MÉTRICA  IRREGULAR

 

O  DEVER

 

 

Caminho

 

O caminho da vida

É para reparar e curar

A falta de amor,

De modo a podermos celebrar

A plenitude atingida

Do fraternal calor

Que no abraço cósmico é de supor.

 

Continua, porém, a persistir

Tanta falha até a Festa se atingir!

 

 

Peregrino

 

O peregrino da luz

Foca-se doutrem na virtude,

Descobre-lhe a presença na fundura que reluz,

Para que mais e mais lha revele em tudo a que alude.

 

Acolhe sem se opor,

Caminha sem resistir,

Deixando-se ir

Com a corrente

Do sol nascente

Por dentro do sol-pôr.

 

 

Presa

 

Enquanto o ego dominar

Em maré cheia,

A autenticidade irá ficar

Presa na cadeia.

 

A separação

Da verdade libertadora

Muito demora

Em nossa prisão!

 

 

Julgamento

 

Sei lá bem o que é melhor

Para mim ou para os mais!

Que julgamento irei propor

Em circunstâncias tais?

 

Apenas poderei peneirar factos

E arriscar,

Sem quaisquer pactos

De a quenquer julgar.

 

Discernir e escolher

O que a todos convier,

 

Mais nada,

Sem rotular ninguém em nenhuma estrada.

 

Até porque todos têm na fundura uma luz

Que a nada do que fizerem se reduz,

Tal é a cota,

Nem uma vida inteira a esgota

Nem traduz.

 

 

Importância

 

A importância que confere

Ao que outrem pensa, diz e faz

Permeabiliza-o ao que o fere,

Dali provindo, ladravaz.

 

Se abandonar a necessidade

De aprovação,

Acolhe os mais como são

E respira em liberdade.

 

Pode viver a sua própria integridade

Em qualquer situação,

A partir de então.

 

O ego quer aprovação exterior,

O imo quer apenas partilhar amor.

 

 

Tem

 

Quem pretende

Que tem sempre razão

Tem um senão

Com que o mundo inteiro ofende.

 

E por qualquer pataca

Em que der um tropeção

O mundo inteiro ataca

Que, afinal, poderia ser dele a salvação.

 

 

Importa

 

É sempre forçar

Pretender

Controlar.

Ora, ninguém força o Sol a nascer.

 

O que importa é entregar

E humilde acolher.

 

E, no fundo, se maravilhar

Com o que então nos ocorrer.

 

 

Disponível

 

Se apreciar

A vida a se desenrolar,

 

Disponível para quanto surgir

A seguir,

 

Acolhe as inúmeras alegrias diárias

Como oferendas solidárias.

 

Tudo é um presente

Do rio da vida na nascente.

 

 

Abre-se

 

Quem se questionar

Abre-se à revelação,

Logra voar,

Ganhar lonjura do chão,

Vê o panorama

Na amplitude que abarca toda a trama.

 

Então, de repente,

Atinge o sol que à flor da terra andava ausente,

 

E toda lhe ilumina

Nova luz a sina.

 

 

Fala

 

A luz do imo fala comigo

E mostra-me trilhos,

Mas a escolha que abrigo

É sempre minha, sejam quais forem os sarilhos.

 

As respostas estão dentro de mim

E cada escolha por onde vou

Fiel manifesta assim

Quem sou.

 

 

 

A má decisão

Que não for intencional

É boa então

E o mal não é mal,

É uma ocasião

De refazer e saltar

Para um novo patamar.

 

 

Fora

 

O problema que eu aliste,

Por mais que seja contundente,

Não existe

Fora da mente.

 

Se eu vivera em sintonia

Com o Universo,

Tudo eram meros factos com que converso

Dia a dia.

 

Não havia nenhum problema,

Apenas de cotio o meu tema

Para o qual talharia

A via

E o lema

Que depois seguia.

 

- Não há mais nada

Nas ignotas curvas da estrada.

 

 

Festa

 

Quando alguém nasce,

Nasce para a festa da vida.

Herda de antanho o que pasce

Nas pradarias com que lida

No cotio:

Os motivos de alegria

Mais os obstáculos do desafio,

Tanto a dor como a magia.

 

E é convidado

A pegar da magia no fermento

Até que toda a dor, desgraça e sofrimento

Haja em massa fermentado,

Tornando todo o mal no bem

Que a plenitude contém.

 

No caminho da festa

Não há só facilidades,

Há também das pedras a aresta

A rasgar a ferida funesta

Com que te desagrades.

Se, porém, queres ser quem presta,

Nunca, nunca te degrades.

 

 

Prazer

 

Insatisfação...

Como me contentar?

O prazer mundano

É limitação

E o ser humano

A procurar, a procurar

Sem nunca encontrar...

- Nada de impermanente

Me porá contente.

 

 

 

Pedagógico

 

É pedagógico sofrer

Se eu a dor encarar

Para de vez eliminar

O que da vida a fizer

Escorrer.

 

É fácil se vitimizar,

Difícil é ser feliz

Na desgraça que a vida pontuar,

Na injustiça terrena,

Plena

De atitudes vis.

Só se não condena

Quem inverter este rumo de raiz.

 

 

Perante

 

Perante os obstáculos

É enorme a impotência humana.

Como trepar aos pináculos

Por trilho que não engana?

