SEXTILHAS

 

 

Entre

 

A vida inteira é um diálogo

Entre o fado e a liberdade.

O destino à chuva é análogo:

A escolha, em minha vontade,

É se irei molhar-me ou não

E é o que tenho sempre à mão.

 

 

Troca

 

Servir deveras

É ajudar

Sem nada em troca aguardar

No que esperas.

É o despojado desinteresse

Que a alma nos aquece.

 

 

Adversário

 

O adversário somos nós

Sempre perante nós mesmos.

O truque que ele usa após,

Medidos todos os esmos,

É esconder-se e dar a ideia

De que nem anda na teia.

 

 

Pergunta

 

O homem mora

Na sua própria sombra

E pergunta, no apuro

De cada hora,

Porque é que, na sua alfombra,

Está escuro.

 

 

Repelir

 

Repelir do ego a escuridão,

Só através da luz.

Não o logro ao repelão,

Só acendendo a vela que no fundo de mim pus.

O mal não se combate,

Pratica-se o bem que de nós o desate.

 

 

Sofrimento

 

Sofrimento e frustração

São do desejo

O apego à satisfação

Que almejo.

Se o apego ao desejo abolir,

Levo a vida inteira a rir.

 

 

Luta

 

Quem por poder exterior

Inteiro luta com ânsia

Perde o poder interior

Em proporção, nesta instância.

Chegado à meta, infeliz,

Vê que perdeu a raiz.

 

 

Controlador

 

Controlador manipula

Tudo e todos à medida,

Até que a vida o engula

Sem lhe deixar mais saída.

Foi, dada ao fim a impotência,

Uma vida de demência.

 

 

Ambição

 

A humana ambição mais nobre

Não é erguer-se sobre os mais,

Mas que a si próprio desdobre

Melhorando seus sinais.

Das aptidões são sequelas

Elevá-las às estrelas.

 

 

Ver

 

Ninguém pode ver a Luz

Se as trevas o dominarem.

Só se a Luz nele se induz

E os males não a apagarem.

Quem do mal se há libertado

É que então vê o outro lado.

 

 

Importa

 

Tomada a decisão,

Não há mais hesitação.

 

Que importa o resultado?

Vem tanto de mim como do fado.

 

Sigo em frente

E entrego o mais à Luz que houver presente.

 

 

Esperar

 

Se esperar é a decisão,

Ou é por medo ou aguarda

A melhor ocasião

Para que o fogo enfim arda.

O medo é que nos apaga

A brasa que nos propaga.

 

 

Obstáculo

 

Quando a mente percepciona

Um obstáculo como um problema

Imediatamente vem à tona

O sofrimento que eu tema.

Quando alguém apenas vê a dor,

Perde de vista a Luz neste sol-pôr.

 

 

Assumir

 

Vitimizar-se é sentir-se bem

Culpando o exterior.

Assumir a responsabilidade

Pelo que advém

É adquirir a capacidade

De responder seja ao que for.

 

 

Perene

 

Noutrem e em mim intuir a Luz

E não dela a ausência

Induz

À perene alegria em minha vivência.

Meu afecto é positivo

Em tudo quanto vivo.

 

 

Dentro

 

Fazer da vida dos filhos

Da vida própria missão,

Sem tempo de ver os brilhos

Que dentro em nós brilharão

Será o modo mais comum

De ir mesmo a lado nenhum.

 

 

Desvelando

 

O Amor está para além

Da concordância ou divergência

De opiniões que se têm.

Vivê-lo assim

É mais e mais ir desvelando a essência

De mim.

 

 

Apenas

 

Mãe e pai são apenas instrutores

Dum caminho

Cujos pendores

Vão aflorando, como um rastilho,

Devagarinho,

Por dentro de cada filho.

 

 

Nunca

 

Cultura controladora,

Pelo ego dominada...

O trilho ali nunca mora

No íntimo, luz da jornada.

- Quero um filho doravante

Obediente ou cooperante?

 

 

Norma

 

Nosso mais fundo destino

Uma norma tem das normas:

Reverenciar o Divino

Em todas as suas formas.

E tudo são formas dele:

O que impele e o que repele.

 

 

Arma

 

O mundo, para mudar,

Tem arma bem poderosa:

A educação. Se a usar,

Logo doutro mundo goza:

Em poema singular

Nele muda toda a prosa.

 

 

Aberto

 

Totalmente aberto aos mais,

Não se afaste de seu próprio íntimo caminho

Jamais,

Só para, em lugar

Maninho,

Os encontrar.

 

 

Seriedade

 

Seriedade excessiva:

O fardo

Onde minha maneira guardo

Rígida e negativa.

A depressão

Espreita-me do chão.

 

 

Raiz

 

A raiz da depressão

É sempre o auto-apreço:

Quando me ponho em leilão

É o infinito que peço.

Humilde sei lá bem ser!

- Eu valho tudo o que houver...

 

 

Depressivo

 

Quem no posto de comando

Perde a vida a controlar

Em depressivo acabar

Finda sempre todo o mando:

Quando falha a pretensão,

Desespera em frustração.

 

 

Sentires

 

Quando tu sentires dor,

É que estás a resistir,

Recusas o aceite pôr

Na entrega que haja a seguir.

Braços abre ao Universo:

Viras a dor no reverso.

 

 

Crê

 

Que te façam desistir

Do que mais queres na vida,

Não deixes! Crê, que, a seguir,

Conquistas tua guarida.

Que sobretudo os carris

Trilhes de seres feliz!

 

 

Afectos

 

São de apego e de ciúme

Os afectos quando alguém

Os laços doutrem resume

A possuí-lo, refém.

Ora, posse de ninguém

Ninguém ser pode ou convém.

 

 

Certo

 

A parceria feliz

Não é a da pessoa certa

Mas do certo com que agis

Com outrem, janela aberta:

Quando ao outro só fizerdes

O que para vós quiserdes.

 

 

Ver

 

A parceria amorosa

Não é para ser feliz,

É para ler ao que a goza

Qual é da vida a raiz,

Para i-la cultivando,

A si e ao mundo mudando.

