MÉTRICA  IRREGULAR

 

A  UTOPIA

 

 

Medo

 

O medo provém

De percepcionar-me doutrem separado,

Separado de alguém,

E, portanto, mais tarde ou mais cedo,

Provavelmente ameaçado

De ser por ele atacado:

 

O medo

É da pobreza de meu credo!

 

Se eu vivera

Na raiz do amor universal,

Continuaria a amar quem me perdera

Na fundura abismal

Que o tecera

E de Infindo o preenchera.

 

O medo trocaria então

Pela angústia da expectativa

Da revelação

Dum Deus que até nele me cativa.

 

 

Conjuntura

 

O medo

Duma conjuntura qualquer

É porque ainda não acedo

À Luz que ali houver.

 

A falta de amor

É uma prisão,

Da Luz por ausência do fulgor

No meu chão.

 

 

Semear

 

Semear a sabedoria da Luz

No mundo físico

É o fito humano que o imo traduz,

A evolução espiritual

Que de todo o narcísico

Abole o sinal.

 

Por aí o mundo inclino

A devir divino.

 

 

Muda

 

Tudo muda no caminho,

Nada é garantido,

Do riso no cadinho

À lágrima em sortido.

 

O maior rei, então,

Por um nada tomba em servidão.

 

A vida aparece

E logo perece.

 

Tudo é instável.

Como é que a perenidade

É aqui viável?

Quanto mais a eternidade!...

 

Resta a caminhada

Ao Infinito da estrada.

 

Raiz

 

Na raiz, os radicais

São bem pequenos:

- Sê mais,

Tem menos!

 

Depois não é demais

Saborear os trenos:

- Aprecia mais,

Pensa menos!

 

No terceiro patamar, jamais

Param de amear os acenos:

- Faz mais,

Queixa-te menos!

 

No patim seguinte, os sinais

Abrem-me a todos os terrenos:

- Aceita mais,

Julga menos!

 

Atingidos níveis tais,

É hora de abrir-me aos drenos:

- Escuta mais,

Fala menos!

 

Atolado em pantanais,

Como escapar à febre dos fenos?

- Vê para além, sorri mais

E a testa franze menos!

 

Escapado aos tremedais,

Os cumes atingirei plenos?

- Sempre entende e sente mais,

Duvida menos!

 

Eis os sete patamares

De o Infinito palpares.

 

 

Anseio

 

O anseio profundo

De com o outro me tornar um

É o fermento fecundo

De ser um com os mais, com o mundo,

Com o Cosmos a todos comum,

De ser Deus por inteiro,

Sem mais ruptura nem conflito nenhum...

- Deus principia no meu parceiro!

 

 

Prazeres

 

Quando um prazer mais elevado

For viável,

Prazeres menores hão-se tornado

Irrelevantes.

É inevitável:

Basta conectar-me à Luz a todos os instantes.

 É o novo local

Do Infinito com o fanal.

 

 

Abre-me

 

Abre-me a fé ao imprevisível,

Ajuda-me a aceitá-lo:

É do indizível

O abalo

E a premonição do regalo.

 

Saio de mim,

Do meu jardim de conforto esquecido,

E entro, assim,

No desconhecido.

 

Confio

Que o ocorrer é o melhor,

Embora meu ego, em desafio,

O contrário me grite, no estertor.

 

Cada abismo do caminho é um teste:

Que mais fé se manifeste!

 

Nada de dúvidas aquando dum bloqueio:

- É escolher e avançar, sem receio,

 

Dos turbilhões, sejam da vida ou da peste,

Para o meio.

 

Da fé todo o guerreiro

Fecundo

É um pioneiro

A inaugurar o mundo.

 

 

Inútil

 

Não é inútil a oração,

Inútil é pedir

Que os obstáculos que me hão-de vir

Sejam varridos do chão.

 

“Seja feita a tua vontade,

Não a minha”

- É a oração que de verdade

Ao Infindo me encaminha.