 

Nem a reza

Nos trará qualquer certeza.

 

Resta apenas renunciar

Dela ao ingénuo efeito,

Resolvendo pelo melhor, sem alterar

Meu trejeito

Nem deixar perturbar

Meu peito.

 

Toda a dor

Revela minha fragilidade.

Não é, porém, de supor

Que me deixarei ser vítima de tal fatalidade.

 

 

Cuidado

 

Cuidado com os apegos!

Nem à satisfação dos desejos

Nem ao quadro próprio de crenças.

Não há sossegos

Nestes brejos,

Só doenças,

Só sentenças

De arquejos...

- Só despejos!

 

Tudo o que é humano

Pode ser desfeito.

Não nos demos ao engano,

Arranquemo-lo do peito.

 

- Então, quanto da vida nos vier

É só para agradecer.

 

 

Limita-se

 

Um ego,

Da fundura desligado,

Limita-se a ser apego

Por todo o lado

Menos àquilo a que deveria:

O imo que ao Infinito o impeliria.

 

E com que se fundiria logo ali, em concreto,

Sob o mesmo tecto.

 

 

Perde

 

Quando alguém perde o que existe,

Prisioneiro do que não existe já

E do que não existe ainda,

O presente mal persiste,

Entanguido acolá,

De energia quase finda.

É um ego dominador

A dar cabo do que um indivíduo for.

 

O presente

Preterido

É que era a semente

Do porvir doravante perdido.

 

 

Projecta

 

Quando alguém se inculpa,

Em si projecta a acusação

E a si se castiga.

Consigo briga

Então

Sem admitir desculpa.

 

Ora, o que é de eliminar

É ignorar a luz,

Com a abundância sem par

Com que nos seduz.

 

Dos pecados é o único pecado:

Pormo-nos de lado.

 

 

Descarrilar

 

O perfeccionista

Quer tanto ser perfeito

Que finda a descarrilar da pista,

Estatelado da vida no leito.

 

Ser perfeito é buscar atingir

A unidade completa com a Luz,

Coerente, a seguir,

Em cada gesto que na vida o traduz.

 

 

 

O pessimista vê os defeitos

E é só medo nos trejeitos.

 

O optimista vê oportunidades

E na vida tudo são alacridades.

 

Não há meio-termo:

Quem camufla aquele com este

Termina enfermo,

Não debelou a peste.

 

Só lendo no negativo

Toda a positividade

E nela assentando a actividade

Mes desmultiplico vivo.

 

Se não me desvincular,

Se não me reconverter,

Ando a noite a tapar

Com um manto pintado de alvorecer.

 

 

Ego

 

Se tomas algo a peito

E te ofendes daquilo com o trejeito,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se queres ser considerado

E parecer importante em todo o lado,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se queres mostrar que tens razão

E o outro está errado e sem perdão,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se culpas outrem, entrementes,

De tudo aquilo que sentes,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se te queixas dos problemas

E as doenças são teus lemas,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se reages com indignação,

Tempestade contra alguém ou algo, então,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se tentas causar boa impressão

Através de riqueza material,

Conhecimento com comprovação,

Boa forma, estatuto social,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se te preocupas com o que quenquer de ti pensa ou diz,

E não com tal pessoa, como ajudá-la a ser feliz,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se outrem usas para atingir teu fito

Ou te sentires a ele superior em qualquer quesito,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se exiges reconhecimento pelo que fizeste

E findas perturbado se falhar o teste,

 

É teu ego, simplesmente,

A controlar tua mente.

 

Se tentas chamar a atenção

De toda a forma, em toda a ocasião,

 

É teu ego, simplesmente,

A dominar tua mente.

 

Se sofres por não satisfazer ainda

Desejos, sonhos, ambições, em lista que não finda,

 

É teu ego, simplesmente,

A  quererdominar toda a gente.

 

A partir de teu imo

Ou constróis teu eu ou teu ego:

Teu eu o imo abraça e trepa ao cimo;

Teu ego desliga-se dele e cai no pego.

 

A escolha é tua

Em toda a pegada que imprimires na rua.

 

 

Importa

 

Pouco importa que tudo se unifique,

Menos ainda que se uniformize.

Importa que cada um desperte e se aplique

Ao melhor que na vida e no mundo divise.

 

A migalha singular

Multiplicada

É que dará lugar

A uma vida colectiva

Viva

E pejada.

 

 

Intimidade

 

Quando se confia

Da intimidade do Cosmos na sabedoria,

O efeito é a entrega.

Entrega ao momento presente

Que adrega

Ser o regaço

Para o abraço

Da mãe-natureza disponível perpetuamente.

 

 

Culpes

 

Não culpes outrem da noite

Que em ti houver:

Quem mais Luz quiser

Mais Luz terá de ser.

 

Que adianta sorrir sob o açoite

De emoções que todos os dias

Permanecerem sombrias?

 

 

Desejo

 

O desejo de ser único, individual,

E o desejo de ser aceite:

Qual,

Afinal,

Respeite?

 

Como equilibrar

O eventual

Contrário sinal

Sem me estatelar?

 

Quantos agem e pensam pelo que outrem espera deles,

Fazem o que outrem faz ou acha bem,

Cordeiros imbeles

De alma refém!

 

Liberdade,

Caminho além

Que equilíbrio te persuade?

