados.

Humildes, é vermos quais

São nossos muros reais

Que noutrem vão espelhados.

 

Depois é de ir derrubando

Tudo onde eu for encalhando.

 

 

Impermanência

 

A impermanência de tudo,

Aceitá-la é ultrapassar

A dor que emerge do agudo

Golpe que a perda talhar.

 

O melhor para viver

É aprender a devolver

 

O que o caminho onde vou

Tão generoso emprestou.

 

Porque nada nos é dado

Do empréstimo ao fim cobrado.

 

 

Efeito

 

Termos consideração

Pelos mais é discernir

O efeito que cada acção

Neles há-de produzir

 

E escolhermos o adequado

A livrar de restrições

O mundo inteiro do fado

De andar sempre aos tropeções.

 

Sem isto, desenvolver-se

Interiormente não cresce.

 

 

Importa

 

Que importa quem tem razão?

Importa é como se sentem

Para se ajudar então.

Ajuda apenas consentem

Laços de libertação.

Tudo o mais é servidão

Que abraços enganar tentem.

 

 

Generoso

 

Quem generoso pensar

Regozija-se do bem

De que outro ande a desfrutar.

Por quem sofre ora também,

 

Por palavras aconselha

O que benéfico for.

Os actos cobre-os da telha

Da consciência do amor:

 

Faz aos mais o que amaria

Que alguém por ele faria.

 

 

Difícil

 

Difícil é de prever

Se a prenda que eu ofertar

Irá outrem ajudar

Ou mais inda perverter:

 

Se ao faminto der comida,

Parasita a ser convida...

 

- Compaixão-sabedoria

Esperto é quem os alia.

 

 

Ensina

 

Quem for um iluminado

Sua espiritualidade

Não ensina em nenhum lado,

A não ser solicitado:

Respeita a privacidade.

 

O proselitismo nega

O ritmo de amadurar

Que cada fruteira agrega,

Ano fora, rega a rega,

Até a fruta sazonar.

 

É sempre impingir receitas

A quem não doem maleitas...

 

 

Salvar

 

Desejar salvar o mundo

É comandado pelo ego

Que manda em nós tão profundo

Que jamais nos dá sossego.

 

É de aguardar um pedido

Para tudo ter sentido.

 

Sem ele não salvo nada

Mas fecho a porta de entrada:

 

Nem a outrem nem a mim

Nos irei salvar, por fim.

 

 

Responder

 

Se responder por alguém,

Vai-lhe tirar o poder

Que ele dentro em si detém:

- Não cresce ele mais também

Pela escolha que fizer.

 

É um ego desenfreado

O mundo a pôr amputado.

 

 

Der

 

Se só der a quem lhe dá,

Não é dar, mas uma troca

E tudo isto desemboca,

Sem vislumbrar luz por lá,

Em refechar-se na toca.

 

Quem der, se for por amor,

Outrem torna, por magia,

De si próprio protector,

Das rédeas próprias senhor,

Da noite até para o dia.

 

 

Problema

 

Problema não são os bens,

Problema é o apego a eles.

Quando fruis dos que tu tens,

É o bem dos bens que em ti seles.

 

Ficar, porém, apegado,

É espírito pôr de lado.

 

A legítima riqueza

É a que o espírito preza:

 

A riqueza interior

É que é bússola a propor.

 

Tudo o mais depende dela

Ou fecho à vida a janela.

 

 

Atingir

 

Atingir prosperidade

É desfrutar do dinheiro:

Troque-o com velocidade,

Não o acumule em celeiro.

 

Nada acúmulo requer

Nem apego a tal parceiro.

Previne um mal que vier?

Antes o chama a terreiro,

 

Que seu medo é um chamamento:

Vai-lhe atrair um tormento.

 

Entre o pródigo e o avaro,

Seu meio-termo é anteparo.

 

 

Pobreza

 

A pobreza não existe

Por faltarem os recursos

Mas por todos que eu aliste

Só acumularem: consiste

Nisto a vida dos percursos.

 

Que a ganância e a avareza

Se extingam no coração,

Trocadas pela nobreza

(Mais que tudo todos preza):

- Generosa compaixão.

 

 

Pagar

 

Não podem pagar serviços,

Nem sequer os tratamentos,

Mas cobram por seus enguiços

Tudo a todos os momentos.

Vão de costas para a vida,

Dá-lhes esta uma corrida.

 

Quando compram é por si,

Nunca a ajudar a quem vende.

O mundo que corre ali

Nunca a ninguém surpreende.

Como então pedem dinheiro,

A compra é sempre atoleiro.

 

Vítimas se sentirão:

São de si, do mundo, não!

 

 

Cuide

 

Há muito quem cuide pouco

De melhor vida de alguém.

Há pouco quem cuide muito

De vida melhor além.

Pouco importa gritar rouco,

O mundo tem tal intuito.

 

Muitos querem feito a si

O que a outrem não lhes vi.

 

 

Superior

 

Superior ao inimigo?

É ver nele aquele sonho

Que no fundo tem a abrigo,

Atrás do rosto medonho,

Mal vislumbrado ao postigo,

 

E amá-lo aí desde então,

Que isto é que é seu coração.

 

Sempre da luz solidário,

Salvo-nos do mau fadário.

 

 

Contra

 

Quando for contra quenquer,

Vai findar fortalecido

Quem se tentar combater.

E aquilo de que hás fugido

Não finda, que há persistido.

 

Nem compensa quem madruga,

Sequer, um acto de fuga.

 

Importa mesmo enfrentar

E as funduras vasculhar.

