SEXTILHAS
Entre
A vida inteira é um diálogo
Entre o fado e a liberdade.
O destino à chuva é análogo:
A escolha, em minha vontade,
É se irei molhar-me ou não
E é o que tenho sempre à mão.
Troca
Servir deveras
É ajudar
Sem nada em troca aguardar
No que esperas.
É o despojado desinteresse
Que a alma nos aquece.
Adversário
O adversário somos nós
Sempre perante nós mesmos.
O truque que ele usa após,
Medidos todos os esmos,
É esconder-se e dar a ideia
De que nem anda na teia.
Pergunta
O homem mora
Na sua própria sombra
E pergunta, no apuro
De cada hora,
Porque é que, na sua alfombra,
Está escuro.
Repelir
Repelir do ego a escuridão,
Só através da luz.
Não o logro ao repelão,
Só acendendo a vela que no fundo de mim pus.
O mal não se combate,
Pratica-se o bem que de nós o desate.
Sofrimento
Sofrimento e frustração
São do desejo
O apego à satisfação
Que almejo.
Se o apego ao desejo abolir,
Levo a vida inteira a rir.
Luta
Quem por poder exterior
Inteiro luta com ânsia
Perde o poder interior
Em proporção, nesta instância.
Chegado à meta, infeliz,
Vê que perdeu a raiz.
Controlador
Controlador manipula
Tudo e todos à medida,
Até que a vida o engula
Sem lhe deixar mais saída.
Foi, dada ao fim a impotência,
Uma vida de demência.
Ambição
A humana ambição mais nobre
Não é erguer-se sobre os mais,
Mas que a si próprio desdobre
Melhorando seus sinais.
Das aptidões são sequelas
Elevá-las às estrelas.
Ver
Ninguém pode ver a Luz
Se as trevas o dominarem.
Só se a Luz nele se induz
E os males não a apagarem.
Quem do mal se há libertado
É que então vê o outro lado.
Importa
Tomada a decisão,
Não há mais hesitação.
Que importa o resultado?
Vem tanto de mim como do fado.
Sigo em frente
E entrego o mais à Luz que houver presente.
Esperar
Se esperar é a decisão,
Ou é por medo ou aguarda
A melhor ocasião
Para que o fogo enfim arda.
O medo é que nos apaga
A brasa que nos propaga.
Obstáculo
Quando a mente percepciona
Um obstáculo como um problema
Imediatamente vem à tona
O sofrimento que eu tema.
Quando alguém apenas vê a dor,
Perde de vista a Luz neste sol-pôr.
Assumir
Vitimizar-se é sentir-se bem
Culpando o exterior.
Assumir a responsabilidade
Pelo que advém
É adquirir a capacidade
De responder seja ao que for.
Perene
Noutrem e em mim intuir a Luz
E não dela a ausência
Induz
À perene alegria em minha vivência.
Meu afecto é positivo
Em tudo quanto vivo.
Dentro
Fazer da vida dos filhos
Da vida própria missão,
Sem tempo de ver os brilhos
Que dentro em nós brilharão
Será o modo mais comum
De ir mesmo a lado nenhum.
Desvelando
O Amor está para além
Da concordância ou divergência
De opiniões que se têm.
Vivê-lo assim
É mais e mais ir desvelando a essência
De mim.
Apenas
Mãe e pai são apenas instrutores
Dum caminho
Cujos pendores
Vão aflorando, como um rastilho,
Devagarinho,
Por dentro de cada filho.
Nunca
Cultura controladora,
Pelo ego dominada...
O trilho ali nunca mora
No íntimo, luz da jornada.
- Quero um filho doravante
Obediente ou cooperante?
Norma
Nosso mais fundo destino
Uma norma tem das normas:
Reverenciar o Divino
Em todas as suas formas.
E tudo são formas dele:
O que impele e o que repele.
Arma
O mundo, para mudar,
Tem arma bem poderosa:
A educação. Se a usar,
Logo doutro mundo goza:
Em poema singular
Nele muda toda a prosa.
Aberto
Totalmente aberto aos mais,
Não se afaste de seu próprio íntimo caminho
Jamais,
Só para, em lugar
Maninho,
Os encontrar.
Seriedade
Seriedade excessiva:
O fardo
Onde minha maneira guardo
Rígida e negativa.
A depressão
Espreita-me do chão.
Raiz
A raiz da depressão
É sempre o auto-apreço:
Quando me ponho em leilão
É o infinito que peço.
Humilde sei lá bem ser!
- Eu valho tudo o que houver...
Depressivo
Quem no posto de comando
Perde a vida a controlar
Em depressivo acabar
Finda sempre todo o mando:
Quando falha a pretensão,
Desespera em frustração.
Sentires
Quando tu sentires dor,
É que estás a resistir,
Recusas o aceite pôr
Na entrega que haja a seguir.
Braços abre ao Universo:
Viras a dor no reverso.
Crê
Que te façam desistir
Do que mais queres na vida,
Não deixes! Crê, que, a seguir,
Conquistas tua guarida.
Que sobretudo os carris
Trilhes de seres feliz!
Afectos
São de apego e de ciúme
Os afectos quando alguém
Os laços doutrem resume
A possuí-lo, refém.
Ora, posse de ninguém
Ninguém ser pode ou convém.
Certo
A parceria feliz
Não é a da pessoa certa
Mas do certo com que agis
Com outrem, janela aberta:
Quando ao outro só fizerdes
O que para vós quiserdes.
Ver
A parceria amorosa
Não é para ser feliz,
É para ler ao que a goza
Qual é da vida a raiz,
Para i-la cultivando,
A si e ao mundo mudando.