 

 

Sozinho

 

Cada qual

É um sozinho existencial,

Apesar da total

Presença

De quem ama em sua íntima despensa.

 

Aprender a andar sozinho

É aprender outrem a amar,

No gesto adivinho

De outrem respirar,

Enquanto caminho

Meu troço de andar.

 

 

Lograr

 

Só quem lograr estar só

Logrará compartilhar,

Sem depender

Da mó

Doutrem para a fornada que moer

E cozinhar.

Nem vai ter,

Na vida ao ir,

Desejo de o possuir

Nem dominar.

 

A outrem confere inteira liberdade:

Dele nunca lhe depende a felicidade.

 

 

Frente

 

O desejo de ser aceite

À frente da autenticidade

De ser quem é,

Bom é que suspeite

Que gera a infelicidade

Que lhe dói no pé

E lhe tolhe a caminhada

Em toda e qualquer jornada.

 

Tanto doutrem depende

E tão menos se conhece

Que só se encontra doutrem na messe

Em cuja prisão se prende.

De si já nada rende,

Que de si, morto, se esquece.

 

 

Mestre

 

Qualquer relacionamento

É um mestre espiritual:

Toda a adversidade

É uma oportunidade

De desenvolvimento

Real.

 

De meu imo

No fermento

Vislumbro mais um degrau

De trepar ao cimo.

Então,

Salto a vau

Mais aquela inundação.

 

Foi um teste de meu par

Para me despertar

De mais uma terrena ilusão.

 

 

Sabedoria

 

Sabedoria relacional

É olhar bem dentro de si,

Ver no outro que é que ele colha,

Que mal

Eventualmente o tolha

E desdobrá-lo trabalhando aí,

Respeitando a própria escolha

E a dele que por lá vi.

Então, cada qual

Mais daquilo que na fundura for

Há-de findar mais e mais senhor.

 

 

Depende

 

O que em mim outrem representa

Depende de como assenta

O toco

Em meu confim:

Ora, sou eu que o coloco

Dentro de mim.

 

Aprendo a não manipular

Nem ser manipulado

Pelo que outrem diz, quer ou faz?

Então o conflito há-de gerar

Um novo estado,

Num novo patamar

De paz.

 

 

Noite

 

A noite escura do imo

Donde me vem toda a luz

Traduz

A infinita lonjura do cimo.

 

Abandono a noite

Quando me abro à mudança,

Com toda a dor que me acoite

Da vida nesta eterna dança.

 

Quando, a quanto for obsoleto,

Não ofertar mais tecto.

 

 

Nota

 

Se alguém viver desesperado

Por um amor que não vem,

Quenquer que lhe viva ao lado

Nota que é um pedro-sem

De medo e vulnerabilidade:

Vai-se afastar e fugir,

De tanto desconforto que há-de

Sentir.

 

 

Ninguém

 

A fantasia

Do príncipe ou da princesa

Que no amor encontraria

É sempre do ego ser presa:

 

Ninguém me fará feliz

Se eu o não for por mim, de raiz.

 

Os que por ali seguirão

Precipitam-se na desilusão.

 

 

Carência

 

A paixão

A carência oculta.

Aí sepulta,

Não tem duração.

 

Confrontada com o real,

Logo leva a sentir mal:

 

Nunca preenche o vazio

Que era dela, afinal, o desafio.

 

Degradada a poesia em prosa,

Só conflito e cobrança é o que ali alguém goza.

 

 

Esperar

 

Sem paixão

Ninguém se uniria

Pela atracção

De esperar o novo dia.

 

Depois são as alpondras a lançar

No turbilhão da corrente

Para a correr cada qual se jogar

No dia em frente.

 

 

Resolver

 

Resolver um mal

É com cada um, a sós.

O outro apenas activa o sinal

Que o estimula a desatar os nós.

 

Quem não entender isto

Pode passar a vida inteira

Sem qualquer registo

De haver superado aquela asneira.

 

Pode findar tão vazio e incompleto

Como se não viveram sob o mesmo tecto.

 

 

Igual

 

Igual opinião,

Igual crença?

O que me obriga a crescer é a tensão

Da diferença.

 

É aceitar,

Respeitá-la em quenquer

E desatar

A correr:

Só no fim do caminho

O encontro de sínteses superadoras adivinho.

 

 

Saber

 

Saber amar

É ser criativo,

Nunca destrutivo

Ao se relacionar,

Capaz de compaixão,

Não apenas de paixão,

Aceitar o outro tal como é,

Espelho de si, de si ao pé,

Desejá-lo feliz

E contribuir para a felicidade que ele quis.

 

 

Roupa

 

Amar sem sofrer

Não é questão:

Crescer

Traz sempre à roupa um rasgão.

 

A dor vem do apego:

Abolindo-o é que atingirei o sossego.

 

Aprender a amar

É aprender a me desapegar.

 

O amor traz felicidade,

O apego traz sofrimento:

Quem, de verdade,

Hesita na escolha do fermento?

 

 

Enquanto

 

Enquanto a emoção,

Com o pensamento em apego,

Prender toda a atenção,

A mente, de entrada,

Findou dominada

Pelo ego.

 

Explodida,

Controlada,

Contida

Ou até destruída,

A emoção, àquele que mantém

Refém,

Leva a ver a realidade distorcida.