 

 

Remoer

 

Remoer sem perdoar

O mal do mau que é quenquer,

Nunca este irá mudar,

Antes ele o irá domar

A si com tal remoer.

Seu tempo então vai perder

E doenças cultivar.

 

 

Ego

 

Meu ego vive em conflito,

Separando-me em ruptura.

Ele é que me põe aflito,

Fica-me a vida sem cura:

Não esqueço insulto ou mágoas

Mesmo de passadas águas.

 

O ego se ofende e magoa.

Meu imo nem se atordoa:

 

Se em meu imo eu construíra,

Meu eu nem tal coisa vira.

 

Era o perdão a meu guia,

Sol a doirar cada dia.

 

 

Afecto

 

Que importa quem tem razão?

O que importa realmente

O afecto é na relação,

Dos medos limpa a semente,

Como da desilusão,

Do feitio prepotente,

Do ressentimento vão...

 

- Varrido o que é negativo,

Aí cada qual é vivo.

 

 

Enquanto

 

Enquanto a flor é botão,

A beleza e a fragrância

Nunca entende que virão.

A paciência é que então

O perfume traz à instância.

Se eu não quiser ilusão,

Vou refrear qualquer ânsia.

 

 

Aceite

 

Aceite todo o presente

Incondicionalmente

E tudo então fica belo.

No contexto, mesmo a dor

É um dom purificador,

Embora nada singelo.

 

Então, por quanto surgir

No seu caminho, a seguir,

Fique, do fundo, bem grato.

E desate a caminhar

Vida fora sem parar,

Em paz o passo pacato.

 

 

Treina

 

A vida treina a paciência

Não nos dando o que quisermos,

Da rapidez sem os termos

Que quer a nossa vivência,

Ou se somos rejeitados,

Desiludidos dos dados...

 

O importante era aprender

Com isto a tudo aceitar,

Sem histórias recontar

De vítima a se fazer.

Não aceita o que acontece?

Tudo em vida lhe falece.

 

É que irá sempre encontrar

Mil eventos que aprecia

E mil mais que não queria.

Ora, se estes rejeitar,

Com eles rejeita a vida,

De si deu cabo em seguida.

 

 

Negociar

 

Como pode alguém

Manipular Deus,

Negociar céus

Como lhe convém?

 

Deus repreender

Para tomar conta

Do que alguém quiser?

E perder-se aponta?!

 

Não entendeu nada

Das leiras da vida,

Termina a jornada

De jorna perdida.

 

É sempre seu ego

A fazer de Deus.

Não há mais sossego

Nem ponta de céus.

 

 

Apego

 

Todo o apego surge

Do grande vazio

Do interior onde urge,

De fio a pavio,

I-lo logo encher

Com algo ou quenquer.

 

Ora, o desapego

Não é celibato,

Voto de pobreza

Que em vida contrato,

Largar o que agrego

Do que a vida preza.

 

Pobre e solitário

Não é despegado

Ser do culto vário

Do que lhe anda ao lado:

Por norma, ao invés,

Mais lhe prende os pés.

 

Queixa-se e mui sofre

Por falta daquilo:

Tem vazio o cofre,

Não fica tranquilo.

Mesmo depenado,

Ei-lo: um apegado.

 

Ninguém livre é com apego,

O desapego liberta

Dos grilhões com que meu ego

Me prende a tudo em que acerta.

Livre desta ditadura,

Só então da vida acho a cura.

 

 

Motor

 

O apego relacional

Vai criar expectativa

De outrem ser o principal

Motor de que eu feliz viva.

 

E gera a necessidade,

Por desprendido que seja,

De haver reciprocidade

Em tudo quanto se almeja.

 

Ora, a reciprocidade

Não é por obrigação,

Por empatia é que invade

Bem gratuito o coração.

 

Ninguém devera esperar

Que quem amara morrera

Para se desapegar

De quem com amor vivera.

 

Isto não quebra o amor,

Quebra apenas um apego

Com que mal vivo o vigor

Do fogo com que sossego.

 

 

Doar

 

Quando alguém se transformar

Em quem vem doar ao mundo

O amor que compartilhar,

Em vez de pedir, do fundo,

O amor que busca no mundo,

- Então, com todo o sossego,

Vai ser alma, jamais ego.

 

Brota daí liberdade,

Liberta no desapego,

Jamais busca a identidade

Deste mundo em nenhum pego.

 

 

Bondade

 

Na bondade alheia

Outrem aprecia.

E a vida anda cheia

Doutrem nesta via.

 

A ler e a escrever

Aprendeu de alguém.

Lar onde viver,

Carro, de alguém vêm.

 

Comida que adquira,

Estrada onde viaja,

Cinema que mira,

Hospital que reaja,

 

Doutrem à bondade

Tudo se deveu,

Tudo lavra a grade

Dum desejo seu.

 

Do desejo alheio

Duma humanidade

Todo o peito é cheio

E a cumprir persuade.

 

Doutrem por bondade

É que irei crescer:

Meu imo me invade

Tudo o que me der.

 

 

Todos

 

Quando o apreço que sentir

Por todos for o seu chão,

Se sempre lhes dirigir,

Sempre, uma boa intenção,

Então qualquer relação

Resolvida irá aferir

E jamais irá ferir

Jamais, qualquer solidão.

 

 

Sofrimento

 

O sofrimento é ignorância,

A ignorância é uma cegueira,

Um equívoco na instância

Da realidade certeira.

 

Livrar-se do sofrimento

Não é mudar o exterior,

É mudar, cada momento,

O nosso mundo interior.

 

 

Busca

 

Doutrem busca a aprovação

E de tal vive em função

 

E molda toda a atitude

Sempre daquilo em virtude?

