MÉTRICA IRREGULAR
O DEVER
Caminho
O caminho da vida
É para reparar e curar
A falta de amor,
De modo a podermos celebrar
A plenitude atingida
Do fraternal calor
Que no abraço cósmico é de supor.
Continua, porém, a persistir
Tanta falha até a Festa se atingir!
Peregrino
O peregrino da luz
Foca-se doutrem na virtude,
Descobre-lhe a presença na fundura que reluz,
Para que mais e mais lha revele em tudo a que alude.
Acolhe sem se opor,
Caminha sem resistir,
Deixando-se ir
Com a corrente
Do sol nascente
Por dentro do sol-pôr.
Presa
Enquanto o ego dominar
Em maré cheia,
A autenticidade irá ficar
Presa na cadeia.
A separação
Da verdade libertadora
Muito demora
Em nossa prisão!
Julgamento
Sei lá bem o que é melhor
Para mim ou para os mais!
Que julgamento irei propor
Em circunstâncias tais?
Apenas poderei peneirar factos
E arriscar,
Sem quaisquer pactos
De a quenquer julgar.
Discernir e escolher
O que a todos convier,
Mais nada,
Sem rotular ninguém em nenhuma estrada.
Até porque todos têm na fundura uma luz
Que a nada do que fizerem se reduz,
Tal é a cota,
Nem uma vida inteira a esgota
Nem traduz.
Importância
A importância que confere
Ao que outrem pensa, diz e faz
Permeabiliza-o ao que o fere,
Dali provindo, ladravaz.
Se abandonar a necessidade
De aprovação,
Acolhe os mais como são
E respira em liberdade.
Pode viver a sua própria integridade
Em qualquer situação,
A partir de então.
O ego quer aprovação exterior,
O imo quer apenas partilhar amor.
Tem
Quem pretende
Que tem sempre razão
Tem um senão
Com que o mundo inteiro ofende.
E por qualquer pataca
Em que der um tropeção
O mundo inteiro ataca
Que, afinal, poderia ser dele a salvação.
Importa
É sempre forçar
Pretender
Controlar.
Ora, ninguém força o Sol a nascer.
O que importa é entregar
E humilde acolher.
E, no fundo, se maravilhar
Com o que então nos ocorrer.
Disponível
Se apreciar
A vida a se desenrolar,
Disponível para quanto surgir
A seguir,
Acolhe as inúmeras alegrias diárias
Como oferendas solidárias.
Tudo é um presente
Do rio da vida na nascente.
Abre-se
Quem se questionar
Abre-se à revelação,
Logra voar,
Ganhar lonjura do chão,
Vê o panorama
Na amplitude que abarca toda a trama.
Então, de repente,
Atinge o sol que à flor da terra andava ausente,
E toda lhe ilumina
Nova luz a sina.
Fala
A luz do imo fala comigo
E mostra-me trilhos,
Mas a escolha que abrigo
É sempre minha, sejam quais forem os sarilhos.
As respostas estão dentro de mim
E cada escolha por onde vou
Fiel manifesta assim
Quem sou.
Má
A má decisão
Que não for intencional
É boa então
E o mal não é mal,
É uma ocasião
De refazer e saltar
Para um novo patamar.
Fora
O problema que eu aliste,
Por mais que seja contundente,
Não existe
Fora da mente.
Se eu vivera em sintonia
Com o Universo,
Tudo eram meros factos com que converso
Dia a dia.
Não havia nenhum problema,
Apenas de cotio o meu tema
Para o qual talharia
A via
E o lema
Que depois seguia.
- Não há mais nada
Nas ignotas curvas da estrada.
Festa
Quando alguém nasce,
Nasce para a festa da vida.
Herda de antanho o que pasce
Nas pradarias com que lida
No cotio:
Os motivos de alegria
Mais os obstáculos do desafio,
Tanto a dor como a magia.
E é convidado
A pegar da magia no fermento
Até que toda a dor, desgraça e sofrimento
Haja em massa fermentado,
Tornando todo o mal no bem
Que a plenitude contém.
No caminho da festa
Não há só facilidades,
Há também das pedras a aresta
A rasgar a ferida funesta
Com que te desagrades.
Se, porém, queres ser quem presta,
Nunca, nunca te degrades.
Prazer
Insatisfação...
Como me contentar?
O prazer mundano
É limitação
E o ser humano
A procurar, a procurar
Sem nunca encontrar...
- Nada de impermanente
Me porá contente.
Pedagógico
É pedagógico sofrer
Se eu a dor encarar
Para de vez eliminar
O que da vida a fizer
Escorrer.
É fácil se vitimizar,
Difícil é ser feliz
Na desgraça que a vida pontuar,
Na injustiça terrena,
Plena
De atitudes vis.
Só se não condena
Quem inverter este rumo de raiz.
Perante
Perante os obstáculos
É enorme a impotência humana.
Como trepar aos pináculos
Por trilho que não engana?
Nem a reza
Nos trará qualquer certeza.