 

 

Variou

 

Morrer é adormecer

Do sonho da vida

(Que variou do pesadelo de perder

À euforia da vitória atingida)

Para acordar

Na vera realidade a vivenciar.

 

 

Instante

 

O instante de retornar

À verdadeira morada

É o de despedir-me, a par,

Da mansão aqui largada,

Por mais bonita que seja

No passado onde a despeja.

 

 

Fundura

 

A iluminação

Que me agita

É a fusão,

Lá na fundura do cimo

De meu imo,

Com a Consciência Infinita.

 

 

Dentro

 

Realizar-me

É a com a luz criadora

Encontrar-me

Que dentro de mim mora.

E com ela acender rua além

Todos os candeeiros que a vida tem.

 

 

Terreno

 

Este terreno caminho

Serve para transcender

Limitações que adivinho

Que meu imo irão tolher.

Porém, ter limitação

Não é ser mau, é ter chão.

 

 

Deixes

 

Teu imo aguarda

Que para outrem deixes de olhar,

A pretexto de que nele é que guarda

As respostas a dar.

Aí, de ti bem dentro,

É que fermenta do mundo inteiro o centro.

 

 

Conectar

 

Verdadeira segurança

Provém da capacidade

De me conectar à trança

De Luz que no imo me invade.

Aí é que acedo ao voo

Do Ilimitado que sou.

 

 

Troquem

 

Sobretudo

Não me troquem a medida:

Eu não sou o conteúdo

De minha vida,

Eu sou a vida

Desse conteúdo.

 

 

Virtuoso

 

Virtuoso permanente

É quem jamais prejudica,

Beneficiar busca urgente

A todos com quem se aplica.

Isto é quem, pelo seguro,

Podemos jurar que é puro.

 

 

Disciplina

 

A disciplina moral

Advém de haver respeitado

O objectivo primordial:

Não ter apenas cuidado,

Custe embora sacrifício,

Do meu próprio benefício.

 

 

Imune

 

És alguém realizado,

Doutrem se imune ao discurso.

Querê-lo prejudicado

Jamais é de teu percurso,

Embora tal intenção

Seja a dele ao ter-te à mão.

 

 

Cobiçar

 

Cobiçar algo de alguém

E cogitar como obtê-lo

Dificuldades além

No trilho espalha de gelo.

Satisfazer um desejo

É que então não tem ensejo.

 

 

Espécie

 

Ninguém nesta terra mora

Para se reproduzir,

Para a espécie prosseguir,

Antes o que aqui vigora

É que deve interiormente

Desenvolver-se indo em frente.

 

 

Inexoravelmente

 

A vida

É inexoravelmente criativa:

Se virada para biológica e sexual deriva,

Então envida

Dar vida a um qualquer

Novo ser.

 

 

Alegrar-se

 

Alegrar-se de ajudar

Até quem de nós não gosta

Ou prejudicou na aposta

De pela vida trepar,

- Isto é colher a raiz

Do que a Vida de nós quis.

 

 

Verdadeira

 

Verdadeira caridade

Funda-se na gratidão

Pela Luz que nos invade,

No amor aos que em redor vão,

No desejo de servir

Todo o ser que nos surgir.

 

 

Dinheiro

 

O dinheiro é apenas meio

De trocar, na humanidade.

Como meta o ego veio

Pô-lo: o fim que tudo invade.

Desde então se chega ao fim

Do que é humano dentro em mim.

 

 

Perfil

 

Um perfil empreendedor

Faz que o dinheiro cirande,

Cria de empregos um ror

Que investimento comande:

É a dinâmica nação

Numa próspera expansão.

 

 

Escassez

 

A escassez exterior

É questão de sentimento:

Reflecte, a todo o momento,

Toda a escassez interior.

Até o índio mais desnudo

Se sente rico de tudo...

 

 

Fim

 

Quando o teu serviço for

Uma forma de amealhar,

O dinheiro vais propor

Como fim, não meio a par.

Perdes da vida o sentido,

Que o vives todo invertido.

 

 

Paz

 

Com o dinheiro em paz viver

É compreender

Que ele é para ser útil e servir,

Antes de mais,

Aos demais

Com que a vida me sortir.

 

 

Raiva

 

Raiva reprimir

Não é perdoar

Nem mal permitir

Que vá continuar.

É apenas se abster

Mal de a alguém fazer.

 

 

Evento

 

Cada evento potencial

Para um acto de perdão

Permite que cada qual

Se liberte da lesão

Que, por dentro aprisionado,

O mantém sempre chagado.

 

 

Caminhada

 

O perdão tem de ser feito

Na caminhada terrena:

A morte não livra o peito

Duma algema que o condena.

Perdão a mim e a quenquer

Liberta para enfim ser.

 

 

Amar

 

Amar é sempre aceitar

Como sentir compaixão.

Não é nunca só gostar

Nem sequer apreciar

Como muitos julgarão,

Que estes nem a mão vão dar.

 

 

Devém

 

Sem paciência devém intolerante,

Não é pacífico nenhum relacionamento

Adiante,

Não terá paz em nenhum momento.

Que instante

Merece tal fermento?

 

 

Esforço

 

O esforço para aumentar

A íntima sabedoria,

Dedicação em orar,

Partilhar a própria via

- São as veras oferendas

Que ao outro mundo tu rendas.

 

 

Transcender

 

Transcender meu ego,

Dor de crescimento:

Largar todo o apego

A todo o momento...

- Quantas vidas, quanta vida

Vai requerer esta lida?

 

 

Mandado

 

Quem quiser, com toda a força,

De vez do ego se livrar,

Mandado é, no empenho a que orça,

Do ego que ele rejeitar.

- É mesmo mui traiçoeiro

O ego de que mal me abeiro.

 

 

Nunca

 

Quem nunca estiver contente

Com aquilo que tiver

É quem sempre mudar tente:

Mais distorções vai fazer

No modo de ler a vida

- E arroteia-a distorcida.

 

 

Sinta

 

Há quem sinta muita raiva,

Toda odeie a humanidade.

