QUADRAS
IRREGULARES
Condição
Condição críptica
Para que algo me convença:
Sem liberdade de crítica
Não há elogio que vença.
Aceita
Aceita tudo como é.
Então podes começar
A trabalhar
Na mudança a pôr de pé.
Contrário
Se obtém sempre o mesmo resultado
Contrário ao que pretendeu,
Aprenda o que ainda neste fado
Não aprendeu.
Acabar
Para acabar com a violência
Temos de nos livrar, antes e não após,
Com toda a premência,
Da violência que houver dentro de nós.
Primeiro
A única forma
De outrem mudar
É a mim mudar-me, por norma,
Em primeiro lugar.
Dentro
A sabedoria
Dentro de si, lá na fundura,
Aguarda a permissão, de vigia,
Para se revelar, pertinente e pura.
Apego
O apego (ao que calhar)
Deseja receber.
Ora, o amor apenas quer
Dar.
Felicidade
A felicidade que nos convém,
Verdadeira, duradoira, singular,
É a que nos advém
De outrem beneficiar.
Querer
Ninguém precisa de querer ser especial
Ante quem tiver ao pé
Porque, afinal,
Já o é!
Difícil
Quão difícil é servir
Em silêncio, com bondade,
Sem o manto a recobrir
Da vaidade!
Fugir
Fugir para quê?
Para onde quer que você vá
Você lá estará...
- Não há como fugir de você!
Respondo
Pouco importa
O que acontece,
Mas como lhe respondo, abrindo ou fechando a porta
Ao que aparece.
Destrói
O invejoso
Não tem gozo que se veja
E, além de não ter gozo,
Destrói tudo com a inveja.
Facilita
Quando o cepticismo nega
O que facilita a libertação,
Na ignorância pega
E a todos nos mete na prisão.
Poeira
A maioria
Tem poeira nos olhos.
Quem a já limpou de ver no imo beneficia
Os itinerários e os escolhos.
Decidir
Decidir é arriscar
E só arrisca
Não apenas quem petisca
Mas quem perde o medo de errar.
Bênçãos
Os obstáculos são companheiros
Do caminho:
Tão bênçãos são as boas várzeas como os maus atoleiros,
De cada jornada meu pão e meu vinho.
Perde
Quem se vitimiza
Perde a escadaria para a intuição,
Nunca mais se realiza,
Apodrece da vida espalhado pelo chão.
Revive
Quem revive mágoas de antanho
Vai colorir delas o presente
Com toda a perda sem ganho,
- Finda de si próprio ausente.
Prever
Que importa prever o futuro?
Importa é tomar conta do presente:
Agora é que planto a semente
Do que amanhã inauguro.
Abraçar
Ao abraçar qualquer dor
Transcendo-a, o que a reduz
A um desafio a me propor:
Aí poderei semear finalmente a minha Luz.
Graça
Viver em graça é me abrir
Ao que me afina
Pelo fluir
Em mim da energia divina.
Interesse
Ter um filho por interesse próprio,
Não por interesse no próprio filho,
É sempre um opróbrio
A pedir sarilho.
Além
Do mundo sempre há-de constar,
Além do que nos impele,
Aquilo que eu projectar
Nele.
Desconexão
Toda a dependência
Revela uma desmedida
Desconexão na vivência
Da vida.
Perpétuas
Junca
De perpétuas afectivas o teu chão:
Um amor puro e gratuito nunca
Sofre desilusão.
Mora
Deus não mora num trono doirado
Ou num sofá de seda,
Mas nos que ajudam aqui ao lado
E consolam quem sofre qualquer queda.
Entrega
O animal se entrega do mundo ao serviço
Dum mestre com a compaixão,
Sem a tristeza sofrer, cediço,
Dum escravo do torrão.
Verdadeiro
Da vida o caminho somente
Visa guiar
A gente
Ao verdadeiro lar.
Chave
Como levamos um ser
Para uma relação
Qualquer?
- A chave é dar-lhe atenção.
Basta
Não basta apregoar
Que é solidário,
Necessário
É o acto solidário praticar.
Mãe
Se amara a tudo e todos
Como a mãe ama o mais querido filho,
Em criações e denodos
Da Luz seria um rastilho.
Relacionamento
Só no relacionamento e no serviço
A Luz se exprime.
Sem isso
É mera crendice a fingir de sublime.
Advém
A maior alegria
Advém de relacionamentos
Com outrem cuja magia
Dum mundo novo tem fermentos.
Nada
Fome
De alma,
Nada do que come
Acalma.