Resta apenas renunciar
Dela ao ingénuo efeito,
Resolvendo pelo melhor, sem alterar
Meu trejeito
Nem deixar perturbar
Meu peito.
Toda a dor
Revela minha fragilidade.
Não é, porém, de supor
Que me deixarei ser vítima de tal fatalidade.
Cuidado
Cuidado com os apegos!
Nem à satisfação dos desejos
Nem ao quadro próprio de crenças.
Não há sossegos
Nestes brejos,
Só doenças,
Só sentenças
De arquejos...
- Só despejos!
Tudo o que é humano
Pode ser desfeito.
Não nos demos ao engano,
Arranquemo-lo do peito.
- Então, quanto da vida nos vier
É só para agradecer.
Limita-se
Um ego,
Da fundura desligado,
Limita-se a ser apego
Por todo o lado
Menos àquilo a que deveria:
O imo que ao Infinito o impeliria.
E com que se fundiria logo ali, em concreto,
Sob o mesmo tecto.
Perde
Quando alguém perde o que existe,
Prisioneiro do que não existe já
E do que não existe ainda,
O presente mal persiste,
Entanguido acolá,
De energia quase finda.
É um ego dominador
A dar cabo do que um indivíduo for.
O presente
Preterido
É que era a semente
Do porvir doravante perdido.
Projecta
Quando alguém se inculpa,
Em si projecta a acusação
E a si se castiga.
Consigo briga
Então
Sem admitir desculpa.
Ora, o que é de eliminar
É ignorar a luz,
Com a abundância sem par
Com que nos seduz.
Dos pecados é o único pecado:
Pormo-nos de lado.
Descarrilar
O perfeccionista
Quer tanto ser perfeito
Que finda a descarrilar da pista,
Estatelado da vida no leito.
Ser perfeito é buscar atingir
A unidade completa com a Luz,
Coerente, a seguir,
Em cada gesto que na vida o traduz.
Vê
O pessimista vê os defeitos
E é só medo nos trejeitos.
O optimista vê oportunidades
E na vida tudo são alacridades.
Não há meio-termo:
Quem camufla aquele com este
Termina enfermo,
Não debelou a peste.
Só lendo no negativo
Toda a positividade
E nela assentando a actividade
Mes desmultiplico vivo.
Se não me desvincular,
Se não me reconverter,
Ando a noite a tapar
Com um manto pintado de alvorecer.
Ego
Se tomas algo a peito
E te ofendes daquilo com o trejeito,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se queres ser considerado
E parecer importante em todo o lado,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se queres mostrar que tens razão
E o outro está errado e sem perdão,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se culpas outrem, entrementes,
De tudo aquilo que sentes,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se te queixas dos problemas
E as doenças são teus lemas,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se reages com indignação,
Tempestade contra alguém ou algo, então,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se tentas causar boa impressão
Através de riqueza material,
Conhecimento com comprovação,
Boa forma, estatuto social,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se te preocupas com o que quenquer de ti pensa ou diz,
E não com tal pessoa, como ajudá-la a ser feliz,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se outrem usas para atingir teu fito
Ou te sentires a ele superior em qualquer quesito,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se exiges reconhecimento pelo que fizeste
E findas perturbado se falhar o teste,
É teu ego, simplesmente,
A controlar tua mente.
Se tentas chamar a atenção
De toda a forma, em toda a ocasião,
É teu ego, simplesmente,
A dominar tua mente.
Se sofres por não satisfazer ainda
Desejos, sonhos, ambições, em lista que não finda,
É teu ego, simplesmente,
A quererdominar toda a gente.
A partir de teu imo
Ou constróis teu eu ou teu ego:
Teu eu o imo abraça e trepa ao cimo;
Teu ego desliga-se dele e cai no pego.
A escolha é tua
Em toda a pegada que imprimires na rua.
Importa
Pouco importa que tudo se unifique,
Menos ainda que se uniformize.
Importa que cada um desperte e se aplique
Ao melhor que na vida e no mundo divise.
A migalha singular
Multiplicada
É que dará lugar
A uma vida colectiva
Viva
E pejada.
Intimidade
Quando se confia
Da intimidade do Cosmos na sabedoria,
O efeito é a entrega.
Entrega ao momento presente
Que adrega
Ser o regaço
Para o abraço
Da mãe-natureza disponível perpetuamente.
Culpes
Não culpes outrem da noite
Que em ti houver:
Quem mais Luz quiser
Mais Luz terá de ser.
Que adianta sorrir sob o açoite
De emoções que todos os dias
Permanecerem sombrias?
Desejo
O desejo de ser único, individual,
E o desejo de ser aceite:
Qual,
Afinal,
Respeite?
Como equilibrar
O eventual
Contrário sinal
Sem me estatelar?
Quantos agem e pensam pelo que outrem espera deles,
Fazem o que outrem faz ou acha bem,
Cordeiros imbeles
De alma refém!
Liberdade,
Caminho além
Que equilíbrio te persuade?