 

- Fica com a porta aberta

À flecha que em si acerta,

 

Todo permeabilidade

A que tal charrua o grade:

 

Para bem e para mal

É doutrem a força real.

 

Só se alguém se acolhe a si

Não irá mais por ali.

 

E mantém a integridade,

Quer agrade ou não agrade.

 

 

Pai

 

Um pai não ajuda

O filho a crescer,

Permite que acuda

À vida a ocorrer.

 

O que então alcança

Aqui na existência

É que segurança

Não é dependência.

 

 

Espelho

 

O espelho tem com defeito?

Um livro qualquer um abre?

Apreciá-lo a preceito

Nem mesmo a ponta de sabre,

Quase ninguém tem tal jeito.

 

Pare de se depreciar,

O espelho pode enganar...

 

E há sempre um livro qualquer

Que só você sabe ler.

 

 

Morte

 

Após a morte violenta

De tantos milhões de humanos,

A política inda assenta

De armamentos em mais planos.

 

O económico interesse

Duma dúzia de famílias

A Humanidade até esquece:

O que é bom são as quezílias!

 

Acolhemos até quando,

Continuando a acreditar

Em todo este desmando

Sem o fogo lhe pegar?

 

 

Bocadinho

 

Se de mim gostara mais

Mesmo um bocadinho apenas,

Se acreditara em mim mais,

Mesmo em pouquinhas das cenas,

 

Se olhara mais para mim,

Menos fora e mais cá dentro,

Se menos chorara ao fim

E mais lutara em meu centro,

 

Se não criticara os mais

Porque são ricos ou pobres,

Ou por egoístas demais,

Por razões mesmo as mais nobres...

 

- Talvez tempo nos sobrara

Para não roer as unhas,

Cuidar da palavra rara

Onde o novo mundo punhas,

Ser menos algo infantil,

Crescer além do redil.

 

 

Amar-me

 

Amar-me a mim próprio quer

Um princípio de respeito

Que habituados a ter

Nunca estamos, cá do peito.

 

Preferimos o queixume

Ao sorriso bem-disposto,

Da luxúria algum perfume

Ao amor puro com rosto.

 

Preferimos a avareza

Ao prazer que houver ao dar,

Da deslealdade a presa,

A mentira a conspirar...

 

- Tudo em lugar da esperança

De ser aquilo que somos

No fundo que mal se alcança

Do imo onde amaduram pomos.

 

Tudo à corrente da vida

Ligado em faixas estreitas,

Sem mentiras na guarida

Nem lugar a frases feitas.

 

 

Liberdade

 

Liberdade de expressão

Só pode ser entendida

Com respeito pela vida

Do próximo em contramão,

 

Tenha a cor que ele tiver,

Ou o credo que escolher,

 

Ou qualquer que seja a teia

Da vida com que se enleia,

 

Seja rei, futebolista,

Ou ambos vá tendo em vista!

 

 

Envelhecer

 

Envelhecer juntos

Amar é deveras.

De ambos os assuntos

São de ambos esferas.

 

Se tudo for sexo,

Sem parede a casa,

Sem telhado anexo,

Lareira sem brasa,

 

Não há uma amizade

Que enlaça o amor.

Se houver, tudo invade,

É um jardim em flor.

 

 

Parte

 

Faz parte do casamento

O momento muito bom

Mas também outro momento

Que é o avesso deste tom:

 

A doença, cheirar mal,

Ter de ir à casa de banho

(Retrete hoje quem diz tal?),

Ressonar, perder o ganho...

 

Se os tais momentos melhores

Não devierem jamais,

Acabam em dissabores,

Não há casamento mais.

 

E depois inda há o ciúme,

A preguiça, o egoísmo

E o que mais tudo resume:

Sempre o nosso egocentrismo.

 

Se não há compreensão,

Se não for de ambos os lados,

Se o nó não se aperta então,

Campos só há desolados.

 

- Ora, é isto que é preciso

Lograr enfrentar com siso.

 

 

Filhos

 

Amo os filhos na alegria

Como amo os filhos no pranto,

Na angústia de cada dia,

Do amor em cada recanto,

 

Na pequena e grande coisa,

Nos silêncios e nas dores...

É neles que me repoisa

Cada humor de meus humores.

 

Estão para além do aplauso,

Bem mais que efeito que causo.

 

 

Brilha

 

Amor incondicional,

Simples, brilha nas estrelas.

Satisfação, afinal,

De dar o melhor, como elas,

Cada dia a me propor

Ser eu cada vez melhor:

 

Dar sem querer receber,

Partilhar sem obrigar,

O que de melhor tiver

Ajudar a melhorar,

Perdoar, seja a quem for,

O que tiver de pior.

 

 

Cautelas

 

As cautelas, os avisos,

Luz que guia o que a não tem:

Das crianças os sorrisos

Sem mais mentir a ninguém,

Da Natureza a lisura,

Da meninice a figura,

 

O poema a céu aberto...

O vento fresco da paz:

- Um imenso, a descoberto,

Tranquilo germe que a traz.

 

 

Comunidade

 

Viver em sociedade

Comunidade é viver

Ou nada me persuade,

Que não cumpre o seu dever.

Então é que eu, de raiz,

Não vivo vida feliz.

 

Deve a sociedade alegre

Ser, deveras bem-disposta,

Para que em si cada integre

Do que ser feliz é aposta,

Ao colaborarmos juntos

De nosso imo a arar assuntos.

 

 

Todos

 

É de todos proteger

A vida que, dentre os dedos,

Nós deixamos escorrer,

De vingança e de prazer

Entre momentos de medos

 

Que, afinal, não mais serão

Que este descontentamento

Do que dói a solidão

Da vida a cada momento.