Variou
Morrer é adormecer
Do sonho da vida
(Que variou do pesadelo de perder
À euforia da vitória atingida)
Para acordar
Na vera realidade a vivenciar.
Instante
O instante de retornar
À verdadeira morada
É o de despedir-me, a par,
Da mansão aqui largada,
Por mais bonita que seja
No passado onde a despeja.
Fundura
A iluminação
Que me agita
É a fusão,
Lá na fundura do cimo
De meu imo,
Com a Consciência Infinita.
Dentro
Realizar-me
É a com a luz criadora
Encontrar-me
Que dentro de mim mora.
E com ela acender rua além
Todos os candeeiros que a vida tem.
Terreno
Este terreno caminho
Serve para transcender
Limitações que adivinho
Que meu imo irão tolher.
Porém, ter limitação
Não é ser mau, é ter chão.
Deixes
Teu imo aguarda
Que para outrem deixes de olhar,
A pretexto de que nele é que guarda
As respostas a dar.
Aí, de ti bem dentro,
É que fermenta do mundo inteiro o centro.
Conectar
Verdadeira segurança
Provém da capacidade
De me conectar à trança
De Luz que no imo me invade.
Aí é que acedo ao voo
Do Ilimitado que sou.
Troquem
Sobretudo
Não me troquem a medida:
Eu não sou o conteúdo
De minha vida,
Eu sou a vida
Desse conteúdo.
Virtuoso
Virtuoso permanente
É quem jamais prejudica,
Beneficiar busca urgente
A todos com quem se aplica.
Isto é quem, pelo seguro,
Podemos jurar que é puro.
Disciplina
A disciplina moral
Advém de haver respeitado
O objectivo primordial:
Não ter apenas cuidado,
Custe embora sacrifício,
Do meu próprio benefício.
Imune
És alguém realizado,
Doutrem se imune ao discurso.
Querê-lo prejudicado
Jamais é de teu percurso,
Embora tal intenção
Seja a dele ao ter-te à mão.
Cobiçar
Cobiçar algo de alguém
E cogitar como obtê-lo
Dificuldades além
No trilho espalha de gelo.
Satisfazer um desejo
É que então não tem ensejo.
Espécie
Ninguém nesta terra mora
Para se reproduzir,
Para a espécie prosseguir,
Antes o que aqui vigora
É que deve interiormente
Desenvolver-se indo em frente.
Inexoravelmente
A vida
É inexoravelmente criativa:
Se virada para biológica e sexual deriva,
Então envida
Dar vida a um qualquer
Novo ser.
Alegrar-se
Alegrar-se de ajudar
Até quem de nós não gosta
Ou prejudicou na aposta
De pela vida trepar,
- Isto é colher a raiz
Do que a Vida de nós quis.
Verdadeira
Verdadeira caridade
Funda-se na gratidão
Pela Luz que nos invade,
No amor aos que em redor vão,
No desejo de servir
Todo o ser que nos surgir.
Dinheiro
O dinheiro é apenas meio
De trocar, na humanidade.
Como meta o ego veio
Pô-lo: o fim que tudo invade.
Desde então se chega ao fim
Do que é humano dentro em mim.
Perfil
Um perfil empreendedor
Faz que o dinheiro cirande,
Cria de empregos um ror
Que investimento comande:
É a dinâmica nação
Numa próspera expansão.
Escassez
A escassez exterior
É questão de sentimento:
Reflecte, a todo o momento,
Toda a escassez interior.
Até o índio mais desnudo
Se sente rico de tudo...
Fim
Quando o teu serviço for
Uma forma de amealhar,
O dinheiro vais propor
Como fim, não meio a par.
Perdes da vida o sentido,
Que o vives todo invertido.
Paz
Com o dinheiro em paz viver
É compreender
Que ele é para ser útil e servir,
Antes de mais,
Aos demais
Com que a vida me sortir.
Raiva
Raiva reprimir
Não é perdoar
Nem mal permitir
Que vá continuar.
É apenas se abster
Mal de a alguém fazer.
Evento
Cada evento potencial
Para um acto de perdão
Permite que cada qual
Se liberte da lesão
Que, por dentro aprisionado,
O mantém sempre chagado.
Caminhada
O perdão tem de ser feito
Na caminhada terrena:
A morte não livra o peito
Duma algema que o condena.
Perdão a mim e a quenquer
Liberta para enfim ser.
Amar
Amar é sempre aceitar
Como sentir compaixão.
Não é nunca só gostar
Nem sequer apreciar
Como muitos julgarão,
Que estes nem a mão vão dar.
Devém
Sem paciência devém intolerante,
Não é pacífico nenhum relacionamento
Adiante,
Não terá paz em nenhum momento.
Que instante
Merece tal fermento?
Esforço
O esforço para aumentar
A íntima sabedoria,
Dedicação em orar,
Partilhar a própria via
- São as veras oferendas
Que ao outro mundo tu rendas.
Transcender
Transcender meu ego,
Dor de crescimento:
Largar todo o apego
A todo o momento...
- Quantas vidas, quanta vida
Vai requerer esta lida?
Mandado
Quem quiser, com toda a força,
De vez do ego se livrar,
Mandado é, no empenho a que orça,
Do ego que ele rejeitar.
- É mesmo mui traiçoeiro
O ego de que mal me abeiro.
Nunca
Quem nunca estiver contente
Com aquilo que tiver
É quem sempre mudar tente:
Mais distorções vai fazer
No modo de ler a vida
- E arroteia-a distorcida.
Sinta
Há quem sinta muita raiva,
Toda odeie a humanidade.