Sozinho
Cada qual
É um sozinho existencial,
Apesar da total
Presença
De quem ama em sua íntima despensa.
Aprender a andar sozinho
É aprender outrem a amar,
No gesto adivinho
De outrem respirar,
Enquanto caminho
Meu troço de andar.
Lograr
Só quem lograr estar só
Logrará compartilhar,
Sem depender
Da mó
Doutrem para a fornada que moer
E cozinhar.
Nem vai ter,
Na vida ao ir,
Desejo de o possuir
Nem dominar.
A outrem confere inteira liberdade:
Dele nunca lhe depende a felicidade.
Frente
O desejo de ser aceite
À frente da autenticidade
De ser quem é,
Bom é que suspeite
Que gera a infelicidade
Que lhe dói no pé
E lhe tolhe a caminhada
Em toda e qualquer jornada.
Tanto doutrem depende
E tão menos se conhece
Que só se encontra doutrem na messe
Em cuja prisão se prende.
De si já nada rende,
Que de si, morto, se esquece.
Mestre
Qualquer relacionamento
É um mestre espiritual:
Toda a adversidade
É uma oportunidade
De desenvolvimento
Real.
De meu imo
No fermento
Vislumbro mais um degrau
De trepar ao cimo.
Então,
Salto a vau
Mais aquela inundação.
Foi um teste de meu par
Para me despertar
De mais uma terrena ilusão.
Sabedoria
Sabedoria relacional
É olhar bem dentro de si,
Ver no outro que é que ele colha,
Que mal
Eventualmente o tolha
E desdobrá-lo trabalhando aí,
Respeitando a própria escolha
E a dele que por lá vi.
Então, cada qual
Mais daquilo que na fundura for
Há-de findar mais e mais senhor.
Depende
O que em mim outrem representa
Depende de como assenta
O toco
Em meu confim:
Ora, sou eu que o coloco
Dentro de mim.
Aprendo a não manipular
Nem ser manipulado
Pelo que outrem diz, quer ou faz?
Então o conflito há-de gerar
Um novo estado,
Num novo patamar
De paz.
Noite
A noite escura do imo
Donde me vem toda a luz
Traduz
A infinita lonjura do cimo.
Abandono a noite
Quando me abro à mudança,
Com toda a dor que me acoite
Da vida nesta eterna dança.
Quando, a quanto for obsoleto,
Não ofertar mais tecto.
Nota
Se alguém viver desesperado
Por um amor que não vem,
Quenquer que lhe viva ao lado
Nota que é um pedro-sem
De medo e vulnerabilidade:
Vai-se afastar e fugir,
De tanto desconforto que há-de
Sentir.
Ninguém
A fantasia
Do príncipe ou da princesa
Que no amor encontraria
É sempre do ego ser presa:
Ninguém me fará feliz
Se eu o não for por mim, de raiz.
Os que por ali seguirão
Precipitam-se na desilusão.
Carência
A paixão
A carência oculta.
Aí sepulta,
Não tem duração.
Confrontada com o real,
Logo leva a sentir mal:
Nunca preenche o vazio
Que era dela, afinal, o desafio.
Degradada a poesia em prosa,
Só conflito e cobrança é o que ali alguém goza.
Esperar
Sem paixão
Ninguém se uniria
Pela atracção
De esperar o novo dia.
Depois são as alpondras a lançar
No turbilhão da corrente
Para a correr cada qual se jogar
No dia em frente.
Resolver
Resolver um mal
É com cada um, a sós.
O outro apenas activa o sinal
Que o estimula a desatar os nós.
Quem não entender isto
Pode passar a vida inteira
Sem qualquer registo
De haver superado aquela asneira.
Pode findar tão vazio e incompleto
Como se não viveram sob o mesmo tecto.
Igual
Igual opinião,
Igual crença?
O que me obriga a crescer é a tensão
Da diferença.
É aceitar,
Respeitá-la em quenquer
E desatar
A correr:
Só no fim do caminho
O encontro de sínteses superadoras adivinho.
Saber
Saber amar
É ser criativo,
Nunca destrutivo
Ao se relacionar,
Capaz de compaixão,
Não apenas de paixão,
Aceitar o outro tal como é,
Espelho de si, de si ao pé,
Desejá-lo feliz
E contribuir para a felicidade que ele quis.
Roupa
Amar sem sofrer
Não é questão:
Crescer
Traz sempre à roupa um rasgão.
A dor vem do apego:
Abolindo-o é que atingirei o sossego.
Aprender a amar
É aprender a me desapegar.
O amor traz felicidade,
O apego traz sofrimento:
Quem, de verdade,
Hesita na escolha do fermento?
Enquanto
Enquanto a emoção,
Com o pensamento em apego,
Prender toda a atenção,
A mente, de entrada,
Findou dominada
Pelo ego.
Explodida,
Controlada,
Contida
Ou até destruída,
A emoção, àquele que mantém
Refém,
Leva a ver a realidade distorcida.