Que alma nenhuma ali caiba

É a sina em tal necedade...

- Urge amar a tudo e todos

No fundo onde escondem bodos.

 

 

Importância

 

A importância que alguém tem

Para mim me desafia:

É dos abismos meu guia,

A fim de eu saltar além.

Todos os mais, ao ser isto,

Iguais importam, bem visto.

 

 

Conhecimento

 

Conhecimento deveras

Implica a transformação

Da pessoa, que as esferas

Dentro e fora em união

Funde em vez de dividir,

Nem então nem a seguir.

 

 

Dissipa

 

Só a luz da verdade

Nos dissipa o medo.

Na penumbra, albedo,

Vaga claridade,

De árvore até o galho

É um susto onde malho.

 

 

Maior

 

Quão maior a inconsciência

Espiritual,

Maior a violência

Letal:

É o metro da inautenticidade

Da espiritualidade.

 

 

Trabalho

 

Para o trabalho de ser eu

Ninguém existe no mundo

Mais capaz do que o meu

Imo mais fundo.

Aí sou Eu,

Autêntico e fecundo.

 

 

Confiei

 

Quando a sério se confia,

O resultado é uma entrega.

Se ao Cosmos confiei meu dia,

Do presente esta refrega

É numa entrega que a vivo,

Ganho-me quanto me privo.

 

 

Chave

 

Como levamos o Ser

Para a relação

Com os filhos?

A chave há-de sempre ser

Dar-lhes atenção,

Sejam quais forem os sarilhos.

 

 

Morto

 

O morto infeliz

Ocupa, tarde ou cedo,

Alguém que a si próprio se quis

Dominado pelo medo:

Quer a boa, quer a má espiritualidade,

Só se eu o deixar é que me invade.

 

 

Fundura

 

A mente mente

Quando diz para seguir

O que sente.

É só de seguir o que discernir

Da fundura que sentir.

O mais é doente.

 

 

Soma

 

Não somos apenas uma soma de memórias

Mas também a narrativa

De derrotas e vitórias

Com que nos construímos em carne viva.

Esta, sim, é uma história

Que jamais se nos apaga da memória.

 

 

Odiar-se

 

Quando num jogo

Se estiver a perder,

É fácil a quenquer

Odiar-se logo.

Portanto, vigia,

Que aqui qualquer um a cabeça partiria.

 

 

Linha

 

Se meu valor estiver

Em linha com o que sou,

Ninguém me irá distorcer

A escolha por onde vou:

Farei apenas, desperto,

Aquilo que estiver certo.

 

 

Importa

 

Importa amar as pessoas,

Os animais, a verdade,

A natureza, com loas

Vindas da profundidade

De nós próprios onde impera

Nossa realidade sincera.

 

 

Preso

 

Remoer e remoer,

Preso inda ao que já passou?!...

O passado é o plinto a ter

Para, no mais alto voo,

Construir o que inauguro:

- O que for melhor futuro.

 

 

Valia

 

Sem amor a vida

Não valia a pena.

Só o amor envida

Salvar-nos da geena.

Sempre, ao romper de alva,

Só o amor nos salva.

 

 

Protegem-se

 

É o amor uma laranja,

Um será casca e semente,

Outro a polpa que as abranja.

Protegem-se mutuamente

E assim é que amadurecem

E até do medo se esquecem.

 

 

Maravilha

 

Estar ao lado do cão

E saber falar com ele

É maravilha ao serão

Dum mistério que me impele:

Ele de voz não responde,

Dá-me o donde e o para-onde.

 

 

Esperança

 

Há esperança de que um dia

Não tenhamos de sofrer

O que um animal sofria

Por abandonado ser,

Sem adeus, sem uma festa,

Sem desculpas... Quem não presta?

 

 

Solidão

 

Solidão do fim da vida,

Uma terra de ninguém

Onde todos, de seguida,

Terão de cruzar também

No estranho acerto de contas

Do feito com soltas pontas.

 

 

Ofereço-me

 

Tanto sou religioso

Que até nunca peço nada.

Ofereço-me, gostoso,

Ao alvor da madrugada.

A surpresa infinda e terna

É que a madrugada é eterna.

 

 

Trabalho

 

O trabalho ajuda muito.

Não é a cadeira de rodas

Que me torna vão, fortuito.

As pessoas têm todas

Cabeça para pensar.

- Como o desvalorizar?

 

 

Cultura

 

Cultura não é somente

O executante de agora,

Cantor, actor excelente,

Píncaro que não demora.

A cultura é toda a gente

Como arroteia o presente.

 

 

Branco

 

Em branco o labor levar

Nem se deve ter pensado...

Se eu não souber trabalhar,

Prejudico quem, ao lado,

Souber o que anda a fazer:

Sou um parasita qualquer.

 

 

Gosto

 

Gosto muito de ver o brilho

Dos outros no trilho.

 

Quando vão bem,

Enriquecem-me também.

 

O que gosto mais de fazer:

- Para a frente correr!

 

 

Arte

 

Arte, a mulher cruel

A cujos braços o artista

Se entrega sem remissão.

E nem pede perdão

À mulher fiel

Que pelo caminho tantas vezes deixa a perder de vista!

 

 

Medíocre

 

É boa a frontalidade

De tudo o que é medíocre atacar.

As gentes acarinham tal sonho de verdade,

Acendendo em toda a noite algum luar.

Quem por ali for adivinho

Que nunca ficará sozinho.

 

 

Quando

 

Quando dois se amam e um para o outro se incline,

Nada haverá que os submeta

Nem domine:

Cada um ao outro apenas completa,

Nem acima nem abaixo,

Mais e mais construindo ambos o perfeito encaixo.

 

 

Antes

 

Antes do sonho

Temos o peso e o pesadelo.

Depois, ei-lo:

- Já dele disponho!

Inteiro, não, mas uma ponta.

É o que a vida sempre nos apronta.

 

 

Trocamos

 

Não trocamos mais ideias,

Não trocamos mais olhares,

Compreensão, nem a meias,

Trocamos coisas, aos pares?