 

 

Parte

 

É de todos proteger

A parte que for mais débil,

Por menor que seja a flébil

Parcela de meu poder.

 

Cuidar de água que estragamos,

Terra de minas plantada,

Frutos que manipulamos,

Da cadela abandonada,

 

Cuidar de quem magoamos,

De traído na jornada...

- E todos somos bem poucos

Tudo a proteger dos moucos.

 

 

Importa

 

Mais importa o dia-a-dia

Quão mais ao simples me grudo:

O gosto, a minha harmonia,

O pensamento a que grudo,

As amizades, as penas,

Coisas grandes e pequenas...

 

E que bons são os humores

Quando já não tenho dores!

 

Reveses que não desnodam

Ignoro, que me incomodam.

 

 

Esforço

 

Todo o esforço que for feito

A deter a tempestade,

Na Natura seja o pleito

Ou então dentro do peito

Duma individualidade,

 

É de coração nas mãos

E com a força dum deus,

De humildade com demãos

E uma esperança nos céus

 

Que será feito decerto,

Tal como o Homem foi desperto,

 

Às curvas buscando a recta

Pela pele do planeta.

 

 

Perde

 

É preciso dar valor

A tudo quanto o merece:

Do que se perde o teor

Não se recupera e esquece.

 

O meio que nos rodeia

Tem limites e tem fundo.

Quando a natureza ameia

É de bem ver em que abundo.

 

É preciso conservar,

É preciso proteger

Para termos um lugar

Onde urgente é de viver.

 

É urgente vivermos bem,

Em paz com a natureza,

Seja a alvura da cecém,

Seja a dum homem que a preza.

 

 

Corromper

 

Corromper é depravado,

Adultera quem provoca

E quem aceita o legado

Que da corrupção lhe toca.

 

E depois há o seduzir,

Falsificar, contagiar

O vizinho que se vir

Ou todo um povo, ao calhar.

 

Finda a fé muito abalada

Pela falta de respeito

De quem jura proclamada

De servir fez tudo a eito.

 

Urge atenção permanente

Sobre todas as figuras,

Que a memória é renitente

Em esquecer-se das juras.

 

 

Momentos

 

Há momentos em que as mãos

São teclados, são guitarras,

Coroas reais, cortesãos,

Mas depois falham as garras.

 

Meus olhos desejam tanto

O azul dum azul profundo

Que os ouvidos, por encanto,

Se enchem do porvir do mundo.

 

Claro que são mil perguntas

E nunca vem a resposta,

Mas procuro-as todas juntas...

- Ainda um dia ganho a aposta!

 

 

Cegueira

 

Olhar o que andar distante

Sem ver o que morar perto

É uma cegueira diante

Do mundo feito deserto.

 

É um autismo voluntário,

Inibição consciente

Que torna pequeno e vário

Quem assim mata o presente.

 

 

Padrão

 

O padrão de qualidade

Mora logo, logo acima

De qualquer actividade

E é o que oferto com meu clima.

 

O caminho é de trepar

Constante, constantemente,

Sem os de baixo ignorar,

Para que eles, logo à frente,

 

A subida realidade

Vivam todos de repente,

O que nos traz de presente

Alguma felicidade.

 

 

Poucos

 

Mui poucos erguem a voz

Contra os que abandonam velhos

Pelos hospitais a sós

Ou na morte dos artelhos

Do lar de terceira idade,

Morte à espera atrás da grade.

 

Contra os que atiram o cão

De carros em andamento

Ou matam à fome em vão,

Ou matam a fogo lento,

Muito pior do que um bicho,

Bebés em sacos de lixo.

 

Ou matam sem mais nem menos

Os que amigos nos seriam,

Os que nos roubam terrenos

E no Governo se aviam,

Desapoiam, descuidados,

Mesmo os mais carenciados...

 

- Porque será que tão poucos

Gritam contra ouvidos moucos?

 

 

Milhões

 

Como é que milhões de adultos

Laboriosos e sérios

Deixam que uns tantos estultos

Tenham o poder de impérios

Insensatos, sempre inultos,

A acorrentar-lhes as vidas

- E ninguém toma medidas?!

 

 

Sempre

 

Vivi sempre em liberdade,

A que dentro em mim se apura

(Não compreendo a censura,

Não lhe acolho a necedade).

 

Portanto, se a negam fora,

Avanço a que dentro mora.

 

E, quando dá reboliço,

De quem foi a culpa disso?

 

 

Avaliar

 

Avaliar a qualidade

Duma qualquer obra de arte

É medir o que é que agrade

Na fruta que se reparte:

Tudo são opiniões

A dividir os balcões.

 

Uma como outra valer

Irão todas de igual forma:

O aroma que em rosa houver

Vale mais que o cravo, em norma?

Importa é o entusiasmo

Com que ante qualquer eu pasmo.

 

Cuidado, muito cuidado:

Nisto não julgar ninguém!

Ter presente o malsinado

Mal que é feito quando alguém

Se sente como um destino

Melhor, superior, divino.

 

 

Outros

 

Com os outros aprender

Sempre poderá quenquer.

 

Poderá, portanto, deve,

Ou não cresce mais em breve.

 

E não só com diplomados:

Desde os de à berma jogados,

 

Correr a escada completa

Mais saber nos acarreta.

 

 

Bom

 

O bom não é quanto é bom,

É aquilo de que se gosta.

Isto é que lhe marca o tom,

Mas é uma primeira aposta.

 

Se, para o bom conseguir,

For preciso em dor agir,

 

Aí é que vale a pena,

Mesmo em dor nada pequena.