Domínio emocional
É lidar com a procela
Duma emoção, mesmo letal,
Sem se deixar subjugar por ela.
Aí muda a nossa forma
De lidar com o exterior,
O que o conforma
Com outro pendor:
Pode seguir do Amor
Finalmente a libertadora norma.
Chorar
Se chorar rendido
Por também ser responsável
Pelo que houver atraído,
O ego em si silencia incontornável.
Se chorar com auto-comiseração,
O ego alimenta.
Então,
Nenhum milagre inventa
Que rasgue qualquer clarão
No meio da tormenta.
Muita
Quando não dou muita importância
Ao que acontece
É que aparece
A relevância
Do que é mesmo essencial:
- Ora, este é que é o rumo primordial.
Deixemos então arder no velório
O transitório.
Ouvir
Ouvir é uma virtude
Que dilui a ignorância.
O outro a si grude
Numa inocência de infância.
Não é um silêncio altivo,
É o acolhimento vivo.
Aí vai crescer,
Sem por tal dar sequer.
Causas
Se não se libertar
Das causas da infelicidade,
Orar e meditar
De pouco valem, de verdade.
Se escolher viver feliz,
Orar e meditar
Brotarão espontâneas de raiz,
Seja qual for o abismo a saltar.
Medo
O medo de perder
Leva a apegar.
Melhor é aceitar
A impermanência do ser.
Devagarinho
Ou depressa,
Todo o caminho
Tropeça
E a inelutável perca
De mim se acerca.
Aceitá-lo
Em mim diminui o abalo.
Livre fico
Da novidade para o perene salpico.
Tudo
Tudo com que me cruzar
É de usufruir
E me mudar.
Se do caminho sair,
Algo há-de haver para entrar.
O que no trilho ficar
É que útil será fermento
De meu desenvolvimento.
Renunciar
Renunciar ao apego
É saltar fora de cada pego:
O de ficar satisfeito
Com recursos e respeito
E o de insatisfeito, a par,
Por recursos ou respeito lhe faltar.
O de ficar satisfeito
Ao sentir prazer
E o de insatisfeito,
Por tal não ter.
O de ficar satisfeito
Com a boa reputação
E o de insatisfeito
Por tal não vir à colação.
O de ficar satisfeito
Por receber elogios
E o de insatisfeito
Por faltarem tais amavios.
Riqueza e reputação
De desligar sempre serão,
Da liberdade alicerce
Em que tudo então irá converter-se.
Meditar
Meditar na morte
Reduz o apego
À trivialidade da sorte,
Àquilo em que outrem nego.
Se amanhã irei morrer,
Que importa o diamante
Que, da morte diante,
Me vens oferecer?
Dois
Se só tens dois dias de vida,
Que mexida!
A casa para limpar...
Quem se vai preocupar?
Ir às compras, talvez,
Pelo prazer da derradeira vez.
Falar com quenquer que se deseja,
Pouco importa a rejeição que se anteveja.
Perder tempo a falar mal?
Qual?!...
O perfume, a roupa nova...
- Agora é que é tudo posto à prova!
Cada momento seria, afinal,
Deveras especial.
- E é que a todos nós só dois dias de vida
Nos restam dela, mal medida.
Resiste
Resiste ao medo, à dúvida, ao preconceito,
Ao desejo de escolher o mais rápido e fácil caminho,
Quando o estreito
For o certeiro
Carreiro
Que adivinho.
Resiste ao desejo de exibir à plateia diante
Como és inteligente e interessante.
Resiste ao desejo de mostrar quem manda,
De pôr todos no lugar,
Mesmo quando a razão já o anda
A operar.
Para que tudo à Luz consagres,
Caminha como a viver perenes milagres.
Despedir-me
No momento de regressar
À minha casa verdadeira,
Terei de despedir-me e abandonar
A casa derradeira
Que fica para trás,
Por mais bonita que seja,
Finalmente na paz
Que meu imo almeja.
Truque
Nada dura eternamente.
Um dia irá parar
E vai ser mau, certamente.
O truque é desfrutar
Da sinecura
Enquanto dura.
Então a vida
Fica mesmo colorida.
Esperança
Os Três Reis Magos...
Que lhes importava Jesus?
Perseguiam, de olhos vagos,
Era a esperança que Ele traduz.
Ninguém encontra a luz
Em lugares escuros:
Não há esperança a olhar para baixo
Nem para trás. Só altos muros:
Aí ninguém nem eu me encaixo.
Dos Reis Magos sob o clima,
Só olhando para cima.
Siga
Não siga sempre as curvas
Por onde o caminho leva,
Há muitas águas turvas,
Muita treva.
Num jeito adivinho,
Deixe atrás de si o brilho,
Desviando por onde inda não há caminho,
Dum novo trilho.
Simples
É simples a escolha:
Ou és criação
Ou és destruição.
De ambas qual tua recolha?
Se tiverem de ser ambas,
Qual a prioritária para onde descambas?