 

 

Medo

 

É urgente

Perder o medo de ousar,

De ir em frente,

Desbravar

Mais além

Do que alguma vez fui ou foi alguém.

 

Não há perdão

Para voltar a errar,

Senão

Se me ultrapassar.

Senão como crescer

No itinerário singular

Que me acolher?

 

Quando pela saúde

Pratico o gesto

Da virtude

 

E logro a cura,

Este é o manifesto

Da via segura

Que minha sina depura.

 

Opero o milagre

Quando ao mais além

Me consagre.

 

Indefinidamente, porém:

O fito

É não parar nunca.

O que meu caminho junca

É o Infinito.

 

 

Sexo

 

No sexo perdemos todas as batalhas,

Vivemos os maiores enganos,

Que mostra o que nunca somos nas cimalhas.

Todos temos os danos

Dos abismos,

Dos que os afectos afloram,

Dos que libertam sismos

Que um mundo novo namoram

E que já nele laboram.

 

Ora, quando me dou inteiro a mim

E ao meu caminho,

É o que me leva ao interior de tudo até ao fim,

Donde vislumbro um cantinho

Da eternidade,

E salto para além de toda a idade.

 

 

Gostar

 

Amar vai

Do gostar simples, ao gostar muito, ao gostar tudo.

É o que a continuar me atrai

E me desafia a desistir, contudo:

Quando falha ou falta dói tanto, dói,

Que em pó nos mói.

 

O Infinito, porém, divisa

Quando nos realiza.

 

 

Cósmica

 

A energia cósmica alimenta a vida

Nos ciclos sem fim,

Íntima medida

Da imensidão e de mim.

 

Requer mudança permanente

E a minha escolha constante,

Cada instante

É uma semente.

 

Como quero pertencer

À maravilhosa caminhada

Deste Universo a ser

A minha estrada?

 

Não é doutrina

Nem ideologia.

O que fascina

O meu dia

 

É que tudo radica

No gesto, na palavra e no acto

Que me implica,

Feito fio de retrós,

Em tudo o que ato e desato

Em cada um de nós.

 

 

Pouco

 

Pouco sei, não tenho pena.

Pena teria

Se crera que tudo sabia

Ou então

Que tinha sempre razão.

- Que estatura tão pequena!

 

Que seria

Da imensidão

Para além do meu pontão?

 

 

Angústia

 

Angústia de isolado pelo oceano,

Olhar volvido ao infinito

Onde tudo é belo e sem engano

- E quase o fito!...

 

Navio que chega à solidão

E parte sem nós,

Onde apenas sonhos vão...

- E aqui, dos caminhos, só os pós!...

 

Tanto queríamos ir

E não vamos!

Navio sempre a partir

E nós sempre ficamos...

 

 

Biliões

 

Dentre os biliões de humanos

Tu vês-me realmente,

És minha verdade sem enganos,

E eu vejo-te a ti à minha frente.

 

Insignificante

No infindo areal do Universo,

De nosso íntimo só no garante

Converso

O que é ser deveras importante.

 

E a promessa que encerra

De lavrar por inteiro toda a Terra.

 

É estrada

E é grito:

No nada,

O Infinito!

 

 

Precisa

 

Perdão

Precisa de ser sentido,

Não precisa de definição,

É ser vivido.

 

É a beleza de nos libertarmos,

Esquecermos o passado,

O momento abraçarmos,

Sem o deixar passar ao lado,

Com o passo seguro

De anteciparmos

O futuro.

 

 

Sirvo

 

Não sirvo homens, sirvo ideais.

As vertigens que os ideais causam, deploro

E gostaria de castigá-las, de brutais.

Os mártires que fazem, choro

E gostaria de salvá-los.

 

Apesar das ruínas e sangue de que os mancham, todavia,

Os sonhos mantêm-se puros, sem abalos,

Dignos da fidelidade que lhes voto cada dia.

 

Humilde, apenas sei

Que a verdade absoluta jamais deterei

 

Nem o certo, o definitivo caminho

Para a lonjura que no Infinito adivinho.