 

Domínio emocional

É lidar com a procela

Duma emoção, mesmo letal,

Sem se deixar subjugar por ela.

 

Aí muda a nossa forma

De lidar com o exterior,

O que o conforma

Com outro pendor:

Pode seguir do Amor

Finalmente a libertadora norma.

 

 

Chorar

 

Se chorar rendido

Por também ser responsável

Pelo que houver atraído,

O ego em si silencia incontornável.

 

Se chorar com auto-comiseração,

O ego alimenta.

Então,

Nenhum milagre inventa

Que rasgue qualquer clarão

No meio da tormenta.

 

 

Muita

 

Quando não dou muita importância

Ao que acontece

É que aparece

A relevância

Do que é mesmo essencial:

- Ora, este é que é o rumo primordial.

 

Deixemos então arder no velório

O transitório.

 

 

Ouvir

 

Ouvir é uma virtude

Que dilui a ignorância.

O outro a si grude

Numa inocência de infância.

 

Não é um silêncio altivo,

É o acolhimento vivo.

 

Aí vai crescer,

Sem por tal dar sequer.

 

 

Causas

 

Se não se libertar

Das causas da infelicidade,

Orar e meditar

De pouco valem, de verdade.

 

Se escolher viver feliz,

Orar e meditar

Brotarão espontâneas de raiz,

Seja qual for o abismo a saltar.

 

 

Medo

 

O medo de perder

Leva a apegar.

Melhor é aceitar

A impermanência do ser.

 

Devagarinho

Ou depressa,

Todo o caminho

Tropeça

E a inelutável perca

De mim se acerca.

 

Aceitá-lo

Em mim diminui o abalo.

 

Livre fico

Da novidade para o perene salpico.

 

 

Tudo

 

Tudo com que me cruzar

É de usufruir

E me mudar.

Se do caminho sair,

Algo há-de haver para entrar.

O que no trilho ficar

É que útil será fermento

De meu desenvolvimento.

 

 

Renunciar

 

Renunciar ao apego

É saltar fora de cada pego:

 

O de ficar satisfeito

Com recursos e respeito

 

E o de insatisfeito, a par,

Por recursos ou respeito lhe faltar.

 

O de ficar satisfeito

Ao sentir prazer

E o de insatisfeito,

Por tal não ter.

 

O de ficar satisfeito

Com a boa reputação

E o de insatisfeito

Por tal não vir à colação.

 

O de ficar satisfeito

Por receber elogios

E o de insatisfeito

Por faltarem tais amavios.

 

Riqueza e reputação

De desligar sempre serão,

 

Da liberdade alicerce

Em que tudo então irá converter-se.

 

 

Meditar

 

Meditar na morte

Reduz o apego

À trivialidade da sorte,

Àquilo em que outrem nego.

 

Se amanhã irei morrer,

Que importa o diamante

Que, da morte diante,

Me vens oferecer?

 

 

Dois

 

Se só tens dois dias de vida,

Que mexida!

 

A casa para limpar...

Quem se vai preocupar?

 

Ir às compras, talvez,

Pelo prazer da derradeira vez.

 

Falar com quenquer que se deseja,

Pouco importa a rejeição que se anteveja.

 

Perder tempo a falar mal?

Qual?!...

 

O perfume, a roupa nova...

- Agora é que é tudo posto à prova!

 

Cada momento seria, afinal,

Deveras especial.

 

- E é que a todos nós só dois dias de vida

Nos restam dela, mal medida.

 

 

Resiste

 

Resiste ao medo, à dúvida, ao preconceito,

Ao desejo de escolher o mais rápido e fácil caminho,

Quando o estreito

For o certeiro

Carreiro

Que adivinho.

 

Resiste ao desejo de exibir à plateia diante

Como és inteligente e interessante.

 

Resiste ao desejo de mostrar quem manda,

De pôr todos no lugar,

Mesmo quando a razão já o anda

A operar.

 

Para que tudo à Luz consagres,

Caminha como a viver perenes milagres.

 

 

Despedir-me

 

No momento de regressar

À minha casa verdadeira,

Terei de despedir-me e abandonar

A casa derradeira

 

Que fica para trás,

Por mais bonita que seja,

Finalmente na paz

Que meu imo almeja.

 

 

Truque

 

Nada dura eternamente.

Um dia irá parar

E vai ser mau, certamente.

O truque é desfrutar

Da sinecura

Enquanto dura.

 

Então a vida

Fica mesmo colorida.

 

 

Esperança

 

Os Três Reis Magos...

Que lhes importava Jesus?

Perseguiam, de olhos vagos,

Era a esperança que Ele traduz.

 

Ninguém encontra a luz

Em lugares escuros:

Não há esperança a olhar para baixo

Nem para trás. Só altos muros:

Aí ninguém nem eu me encaixo.

Dos Reis Magos sob o clima,

Só olhando para cima.

 

 

Siga

 

Não siga sempre as curvas

Por onde o caminho leva,

Há muitas águas turvas,

Muita treva.

 

Num jeito adivinho,

Deixe atrás de si o brilho,

Desviando por onde inda não há caminho,

Dum novo trilho.

 

 

Simples

 

É simples a escolha:

Ou és criação

Ou és destruição.

De ambas qual tua recolha?

 

Se tiverem de ser ambas,

Qual a prioritária para onde descambas?