Em ti da cumeeira humana o viso
É o que diviso
Ou é da caverna a negrura
Que nenhuma luz cura?
Natal
No Natal acreditamos
Que vale a pena mudar.
E vale a pena.
Provamos,
Num instante singular,
Como é infinda qualquer vida pequena.
Um instante numa vida de ausências
E distracções,
De causas perdidas e demências,
Demissões...
Que força,
Se verdadeiro!
Se rejeitar o erro que nos distorça
E for pioneiro!
Se o repetirmos ao acordar,
É a magia
A segredar
Um Natal em cada dia.
Distinção
Distinção de raça, religião, cultura, etnia...?
O que importa é a pessoa:
Um humano ali de vigia,
A impedir a vida à toa,
A germinar o dia.
Se for boa,
Muito bem.
Se o não for, porém,
Em vez de piorar,
Agredindo,
Vou ajudá-la a melhorar,
De cor o dia revestindo.
Abraçar
Abraçar toda a gente de bem
Que conheci:
Amigos, inimigos também,
Que não vale a pena odiar,
Invejar...
- Isto é tempo que perdi,
Uma escorregadela
Que do invejoso o lado
Atropela
E nunca o invejado.
E nos mantém pequenos
Em todos os terrenos.
Lutar
Ter outras vidas para cuidar
É lutar para serem melhores,
Cada qual viver com o seu par,
No lar,
Em paz, por maiores
Que sejam os furores.
- É a receita
Da via estreita
De cada trilho
Que assegura a colheita
Filho a filho.
Perda
A perda está sempre presente,
Cada dia perco um dia,
De vez ausente.
Não perco, todavia,
Quem amei algum dia.
De vez em quando,
Quando sozinho veles,
Vai falando
Com eles.
Se escutares atento,
Ouvirás,
Do imo na voz do vento,
A resposta que traz.
O silêncio fica então cheio
De mágico recheio.
Rumo
Amargo?!
Importa é o rumo para o melhor!
É de vida o nosso encargo
Maior.
A bondade ajuda
Bastante:
Tudo muda
Adiante.
Crentes ou ateus,
Todos temos de visar o mesmo deus
No homem.
Porque tantos se consomem
E digladiam,
Em vez do deus que no homem construiriam?
Ânsia
Sociedade global:
Ânsia de felicidade
Paradoxal,
- Falta solidariedade!
Luta por sobrevivência
Até nos viciarmos
Em não olhar para trás,
Sempre a caminharmos
De preferência
A direito, sem repararmos
No que isto faz.
Pisamos as vidas
Ressentidas
Dos que teimamos em não conhecer.
Que sentido
Pode ter
Assim eu ser
Em pisadela convertido?
Respeito
A honestidade
É, sem subserviência,
O respeito e a humildade
Em toda a vivência.
Humildes perante nós,
Perante o nosso trabalho,
Perante os mais, de hoje e de após,
Ante o que venço e o que falho...
Tentar
Sempre, sempre melhorar,
Que a vida só tem significado
Se útil for a quem mundos além caminhar
Ao meu lado.
Gestão
A má gestão sempre gira,
Porque finge,
Entre formas de mentira.
E a todos nos atinge.
Quem finge que gere
Destrói,
Por quanto nos fere
E mói.
Quem finge que sabe
Engana:
Nada nele cabe
Do que se ufana.
Quem finge que paga
Arruína,
Na interminável saga
Da insistência a que a vítima destina.
Quem finge que poupa
Esbanja:
Perde-se-lhe na roupa
A falida granja.
Quem finge que governa
Governa-se a si,
Depois é a desculpa eterna
Dum eterno alibi.
A mentira é vil,
Rastejante e cobarde,
Retira cada ceitil
À defesa que dela por mor arde.
Contra a mentira que nos calha
Não há justiça que valha.
Nada
Nada dar
Do muito que fatalmente teremos
A solidão há-de adensar
Até que de todos nos afastemos.
Irá criar
A amargura sem par
De nem consigo quenquer
Lograr viver.
Transpor
Há sempre viabilidade
De transpor deficiências,
Não sabemos é em que idade
Nem à custa de que paciências.
Ícaro morreu
Com as asas derretidas,
Mas hoje trepamos ao céu
Até lonjuras desmedidas.
Se gostarmos mais de nós,
Não diremos mal dos mais
Nem esperamos após
Tão pouco de nossos sinais
Vitais.
Passar-nos-ia a voraz
Necessidade
De quem luta tenaz
Pelo anseio que o invade.
Lograríamos dar as mãos
Em busca da ideia
Que nos arroteia
Os novos chãos.
Ela por aí brota.
Somos nós quem nos derrota.
Envelhecimento
Que o envelhecimento que fito
Não seja marcado pelo abismo
Entre o sonho que sonhei dum Infinito
E o poder
De ainda viver
Com que me crismo.
Recuso ser assassinado
Antes de ter nascido,
Doutro modo acabarei trucidado
Todos os dias de cada ano vivido
E a todas as horas, na sangria
De cada dia.