Descubro
Doutrem à descoberta,
Quando me ensimesmo
É que descubro que a porta aberta
É a de mim mesmo.
Livre
Quem ama é livre e deixa livre o par
Até para, se tiver de ocorrer,
Não o amar
Se não quiser.
Caminhada
A caminhada pode ser conjunta,
O desenvolvimento tem de ser individual:
Tem de prestar atenção cada qual
A cada passo que assunta.
Forçar
Forçar outrem a amar
Não é amor:
É aprisionar,
Escravizar a um senhor.
Chispa
Chispa sempre um fogareiro
No coração mais invernal:
Em Fevereiro
Há Carnaval.
Nasce
O amor perfeito
Nasce, sem opróbrio
Nem defeito,
Do amor próprio.
Espectáculos
A vida
É de espectáculos uma sala:
Entramos, vemos a peça produzida
E no fim abandonamos a gala.
Plenitude
Na plenitude da felicidade, a magia
É tão verdadeira
Que cada dia
É uma vida inteira.
Conflito
A solução
Do conflito familiar
É aceitação e perdão
Para gradualmente mudar.
Luto
O luto converte a dor
Do perdido apego
No gratuito desapego
Do amor.
Torno-me
No momento em que me aceito,
Singelo,
Torno-me, do fundo do peito,
Belo.
Destruir
Nem tudo é bom, numa lavra,
De quanto pode ser fecundo:
Uma palavra
Pode destruir o mundo...
Melhor
A melhor defesa
Jamais é outrem atacar,
É da verdade proteger a riqueza
Singular.
Íntima
A magia
De viver
É que a luz íntima é alegria
E prosperidade de ser.
Liberta-te
Liberta-te da dor!
Fica apenas, a todo o momento,
Com o que dela for
O ensinamento.
Perdoar
Perdoar é não trazer
Do passado para o presente
Nada do que lá houver
Que não liberte nem alumie a gente.
Nível
Pagar o mal com o mal
Ao nível é descer
Igual
Ao de quem o mal cometer.
Força
Profunda força e liberdade interior
Há-de ter quem não fizer
A outrem o que não quer
Que a si lhe façam, que é desamor.
Desperta
O inimigo
Que me desperta, tutor,
É afinal um grande amigo
Ao ensinar-me pela dor.
Aceita
Quem tudo aceita e tudo ao Infindo entregar
Fica em paz, por inteiro assente
No presente,
Não precisa nem tem mais que perdoar.
Nada
Que nada que não venha de tua íntima luz,
Que dela em ti se não projecte,
Seja embora o que mais te seduz,
Te afecte.
Transitório
Tudo é transitório no mundo.
Livre como um pardal,
Reconheço-o, jucundo,
A voar alegre através do vendaval.
Unidade
Na unidade da íntima luz,
Eu, tu e ele somos um interdependente nó,
Na fundura, o que nos traduz
Como Um só.
Flagelos
Numa era
De permanentes flagelos por aí,
Que é que a Luz espera?
- Espera por ti!
Milagre
O milagre vem da fé
Mais o esforço combinado
Para o pôr de pé
Com o mundo entrosado.
Reajas
Não reajas contra a vida.
O que amedronta, ameaça ou humilha
É que o milagre produz à medida
Do trilho que se palmilha.
Ainda
Mudar
Alguém?
- Mas como é que pode dar
O que ainda não tem?...
Faz
Ó meu Deus, sei lá bem o que é bom ou mau para mim
Ou para qualquer dos outros seres!
Por isso faz, por fim,
O que entenderes.
Antes
Convém bem esclarecer,
Antes de avançarmos,
Que o mundo sempre há-de também ser
O que nele projectarmos.
Caminho
O caminho tem apenas um fito:
Cada ser guiar
Ao seu verdadeiro lar,
- O Infinito.
Capaz
Que meu imo se expresse
Na consciência,
Tornando-me capaz de abençoar toda a messe
Da existência!
Caminhada
Assunta
O fundamental:
A caminhada pode ser conjunta,
O desenvolvimento é individual.
Segredo
Desperta
Para o segredo encoberto:
Não é estar com a pessoa certa,
É fazer o certo.
Luto
O luto é o desapego,
Pela conversão da dor
Do apego
Em amor.
Íntima
A íntima iluminação
Com que palpito
É uma semente já em fusão
Com o Infinito.
Verdadeira
Verdadeira segurança,
Só conectando-me à luz
Que da fundura a mim me alcança:
Daí o Infindo me transluz.