Trocamos mercadorias

- E é a solidão dos dias.

 

 

Trocam-se

 

Trocam-se mercadorias

Mas não se troca riqueza.

Toda a riqueza é pobreza

Se só coisas é o que avias...

E o sonho que lá sonhaste

Que é dele, não partilhaste?

 

 

Vale

 

Mais vale tarde que nunca,

Se é do bem que isto nos junca.

 

Mais vale nunca que tarde,

Se é o mal que aí faz alarde.

 

Somos sempre tão pequenos

Que do mal, do mal, o menos.

 

 

Cadáveres

 

O que torna a Terra fundamente viva

São os cadáveres que na rua encontro,

Sentados pelos cafés, de fronte altiva,

De joelhos na igreja, simulando o encontro.

Lá vão avançando, taciturnos, lentos,

Por entre os vivos a germinar tormentos.

 

 

Desgraça

 

A desgraça dos humanos

É que os demais humanos são deles partidários,

Todavia obedecem, solidários,

De quem mandar aos planos.

Daí provêm os danos

Dos efeitos secundários.

 

 

Critério

 

Critério de prosseguir:

O que mais difícil for

De certo alguém conseguir

É o que terá mais valor.

Basta alguém o desejar

E é o valor logo a saltar.

 

 

Arrimo

 

Uma mãe ama deveras

Os filhos se se não prende

A eles com mil esperas,

A ver se um arrimo rende.

Solta-os livres na viagem

Da vida sobre a paisagem.

 

 

Unidade

 

De tudo a unidade de repente vejo,

Este parentesco que me liga a tudo,

Primeiro uns aos outros, mesma identidade,

Logo à universal textura a que eu me grudo.

É uma exaltação duma real pertença,

Tudo é unicidade que mais nada vença.

 

 

Meses

 

Quando o médico nos diz

Que há só três meses de vida,

Tudo ganha outro matiz

De beleza oferecida.

A dormir é ter andado,

Só agora estando acordado.

 

 

Mistério

 

A alegria

Leva-me à incredulidade

Dum mistério que quase desvelaria

E à humildade

E gratidão

De poder pisar tal chão.

 

 

Hoje

 

Hoje é tudo tão transitório,

Tão rápido!

Vamos, num gesto porventura inglório,

Todavia sápido,

Abrandar por um minuto...

- E que espanto de produto!

 

 

Antes

 

Toda a gente

Deseja voltar a um lado qualquer

Antes de morrer.

Menos eu, curiosamente:

- É que morrer é mesmo voltar

De vez ao Lar!

 

 

Feliz

 

Feliz dia da mulher,

Feliz a mulher do dia,

Que, se o dia se quiser,

Só a mulher no-lo daria,

Que ser mulher se traduz

Em nos dar o dia à luz!

 

 

Sorriso

 

O sorriso em sociedade,

Mero saco de viagem,

Não sorri de verdade,

É uma miragem:

Por dentro, ninguém, evidentemente,

Está sorridente.

 

 

Cosmos

 

O Cosmos sei lá se existe!

Vivo o porvir duma estrela

A olhar, em tudo o que aviste,

O passado que foi dela.

Se calhar tudo há morrido

E eu não logro inda o ter lido...

 

 

Aproximam

 

Nem que eu escreva um milhão de coisas

E tu um milhão e uma

Se aproximam nossas loisas

Sequer de verdade alguma:

Uns vislumbres apenas

E apagou-se a luz das cenas.

 

 

Une

 

Nada une mais as pessoas

Que uma festa por uma boa causa:

Espalha pelo mundo as broas,

Logo a guerra entra em pausa.

Quem a festa da partilha faz

Acaba por atingir a paz.

 

 

Junta

 

Temível é a floresta.

A planície,

De lisa testa

Ou do mundo calvície,

Põe tudo ao léu:

Junta nela a terra e o céu.

 

 

Inimiga

 

Sem repouso nem meditação,

Da vida me canso

De vez.

Portanto, é a avidez,

Então,

A verdadeira inimiga do descanso.

 

 

Imo

 

Teu imo vive fora de ti,

Ou és tu aí?

 

Falas dele separando-o do homem

Como as coisas que vida fora se consomem,

 

Como se, de tão ignorado,

Não passara dum enjeitado.

 

 

Pena

 

Aqui vivemos depressa

Enquanto alguém se deteve?

Pena a causar-lhe começa

Nossa agitação em breve:

Ao desalmar-me por dentro,

De mim breve me descentro.

 

 

Rico

 

O rico o que tem demais

Tem de menos no juízo:

Trabalho já não quer mais,

Faz vida de paraíso?

- Tarde ou cedo o que vereis

É que foram-se os anéis.

 

 

Negócio

 

“O negócio não é um urso,

Não foge para a floresta”?!

É mentira este discurso,

Que ele arrasta quem se presta,

Sujeita-me como um amo

Feito escravo e aí me escamo.

 

 

Permanecer

 

Permanecer num recanto

É bem difícil deveras,

Correr ao sol, entretanto,

Pode ser pior que as esperas.

Batata em cova é fecunda,

Ao sol apodrece, imunda.

 

 

Vida

 

A vida normalmente

Não tem consideração

Por aquilo de que a gente

Gosta em vão.

Apenas com luta

Se resolve esta disputa.

 

 

Apenas

 

O caminho

Que pode ser pronunciado

É apenas o que adivinho

Por inteiro

De meu lado,

Não é o Caminho verdadeiro.

 

 

Pensar

 

Numa terra que se preza

Há gente que é subversiva,

Do pensar livre represa,

Defendendo-o sem esquiva.

Por isso é que, sem surpresa,

É terra de gente viva.

 

 

 

Uma flor só no deserto,

Quanta admirável beleza!

Rodeada de flores perto,

Já o mundo inteiro a despreza.

- É o que ocorre em liturgia:

Já ninguém lhe ligaria...

 

 

Lembro

 

Sempre que lembro o passado,

Não é o passado que lembro,

Reconstruo-o ao meu lado,

Reforço-me membro a membro

E descubro, deste modo,

Que jamais alcanço o todo.