Simples
Das coisas simples o sabor,
A sabedoria ancestral,
Dum sorriso infantil o palor,
A frescura matinal
Pelas colinas da terra
Que o alvor
Descerra,
O fervor
Do animal
De companhia,
O valor
Dos que sonham um novo dia...
Estes, os desiguais
Inovadores,
Discretos transformadores
Ou revolucionários ideais,
Não se esquecem de sorrir
Quando acordam dum mundo a dormir.
- Como tudo isto fermenta
Dum mundo novo a ementa!
Medo
Medo da morte?!
Essa agora!
É uma sorte
Esta demora
Pelas paisagens da vida:
Vislumbrar o mistério ali à frente
E viver encantado à medida:
- Intensamente!
Nós
De nós que dirão?
Que fui útil.
Fútil,
Não,
Que servi os mais
Com amor, dedicação,
A dar o melhor de mim para encher-lhes os bornais
Com bens de todos os matizes
Para serem felizes.
Não pelos bens,
Mas do amor pela partilha
Que através do bem reténs
E que cada um compartilha
E com que com os mais se envencilha.
Presto
Pela fama, pelos prémios, é por isso
Que cá estou?
Não, é pelo serviço
Que presto por onde vou.
Para dar o melhor de mim
Até ao derradeiro confim.
O melhor prémio?
Do público o aplauso
Que causo,
Ao sentir-se de mim gémeo.
Vale
Não vale a pena a vaidade,
A grandeza é colectiva.
Quanto melhor
O labor
Da comunidade,
Melhor o nosso
Que ele motiva.
De mãos dadas trepamos o fosso
Da alvorada festiva.
Gostaria
Gostaria de me transmudar
Em milénios de cultura e de saber
Para um novo bem-estar
Oferecer
A este mundo de humanos
Que tanto trouxe ao planeta
E que este doravante veta,
Por mor dos enganos
Que a humanidade hoje em dia cometa.
É uma pena
Não termos do abismo a visão plena
Para medir de alto
O tamanho do salto.
Mandem
Como é possível que tão poucos
Mandem tanto em tantos?
Andamos todos loucos
A ferir-nos pelos cantos.
É a democracia
Das ansiedades e depressão
Quando deveria
Ser conquista do humano coração.
A evasão emocional
A dar força ao delírio, à petulância
E ao desnorteamento visceral,
Morte moral
A invadir qualquer instância,
Da imaginação ao gosto
E, de evidência,
Aposto,
Até a inteligência.
Desista
A História nos ensina
Que ninguém desista de mudar.
Mesmo a sina
Que lhe calhar.
Muda o velho
Porque inda aprende.
O jovem, pelo que sente que um conselho
A bem de todos rende,
Ou porque sinta
Que algo implantado lhe minta.
Tudo muda.
A colheita, então, poderá ser graúda.
Façam
Quando alguém morre,
Por maior que seja,
Não façam dele um herói.
Foi o que foi.
Agora, tu corre
Rumo a quanto o mundo almeja!
Ele foi um mero caminhante
E, se foi grande,
Toma tu em mãos o que o comande,
Sê como ele um cavaleiro andante!
Nunca
“Eu amo-te e tu dormes...
Nunca estaremos conformes.”
- E Deus encolhe os ombros
Por entre humanos escombros.
E di-lo a mulher
Ao marido traidor.
E di-lo o enamorado àquela que quer,
Distraída com o fulgor.
Dizem-no todos os apaixonados...
- E o fogo a extinguir-se por todos os lados!
Muro
Se, de repente,
Tudo vai pelo pior,
É ponto assente:
Ao muro vê como o transpor.
E agora,
Sem demora:
- Tira o dente,
Finda com a dor!
Máquina
O homem criou a máquina que não vivencia
O sentimento.
Seguem-lhe os demais homens a via
A todo o momento.
Máquinas a fingir de homens dirigem
Povos inteiros:
Os ditadores exigem,
Máquinas de força nos roteiros;
Os artistas que mais vigem
São do talento autómatos pioneiros...
O trágico da sequela
É que nem reparam nela.
Tudo ocorre no momento
Em que pela dor foi atingido:
“Se eu não tiver sentimento,
Nunca mais serei ferido”.
Metido nesta tranvia,
Nunca mais verá nascer o dia.
Efeito
Pode principiar
Por impactar
O mundo que o rodeia,
Sendo amável, escutando,
De boa vontade dando,
Ante quanto ali ameia.
Mais que luz
Duma candeia,
Então produz
Efeito em cadeia.
Quem por ali principia
Faz da noite a luz do dia.
Evitarei
Evitarei aqueles cujos sonhos morreram,
Que os calcaram,
Esmagaram
E esqueceram.
Que esqueceram que sempre houve sonhos
E sonhadores,
Que apenas os viram doutrem nos olhos risonhos
E deles desdenharam, desertores.
Que sempre murmuraram
Que só eram bons para idiotas.