Que alma nenhuma ali caiba
É a sina em tal necedade...
- Urge amar a tudo e todos
No fundo onde escondem bodos.
Importância
A importância que alguém tem
Para mim me desafia:
É dos abismos meu guia,
A fim de eu saltar além.
Todos os mais, ao ser isto,
Iguais importam, bem visto.
Conhecimento
Conhecimento deveras
Implica a transformação
Da pessoa, que as esferas
Dentro e fora em união
Funde em vez de dividir,
Nem então nem a seguir.
Dissipa
Só a luz da verdade
Nos dissipa o medo.
Na penumbra, albedo,
Vaga claridade,
De árvore até o galho
É um susto onde malho.
Maior
Quão maior a inconsciência
Espiritual,
Maior a violência
Letal:
É o metro da inautenticidade
Da espiritualidade.
Trabalho
Para o trabalho de ser eu
Ninguém existe no mundo
Mais capaz do que o meu
Imo mais fundo.
Aí sou Eu,
Autêntico e fecundo.
Confiei
Quando a sério se confia,
O resultado é uma entrega.
Se ao Cosmos confiei meu dia,
Do presente esta refrega
É numa entrega que a vivo,
Ganho-me quanto me privo.
Chave
Como levamos o Ser
Para a relação
Com os filhos?
A chave há-de sempre ser
Dar-lhes atenção,
Sejam quais forem os sarilhos.
Morto
O morto infeliz
Ocupa, tarde ou cedo,
Alguém que a si próprio se quis
Dominado pelo medo:
Quer a boa, quer a má espiritualidade,
Só se eu o deixar é que me invade.
Fundura
A mente mente
Quando diz para seguir
O que sente.
É só de seguir o que discernir
Da fundura que sentir.
O mais é doente.
Soma
Não somos apenas uma soma de memórias
Mas também a narrativa
De derrotas e vitórias
Com que nos construímos em carne viva.
Esta, sim, é uma história
Que jamais se nos apaga da memória.
Odiar-se
Quando num jogo
Se estiver a perder,
É fácil a quenquer
Odiar-se logo.
Portanto, vigia,
Que aqui qualquer um a cabeça partiria.
Linha
Se meu valor estiver
Em linha com o que sou,
Ninguém me irá distorcer
A escolha por onde vou:
Farei apenas, desperto,
Aquilo que estiver certo.
Importa
Importa amar as pessoas,
Os animais, a verdade,
A natureza, com loas
Vindas da profundidade
De nós próprios onde impera
Nossa realidade sincera.
Preso
Remoer e remoer,
Preso inda ao que já passou?!...
O passado é o plinto a ter
Para, no mais alto voo,
Construir o que inauguro:
- O que for melhor futuro.
Valia
Sem amor a vida
Não valia a pena.
Só o amor envida
Salvar-nos da geena.
Sempre, ao romper de alva,
Só o amor nos salva.
Protegem-se
É o amor uma laranja,
Um será casca e semente,
Outro a polpa que as abranja.
Protegem-se mutuamente
E assim é que amadurecem
E até do medo se esquecem.
Maravilha
Estar ao lado do cão
E saber falar com ele
É maravilha ao serão
Dum mistério que me impele:
Ele de voz não responde,
Dá-me o donde e o para-onde.
Esperança
Há esperança de que um dia
Não tenhamos de sofrer
O que um animal sofria
Por abandonado ser,
Sem adeus, sem uma festa,
Sem desculpas... Quem não presta?
Solidão
Solidão do fim da vida,
Uma terra de ninguém
Onde todos, de seguida,
Terão de cruzar também
No estranho acerto de contas
Do feito com soltas pontas.
Ofereço-me
Tanto sou religioso
Que até nunca peço nada.
Ofereço-me, gostoso,
Ao alvor da madrugada.
A surpresa infinda e terna
É que a madrugada é eterna.
Trabalho
O trabalho ajuda muito.
Não é a cadeira de rodas
Que me torna vão, fortuito.
As pessoas têm todas
Cabeça para pensar.
- Como o desvalorizar?
Cultura
Cultura não é somente
O executante de agora,
Cantor, actor excelente,
Píncaro que não demora.
A cultura é toda a gente
Como arroteia o presente.
Branco
Em branco o labor levar
Nem se deve ter pensado...
Se eu não souber trabalhar,
Prejudico quem, ao lado,
Souber o que anda a fazer:
Sou um parasita qualquer.
Gosto
Gosto muito de ver o brilho
Dos outros no trilho.
Quando vão bem,
Enriquecem-me também.
O que gosto mais de fazer:
- Para a frente correr!
Arte
Arte, a mulher cruel
A cujos braços o artista
Se entrega sem remissão.
E nem pede perdão
À mulher fiel
Que pelo caminho tantas vezes deixa a perder de vista!
Medíocre
É boa a frontalidade
De tudo o que é medíocre atacar.
As gentes acarinham tal sonho de verdade,
Acendendo em toda a noite algum luar.
Quem por ali for adivinho
Que nunca ficará sozinho.
Quando
Quando dois se amam e um para o outro se incline,
Nada haverá que os submeta
Nem domine:
Cada um ao outro apenas completa,
Nem acima nem abaixo,
Mais e mais construindo ambos o perfeito encaixo.
Antes
Antes do sonho
Temos o peso e o pesadelo.
Depois, ei-lo:
- Já dele disponho!
Inteiro, não, mas uma ponta.
É o que a vida sempre nos apronta.
Trocamos
Não trocamos mais ideias,
Não trocamos mais olhares,
Compreensão, nem a meias,
Trocamos coisas, aos pares?