 

Em ti da cumeeira humana o viso

É o que diviso

 

Ou é da caverna a negrura

Que nenhuma luz cura?

 

 

Natal

 

No Natal acreditamos

Que vale a pena mudar.

E vale a pena.

Provamos,

Num instante singular,

Como é infinda qualquer vida pequena.

 

Um instante numa vida de ausências

E distracções,

De causas perdidas e demências,

Demissões...

 

Que força,

Se verdadeiro!

Se rejeitar o erro que nos distorça

E for pioneiro!

 

Se o repetirmos ao acordar,

É a magia

A segredar

Um Natal em cada dia.

 

 

Distinção

 

Distinção de raça, religião, cultura, etnia...?

O que importa é a pessoa:

Um humano ali de vigia,

A impedir a vida à toa,

A germinar o dia.

 

Se for boa,

Muito bem.

Se o não for, porém,

Em vez de piorar,

Agredindo,

Vou ajudá-la a melhorar,

De cor o dia revestindo.

 

 

Abraçar

 

Abraçar toda a gente de bem

Que conheci:

Amigos, inimigos também,

Que não vale a pena odiar,

Invejar...

- Isto é tempo que perdi,

Uma escorregadela

Que do invejoso o lado

Atropela

E nunca o invejado.

 

E nos mantém pequenos

Em todos os terrenos.

 

 

Lutar

 

Ter outras vidas para cuidar

É lutar para serem melhores,

Cada qual viver com o seu par,

No lar,

Em paz, por maiores

Que sejam os furores.

 

- É a receita

Da via estreita

De cada trilho

Que assegura a colheita

Filho a filho.

 

 

Perda

 

A perda está sempre presente,

Cada dia perco um dia,

De vez ausente.

 

Não perco, todavia,

Quem amei algum dia.

 

De vez em quando,

Quando sozinho veles,

Vai falando

Com eles.

 

Se escutares atento,

Ouvirás,

Do imo na voz do vento,

A resposta que traz.

 

O silêncio fica então cheio

De mágico recheio.

 

 

Rumo

 

Amargo?!

Importa é o rumo para o melhor!

É de vida o nosso encargo

Maior.

 

A bondade ajuda

Bastante:

Tudo muda

Adiante.

 

Crentes ou ateus,

Todos temos de visar o mesmo deus

 

No homem.

Porque tantos se consomem

 

E digladiam,

Em vez do deus que no homem construiriam?

 

 

Ânsia

 

Sociedade global:

Ânsia de felicidade

Paradoxal,

- Falta solidariedade!

 

Luta por sobrevivência

Até nos viciarmos

Em não olhar para trás,

Sempre a caminharmos

De preferência

A direito, sem repararmos

No que isto faz.

 

Pisamos as vidas

Ressentidas

Dos que teimamos em não conhecer.

 

Que sentido

Pode ter

Assim eu ser

Em pisadela convertido?

 

 

Respeito

 

A honestidade

É, sem subserviência,

O respeito e a humildade

Em toda a vivência.

 

Humildes perante nós,

Perante o nosso trabalho,

Perante os mais, de hoje e de após,

Ante o que venço e o que falho...

 

Tentar

Sempre, sempre melhorar,

 

Que a vida só tem significado

Se útil for a quem mundos além caminhar

Ao meu lado.

 

 

Gestão

 

A má gestão sempre gira,

Porque finge,

Entre formas de mentira.

E a todos nos atinge.

 

Quem finge que gere

Destrói,

Por quanto nos fere

E mói.

 

Quem finge que sabe

Engana:

Nada nele cabe

Do que se ufana.

 

Quem finge que paga

Arruína,

Na interminável saga

Da insistência a que a vítima destina.

 

Quem finge que poupa

Esbanja:

Perde-se-lhe na roupa

A falida granja.

 

Quem finge que governa

Governa-se a si,

Depois é a desculpa eterna

Dum eterno alibi.

 

A mentira é vil,

Rastejante e cobarde,

Retira cada ceitil

À defesa que dela por mor arde.

 

Contra a mentira que nos calha

Não há justiça que valha.

 

 

Nada

 

Nada dar

Do muito que fatalmente teremos

A solidão há-de adensar

Até que de todos nos afastemos.

 

Irá criar

A amargura sem par

 

De nem consigo quenquer

Lograr viver.

 

 

Transpor

 

Há sempre viabilidade

De transpor deficiências,

Não sabemos é em que idade

Nem à custa de que paciências.

 

Ícaro morreu

Com as asas derretidas,

Mas hoje trepamos ao céu

Até lonjuras desmedidas.

 

Se gostarmos mais de nós,

Não diremos mal dos mais

Nem esperamos após

Tão pouco de nossos sinais

Vitais.

 

Passar-nos-ia a voraz

Necessidade

De quem luta tenaz

Pelo anseio que o invade.

 

Lograríamos dar as mãos

Em busca da ideia

Que nos arroteia

Os novos chãos.

 

Ela por aí brota.

Somos nós quem nos derrota.

 

 

Envelhecimento

 

Que o envelhecimento que fito

Não seja marcado pelo abismo

Entre o sonho que sonhei dum Infinito

E o poder

De ainda viver

Com que me crismo.

 

Recuso ser assassinado

Antes de ter nascido,

Doutro modo acabarei trucidado

Todos os dias de cada ano vivido

E a todas as horas, na sangria

De cada dia.