Evitarei os que tombaram,
Tortos,
Nas fatiotas
De mortos com seus sonhos mortos.
Fé
A fé que não concitas
É o que todo o bem te aponta:
Saúde, longevidade, a alegria que visitas
Quando uma visita te agrade...
- A fé todo o mal afronta.
Se não tens fé nem a imitas,
Ao menos faz de conta.
Demanda
Que conheças o amor
Que andou em tua demanda toda a vida!
Ele até agora, com fervor,
Não tinha entendido
E a chamada ficou inatendida.
Que ele veja teu bom coração, por aí perdido,
E te ame pelo que tens de melhor!
Mereces de verdade
Que te encontre a felicidade.
Crer
Todos temos
De ser ateus
Para crer em Deus,
Porque o deus em que cremos
É o nosso, não é o dos céus.
É um deus de mentira,
O dos céus toca sempre noutra lira,
Embora a melodia
Tenha um eco que sempre aqui se escutaria.
Treparam
Os que treparam ao topo,
Falsos deuses,
Que brindas com o copo
Até à hora dos adeuses,
Rodeados de gente,
Morrem de solidão.
É o inferno
Eterno,
No mundo permanentemente
À mão.
- Não há meio de aprendermos
Da vida a regra e os termos!
Escravo
Sem ardor,
Nada se pode gerar,
É como se tudo fora dum senhor
E eu, o escravo a laborar.
Com mentalidade de escravo,
Como é que de liberdade me inundo
E agricultor a cavo
E fecundo?
Sofrimentos
Os sofrimentos humanos,
Mesmo os mais plenos,
São enganos:
Motivam-nos sempre motivos bem pequenos.
Somos de vistas curtas:
Do Cosmos ante a imensidão
Que valem nossas barcas surtas
Neste ínfimo chão?
Derrubando
A instrução
Torna os indivíduos porventura selvagens,
Derrubando no chão
O que de antanho herdaram das viagens.
No entanto, é urgente instruir-se,
Senão é o porvir que há-de esvair-se.
Ora, sem porvir,
Que importa ao presente
Prosseguir,
Se fica assente
Que não pode progredir?
Lembrará
Quem se lembrará de Deus
Se não for o pecador?
A dor
É a chave dos céus
Só porque na alegria
Só ego e mais ego se anuncia.
É pena,
Que a recompensa não seria nada pequena.
Força
A força da inovação
Reside por inteiro
Na mão
Do cientista e do engenheiro.
Quem faz deles exportação
Perde a competição
E o dinheiro.
Medo
O medo mata a mente,
É a pequena morte negra
Que, em regra,
Leva à morte, definitivamente.
Que cruze através de mim
Até que, por fim,
Uma vez passado,
Eu haja inteiro restado!
Vale
Antes de tempo, preocupações?
Não vale a pena.
A cada cena
Seus bordões.
E basta,
Ou a vida,
Em vez de vivida,
É gasta.
Promessas
O altar
É das promessas o lugar
Que se não podem cumprir,
A seguir.
Palavras bonitas
Em que o porvir
Concitas,
Na esperança vã
De que se cumpram amanhã.
Ora, qualquer aura mágica
Finda trágica.
Inventamos histórias,
Em vez de relações de verdade,
À espera de que as memórias
Devenham realidade.
Arrastados pelo mar
Dos sentimentos e emoções,
À costa rochosa acabamos por dar,
Do real na onda das contusões.
Trocamos um momento de glória
Por anos de luta amarga,
Por ignorarmos de nossa concreta história
A tremenda carga.
Como é que quem só pretende ser
Feliz
Deita assim tudo a perder,
De raiz?
Atenção
Para o apelo de minha interioridade
Quando a atenção me desperta
E a inatingível harmonia
Devém minha ordem do dia,
Então a verdade
Liberta.
Dentro e fora de mim
Caminharei rumo ao grande Fim.
Procure
O amor não faz sofrer,
Nem faz sofrer o bom casamento.
Quem o não tiver
Procure do tormento
O fermento.
Há-de ver
Que é da mentira
Que num ou nos dois confira.
Uma vez desmascarada,
Para além da silveira rompe uma estrada.
Confronto
O sofrimento vem do confronto entre a ilusão
Na relação
E a verdade
Do convívio com outra personalidade.
Quem crer num mundo de sonho
Levado aos céus
Sofre, medonho,
Do tombo na terra os escarcéus.
O mágico guia
Procura a felicidade,
Renunciando à fantasia,
Na realidade.
A realidade pode ser
Mais alegre e apaixonante, connosco de mãos dadas,
Que qualquer
Conto de fadas.
Recusa
A recusa em desistir
Da fantasia
É o Pai Natal insistir
Que cada dia,
A toda a hora,
Nos adora.
Encantador na criança,
No adulto o que alcança
É que a criança nele demora
E lhe entrava de mansinho
O caminho
Vida fora.
Moinha
Quando um casal
Discute,
Cada qual
Quer que o outro escute,
Mas ele, não, por sinal:
Prepara o novo argumento
Sem dar conta de que é moinha ao vento.