Trocamos mercadorias
- E é a solidão dos dias.
Trocam-se
Trocam-se mercadorias
Mas não se troca riqueza.
Toda a riqueza é pobreza
Se só coisas é o que avias...
E o sonho que lá sonhaste
Que é dele, não partilhaste?
Vale
Mais vale tarde que nunca,
Se é do bem que isto nos junca.
Mais vale nunca que tarde,
Se é o mal que aí faz alarde.
Somos sempre tão pequenos
Que do mal, do mal, o menos.
Cadáveres
O que torna a Terra fundamente viva
São os cadáveres que na rua encontro,
Sentados pelos cafés, de fronte altiva,
De joelhos na igreja, simulando o encontro.
Lá vão avançando, taciturnos, lentos,
Por entre os vivos a germinar tormentos.
Desgraça
A desgraça dos humanos
É que os demais humanos são deles partidários,
Todavia obedecem, solidários,
De quem mandar aos planos.
Daí provêm os danos
Dos efeitos secundários.
Critério
Critério de prosseguir:
O que mais difícil for
De certo alguém conseguir
É o que terá mais valor.
Basta alguém o desejar
E é o valor logo a saltar.
Arrimo
Uma mãe ama deveras
Os filhos se se não prende
A eles com mil esperas,
A ver se um arrimo rende.
Solta-os livres na viagem
Da vida sobre a paisagem.
Unidade
De tudo a unidade de repente vejo,
Este parentesco que me liga a tudo,
Primeiro uns aos outros, mesma identidade,
Logo à universal textura a que eu me grudo.
É uma exaltação duma real pertença,
Tudo é unicidade que mais nada vença.
Meses
Quando o médico nos diz
Que há só três meses de vida,
Tudo ganha outro matiz
De beleza oferecida.
A dormir é ter andado,
Só agora estando acordado.
Mistério
A alegria
Leva-me à incredulidade
Dum mistério que quase desvelaria
E à humildade
E gratidão
De poder pisar tal chão.
Hoje
Hoje é tudo tão transitório,
Tão rápido!
Vamos, num gesto porventura inglório,
Todavia sápido,
Abrandar por um minuto...
- E que espanto de produto!
Antes
Toda a gente
Deseja voltar a um lado qualquer
Antes de morrer.
Menos eu, curiosamente:
- É que morrer é mesmo voltar
De vez ao Lar!
Feliz
Feliz dia da mulher,
Feliz a mulher do dia,
Que, se o dia se quiser,
Só a mulher no-lo daria,
Que ser mulher se traduz
Em nos dar o dia à luz!
Sorriso
O sorriso em sociedade,
Mero saco de viagem,
Não sorri de verdade,
É uma miragem:
Por dentro, ninguém, evidentemente,
Está sorridente.
Cosmos
O Cosmos sei lá se existe!
Vivo o porvir duma estrela
A olhar, em tudo o que aviste,
O passado que foi dela.
Se calhar tudo há morrido
E eu não logro inda o ter lido...
Aproximam
Nem que eu escreva um milhão de coisas
E tu um milhão e uma
Se aproximam nossas loisas
Sequer de verdade alguma:
Uns vislumbres apenas
E apagou-se a luz das cenas.
Une
Nada une mais as pessoas
Que uma festa por uma boa causa:
Espalha pelo mundo as broas,
Logo a guerra entra em pausa.
Quem a festa da partilha faz
Acaba por atingir a paz.
Junta
Temível é a floresta.
A planície,
De lisa testa
Ou do mundo calvície,
Põe tudo ao léu:
Junta nela a terra e o céu.
Inimiga
Sem repouso nem meditação,
Da vida me canso
De vez.
Portanto, é a avidez,
Então,
A verdadeira inimiga do descanso.
Imo
Teu imo vive fora de ti,
Ou és tu aí?
Falas dele separando-o do homem
Como as coisas que vida fora se consomem,
Como se, de tão ignorado,
Não passara dum enjeitado.
Pena
Aqui vivemos depressa
Enquanto alguém se deteve?
Pena a causar-lhe começa
Nossa agitação em breve:
Ao desalmar-me por dentro,
De mim breve me descentro.
Rico
O rico o que tem demais
Tem de menos no juízo:
Trabalho já não quer mais,
Faz vida de paraíso?
- Tarde ou cedo o que vereis
É que foram-se os anéis.
Negócio
“O negócio não é um urso,
Não foge para a floresta”?!
É mentira este discurso,
Que ele arrasta quem se presta,
Sujeita-me como um amo
Feito escravo e aí me escamo.
Permanecer
Permanecer num recanto
É bem difícil deveras,
Correr ao sol, entretanto,
Pode ser pior que as esperas.
Batata em cova é fecunda,
Ao sol apodrece, imunda.
Vida
A vida normalmente
Não tem consideração
Por aquilo de que a gente
Gosta em vão.
Apenas com luta
Se resolve esta disputa.
Apenas
O caminho
Que pode ser pronunciado
É apenas o que adivinho
Por inteiro
De meu lado,
Não é o Caminho verdadeiro.
Pensar
Numa terra que se preza
Há gente que é subversiva,
Do pensar livre represa,
Defendendo-o sem esquiva.
Por isso é que, sem surpresa,
É terra de gente viva.
Só
Uma flor só no deserto,
Quanta admirável beleza!
Rodeada de flores perto,
Já o mundo inteiro a despreza.
- É o que ocorre em liturgia:
Já ninguém lhe ligaria...
Lembro
Sempre que lembro o passado,
Não é o passado que lembro,
Reconstruo-o ao meu lado,
Reforço-me membro a membro
E descubro, deste modo,
Que jamais alcanço o todo.