 

 

Presentes

 

Dá presentes às crianças,

Ela vão ficar contentes,

O prazer doutrem alcanças.

Mas muito falta, entrementes:

Há quem jamais encontrado

Haja prenda em nenhum lado.

 

 

Antes

 

“Antes com fome e limpinha

Que conspurcada e famosa...”

- É o que cuida, linha a linha,

Muita que a perdição goza.

Por trás, porém, desta prosa

Já o sonho não se adivinha.

 

 

Ler

 

Ler é uma coisa;

Outra, olhar à volta.

Naquela loisa

Vemos, acaso, o céu;

Nesta vemos, ao léu,

O diabo à solta.

 

 

Graças

 

Cada qual tenta viver

Graças doutrem ao esforço.

Depois vem connosco ter:

“Respeita-me no meu corso!”

E acredita neste entrudo!

- Como ante isto findar mudo?!

 

 

Aninhaste-te

 

Aninhaste-te em teu canto

E preguiças sossegado.

Se alguém vigia, no entanto,

Quer ver-te desalojado,

Inda findas posto fora

A largar tudo na hora.

 

 

Renunciar

 

Saber quando, responsável,

Renunciar à luta, enfim,

Não é uma derrota, expectável

De ter de render-se ao fim

De maneira inevitável,

- É o triunfo em tal confim!

 

 

Findará

 

O laborioso desquita-se

Campos fora mundo a abrir.

O preguiçoso limita-se

A mastigar e engolir:

Findará só osso e pele,

Até que se engole a ele.

 

 

Livre

 

À medida que for descobrindo

Quem sou

E fiel a mim for indo,

Vou,

Sem pensar sequer,

Cada vez mais livre ser.

 

 

Encontrar-me

 

Encontrar-me com a verdade

De minha interioridade,

 

Ser-lhe fiel ao apelo,

- Eis o secreto elo

 

De encantatório matiz

Do casamento feliz.

 

 

Participar

 

Estarás bem acordado,

A participar em pleno

Na relação que hás tomado

Ou abdicaste do aceno

Do controlo por cansaço

Ou medo do novo espaço?

 

 

Manter

 

Será preciso ceder

Para manter a harmonia?

Num lar que feliz quiser

O desejo exprimiria

Sem medo nem agonia

De vir rejeitado a ser.

 

 

Fica

 

Se, por ser apaixonado,

Fica o mundo mais pequeno,

Se o medo o torna isolado,

O seu lar não é um lar pleno.

Casamento, de raiz,

Não pode assim ser feliz.

 

 

Muda

 

Do casamento a magia

Todos muda no melhor?

O almoço de cada dia

É com teu par que o vais pôr:

É quem for o que terás

Da vida em guerra ou em paz.

 

 

Desesperado

 

Se desesperado mantiver

Uma ilusão,

Pela certa irá sofrer

Então:

Irá perder

O coração.

 

 

Pena

 

Se o casamento é trabalho,

Então,

Com que objectivo, com que recompensa?

Apenas valho

Ao cumprir pena de prisão?!

Quem lavrou tal sentença?

 

 

Fantasia

 

Não é fácil ser adulto

Quando todo o meio ambiente

É uma fantasia, estulto,

Infantil sempre presente.

E é o que ele, no casamento,

Nos faz a todo o momento.

 

 

Conta

 

Num casamento qualquer

O que conta é uma verdade

De que ninguém se persuade:

O íntimo é para esquecer!

O efeito já não admira:

A maioria retira.

 

 

Menor

 

Quão maior a pompa e circunstância,

Menor a atenção

Dedicada à qualidade da relação

Na íntima instância.

Opera ao invés

Do que queres e crês.

 

 

Colide

 

A fantasia

Colide com a vida fria:

O divórcio em que a maioria se enterra

É porque dói demais voltar

A pousar

Os pés na terra.

 

 

Cair

 

Cair de amor é uma queda:

Pode ser bem perigoso

Se, encegueirado do gozo,

Eu nem vir o que suceda.

Posso sair magoado

Pela vida derrubado.

 

 

Inicial

 

O inicial frenesim

Nada a ver tem com o amor,

É me apaixonar, enfim,

Do que deve ser-lhe o teor,

É confundir a ilusão

Com o que os factos me dão.

 

 

Paixão

 

A paixão tende a aceitar,

Mas o que primeiro conta

É satisfazer, no par,

Este amante onde desponta:

A paixão é sempre egoísta,

Embora o invés revista.

 

 

Compromisso

 

O casamento resulta

Se ambos andarem presentes

Com compromisso de adulta

Sementeira de sementes,

Ambos a amadurecer

Para o que der e vier.

 

 

Restar

 

Se te restar um sorriso,

Oferta-o a quem amares.

Não fiques no lar, sem siso,

Mau humor a despejares,

E após, na rua, ridente,

Dares-te a estranhos, contente.

 

 

Embora

 

Amar é ficar presente,

Para o outro disponível

Todos os dias, assente

Que esta vida é que é credível,

Prefira-se embora estar

Com outrem noutro lugar.

 

 

Fala

 

Na relação que anda à sorte,

O silêncio não é de oiro,

Antes silêncio de morte:

Da fala não há o tesoiro.

Nenhum fala, nenhum ouve,

É o sepulcro que lhes coube.

 

 

Preciso

 

Preciso de tempo-espaço.

Quando chego do trabalho,

Basta um quarto de hora escasso,

De minutos um negalho

A sós, para relaxar

- E logro ir tratar do lar!

 

 

Letras

 

São as letras miudinhas

De nossa vida no pano

Que nos levam ao engano.

Não vás, pois, com adivinhas!

Lê tudo no mais concreto,

Irás no trilho correcto.

 

 

Pretexto

 

A pretexto de aos desejos

Corresponder de meu par,

Darei conta de que ensejos

De facto são de tentar

Satisfazer de verdade

A minha própria vontade?

 

 

Recusa

 

A forma de desrespeito

Na íntima relação

Recusa tomar a peito

A verdade do outro à mão.