 

O que aí se não desmande

Então é deveras grande.

 

 

Manter

 

Manter honra e lealdade,

E ter consideração

Por outrem, de toda a idade,

E por palavra empenhada

Ter respeito, mesmo em vão,

Eis o que ampara, na estrada,

O mais frágil ante o forte:

- Nem o faz vergar a morte!

 

 

Brasas

 

Bem melhor é suportar

Amarga perseguição

Do que outrem infernizar

Com brasas de mau carvão.

 

Parecer pode insensato

Mas é o amor posto em acto.

 

É mais que um acto de fé:

É o que vida põe de pé.

 

 

Isolamento

 

Isolamento é defesa

Secreta na escuridão,

Não mostra a dor que nos lesa.

Quando à luz vem, a represa

Rebenta, porém, então.

E não há melhor saída

Que superá-lo à medida.

 

 

Crêem

 

Se crêem na mesma fé,

Partilham de iguais valores?

Suficiente não é,

Precisam de pôr de pé

Vida como é de supores:

Viver com eles de acordo

É que todos põe a bordo.

 

 

Lucidez

 

Teu par só tem uma perna?

Decerto que não dirás:

“Espero que outra lhe cresça.”

Mas com lucidez superna

Confirmas do que és capaz:

“Que importa que outra não desça?”

 

Pois pernas relacionais

Não crescem, só há reais.

 

Ver como realmente são

É a solidez de teu chão.

 

 

Amarás

 

Amarás quem hoje vês

Ou quem for quando se mude,

Depois de calcá-lo aos pés

Na tormenta que te ilude?

 

Toda a ilusão de mudança

Mata o fim que não se alcança.

 

Ama aqui por este agora,

Não pelo infindo em demora!

 

 

Romântica

 

A romântica euforia

É um afecto salutar

Mas a vida de alegria

Há-de ter de se apoiar,

 

Durável para que a verses,

Em sólidos alicerces.

 

Ora, qualquer euforia

Dura apenas o seu dia.

 

 

Meta

 

Cada um pode existir

E deixar que outrem também.

A união de dois num só

Não é uma meta a atingir

Nem exigência de além:

Ninguém se reduz a pó.

 

O convívio do diverso

Complementa e cresço, terso.

 

 

Noivos

 

Dirão os noivos no altar:

“Estou de livre vontade,

Não por eu sem ti pensar

Que morrerei de verdade,

Que última oportunidade

Aqui se configurar.

 

Não para agradar aos pais

Nem por tudo já estar pago,

Nem por vergonha demais

Por deixar o lugar vago...

 

Estou porque a ti te escolho,

Um ao outro nos expomos:

Vejo-te e vês-me. E te colho:

É o sim aos vindoiros pomos,

 

Um sim amadurecido:

Escolhemos ficar juntos.”

- É um amor bem definido,

Pronto a vindoiros assuntos.

 

 

Prometo-te

 

Prometo-te estar presente

Como adulto responsável,

Não como um miúdo assente

Em fantasia agradável,

 

Nem aquele que só gera

O que, enfim, dele se espera,

 

Nem sonho de minha mãe

Sou só para ti também,

 

Nem me move ser a inveja

Dum amigo que me veja...

 

Quem és tu à minha frente?

Não parto daqui às cegas,

Ver claro é já no presente,

É falar abertamente

Agora, em tempo de regras,

 

Ou a colheita a fazer

Deitaremos a perder.

 

Respeito-te, que és importante,

Como a mim tu, vida adiante.

 

 

Infantil

 

Se não estou com meu par,

Sinto-me então inseguro

Do afecto que me há-de dar?

- É infantil que aí me apuro.

 

Fico magoado, humilhado,

Se não responde ao avanço

Sexual que eu hei tentado?

- É no infantil que descanso.

 

Se não fico entusiasmado

Quando a vejo, a relação

Algo tem de mal contado?

- Que infantil sou eu então!

 

Para me sentir amado

Preciso de “amo-te!” ouvir

Ou sinto-me então de lado?

- Que infantil meu existir!

 

Para meu par meu desejo

Terá de se sobrepor

A quenquer, em todo o ensejo?

- Que infantil me ando a propor!

 

Mereço uma companheira

Que se esforce a me fazer

Feliz de qualquer maneira?

- Que infantil modo de ser!

 

O meu par é uma extensão

De mim próprio, a focar

A maior minha expansão?

- Que infantil meu gatinhar!

 

Tudo farei a evitar

Discutir algo com ela,

Conflito é prejudicar?

- É infantil toda a sequela.

 

Casamento significa

Dois num só a se fundir,

Única entidade rica?

- É meu infantil não ir...

 

Tudo são só fantasias,

Vestígios da insegurança

Da infância que antes vivias,

Donde o porvir não se alcança.

 

 

Viver

 

Não se pode honrar alguém

Se viver uma mentira

For aquilo que ele tem

De viver, se tem na mira

Viver connosco também.

 

Não se pode honrar alguém

Que de facto não exista,

Só na imaginária lista

Que a fantasia contém.

 

Muita mentira no altar

É aqui que vem radicar.

 

 

Alterar

 

Quando nos descontrolamos,

A recusar, terminantes,

A posição que tomámos

Alterar no que foi antes,

Um sequestro emocional

Vivemos ali tal qual.

 

É como se um terrorista

Desconhecido ocupara

Mente e coração, em vista

De invadir a nossa cara,

A controlar, infernal,

O nosso eu racional.

 

Quem for alvo de sequestro

Gera medo nos parceiros:

Só no desespero adestro

Os membros do lar inteiros.