Atingir
Para atingir a essência,
É não dar muita importância ao corropio que acontece,
Porta que para os fundos atravesse
Em permanência.
Sinto
Nunca sinto sofrimento
Sem a raiva nem o apego.
É quando num destes pego
Que me atormento.
Construir
Construir abrigos
E de meu barco a quilha?
- Basta ter amigos:
O sol brilha.
Perto
Quem longe está do coração
Onde persista,
Um instinto misterioso o traz pela mão
Para perto da vista.
Esperança
Na esperança o que encerro
É me propor
Ser melhor
Que meu próprio erro.
Vezes
Às vezes é melhor
Não saber
O sabor
Daquilo que estiver a perder...
Amanhã
Amanhã nada será,
No tempo que foge,
Como esperamos que seja lá
Hoje.
Razões
Que importam as razões do minuto passado?
É bem mais compensador
O futuro arroteado
A propor.
Sucesso
O sucesso a que acedo
De envelhecer de forma activa
É perder o medo:
- É que viva!
Humilde
Subserviente, não,
Humilde, sim.
A humildade é, assim,
A beleza humana de qualquer torrão.
Falar
Falar com os animais...
A resposta terá muitos matizes,
O que, porém, espanta mais
É a nossa voz deixá-los tão felizes!
Estagnante
A economia,
Infra-estrutura superna,
É a mais estagnante anti-magia
Da vida moderna.
Barco
Barco arrastado
Constantemente para o passado,
Aqui velejamos interminavelmente
Sempre para a frente, sempre para a frente.
Questão
Não há mesmo tempo a perder
Com a questão pouco lucrativa
De a gente, enquanto viva,
Deveras ser?
Muda
A muda a haver,
Quando se atinge o pior,
Só poderá ser
Algo melhor.
Boniteza
Boniteza que te agrade
Abre uma estrada.
Porém, boniteza sem bondade
Não vale nada.
Dano
A quem tem boa colheita
Pouco dano lhe fará nos fardos
A desfeita
De meia dúzia de cardos.
Pergunta
Quando alguém morre, o sobrevivente
Pergunta que é que ele deixou.
O anjo sobre ele jacente
Pergunta que é que adiante mandou.
Desgraça
Mais fácil de suportar
É a desgraça que veio
Que da desgraça o preliminar
Receio.
Olhos
Os olhos dos homens furam,
Os olhos de homens inteiros,
Procuram, procuram,
- São pássaros prisioneiros.
Erro
A paz
É da linguagem correntia a fase.
A guerra que a contrafaz
É um erro de sintaxe.
Beleza
Na juventude, a beleza é um dom.
Na velhice, refece,
É o que cada um, no próprio tom,
A si próprio oferece.
Rebento
Na planta, o rebento mais robusto
É o que cresce junto da mãe.
Com os homens, mais fácil ou mais a custo,
Também.
Medo
Quem não sabe o que quer,
(É só sentir...)
É porque medo há-de ter
De descobrir.
Fímbria
A alegria
Toca numa fímbria de algo
Tão para além que nem galgo
Ao patamar que anuncia.
Triste
O que é triste na alegria
É que a realidade
Desta via
É sempre uma raridade.
Felizes
Vivemos num mundo imperfeito.
O enguiço
É que vivemos muito felizes com o jeito
Disso.
Êxito
O êxito chega raramente,
Inopinado,
E desaparece, em regra, de repente,
Mal por ele se há dado.
Maquilhar
Não precisamos de maquilhar os olhos.
Precisamos de dois buracos de cogula no anteparo
Para podermos, sem antolhos,
Ver claro.
Sempre
Acto adiado,
Um qualquer,
É o que sempre há definitivamente ficado
Por fazer.
Fugirem
Se todos fugirem das coisas más
Em vez de darem cabo delas,
Só coisas más ficam para trás,
Do mundo em todas as vielas.
Difícil
Difícil, num sonho,
É combatê-lo.
Mais difícil ainda é se me proponho
De vez perdê-lo.
Porta
Há o amor que perdura,
A porta aberta:
O que encontra o amor é a procura,
Não a descoberta.
Estudou
Para ter vencido
O processo
É que o bem sucedido
Estudou o sucesso.
Perdidos
Perdidos, ninguém
Nem nós andamos.
Só não sabemos bem
Onde estamos...
Mistérios
Mistérios sobre mistérios, o conteúdo
Da vida na parada.
Julgamos saber tudo
E não sabemos nada.
Enfrentar
A pior parte da fuga
Não é a fuga às violências.