Ouvir sempre é esmagador:

“Vou tornar-te bem melhor!”

 

 

Mesa

 

Na grande mesa conjugal do amor

Lugar central ocupam dois amantes.

Vão ombro a ombro ao lado de ambos pôr-

-Se, desde os próximos aos mais distantes,

Quantos influem do casal na vida

- E eis que à partilha ao mundo o par convida.

 

 

Figuras

 

Fantasmagóricas figuras pairam

Na conjugal mesa, a provir de antanho.

Vozes antigas nunca em nós desvairam,

Vivem cá dentro a apoiar nosso ganho.

É assim que o lar nos vai tomar figura:

Mortos mais vivos e um só nó se apura.

 

 

Emprestam

 

Se os pais lhe emprestam dinheiro

Para comprar uma casa,

Têm jus, como parceiro,

Ao que mui bem lhes apraza?!

E então a autonomia

Do novo lar que se avia?

 

 

Traidor

 

Parceiro emocionalmente

Sempre, sempre indisponível

É um traidor tão veemente

Como o que trai noutro nível.

Com a agravante execrável

De não ser tão detectável.

 

 

Sofá

 

Que será descontrair?

Beber álcool, dormitar

No sofá, logo a partir

Da sonoite, e desligar

Do lar emocionalmente?

- Não se queixe ao vê-lo ausente!

 

 

Cruzam

 

Tu e teu par são navios

Que se cruzam noite fora

Sem parar para amavios,

Tocar e abraçar agora?

Que espanta que só fastios

Troqueis mútuos toda a hora?

 

 

Feridas

 

Quando houver feridas de alma

(Morte dum filho, uma guerra...),

Há o lar que a si mais se aferra

E o que de vez perde a calma...

- É ficar de sobreaviso:

Cultiva o que te é preciso.

 

 

Mereces

 

Que mereces ser feliz

Sentes como natural.

Mas de irritado cariz

Ficas se algo corre mal?

- Andarás com muito medo

Para ter na boca o credo!

 

 

Confrontado

 

Confrontado com mudança,

O primeiro movimento

É calcular quanto alcança

O mau efeito do evento?

- O teu medo do amanhã

Te enregela de hoje a chã...

 

 

Preferes

 

Se preferes dizer não

E manter-te em segurança,

Ao sim que uma decepção

Enlaçar pode na trança,

Vais andar às arrecuas

Em vez de correr nas ruas.

 

 

Sentes-te

 

Sentes-te melhor

Quando proves

Que controlas o ambiente exterior

Em que te moves?

- Que falta de confiança

No que o Universo te alcança!

 

 

Lidar

 

Muitas vezes o melhor

Para lidar com um problema

É nada fazer me propor

- E confiar, por lema!

O tempo, quantas vezes

Acaba de vez com os reveses!

 

 

Remóis

 

Se remóis os teus fracassos

De anteriores relações,

Sinais procurando escassos

Na actual onde os supões,

Cair vais mesmo na cova

Que em tuas mãos se renova.

 

 

Consideras

 

Consideras impossível

Corresponder por inteiro

A outrem, sem que, imperdível,

Percas algo em tal parceiro?

- A perda a mais ganho incita,

Que o amor só multiplica.

 

 

Sofres

 

Se sofres desilusão,

Sempre a culpa é de teu par

Ou de ti, jogado ao chão?

- Repara que, se calhar,

Poderá nem culpa haver:

É apenas o mundo a ser...

 

 

Luta

 

Amor e medo divergem:

O medo coíbe o passo,

O amor leva longe o traço.

Nunca em luta os dois convergem.

Numa luta interminável

Como é que amor é abordável?

 

 

Maravilha

 

Quando fico sem cabeça,

A maravilha acontece:

Em algo meu pé tropeça

Que à superfície aparece.

Vem à mão a me ajudar

Para à terra retornar.

 

 

Muralha

 

A muralha protectora

Não é má na essência dela:

Deixa o perigo lá fora,

Protege da má sequela.

É só má se for barreira

Ao íntimo que se queira.

 

 

Crianças

 

Duas crianças birrentas

Geram grande confusão.

Adulto quando tentas

Preservar tua união,

Muito embora do outro lado

Tudo ande desamparado.

 

 

Simples

 

É mui simples declarar

Que amor que tem por alguém

É maior, sem comparar,

Do que o que à carteira tem.

Mais problemas lhe irá pôr,

Que engano não há maior.

 

 

Acredita

 

O casal vive em mentira

Se acredita que o dinheiro

Não é problema que fira.

Romantismo de fumeiro:

Quanto mais nos cega o fumo,

Mais sabor queima, em resumo.

 

 

Pairar

 

Se sobre o lar pairar asa

De entidade omnipotente,

De “homem-sustento-de-casa”

Mais de “esposa-obediente”,

- Como erigir casamento

Sem abalar tal fermento?

 

 

Confiança

 

Mentira sobre o dinheiro

Num lar põe o lar à prova:

A confiança é o bem cimeiro

Que vai direitinho à cova.

A semente ali ferida

Jamais neles é crescida.

 

 

Cavalo

 

Um cavalo ao bebedoiro

É bem fácil de levar,

Não, a beber o obrigar.

Com os mais é igual o agoiro

E quem disto se esquecer

Perde o gosto de viver.

 

 

Tratar

 

Quando eu não tratar de mim,

Como doutrem vou tratar?

Quem prioridade assim

Se não der perde o lugar:

Como receber conforto

De alguém que já estiver morto?

 

 

Mundo

 

Se meu par tiver problemas

No sexual desempenho

É que eu não sou bom nos temas,

Dado o mundo donde venho?

- É mentira, ser amante

Por mil razões é frustrante.

 

 

Relações

 

Se meu parceiro quiser

Ter relações sexuais

E eu não hei desejos tais,

Tê-las é de meu dever?

- Mentira, contra-vontade

Vai-se o fogo e a verdade.

 

 

Mantiver

 

Se eu contra vontade sexo

Mantiver com o meu par,

Movido por tal amplexo

Vai-me respeitar e amar?