Ou estão a falar
Ou à espera de vez,
Erguem muros de isolamento tenaz,
De raiva na tez.
À medida que a grita alteia o tom,
Desvia o rumo,
Descarrila em acusação,
Mútua recriminação.
Em resumo,
Retornam ao choro desolado
Do bebé abandonado,
Em vez de mutuamente se olharem
Em busca da ponte de se encontrarem.
Circunstâncias
Há sempre circunstâncias
A que um casamento qualquer,
Sejam quais forem as instâncias
A que recorrer,
Não poderá sobreviver.
Mas a humildade levar
Vai muitos a se salvar.
Perda
Problema não resolvido
De antanho
Mantém-nos em sentido,
É só perda, nunca ganho.
Vai ficar sentado à mesa
Sem convite, de certeza...
Para o controlar
Em vez de ser controlado,
Só se entendido o encarar
E o modelar
Noutro traçado.
Esperamos
Todos esperamos tudo
A correr pelo melhor.
Esta esperança, contudo,
Se não for
Esforço e determinação,
Vai findar em frustração,
Num estado mero
De desilusão
E desespero.
A vida traz o imprevisto:
Doença, morte, desemprego...
Que é que irei fazer com isto?
É sempre um desassossego!
Ou logro a reparação
Ou então...
Falsa
A falsa reparação,
Afinal,
Prejudica a união
Conjugal.
Teve um caso no labor
Que alterou para melhor
Com o cônjuge a relação?
É uma fuga,
Não houve reparação,
Que nada foi consertado.
No par que aluga
Virou a cara para o lado,
Para além de corroer,
No final,
Qualquer
Alma que o casal
Inda tiver.
Egocêntrica
A dependência,
Egocêntrica doença,
É tudo auto-complacência.
Quem atura tal sentença?
Até porque o dependente
Escolhe a droga
Em detrimento de qualquer ente
Que o amar
E, dele em lugar,
Nela se afoga.
Efémera
O vigor e a animação
Da efémera juventude
Muito nos ilude
O coração!
E é inexorável:
Não é jamais recuperável.
A lição dos anos, porém,
Um infindo potencial
Detém
Para quem queira reconhecê-lo
Como tal:
É só aproveitar e vivê-lo!
Viver prisioneiro da saudade
É que é uma mortal
Fatalidade:
Corta as asas à vida
E então não há saída.
Corrigir
Corrigir o negativo
Que ocorreu
Não é remoer ao vivo
A ferida que se abriu.
É fundar-se na verdade
Vivida,
Escolher o trilho da possibilidade
De renovar cada ida,
Em lugar da batota
Da complacência e derrota.
Quem por ali vai
Ergue-se do chão,
Não cai,
Seja qual for o tropeção.
Velas
Numa vera relação,
Ambos empunham as próprias velas
Sem apagar nenhuma delas,
Jogada ao chão.
Contudo, às vezes, tu segues o teu caminho
E eu o meu.
Talvez a meio, no terreno maninho
Nos encontremos, uma ponta de céu...
Casais separados,
Embora juntos
Para assuntos
Maltratados.
Ela é a casa,
Ele, o escritório,
Cada um com sua brasa
Nunca juntas no incensório.
De repente, a questão
É se é bom para mim
Ou não,
Esquecendo-me de perguntar, assim,
Se é bom para a relação.
Deixamos de conversar,
De praticar amor,
De partilhar
De sonhos o calor
Do futuro
Que assim já nem auguro.
Acabam tão distantes
Que já nem logram ver
As luzes tremelicantes
Das velas que andarem a acender.
Mas há uma terceira vela
Lá no fundo do caminho
A espreitar, pela janela,
Feita estrela,
De cada qual alumiando o solitário escaninho.
Dois indivíduos distintos,
Plenamente conscientes,
Poderão concordar, famintos,
Percorrer então juntos, pacientes,
Persistentes,
O mesmo feérico caminho.
- E já nenhum fica sozinho!
Basta
Basta que um se revolte
E domine o medo
Para que um prego se solte
Na máquina totalitária do credo
Político, ideológico, religioso...
- E tudo principia a ranger,
Até se encravar, um dia qualquer.
O fogo que se ateia
No restolho seco
Basta quando num ameia,
Logo dos reféns há-de explodir o beco.
Trabalho
Que o trabalho aproveite a quem trabalha
E só depois a quem calha
Que se conjugue na calha
De quem trabalha:
Todas as modalidades de capital,
Todas as modalidades de mediação.
Tudo o mais, afinal,
Não.
É uma perene leviandade
Inverter a prioridade.
Utopia
Força não é desumanidade,
Ódio não é justiça,
Política não é terror.
Por mais que a utopia nos agrade,
Isto é o que a enguiça,
Converte em gelo todo o calor.
Quando neste atoleiro cai,
Tudo trai:
Nada mais tem da utopia o selo,
Toda se tornou num pesadelo.