O pior é cada um enfrentar, desde que madruga,
As consequências.
Erros
Em frente progredir
E sem traslados:
Não há porvir em prosseguir
Erros passados.
Ajudar
Ajudar alguém
Sem esperar nada em troca
Sabe bem:
- Na vida a sério desemboca!
Beijo
Um beijo, um beijo de verdade
Pode começar,
Acabar
E continuar, afinal, como parte da eternidade.
Traz
A liberdade
Traz dos homens aos serões,
Quando nos invade,
Mil e uma preocupações.
Fácil
Sem responsabilidade,
Que fácil viver quanto se houver vivido!
Jamais, porém, há-de
Ter nenhum sentido.
Negra
A negra magia
Do que nos acontece:
O homem fia
Mas o diabo tece.
Assentas
Quando tu no chão poisas
Assentas no principal?
- Todos querem muitas coisas,
Não querem o essencial.
Ignorância
À ignorância não cabe
Da segurança o gozo:
Para quem não sabe
Tudo é perigoso.
Falsa
Que falsa a espiritualidade do homem
Tão convicto de ver Deus nas alturas
Que nem sequer vislumbra as solitárias criaturas
Que em redor dele se somem!
Bom
Um bom livro tem mais que uma pele,
Tem andares e andares
Para através dele
Trepares.
Fingem
Fingem as letras de mortas.
Basta correr de fugida
Os olhos, delas pelas curvas tortas,
E saltam, cheias de vida.
Deveras
Mais que de memórias
Ou de código genético,
Deveras profético
É que somos feitos de histórias.
Mais
O que há de mais desumano
No mundo
É o ser humano:
De tão fecundo, é infecundo.
Ávido
Ávido por temperamento,
Nada poderá saciar
Do homem a falta de ar,
Qualquer que seja o vento.
Destino
O destino nos estrangula.
Ou usamos a vontade
Promovendo a liberdade
Ou come-nos ele com gula.
Preciso
Bem-querer, mal-querer,
Tudo é do peito,
Mas até para querer
É preciso ter jeito.
Vale
Por mais que o dia seja cativo
E torto,
Vale sempre mais um cão vivo
Que um leão morto.
Par
Da felicidade
A maravilha,
Como o par que nos agrade,
Não se partilha.
Força
Força bruta
Sem inteligência para domá-la
É a bala
Do desastre à nossa escuta.
Receita
Receita para encontrar adiante
O que houver de interessante:
- Se não nos perdemos,
Nunca nos encontraremos.
Assinada
A paz assinada nos papéis
Só tem valor
Quando no coração também a assineis
De cada contendor.
Montão
A graça
Tem um montão de abrigos.
Só na desgraça
Conhecemos os amigos.
Mudam
Fica o mundo em cacos
Por uma razão:
Os fracos
Nunca mudam de opinião.
Podemos
Quando não há posses,
Não podemos ter exigências,
A não ser que engrosses, engrosses, engrosses
Todas as tuas minudências.
Leva
A mentira leva à dor.
A verdade,
Ao pendor
Da felicidade.
Sementeira
O casamento
Deveras
Não rima com sofrimento:
É a sementeira das eras.
Negar
Negar os próprios desejos
Não é solução
Numa relação:
- Mata-lhe mil e um ensejos.
Rugas
“Não franzas o sobrolho, querida,
Ficas com rugas na testa!”
Para que é que isto presta?
- Para fazer rugas na vida.
Casa
A casa isola do mundo.
É para nós, de verdade,
O refúgio fecundo
Ou o núcleo da tempestade?
Farão
Boas cercas,
Adivinho,
Farão de cada um de que te acercas
Um bom vizinho.
Prévio
No casamento
Este é o propósito:
Não há levantamento
Sem prévio depósito.
Andes
Não andes para aí a morrer
Uma vida omitida:
Oxalá logres viver
Todos os dias de tua vida!
Importante
Como é importante lembrar,
Em todos os ramos,
Quão importante é consertar
Aquilo que quebramos!
Cumpre
Cumpre a tua parte,
Que um dia os teus sonhos, de verdade,
Devirão, destarte,
Realidade.
Empréstimos
Sonha, que o que auguro,
No íntimo assente,
Pede empréstimos ao futuro
Para superar a dor presente.
Esquece
Quando o País se esquece de alguém,
Mais que à margem tolerado,
Simplesmente ignorado,
Alguém se esquece do País também.
Exige
Quem exige não ama,
Vive a ilusão agridoce
Da trama
Que gostaria que o amor fosse.