Presentes
Dá presentes às crianças,
Ela vão ficar contentes,
O prazer doutrem alcanças.
Mas muito falta, entrementes:
Há quem jamais encontrado
Haja prenda em nenhum lado.
Antes
“Antes com fome e limpinha
Que conspurcada e famosa...”
- É o que cuida, linha a linha,
Muita que a perdição goza.
Por trás, porém, desta prosa
Já o sonho não se adivinha.
Ler
Ler é uma coisa;
Outra, olhar à volta.
Naquela loisa
Vemos, acaso, o céu;
Nesta vemos, ao léu,
O diabo à solta.
Graças
Cada qual tenta viver
Graças doutrem ao esforço.
Depois vem connosco ter:
“Respeita-me no meu corso!”
E acredita neste entrudo!
- Como ante isto findar mudo?!
Aninhaste-te
Aninhaste-te em teu canto
E preguiças sossegado.
Se alguém vigia, no entanto,
Quer ver-te desalojado,
Inda findas posto fora
A largar tudo na hora.
Renunciar
Saber quando, responsável,
Renunciar à luta, enfim,
Não é uma derrota, expectável
De ter de render-se ao fim
De maneira inevitável,
- É o triunfo em tal confim!
Findará
O laborioso desquita-se
Campos fora mundo a abrir.
O preguiçoso limita-se
A mastigar e engolir:
Findará só osso e pele,
Até que se engole a ele.
Livre
À medida que for descobrindo
Quem sou
E fiel a mim for indo,
Vou,
Sem pensar sequer,
Cada vez mais livre ser.
Encontrar-me
Encontrar-me com a verdade
De minha interioridade,
Ser-lhe fiel ao apelo,
- Eis o secreto elo
De encantatório matiz
Do casamento feliz.
Participar
Estarás bem acordado,
A participar em pleno
Na relação que hás tomado
Ou abdicaste do aceno
Do controlo por cansaço
Ou medo do novo espaço?
Manter
Será preciso ceder
Para manter a harmonia?
Num lar que feliz quiser
O desejo exprimiria
Sem medo nem agonia
De vir rejeitado a ser.
Fica
Se, por ser apaixonado,
Fica o mundo mais pequeno,
Se o medo o torna isolado,
O seu lar não é um lar pleno.
Casamento, de raiz,
Não pode assim ser feliz.
Muda
Do casamento a magia
Todos muda no melhor?
O almoço de cada dia
É com teu par que o vais pôr:
É quem for o que terás
Da vida em guerra ou em paz.
Desesperado
Se desesperado mantiver
Uma ilusão,
Pela certa irá sofrer
Então:
Irá perder
O coração.
Pena
Se o casamento é trabalho,
Então,
Com que objectivo, com que recompensa?
Apenas valho
Ao cumprir pena de prisão?!
Quem lavrou tal sentença?
Fantasia
Não é fácil ser adulto
Quando todo o meio ambiente
É uma fantasia, estulto,
Infantil sempre presente.
E é o que ele, no casamento,
Nos faz a todo o momento.
Conta
Num casamento qualquer
O que conta é uma verdade
De que ninguém se persuade:
O íntimo é para esquecer!
O efeito já não admira:
A maioria retira.
Menor
Quão maior a pompa e circunstância,
Menor a atenção
Dedicada à qualidade da relação
Na íntima instância.
Opera ao invés
Do que queres e crês.
Colide
A fantasia
Colide com a vida fria:
O divórcio em que a maioria se enterra
É porque dói demais voltar
A pousar
Os pés na terra.
Cair
Cair de amor é uma queda:
Pode ser bem perigoso
Se, encegueirado do gozo,
Eu nem vir o que suceda.
Posso sair magoado
Pela vida derrubado.
Inicial
O inicial frenesim
Nada a ver tem com o amor,
É me apaixonar, enfim,
Do que deve ser-lhe o teor,
É confundir a ilusão
Com o que os factos me dão.
Paixão
A paixão tende a aceitar,
Mas o que primeiro conta
É satisfazer, no par,
Este amante onde desponta:
A paixão é sempre egoísta,
Embora o invés revista.
Compromisso
O casamento resulta
Se ambos andarem presentes
Com compromisso de adulta
Sementeira de sementes,
Ambos a amadurecer
Para o que der e vier.
Restar
Se te restar um sorriso,
Oferta-o a quem amares.
Não fiques no lar, sem siso,
Mau humor a despejares,
E após, na rua, ridente,
Dares-te a estranhos, contente.
Embora
Amar é ficar presente,
Para o outro disponível
Todos os dias, assente
Que esta vida é que é credível,
Prefira-se embora estar
Com outrem noutro lugar.
Fala
Na relação que anda à sorte,
O silêncio não é de oiro,
Antes silêncio de morte:
Da fala não há o tesoiro.
Nenhum fala, nenhum ouve,
É o sepulcro que lhes coube.
Preciso
Preciso de tempo-espaço.
Quando chego do trabalho,
Basta um quarto de hora escasso,
De minutos um negalho
A sós, para relaxar
- E logro ir tratar do lar!
Letras
São as letras miudinhas
De nossa vida no pano
Que nos levam ao engano.
Não vás, pois, com adivinhas!
Lê tudo no mais concreto,
Irás no trilho correcto.
Pretexto
A pretexto de aos desejos
Corresponder de meu par,
Darei conta de que ensejos
De facto são de tentar
Satisfazer de verdade
A minha própria vontade?
Recusa
A forma de desrespeito
Na íntima relação
Recusa tomar a peito
A verdade do outro à mão.