Vai vencer no curto prazo;

No longo, à morte deu azo.

 

 

Telefone

 

Quando o telefone toca,

Interrompes a atender

Mesmo se o jantar desloca,

Com teu par te cala a boca,

Leva um carinho a morrer?

- Não terá muito futuro

De teu lar qualquer apuro.

 

 

Discute

 

Discute com à-vontade

Questões de seu casamento

Com o amigo que lhe agrade,

Familiar que o persuade,

Em quem confie no evento?

- São tábuas de salvação

Se se afunda num tufão.

 

 

Lucre

 

“Desde que para melhor

E que eu lucre algo com isso,

Prometo com pundonor

Não dormir assomadiço.

 

(Como te odeio, porém,

Irei dar voltas na cama,

O que logo te mantém

Acordada e já sem chama.)

 

Vou perdoar, esquecer...

(Deveras o que é improvável,

Dado o facto de eu crescer

Numa família intragável.)

 

Discutirei construtivo,

A não ser que me provoques,

Que diplomacia ao vivo

Logo cai mal tu me toques.

 

De silêncio tratamento

É a norma de cada dia.

É por nada: de momento

Falar não me apetecia...

 

A verdade é que eu, destarte,

Quero mesmo é castigar-te!”

 

- Dos votos de casamento

Quantos sopram deste vento?

 

 

Prometo

 

“Prometo que farei tudo

Que estiver ao meu alcance

Para tudo sobretudo

Ser um mundo que não canse.

 

Quaisquer difíceis conversas

Irei de todo evitar.

Irei de férias às berças,

Apesar de o detestar:

 

Irritar-me-ei calado,

Sem o mostrar no exterior.

Sofro sem me haver queixado,

Sem esgar de fora pôr,

 

Mas dando-te a perceber

Quanto me sinto infeliz...”

- Quanto voto de doer

Nos mata o lar de raiz!

 

 

Resistência

 

A resistência dum lar

É mais que a capacidade

De poder recuperar

Perante a dificuldade.

 

Não é aquilo que se faz

Quando a casa vem abaixo

Mas o alicerce que traz

Construído lá por baixo.

 

O lar que for resistente,

Que ao difícil sobrevive,

Num núcleo forte patente

Labora que em si arquive.

 

Se, mentindo, acreditar

Que é forte pela paixão,

O romance ou de excitar

Sexualidade em vulcão,

 

Os alicerces depressa

Se reduzirão a cacos,

Mal o confronto começa

Do desafio a patacos.

 

Se crêem que só precisam
Um doutro, qualquer reforço

Faltará e, quando o visam,

Não há de tal nem o escorço.

 

 

Feridas

 

Todos trazemos da infância

Feridas para curar

Do sentimento na instância

Íntima que cultivar.

 

Se lhes não desvendo o rosto

Perco em meu lar o que aposto.

 

É distinto o eu magoado

De meu eu já libertado:

 

Este condiz com meu imo,

Aquele perdeu-lhe o arrimo.

 

 

Ignorar

 

Sempre que alguém persistir

Numa atitude abusiva,

Ignorar fá-la insistir,

Há o auto-abuso, na esquiva,

E auto-punição deriva

Deste inferno sem porvir.

 

Quem for com tal complacente

Só fará que aquilo aumente.

 

Terá sempre de sair

Do laço e do modo de ir.

 

 

Areia

 

Se tens cabeça enterrada

Em areia movediça

De dinheiro que te enguiça

Ao tolher tua jornada,

Que nem mais um dia passe:

Resolvam a diferença

Antes de pedir avença.

 

 

Privar

 

Se privar de dignidade

Alguém, não há como amá-lo

Duradoiro e com verdade.

Se abdicar de si, o abalo

É que a paixão, de repente,

Foge da porta da frente.

 

A dignidade manter

Própria mais a de seu par

É alicerce a requerer

Ao compromisso a gizar

Satisfatório o bastante

Ao lar que quiser diante.

 

 

Questão

 

Ser rico ou pobre não é

Uma questão de dinheiro,

Por trás é o que tem de pé:

É o equilíbrio cimeiro

Entre dar e receber

No cotio que tiver.

 

Quanto investe no casal

E quanto gasta, afinal?

 

Um mais do que o outro investe,

Outro mais gasta no teste?

 

Um dá tempo, amor, dinheiro,

Outro levanta-os, leveiro?

 

Ter sexo satisfatório

Como bom companheirismo,

Do acolhimento o envoltório

Mútuo ser do íntimo abismo,

- É normal fruir do lar,

Mais o excepcional gastar.

 

Se um faz só levantamentos

Sem repor o suficiente,

Faz crescer ressentimentos,

Anda a perder lentamente.

 

Pode até repor a mais,

Mas as queixas são demais:

 

Ninguém deve passar cheque

Para depois pô-lo em xeque.

 

 

Plantar

 

Menos tema, aguarde mais,

Mastigue mais, coma menos,

Respire mais, queixe menos,

Fale menos, diga mais,

Ame mais, - que em tais terrenos,

Tudo ao pautar por tal tom,

Terá tudo o que há de bom.

 

 

Medo

 

Há tanto medo secreto

De meu par deixar de amar

Por fardo eu devir concreto

Ou já não lograr-me atar!

 

O equilíbrio da união

Vem do esforço realizado

Por cada parte em questão.

Mesmo então, se perturbado,

 

Aquele há que se lamenta:

“Casei-me para a tormenta?!”

 

 

Ponte

 

Que não tens tempo não digas,

Que a conjugal ponte andar

Sem a portagem pagar

Trará fatalmente brigas.