- Mentira, que a fundação

Nunca a casa ergue do chão.

 

 

Princípio

 

Nunca do princípio parta

De saber todo o saber

Só por sexo havido ter

De casar-se antes da carta.

Que surpresas vai sofrer

Por tudo o que aquilo acarta!

 

 

Dependente

 

Sempre o dependente tem

A ligação mais profunda

Com o vício que mantém.

O mais é vida infecunda,

Seja onde trabalhar,

Seja com quem diz amar.

 

 

Perda

 

Álcool, marijuana,

Cocaína, comprimidos,

Pornografia... – o que emana

É que é perda de sentidos:

Os do corpo, quantas vezes,

Os da vida, anos e meses!

 

 

Ciclo

 

O ciclo da dependência

Pode-se sempre quebrar,

Desde que não pela ausência

De consciência, se o negar:

A porta de entrada é ver

Bem com que se tem de haver.

 

 

Evadir

 

Para ser um dependente

Não vai só de embebedar-se,

É se evadir permanente

Da relação que se esgarce

Ou das pressões de cotio

Fugir sempre ao desafio...

 

 

Tal

 

Vive tal se morreras

Amanhã.

Aprende tal se viveras

Eternamente

Com o afã

Do presente.

 

 

Compensador

 

Casamento duradoiro

Só se for satisfatório,

Compensador mutuamente.

Doutro modo é sempre inglório:

Ou é busca do tesoiro

Ou então a todos mente.

 

 

Ansiar

 

Ansiar pela ilusão,

Não pelo que é de alcançar,

Atira a vitualha ao chão,

Não há como respirar.

Por vida assim tão distante

Ninguém joga um passo adiante.

 

 

Dono

 

Por muito que a seu escravo

O dono tratara bem,

Em tal laço existe o travo

Que o apodrece também:

A escravidão, mesmo esquiva,

Por natura é destrutiva.

 

 

Sabes

 

Não amas quem te violenta:

Não sabes quem és sem ele.

Empresta um perfil que tenta,

Fantasia a tua pele.

Se é com tal mentira a lida,

Poderá custar-te a vida.

 

 

Depenar

 

Ao depenar a galinha,

Se for feito pena a pena,

Ninguém o fim adivinha

E, portanto, não condena.

Tal qual o direito humano

Em cambiante esvai seu dano.

 

 

Cancro

 

O cancro, célula a célula,

Vai-se expandindo, discreto.

Como o voo da libélula

Quase é lindo e é secreto.

O abusador, passo a passo,

É perito em tal compasso.

 

 

Divórcio

 

Se em divórcio o casamento

Terminou, então aprende

Que mal to trouxe ao evento,

Que isto é que o porvir te rende.

Se o não aprendes, a traça

Repetes que te desgraça.

 

 

Gesto

 

Podes divórcio não ter

Mas vives em desespero?

Em teu par aprende a ver

Que há de bom num gesto mero

Que aos dois então vos permita

Amadurecer com dita.

 

 

Vivo

 

Ser vivo no casamento

É o que prometeste um dia,

Não morto nalgum momento,

Fermento já sem magia.

Doutro modo desperdiças

A vida e tempo que enguiças.

 

 

Realço

 

Quando há paixão e namoro,

Realço só semelhanças,

Diferenças não decoro,

Vivo ali só de esperanças.

Sem o real, porém, a história

Acaba sendo ilusória.

 

 

Frango

 

Aquilo que alguém plantar

É aquilo que irá colher:

Se quiser frango estufar,

Não vai pôr vaca a cozer.

Os frutos do casamento

Planta-os, não os perde ao vento.

 

 

Manter

 

Manter a curiosidade

Numa união conjugal

Plataforma de verdade

Cria ao diálogo tal

Que irá desvendar tesoiros,

Dum e outro ignorados loiros.

 

 

Seguro

 

Quanto mais de si souber,

Mais seguro anda de si,

Menos surpresas vai ter

De tropeços por aí,

Pode encarar o porvir

Como, firme, quiser ir.

 

 

Estatuto

 

Quando nós nos concentramos

No estatuto social,

Talvez de vez já percamos

Dum laço o fundamental:

Laço autêntico é se fores

Partilhar comuns valores.

 

 

Fugas

 

As fugas relacionais

(O divórcio, a traição...)

Apenas impedem mais

Que aprendamos a lição:

Gratificante e durável

Não há mais nada expectável.

 

 

Melhor

 

É melhor casar que arder

Por sexo não dominar,

Mas vai arder quem casar

Por sexo não entender:
Por não abri-lo à magia

Da íntima parceria.

 

 

Dependem

 

Os problemas de saúde

Dependem em larga escala

De persistirmos na vala

Dum passado que nos grude,

Dele a viver nas feridas

Sem buscarmos mais saídas.

 

 

Problemas

 

Problemas parecem fúteis

Mas enraízam no fundo,

São tal nos vemos no mundo,

Como úteis ou como inúteis.

Então da futilidade

Rebenta uma tempestade.

 

 

Faremos

 

Por vezes farás tu coisas

Que não são nada agradáveis

Mas nelas é que repoisas

As relações saudáveis.

É vera maturidade

Relação que a tal persuade.

 

 

Mentira

 

É mentira ser melhor

Esperar para mais tarde.

A vida é de tal teor,

Sem que eu dela tal aguarde,

Que ao fim já passou ao lado,

Nem sequer hei reparado.

 

 

Duas

 

O amor é isso,

Duas solidões que se protegem,

Se tocam contra o enguiço,

Se acolhem, enquanto a vida em comum regem.

E olham a misteriosa fonte

Do longínquo horizonte.

 

 

Íntimo

 

O íntimo do casamento

Perdeu-se completamente

Na ênfase do momento

Em tudo e não no que sente.

Ninguém liga mais aos votos:

“Que é isso?! Papéis já rotos...”

 

 

Desilusão

 

A desilusão é enorme:

Todo aquele frenesim

Do casamento conforme

E o vazio, após, do fim...