 

 

Simples

 

Das coisas simples o sabor,

A sabedoria ancestral,

Dum sorriso infantil o palor,

A frescura matinal

Pelas colinas da terra

Que o alvor

Descerra,

O fervor

Do animal

De companhia,

O valor

Dos que sonham um novo dia...

 

Estes, os desiguais

Inovadores,

Discretos transformadores

Ou revolucionários ideais,

Não se esquecem de sorrir

Quando acordam dum mundo a dormir.

 

- Como tudo isto fermenta

Dum mundo novo a ementa!

 

 

Medo

 

Medo da morte?!

Essa agora!

É uma sorte

Esta demora

Pelas paisagens da vida:

Vislumbrar o mistério ali à frente

E viver encantado à medida:

- Intensamente!

 

 

Nós

 

De nós que dirão?

Que fui útil.

Fútil,

Não,

Que servi os mais

Com amor, dedicação,

A dar o melhor de mim para encher-lhes os bornais

Com bens de todos os matizes

Para serem felizes.

 

Não pelos bens,

Mas do amor pela partilha

Que através do bem reténs

E que cada um compartilha

E com que com os mais se envencilha.

 

 

Presto

 

Pela fama, pelos prémios, é por isso

Que cá estou?

Não, é pelo serviço

Que presto por onde vou.

 

Para dar o melhor de mim

Até ao derradeiro confim.

 

O melhor prémio?

Do público o aplauso

Que causo,

Ao sentir-se de mim gémeo.

 

 

Vale

 

Não vale a pena a vaidade,

A grandeza é colectiva.

Quanto melhor

O labor

Da comunidade,

Melhor o nosso

Que ele motiva.

De mãos dadas trepamos o fosso

Da alvorada festiva.

 

 

Gostaria

 

Gostaria de me transmudar

Em milénios de cultura e de saber

Para um novo bem-estar

Oferecer

 

A este mundo de humanos

Que tanto trouxe ao planeta

E que este doravante veta,

Por mor dos enganos

Que a humanidade hoje em dia cometa.

 

É uma pena

Não termos do abismo a visão plena

 

Para medir de alto

O tamanho do salto.

 

 

Mandem

 

Como é possível que tão poucos

Mandem tanto em tantos?

Andamos todos loucos

A ferir-nos pelos cantos.

 

É a democracia

Das ansiedades e depressão

Quando deveria

Ser conquista do humano coração.

 

A evasão emocional

A dar força ao delírio, à petulância

E ao desnorteamento visceral,

Morte moral

A invadir qualquer instância,

Da imaginação ao gosto

E, de evidência,

Aposto,

Até a inteligência.

 

 

Desista

 

A História nos ensina

Que ninguém desista de mudar.

Mesmo a sina

Que lhe calhar.

 

Muda o velho

Porque inda aprende.

O jovem, pelo que sente que um conselho

A bem de todos rende,

 

Ou porque sinta

Que algo implantado lhe minta.

 

Tudo muda.

A colheita, então, poderá ser graúda.

 

 

Façam

 

Quando alguém morre,

Por maior que seja,

Não façam dele um herói.

Foi o que foi.

Agora, tu corre

Rumo a quanto o mundo almeja!

 

Ele foi um mero caminhante

E, se foi grande,

Toma tu em mãos o que o comande,

Sê como ele um cavaleiro andante!

 

 

Nunca

 

“Eu amo-te e tu dormes...

Nunca estaremos conformes.”

 

- E Deus encolhe os ombros

Por entre humanos escombros.

 

E di-lo a mulher

Ao marido traidor.

E di-lo o enamorado àquela que quer,

Distraída com o fulgor.

 

Dizem-no todos os apaixonados...

- E o fogo a extinguir-se por todos os lados!

 

 

Muro

 

Se, de repente,

Tudo vai pelo pior,

É ponto assente:

Ao muro vê como o transpor.

 

E agora,

Sem demora:

 

- Tira o dente,

Finda com a dor!

 

 

Máquina

 

O homem criou a máquina que não vivencia

O sentimento.

Seguem-lhe os demais homens a via

A todo o momento.

 

Máquinas a fingir de homens dirigem

Povos inteiros:

Os ditadores exigem,

Máquinas de força nos roteiros;

Os artistas que mais vigem

São do talento autómatos pioneiros...

 

O trágico da sequela

É que nem reparam nela.

 

Tudo ocorre no momento

Em que pela dor foi atingido:

“Se eu não tiver sentimento,

Nunca mais serei ferido”.

 

Metido nesta tranvia,

Nunca mais verá nascer o dia.

 

 

Efeito

 

Pode principiar

Por impactar

O mundo que o rodeia,

Sendo amável, escutando,

De boa vontade dando,

Ante quanto ali ameia.

Mais que luz

Duma candeia,

Então produz

Efeito em cadeia.

 

Quem por ali principia

Faz da noite a luz do dia.

 

 

Evitarei

 

Evitarei aqueles cujos sonhos morreram,

Que os calcaram,

Esmagaram

E esqueceram.

 

Que esqueceram que sempre houve sonhos

E sonhadores,

Que apenas os viram doutrem nos olhos risonhos

E deles desdenharam, desertores.

 

Que sempre murmuraram

Que só eram bons para idiotas.