Ouvir sempre é esmagador:
“Vou tornar-te bem melhor!”
Mesa
Na grande mesa conjugal do amor
Lugar central ocupam dois amantes.
Vão ombro a ombro ao lado de ambos pôr-
-Se, desde os próximos aos mais distantes,
Quantos influem do casal na vida
- E eis que à partilha ao mundo o par convida.
Figuras
Fantasmagóricas figuras pairam
Na conjugal mesa, a provir de antanho.
Vozes antigas nunca em nós desvairam,
Vivem cá dentro a apoiar nosso ganho.
É assim que o lar nos vai tomar figura:
Mortos mais vivos e um só nó se apura.
Emprestam
Se os pais lhe emprestam dinheiro
Para comprar uma casa,
Têm jus, como parceiro,
Ao que mui bem lhes apraza?!
E então a autonomia
Do novo lar que se avia?
Traidor
Parceiro emocionalmente
Sempre, sempre indisponível
É um traidor tão veemente
Como o que trai noutro nível.
Com a agravante execrável
De não ser tão detectável.
Sofá
Que será descontrair?
Beber álcool, dormitar
No sofá, logo a partir
Da sonoite, e desligar
Do lar emocionalmente?
- Não se queixe ao vê-lo ausente!
Cruzam
Tu e teu par são navios
Que se cruzam noite fora
Sem parar para amavios,
Tocar e abraçar agora?
Que espanta que só fastios
Troqueis mútuos toda a hora?
Feridas
Quando houver feridas de alma
(Morte dum filho, uma guerra...),
Há o lar que a si mais se aferra
E o que de vez perde a calma...
- É ficar de sobreaviso:
Cultiva o que te é preciso.
Mereces
Que mereces ser feliz
Sentes como natural.
Mas de irritado cariz
Ficas se algo corre mal?
- Andarás com muito medo
Para ter na boca o credo!
Confrontado
Confrontado com mudança,
O primeiro movimento
É calcular quanto alcança
O mau efeito do evento?
- O teu medo do amanhã
Te enregela de hoje a chã...
Preferes
Se preferes dizer não
E manter-te em segurança,
Ao sim que uma decepção
Enlaçar pode na trança,
Vais andar às arrecuas
Em vez de correr nas ruas.
Sentes-te
Sentes-te melhor
Quando proves
Que controlas o ambiente exterior
Em que te moves?
- Que falta de confiança
No que o Universo te alcança!
Lidar
Muitas vezes o melhor
Para lidar com um problema
É nada fazer me propor
- E confiar, por lema!
O tempo, quantas vezes
Acaba de vez com os reveses!
Remóis
Se remóis os teus fracassos
De anteriores relações,
Sinais procurando escassos
Na actual onde os supões,
Cair vais mesmo na cova
Que em tuas mãos se renova.
Consideras
Consideras impossível
Corresponder por inteiro
A outrem, sem que, imperdível,
Percas algo em tal parceiro?
- A perda a mais ganho incita,
Que o amor só multiplica.
Sofres
Se sofres desilusão,
Sempre a culpa é de teu par
Ou de ti, jogado ao chão?
- Repara que, se calhar,
Poderá nem culpa haver:
É apenas o mundo a ser...
Luta
Amor e medo divergem:
O medo coíbe o passo,
O amor leva longe o traço.
Nunca em luta os dois convergem.
Numa luta interminável
Como é que amor é abordável?
Maravilha
Quando fico sem cabeça,
A maravilha acontece:
Em algo meu pé tropeça
Que à superfície aparece.
Vem à mão a me ajudar
Para à terra retornar.
Muralha
A muralha protectora
Não é má na essência dela:
Deixa o perigo lá fora,
Protege da má sequela.
É só má se for barreira
Ao íntimo que se queira.
Crianças
Duas crianças birrentas
Geram grande confusão.
Adulto sê quando tentas
Preservar tua união,
Muito embora do outro lado
Tudo ande desamparado.
Simples
É mui simples declarar
Que amor que tem por alguém
É maior, sem comparar,
Do que o que à carteira tem.
Mais problemas lhe irá pôr,
Que engano não há maior.
Acredita
O casal vive em mentira
Se acredita que o dinheiro
Não é problema que fira.
Romantismo de fumeiro:
Quanto mais nos cega o fumo,
Mais sabor queima, em resumo.
Pairar
Se sobre o lar pairar asa
De entidade omnipotente,
De “homem-sustento-de-casa”
Mais de “esposa-obediente”,
- Como erigir casamento
Sem abalar tal fermento?
Confiança
Mentira sobre o dinheiro
Num lar põe o lar à prova:
A confiança é o bem cimeiro
Que vai direitinho à cova.
A semente ali ferida
Jamais neles é crescida.
Cavalo
Um cavalo ao bebedoiro
É bem fácil de levar,
Não, a beber o obrigar.
Com os mais é igual o agoiro
E quem disto se esquecer
Perde o gosto de viver.
Tratar
Quando eu não tratar de mim,
Como doutrem vou tratar?
Quem prioridade assim
Se não der perde o lugar:
Como receber conforto
De alguém que já estiver morto?
Mundo
Se meu par tiver problemas
No sexual desempenho
É que eu não sou bom nos temas,
Dado o mundo donde venho?
- É mentira, ser amante
Por mil razões é frustrante.
Relações
Se meu parceiro quiser
Ter relações sexuais
E eu não hei desejos tais,
Tê-las é de meu dever?
- Mentira, contra-vontade
Vai-se o fogo e a verdade.
Mantiver
Se eu contra vontade sexo
Mantiver com o meu par,
Movido por tal amplexo
Vai-me respeitar e amar?