 

Tarde ou cedo, queira ou não,

Terei de o fazer então.

 

Quanto mais cedo o fizer,

Mais pontes transpõe quenquer.

 

 

Confiar

 

Confiar desaparece

Quando um, dentro do casal,

Vê que atrair lhe falece

Ou se rende ao pantanal

Da crítica, ao peso, à idade,

Mais que ao de mais validade.

 

Perdem-se então os tesoiros

Em valor mais duradoiros.

 

 

Famoso

 

O famoso tem a vida

Melhor, mais emocionante?

É porque com ela lida

E você só a vê diante!

Perder a oportunidade

Vai de viver de verdade

A que aqui lhe é oferecida?

 

 

Papéis

 

Nos papéis dentro do lar

É quem for mais preparado

Que os deve desempenhar.

Não é de homem nem mulher

A que andar predestinado

Por um hábito qualquer.

 

Todas estas tradições

São velhas escravidões.

 

Nunca, aliás, corresponderam

A vocações que se houveram.

 

 

Serão

 

Serão de se levantar

Mutuamente se caírem,

De em comum se atribuírem

A responsabilidade,

Em solidariedade,

E de sempre procurar,

Naquilo que se quebrou,

O que podem consertar,

Para aprontar novo voo.

 

 

Juro

 

Juro buscar a verdade,

Mesmo quando em redor gira

Tudo em busca da mentira,

A tentação não persuade.

 

Juro estar sempre presente,

Embora queira afastar-me.

A compaixão é premente,

Embora a fúria desarme.

 

Acolho as tuas carências,

Delas me ocupam as linhas

Com tão fortes evidências

Como se elas foram minhas.

 

Dou e recebo conforto

Nos momentos azarados.

Abro o coração ao horto

De quem amas pelos prados.

 

De teus parentes me ocupo

Por que tu te preocupas.

Apoio-te a sós e em grupo,

Honesto, alegre ou às upas.

 

Juro ir crescendo contigo,

Testemunha em tua vinha,

E convido-te ao postigo

A testemunhar a minha.

 

 

Vinte

 

Vinte anos de casamento

E as vidas já separadas,

Já os filhos irão no vento,

Já trilham outras estradas.

A vontade de estar juntos

Perderam noutros assuntos.

 

Como a crise os inquieta,

Procuram a solução.

Renovar votos é a meta

Com que ambos concordarão.

Torna o casal ao altar

De novo a jura a jurar.

 

Para a tarde soalheira

Saem então de mão dada,

Invadidos de altaneira

Esperança renovada.

Mas meses após, separam-se,

Um ano e divorciaram-se!

 

Não renovaram os votos,

Renovaram os enganos

Com que outrora, mesmo ignotos,

Juraram correr sem danos.

Foi o que os levou à crise:

Como agora outro fim vise?

 

Ritual de renovação

Como é que pode criar

A renovação então

Se nem se logra apontar

A falha que anteriormente

Redundou no mal presente?

 

A jura de esforçar mais

Não traz nada diferente

Que mais actos tais e quais

Aos que vêm de antigamente

E que afastam o casal,

Destrutivos, por seu mal.

 

A via da insanidade

Repete constantemente

A mórbida actividade,

Cabeçadas no batente,

À espera de conseguir

Outro efeito no porvir.

 

Queriam salvar o lar,

Queriam que resultasse.

E só por o desejar

Pretendiam que mudasse?

Como é que o conserto avia

Quem nem sabe da avaria?

 

A fé sem obras é morta.

Vais ter corpo de ginasta

Se de manhã só te importa

Vídeos ver da tua pasta

E tu deitado na cama

De aula o esforço a ver na trama?!

 

Assistir ao exercício

Mas sem fazer o trabalho?!

Não resulta nem resquício

Do efeito, nem um negalho.

Para vir colher os frutos,

Só do labor com condutos.

 

A esperança sem os actos

Nunca serve para nada.

É uma forma de, insensatos,

Cair na rotina esfiada.

Em vez de tornar à vida

Será um beco sem saída.

 

 

Estilhaços

 

Os estilhaços dum lar

Podem ser um salva-vidas,

Um mestre a nos ensinar

As adiadas medidas

A ser agora assumidas:

 

Compreender as mentiras

Com as quais temos vivido,

Escrever as novas tiras

De verdade com sentido,

Um voto novo a ser lido.

 

Renunciar aos demais

Que era um casulo isolado

Cuidou, sem nenhuns portais?

É mentira. Perdoado

Tem de ser seu lar travado.

 

Faz melhor quem aprendeu:

Se aprendeu, seja sensato,

Com coragem, bem de seu,

E a verdade, o novo fato

Com que veste a vida em acto.

 

 

Prometi

 

Prometi outrora amar-te

No melhor e no pior,

Como também respeitar-te.

Contudo, sempre a supor

Que era só para o melhor.

 

Por isso, desiludi-te

Nalguns difíceis momentos

Com este infantil palpite,

Aumentando os sofrimentos.

 

Prometi amar-te então

Na riqueza e na pobreza,

Embora contasse em vão

Que fosse só na riqueza,

Fora ela material,

Fora ela emocional.

 

Quando a nascente secou,

A minha desilusão,

Como a folha que murchou,

Transpareceu logo então.

Castiguei-te com distância,

Fugi com beligerância.

 

Na saúde e na doença

Prometi amar-te então,

Embora com a ilusão

De que a jovem parecença

Nunca se extinguia, não.

 

Nem sempre estive disposto

A cuidar de ti, de mim.

E critiquei o suposto

Decaimento do fim.

 

Precisaste que eu além

Fosse com o meu esforço.