Evitarei os que tombaram,

Tortos,

Nas fatiotas

De mortos com seus sonhos mortos.

 

 

 

A fé que não concitas

É o que todo o bem te aponta:

Saúde, longevidade, a alegria que visitas

Quando uma visita te agrade...

- A fé todo o mal afronta.

Se não tens fé nem a imitas,

Ao menos faz de conta.

 

 

Demanda

 

Que conheças o amor

Que andou em tua demanda toda a vida!

Ele até agora, com fervor,

Não tinha entendido

E a chamada ficou inatendida.

Que ele veja teu bom coração, por aí perdido,

E te ame pelo que tens de melhor!

Mereces de verdade

Que te encontre a felicidade.

 

 

Crer

 

Todos temos

De ser ateus

Para crer em Deus,

Porque o deus em que cremos

É o nosso, não é o dos céus.

 

É um deus de mentira,

O dos céus toca sempre noutra lira,

 

Embora a melodia

Tenha um eco que sempre aqui se escutaria.

 

 

Treparam

 

Os que treparam ao topo,

Falsos deuses,

Que brindas com o copo

Até à hora dos adeuses,

 

Rodeados de gente,

Morrem de solidão.

É o inferno

Eterno,

No mundo permanentemente

À mão.

 

- Não há meio de aprendermos

Da vida a regra e os termos!

 

 

Escravo

 

Sem ardor,

Nada se pode gerar,

É como se tudo fora dum senhor

E eu, o escravo a laborar.

 

Com mentalidade de escravo,

Como é que de liberdade me inundo

E agricultor a cavo

E fecundo?

 

 

Sofrimentos

 

Os sofrimentos humanos,

Mesmo os mais plenos,

São enganos:

Motivam-nos sempre motivos bem pequenos.

 

Somos de vistas curtas:

Do Cosmos ante a imensidão

Que valem nossas barcas surtas

Neste ínfimo chão?

 

 

Derrubando

 

A instrução

Torna os indivíduos porventura selvagens,

Derrubando no chão

O que de antanho herdaram das viagens.

 

No entanto, é urgente instruir-se,

Senão é o porvir que há-de esvair-se.

 

Ora, sem porvir,

Que importa ao presente

Prosseguir,

Se fica assente

Que não pode progredir?

 

 

Lembrará

 

Quem se lembrará de Deus

Se não for o pecador?

A dor

É a chave dos céus

Só porque na alegria

Só ego e mais ego se anuncia.

É pena,

Que a recompensa não seria nada pequena.

 

 

Força

 

A força da inovação

Reside por inteiro

Na mão

Do cientista e do engenheiro.

 

Quem faz deles exportação

Perde a competição

E o dinheiro.

 

 

Medo

 

O medo mata a mente,

É a pequena morte negra

Que, em regra,

Leva à morte, definitivamente.

 

Que cruze através de mim

Até que, por fim,

 

Uma vez passado,

Eu haja inteiro restado!

 

 

Vale

 

Antes de tempo, preocupações?

Não vale a pena.

A cada cena

Seus bordões.

 

E basta,

Ou a vida,

Em vez de vivida,

É gasta.

 

 

Promessas

 

O altar

É das promessas o lugar

 

Que se não podem cumprir,

A seguir.

 

Palavras bonitas

Em que o porvir

Concitas,

Na esperança vã

De que se cumpram amanhã.

 

Ora, qualquer aura mágica

Finda trágica.

 

Inventamos histórias,

Em vez de relações de verdade,

À espera de que as memórias

Devenham realidade.

 

Arrastados pelo mar

Dos sentimentos e emoções,

À costa rochosa acabamos por dar,

Do real na onda das contusões.

 

Trocamos um momento de glória

Por anos de luta amarga,

Por ignorarmos de nossa concreta história

A tremenda carga.

 

Como é que quem só pretende ser

Feliz

Deita assim tudo a perder,

De raiz?

 

 

Atenção

 

Para o apelo de minha interioridade

Quando a atenção me desperta

E a inatingível harmonia

Devém minha ordem do dia,

Então a verdade

Liberta.

Dentro e fora de mim

Caminharei rumo ao grande Fim.

 

 

Procure

 

O amor não faz sofrer,

Nem faz sofrer o bom casamento.

Quem o não tiver

Procure do tormento

O fermento.

Há-de ver

Que é da mentira

Que num ou nos dois confira.

 

Uma vez desmascarada,

Para além da silveira rompe uma estrada.

 

 

Confronto

 

O sofrimento vem do confronto entre a ilusão

Na relação

E a verdade

Do convívio com outra personalidade.

 

Quem crer num mundo de sonho

Levado aos céus

Sofre, medonho,

Do tombo na terra os escarcéus.

 

O mágico guia

Procura a felicidade,

Renunciando à fantasia,

Na realidade.

 

A realidade pode ser

Mais alegre e apaixonante, connosco de mãos dadas,

Que qualquer

Conto de fadas.

 

 

Recusa

 

A recusa em desistir

Da fantasia

É o Pai Natal insistir

Que cada dia,

A toda a hora,

Nos adora.

 

Encantador na criança,

No adulto o que alcança

 

É que a criança nele demora

E lhe entrava de mansinho

O caminho

Vida fora.