- Mentira, que a fundação
Nunca a casa ergue do chão.
Princípio
Nunca do princípio parta
De saber todo o saber
Só por sexo havido ter
De casar-se antes da carta.
Que surpresas vai sofrer
Por tudo o que aquilo acarta!
Dependente
Sempre o dependente tem
A ligação mais profunda
Com o vício que mantém.
O mais é vida infecunda,
Seja onde trabalhar,
Seja com quem diz amar.
Perda
Álcool, marijuana,
Cocaína, comprimidos,
Pornografia... – o que emana
É que é perda de sentidos:
Os do corpo, quantas vezes,
Os da vida, anos e meses!
Ciclo
O ciclo da dependência
Pode-se sempre quebrar,
Desde que não pela ausência
De consciência, se o negar:
A porta de entrada é ver
Bem com que se tem de haver.
Evadir
Para ser um dependente
Não vai só de embebedar-se,
É se evadir permanente
Da relação que se esgarce
Ou das pressões de cotio
Fugir sempre ao desafio...
Tal
Vive tal se morreras
Amanhã.
Aprende tal se viveras
Eternamente
Com o afã
Do presente.
Compensador
Casamento duradoiro
Só se for satisfatório,
Compensador mutuamente.
Doutro modo é sempre inglório:
Ou é busca do tesoiro
Ou então a todos mente.
Ansiar
Ansiar pela ilusão,
Não pelo que é de alcançar,
Atira a vitualha ao chão,
Não há como respirar.
Por vida assim tão distante
Ninguém joga um passo adiante.
Dono
Por muito que a seu escravo
O dono tratara bem,
Em tal laço existe o travo
Que o apodrece também:
A escravidão, mesmo esquiva,
Por natura é destrutiva.
Sabes
Não amas quem te violenta:
Não sabes quem és sem ele.
Empresta um perfil que tenta,
Fantasia a tua pele.
Se é com tal mentira a lida,
Poderá custar-te a vida.
Depenar
Ao depenar a galinha,
Se for feito pena a pena,
Ninguém o fim adivinha
E, portanto, não condena.
Tal qual o direito humano
Em cambiante esvai seu dano.
Cancro
O cancro, célula a célula,
Vai-se expandindo, discreto.
Como o voo da libélula
Quase é lindo e é secreto.
O abusador, passo a passo,
É perito em tal compasso.
Divórcio
Se em divórcio o casamento
Terminou, então aprende
Que mal to trouxe ao evento,
Que isto é que o porvir te rende.
Se o não aprendes, a traça
Repetes que te desgraça.
Gesto
Podes divórcio não ter
Mas vives em desespero?
Em teu par aprende a ver
Que há de bom num gesto mero
Que aos dois então vos permita
Amadurecer com dita.
Vivo
Ser vivo no casamento
É o que prometeste um dia,
Não morto nalgum momento,
Fermento já sem magia.
Doutro modo desperdiças
A vida e tempo que enguiças.
Realço
Quando há paixão e namoro,
Realço só semelhanças,
Diferenças não decoro,
Vivo ali só de esperanças.
Sem o real, porém, a história
Acaba sendo ilusória.
Frango
Aquilo que alguém plantar
É aquilo que irá colher:
Se quiser frango estufar,
Não vai pôr vaca a cozer.
Os frutos do casamento
Planta-os, não os perde ao vento.
Manter
Manter a curiosidade
Numa união conjugal
Plataforma de verdade
Cria ao diálogo tal
Que irá desvendar tesoiros,
Dum e outro ignorados loiros.
Seguro
Quanto mais de si souber,
Mais seguro anda de si,
Menos surpresas vai ter
De tropeços por aí,
Pode encarar o porvir
Como, firme, quiser ir.
Estatuto
Quando nós nos concentramos
No estatuto social,
Talvez de vez já percamos
Dum laço o fundamental:
Laço autêntico é se fores
Partilhar comuns valores.
Fugas
As fugas relacionais
(O divórcio, a traição...)
Apenas impedem mais
Que aprendamos a lição:
Gratificante e durável
Não há mais nada expectável.
Melhor
É melhor casar que arder
Por sexo não dominar,
Mas vai arder quem casar
Por sexo não entender:
Por não abri-lo à magia
Da íntima parceria.
Dependem
Os problemas de saúde
Dependem em larga escala
De persistirmos na vala
Dum passado que nos grude,
Dele a viver nas feridas
Sem buscarmos mais saídas.
Problemas
Problemas parecem fúteis
Mas enraízam no fundo,
São tal nos vemos no mundo,
Como úteis ou como inúteis.
Então da futilidade
Rebenta uma tempestade.
Faremos
Por vezes farás tu coisas
Que não são nada agradáveis
Mas nelas é que repoisas
As relações saudáveis.
É vera maturidade
Relação que a tal persuade.
Mentira
É mentira ser melhor
Esperar para mais tarde.
A vida é de tal teor,
Sem que eu dela tal aguarde,
Que ao fim já passou ao lado,
Nem sequer hei reparado.
Duas
O amor é isso,
Duas solidões que se protegem,
Se tocam contra o enguiço,
Se acolhem, enquanto a vida em comum regem.
E olham a misteriosa fonte
Do longínquo horizonte.
Íntimo
O íntimo do casamento
Perdeu-se completamente
Na ênfase do momento
Em tudo e não no que sente.
Ninguém liga mais aos votos:
“Que é isso?! Papéis já rotos...”
Desilusão
A desilusão é enorme:
Todo aquele frenesim
Do casamento conforme
E o vazio, após, do fim...