Decepcionei-te também,

Caminho a meio do escorço.

 

Prometi que te amaria

Até a morte separar

Com um enterro no lar.

Porém, ao longo da via,

Quanta fuga eu urdiria,

A bater a porta atrás,

Deixando-te, nesse dia,

Receosa, só, incapaz!

 

Hoje renovo estes votos,

Porém atento à verdade.

De hoje a alegria remotos

Jogo para a veleidade

Antigos gestos já botos.

 

Hoje sei o que na altura

Não sabia inteiramente:

Nosso amor é uma aventura,

Bom ou mau seja o presente,

Jamais findar se afigura.

 

 

Até

 

Prometi amar-te outrora,

Respeitar-te até à morte.

Que feliz era na hora

De partilharmos a sorte!

 

Não sabia que o amor

Sobrevive aos sentimentos

Que fracassam sempre um ror

Ao mudar o teor dos ventos.

 

Fugir emocionalmente...

Que fácil, entre os tormentos,

Realidade diferente

Fantasiar por momentos!

 

Nem via que a tolerância

Seria em mim posta à prova

Da vida por esta instância

Da dificuldade nova.

 

As malas que nós fizemos

Para uma vida em comum

O passado que vivemos

Arrastam sem pejo algum.

 

Nas horas de sofrimento

Recolhemos a tais vidas

A lamber, com o tormento,

As nossas velhas feridas.

 

Fiz meus votos esperando

Que tudo iria correr

Da melhor maneira quando

Nos lançámos a viver.

 

Agora que te conheço

Escolho-te uma vez mais.

Da vida o resto ofereço

A estimar-te por demais.

 

Meu amor de cada dia

Exprimirei te escutando,

Compreendendo e apoiando

Os teus sonhos de magia.

 

Farei tudo ao meu alcance

A mudar a nossa casa

Num recanto que descanse,

Confiante lareira em brasa.

 

Honro a nossa diferença,

Únicos o que nos torna,

Sem tentar mudar a tença

Minha ou tua em nossa jorna.

 

Irei tentar ser saudável

Sempre em pleno crescimento,

Como tu, inestimável,

És sempre a cada momento.

 

 

Oferta

 

Tens o mundo ao teu dispor,

Mas tal oferta depende

De examinar o teor

Do que na relação rende

(E na vida de que pende),

Pelo lado do pendor

De verdade que se usar

Contigo e com o teu par.

 

Nunca podes reparar

Aquilo que não conheces.

Procura ficar a par

Da dor de que até te esqueces:

 

Será o primeiro bloqueio

Que te deixa o trilho a meio.

 

Altera então a rotina,

Pode ser da vida a mina.

 

 

Rebenta

 

Quando nos rebenta um cano,

Desaperta um parafuso,

Rasga da cadeira o pano

Ou parte a perna com uso,

Buscamos as ferramentas

Do conserto que ali tentas.

 

Se ferramentas não há

Ou faltar o essencial,

Conserto não haverá,

Inviável no total.

De que é que nós precisamos

Para os tempos que aguardamos?

 

Compreensão é precisa

Mais o sentido de humor,

Ser disponível, se visa

Escutar e com fervor.

Como é preciso dormir

Bom sono sem o partir.

 

Como é preciso comer

Refeições equilibradas,

Práticas de bem se ver

Revistas e bem testadas...

- Temos de ter ao dispor

Ferramentas de valor.

 

 

 

Vê nas tuas relações

Que é que tiras, que é que pões.

 

Quem tenta levantar conta

Do multibanco da vida

Sem depósito, o que aponta

É a conta não ser devida:

 

O saldo insuficiente

É o que tem de ter presente.

 

Ora, em qualquer relação,

Esta é que é sempre a questão.

 

Se um der e outro receber

Sem trocar de posição,

Vai-se a laçada encolher,

Morrem de estrangulação.

 

 

Audácia

 

Quem com audácia especula

Quantas vezes se conforma

Tranquilamente, sem gula,

Da comunidade à norma!

 

Basta-lhes o pensamento.

Vesti-lo de carne e sangue

No acto de cada momento,

Só de quem com eles mangue!

 

Assim vão-se alienando

Os mais deles. Até quando?...

 

 

Sirvo

 

Sirvo a lei pelo que diz?

Sirvo a lei só porque é lei?

- E se a lei for, de raiz,

Crime a que me curvarei?...

 

Se se tornar lei o crime,

Já não é o crime que sei?

A virtude matarei

Para que tal lei me encime?

 

É preciso castigar

Quem se atreve a duvidar?!

 

 

Conta

 

Minha vida não é nada,

O que conta são razões

De viver aqui na estrada:

Ao correr da caminhada

É que ganho meus galões,

- É o que acorda multidões

Nas fogueiras da alvorada.

 

 

Absoluto

 

Nenhum homem é tão puro

Que se lhe possa atribuir,

Absoluto, o poder duro.

É de compaixão sentir

 

Pela sua pequenez

E ajudá-lo no revés.

 

Aí juntos já trepar

Podemos a algum luar.

 

 

Fora

 

Fora estar de toda a regra

Ou dar uma regra a tudo?

Nenhum deles nos integra,

Há um limite a que me grudo:

 

Aí no meio, em tensão,

Nos palpita o coração.

 

Navegar para o extremo

É para a morte que remo.

 

 

Marquês

 

O marquês chamava heróis

Aos rústicos homens seus

A que antes, nem como bois

Considerava, os plebeus.

 

Assim a revolução

Que lá fora combatia

À mesa lhe come o pão

- E a luz de aura principia.

 

A igualdade uma quimera

Deixa de ser, em tal era.