 

 

Moinha

 

Quando um casal

Discute,

Cada qual

Quer que o outro escute,

Mas ele, não, por sinal:

Prepara o novo argumento

Sem dar conta de que é moinha ao vento.

 

Ou estão a falar

Ou à espera de vez,

Erguem muros de isolamento tenaz,

De raiva na tez.

 

À medida que a grita alteia o tom,

Desvia o rumo,

Descarrila em acusação,

Mútua recriminação.

 

Em resumo,

Retornam ao choro desolado

Do bebé abandonado,

 

Em vez de mutuamente se olharem

Em busca da ponte de se encontrarem.

 

 

Circunstâncias

 

Há sempre circunstâncias

A que um casamento qualquer,

Sejam quais forem as instâncias

A que recorrer,

Não poderá sobreviver.

Mas a humildade levar

Vai muitos a se salvar.

 

 

Perda

 

Problema não resolvido

De antanho

Mantém-nos em sentido,

É só perda, nunca ganho.

Vai ficar sentado à mesa

Sem convite, de certeza...

Para o controlar

Em vez de ser controlado,

Só se entendido o encarar

E o modelar

Noutro traçado.

 

 

Esperamos

 

Todos esperamos tudo

A correr pelo melhor.

Esta esperança, contudo,

Se não for

Esforço e determinação,

Vai findar em frustração,

Num estado mero

De desilusão

E desespero.

 

A vida traz o imprevisto:

Doença, morte, desemprego...

Que é que irei fazer com isto?

É sempre um desassossego!

 

Ou logro a reparação

Ou então...

 

 

Falsa

 

A falsa reparação,

Afinal,

Prejudica a união

Conjugal.

 

Teve um caso no labor

Que alterou para melhor

Com o cônjuge a relação?

 

É uma fuga,

Não houve reparação,

Que nada foi consertado.

No par que aluga

Virou a cara para o lado,

Para além de corroer,

No final,

Qualquer

Alma que o casal

Inda tiver.

 

 

Egocêntrica

 

A dependência,

Egocêntrica doença,

É tudo auto-complacência.

Quem atura tal sentença?

 

Até porque o dependente

Escolhe a droga

Em detrimento de qualquer ente

Que o amar

E, dele em lugar,

Nela se afoga.

 

 

Efémera

 

O vigor e a animação

Da efémera juventude

Muito nos ilude

O coração!

 

E é inexorável:

Não é jamais recuperável.

 

A lição dos anos, porém,

Um infindo potencial

Detém

Para quem queira reconhecê-lo

Como tal:

É só aproveitar e vivê-lo!

Viver prisioneiro da saudade

É que é uma mortal

Fatalidade:

Corta as asas à vida

E então não há saída.

 

 

Corrigir

 

Corrigir o negativo

Que ocorreu

Não é remoer ao vivo

A ferida que se abriu.

 

É fundar-se na verdade

Vivida,

Escolher o trilho da possibilidade

De renovar cada ida,

Em lugar da batota

Da complacência e derrota.

 

Quem por ali vai

Ergue-se do chão,

Não cai,

Seja qual for o tropeção.

 

 

Velas

 

Numa vera relação,

Ambos empunham as próprias velas

Sem apagar nenhuma delas,

Jogada ao chão.

 

Contudo, às vezes, tu segues o teu caminho

E eu o meu.

Talvez a meio, no terreno maninho

Nos encontremos, uma ponta de céu...

 

Casais separados,

Embora juntos

Para assuntos

Maltratados.

 

Ela é a casa,

Ele, o escritório,

Cada um com sua brasa

Nunca juntas no incensório.

 

De repente, a questão

É se é bom para mim

Ou não,

Esquecendo-me de perguntar, assim,

Se é bom para a relação.

 

Deixamos de conversar,

De praticar amor,

De partilhar

De sonhos o calor

Do futuro

Que assim já nem auguro.

 

Acabam tão distantes

Que já nem logram ver

As luzes tremelicantes

Das velas que andarem a acender.

 

Mas há uma terceira vela

Lá no fundo do caminho

A espreitar, pela janela,

Feita estrela,

De cada qual alumiando o solitário escaninho.

 

Dois indivíduos distintos,

Plenamente conscientes,

Poderão concordar, famintos,

Percorrer então juntos, pacientes,

Persistentes,

O mesmo feérico caminho.

 

- E já nenhum fica sozinho!

 

 

Basta

 

Basta que um se revolte

E domine o medo

Para que um prego se solte

Na máquina totalitária do credo

Político, ideológico, religioso...

 

- E tudo principia a ranger,

Até se encravar, um dia qualquer.

 

O fogo que se ateia

No restolho seco

Basta quando num ameia,

Logo dos reféns há-de explodir o beco.

 

 

Trabalho

 

Que o trabalho aproveite a quem trabalha

E só depois a quem calha

Que se conjugue na calha

De quem trabalha:

 

Todas as modalidades de capital,

Todas as modalidades de mediação.

Tudo o mais, afinal,

Não.

 

É uma perene leviandade

Inverter a prioridade.

 

 

Utopia

 

Força não é desumanidade,

Ódio não é justiça,

Política não é terror.

Por mais que a utopia nos agrade,

Isto é o que a enguiça,

Converte em gelo todo o calor.

 

Quando neste atoleiro cai,

Tudo trai:

 

Nada mais tem da utopia o selo,

Toda se tornou num pesadelo.