O real bate na cara:
Que lar no chão não tombara?
Perder
Perder dois anos com planos
Da festa de casamento
E à cerimónia, os enganos
Duns segundos, dum momento...
- Como é que isto bem daria
Se não fora por magia?
Bilhetes
Votos matrimoniais:
Bilhetes para a viagem
Da vida inteira que mais
Génio querem de montagem
De triagem, de joeira,
No filme de nossa imagem.
Ganharão
Os votos ganharão vida
No real do quotidiano
Ou na âncora descida
Quando, ao correr de algum ano,
O navio conjugal
Perde o rumo, ao vendaval.
Casal
O casal é tão humano
Que requer que lhe aceitemos
A humanidade com dano,
Enquanto nos esforcemos
Por transformar, sem lesões,
As próprias limitações.
Cumprir
Cumprir um voto de amor
É acolher-se pequenino,
Carente ao par se propor,
Colhê-lo em igual destino,
Amá-lo então e apoiar
No melhor que tenha a dar.
Sentir
Sentir que alguém o escuta e vê
Convida à paixão intensa,
À intimidade a pôr de pé,
Ao afecto na presença.
Ao invés, qualquer não
Convida à rejeição.
Hábito
O hábito a dificuldade
Muda do que fora abismo
Em comum facilidade.
É bom que o que dele crismo
Me melhore então a mim
Dentro e fora até ao fim.
Diferença
A diferença entre um “não,
Porque estou a trabalhar”
Contra um “sim, na ocasião
Em que o trabalho acabar”,
É que aquilo é uma aspereza
E isto é já delicadeza.
Viável
Tudo é viável num casamento
Em que ambos andem despertos,
Presentes em cada momento:
Germinarão campinas nos desertos
De cada dia,
Das mãos deles por magia.
Ladeira
Podem mil comportamentos
Andar já consolidados
Na ladeira dos tormentos
Com laços todos quebrados.
Nova escolha do possível
Traz nova vida exequível.
Agora
Pode não ter estado presente
Dezenas de anos.
Se agora está, porém, aqui assente,
Reconstrua, a partir de hoje, sem mais danos
Nem enganos:
A vida aumente!
Reconstruir
Para reconstruir um lar
Não é só fingir de adulto,
É a criança ultrapassar
Que gerou tanto acto estulto.
Não é com crianças feridas
Que se erguem do culto ermidas.
Respeito
Segurança e confiança,
Respeito na relação
- E a vista logo me alcança
Que áreas me impedem o chão
Do destino que se almeja
E o meu coração deseja.
Signo
Quando um voto é renovado
Sob o signo da verdade,
Não numa ilusão plasmado
Dum sonho que nos persuade,
Somos nós, ninguém mudou,
- Mas tudo se transformou!
Ritual
Todo o ritual é feito
A transcender sentimentos.
Estes vêm e vão ao jeito
Da vida ao sabor dos ventos.
Quando prendê-los queremos
Ao ritual os prendemos.
Vela
Há quem tão aliviado
Fique de encontrar seu par
Que sua vela haja apagado,
“Pertenço-te!” ao declarar.
Porém, sem ter própria luz
Tudo a noite se reduz.
Primeiro
Primeiro passo
Para atrair quem é saudável
É tornar-se a si saudável, em seu paço
Intimamente inescrutável.
Faça-o, não só pelo seu fantástico par
Mas porque ser feliz merece por si próprio, singular.
Vigor
Perde o vigor a natureza humana
Quando plantada e replantada eterna,
Por gerações e gerações, à perna
Da mesma várzea gasta donde emana.
Por terras outras estas gentes vão
Com outras mentes renovar-se então.
Saúde
A saúde intelectual de quenquer
Vem de acompanhar com quem se não pareça,
Com quem não ligar aos sonhos que tiver,
Em cuja personalidade tropeça,
O que o obriga a sair de si, de seu quente lugar,
Para o apreciar.
Exterior
O exterior da virtude
Não é mais do que mentira:
Se a verdade não se ilude,
Que arde no peito onde a mira?
É um bem muito farisaico
Um bem que é humano mosaico.
Sabor
O sabor duma pessoa
É o da personalidade.
Sem carácter, má ou boa,
Que importa que o corpo agrade?
Como ouvir um violino
Sem as cordas do destino?
Maus
Bem maus os tempos serão
Quando o pássaro se perde
Na noite onde o pai, o irmão
Cantaram no ninho que herde.
Quem as raízes cortou
Foi de si que se amputou.
Pátria
Se a Terra é a pátria comum
De que todos cidadãos
Somos de facto, um a um,
Qualquer guerra é dentre irmãos,
Envilece-nos, de vil,
Porque é uma guerra civil.
Parceria
Da parceria amorosa
O maior inimigo
É o orgulho e o egoísmo que em prosa
Descoram a magia do comum abrigo.
Depois só os atractivos sexuais
Darão de poesia sinais.
Brisa
Uma cidade
É pedra, vidro e madeira
Até que a invade
Dum amor a brisa pioneira.
Então abunda a marca
De tudo em que antes foi parca.
Vitimizando
Vitimizando o mundo de enganos
Das próprias vistas,
Nunca os tiranos
Estiveram ao nível de seus artistas:
Nas mãos deles a utopia
Cobre de sangue toda a via.
Pedra
A pedra no caminho
É para relembrar
Ao peregrino adivinho
A receita de curar.
É o que a pedra tem de belo:
Serve para erigirmos sempre um castelo.
Carregar
Carregar o mundo às costas...
Se o carregas,
Inda findas feito em postas.
Porque o não entregas
Ao Espírito do Universo
E descansas, no reverso?