O real bate na cara:

Que lar no chão não tombara?

 

 

Perder

 

Perder dois anos com planos

Da festa de casamento

E à cerimónia, os enganos

Duns segundos, dum momento...

- Como é que isto bem daria

Se não fora por magia?

 

 

Bilhetes

 

Votos matrimoniais:

Bilhetes para a viagem

Da vida inteira que mais

Génio querem de montagem

De triagem, de joeira,

No filme de nossa imagem.

 

 

Ganharão

 

Os votos ganharão vida

No real do quotidiano

Ou na âncora descida

Quando, ao correr de algum ano,

O navio conjugal

Perde o rumo, ao vendaval.

 

 

Casal

 

O casal é tão humano

Que requer que lhe aceitemos

A humanidade com dano,

Enquanto nos esforcemos

Por transformar, sem lesões,

As próprias limitações.

 

 

Cumprir

 

Cumprir um voto de amor

É acolher-se pequenino,

Carente ao par se propor,

Colhê-lo em igual destino,

Amá-lo então e apoiar

No melhor que tenha a dar.

 

 

Sentir

 

Sentir que alguém o escuta e vê

Convida à paixão intensa,

À intimidade a pôr de pé,

Ao afecto na presença.

Ao invés, qualquer não

Convida à rejeição.

 

 

Hábito

 

O hábito a dificuldade

Muda do que fora abismo

Em comum facilidade.

É bom que o que dele crismo

Me melhore então a mim

Dentro e fora até ao fim.

 

 

Diferença

 

A diferença entre um “não,

Porque estou a trabalhar”

Contra um “sim, na ocasião

Em que o trabalho acabar”,

É que aquilo é uma aspereza

E isto é já delicadeza.

 

 

Viável

 

Tudo é viável num casamento

Em que ambos andem despertos,

Presentes em cada momento:

Germinarão campinas nos desertos

De cada dia,

Das mãos deles por magia.

 

 

Ladeira

 

Podem mil comportamentos

Andar já consolidados

Na ladeira dos tormentos

Com laços todos quebrados.

Nova escolha do possível

Traz nova vida exequível.

 

 

Agora

 

Pode não ter estado presente

Dezenas de anos.

Se agora está, porém, aqui assente,

Reconstrua, a partir de hoje, sem mais danos

Nem enganos:

A vida aumente!

 

 

Reconstruir

 

Para reconstruir um lar

Não é só fingir de adulto,

É a criança ultrapassar

Que gerou tanto acto estulto.

Não é com crianças feridas

Que se erguem do culto ermidas.

 

 

Respeito

 

Segurança e confiança,

Respeito na relação

- E a vista logo me alcança

Que áreas me impedem o chão

Do destino que se almeja

E o meu coração deseja.

 

 

Signo

 

Quando um voto é renovado

Sob o signo da verdade,

Não numa ilusão plasmado

Dum sonho que nos persuade,

Somos nós, ninguém mudou,

- Mas tudo se transformou!

 

 

Ritual

 

Todo o ritual é feito

A transcender sentimentos.

Estes vêm e vão ao jeito

Da vida ao sabor dos ventos.

Quando prendê-los queremos

Ao ritual os prendemos.

 

 

Vela

 

Há quem tão aliviado

Fique de encontrar seu par

Que sua vela haja apagado,

“Pertenço-te!” ao declarar.

Porém, sem ter própria luz

Tudo a noite se reduz.

 

 

Primeiro

 

Primeiro passo

Para atrair quem é saudável

É tornar-se a si saudável, em seu paço

Intimamente inescrutável.

Faça-o, não só pelo seu fantástico par

Mas porque ser feliz merece por si próprio, singular.

 

 

Vigor

 

Perde o vigor a natureza humana

Quando plantada e replantada eterna,

Por gerações e gerações, à perna

Da mesma várzea gasta donde emana.

Por terras outras estas gentes vão

Com outras mentes renovar-se então.

 

 

Saúde

 

A saúde intelectual de quenquer

Vem de acompanhar com quem se não pareça,

Com quem não ligar aos sonhos que tiver,

Em cuja personalidade tropeça,

O que o obriga a sair de si, de seu quente lugar,

Para o apreciar.

 

 

Exterior

 

O exterior da virtude

Não é mais do que mentira:

Se a verdade não se ilude,

Que arde no peito onde a mira?

É um bem muito farisaico

Um bem que é humano mosaico.

 

 

Sabor

 

O sabor duma pessoa

É o da personalidade.

Sem carácter, má ou boa,

Que importa que o corpo agrade?

Como ouvir um violino

Sem as cordas do destino?

 

 

Maus

 

Bem maus os tempos serão

Quando o pássaro se perde

Na noite onde o pai, o irmão

Cantaram no ninho que herde.

Quem as raízes cortou

Foi de si que se amputou.

 

 

Pátria

 

Se a Terra é a pátria comum

De que todos cidadãos

Somos de facto, um a um,

Qualquer guerra é dentre irmãos,

Envilece-nos, de vil,

Porque é uma guerra civil.

 

 

Parceria

 

Da parceria amorosa

O maior inimigo

É o orgulho e o egoísmo que em prosa

Descoram a magia do comum abrigo.

Depois só os atractivos sexuais

Darão de poesia sinais.

 

 

Brisa

 

Uma cidade

É pedra, vidro e madeira

Até que a invade

Dum amor a brisa pioneira.

Então abunda a marca

De tudo em que antes foi parca.

 

 

Vitimizando

 

Vitimizando o mundo de enganos

Das próprias vistas,

Nunca os tiranos

Estiveram ao nível de seus artistas:

Nas mãos deles a utopia

Cobre de sangue toda a via.

 

 

Pedra

 

A pedra no caminho

É para relembrar

Ao peregrino adivinho

A receita de curar.

É o que a pedra tem de belo:

Serve para erigirmos sempre um castelo.

 

 

Carregar

 

Carregar o mundo às costas...

Se o carregas,

Inda findas feito em postas.

Porque o não entregas

Ao Espírito do Universo

E descansas, no reverso?