QUARTO  BRINDE

 

 

 

 

Pressuposto

 

O que sempre convém

É o pressuposto:

- Há mais vida para além

Das maçãs do rosto.

 

 

Velocidade

 

O aumento da velocidade

Não é a vida que convém:

A verdade

É que há mais vida para além.

 

 

Arrogância

 

Do presente a maior arrogância

É a demência

De esquecer a inteligência

Do passado, de hoje infância.

 

 

Silêncio

 

É preciso, antes e após,

O silêncio ter à mão,

Para ouvir a ténue voz

Da intuição.

 

 

Fracasso

 

Do fracasso o mais estranho

É ser deste teor:

- Dá-nos, de ganho,

Do êxito o sabor.

 

 

Melhor

 

Na tua jornada

O melhor instante

É aquele em que pensas na piada

Que dirás adiante.

 

 

Espelho

 

Quando nos olhamos ao espelho

Confrontados com uma pergunta,

Muito poderoso é este quelho:

- É difícil mentir ao que ela assunta.

 

 

Suavidade

 

Mesmo se a uma boa história

A suavidade não convida,

Dá sempre a memória

Duma boa vida.

 

 

Sorte

 

Que foi sorte julgam todos

Quando agiste e quando apeles

De bem mais sensíveis modos

Do que eles.

 

 

Calças

 

Umas calças de elástico na cintura

É o vero amigo:

Amolda-se-me à figura,

Definitivamente comigo.

 

 

 

Ovo

 

Que és um bom ovo

Um amigo te acha,

Mesmo se, embora novo,

Em ti vir alguma racha.

 

 

Ideal

 

Amigo é o que inspira

Em todo o lado

Ao ideal a ter em mira

Mais elevado.

 

 

Argila

 

Nós somos argila,

Deus, o oleiro:

Ele é que comanda quanto se perfila

Na bancada do vendeiro.

 

 

Confiança

 

Da confiança provém

O poder superior

Que tem e mantém

O amor.

 

 

Hábito

 

O hábito da diversão,

Comparado a mais valores,

É tão bom

Como os melhores.

 

 

Diabo

 

O diabo dá sinal

Mas aponta os céus:

O diabo faz-nos mal,

Com tal trama Deus.

 

 

Fundo

 

Se no fundo

Bateres,

Algo apanha no lodo profundo,

Enquanto lá estiveres.

 

 

Inteira

 

Mais vale dizer a Deus, inteira,

A ideia que nos cabe:

- De qualquer maneira,

Ele já sabe.

 

 

Doença

 

A única doença espiritual

Que tudo mantém de vez refém:

- A convicção total

De que se está inteiramente bem.

 

 

Dúvidas

 

Não há fé altiva

Em ninguém:

- Uma fé viva

É a que dúvidas tem.

 

 

Convertemos

 

Apenas nos convertemos no que somos, afinal,

Mediante e após

A negação íntima e radical

Do que fizeram de nós.

 

 

Maior

 

A pobreza

Maior

É, de certeza,

A falta de amor.

 

 

Centro

 

Quando noutrem me centro,

O amor ganha dimensão

E aumenta também, por dentro,

O dos que mais próximos me são.

 

 

Oco

 

Por ser inteiramente oco,

Falho de identidade,

Corre todo o bicho careta de chapéu de coco

Para lhe preencher a vacuidade.

 

 

Infância

 

Com descontracção ou com ânsia,

Dure o que durar a nossa idade,

A vida é meramente a infância

De nossa imortalidade.

 

 

Quermesse

 

Planeava viver numa quermesse

A vida em todos os ramos,

Mas a vida nunca acontece

Como planeamos.

 

 

Procura

 

Palmilhamos a vida a olhar para o lado

À procura de quem lá não está nunca.

É da culpa o traslado

Que o chão nos junca.

 

 

Fumo

 

Por muito que as palavras marquem um rumo,

Escondem uma maldade:

As palavras têm um fumo

Para toldar a verdade.

 

 

Ouvir

 

Quando ouvimos mais

Do que falamos,

Ouvir logramos

Como jamais.

 

 

Coração

 

O coração humano é um barco à deriva

No mar tempestuoso levado

Por ventos que sopram, sem esquiva,

Dos quatro cantos do céu electrizado.

 

 

Buracos

 

Nascemos com mil buracos

Em nossas vidas ligeiras

E os dias são os nacos

Com que os podem tapar mãos certeiras.

 

 

Falta

 

Às vezes temos de ter alta

De quenquer

Para dele a falta

Por fim entender.

 

 

Mudam

 

Os indivíduos mudam,

É o que é bom de crescer,

Assim as escolhas dentro em nós nos acudam,

A sempre o deixar acontecer.

 

 

Milagres

 

Antes que algo consagres,

Terás sempre em vista:

- Quem não acredita em milagres

Não é realista.

 

 

Tapeçaria

 

Todos os eventos farão parte

Duma tapeçaria maior e mais bela

Que só vislumbrarei como obra de arte

Da lonjura do Além, por trás de alguma estrela.

 

 

Lado

 

Nosso pior tem um lado bom,

Nosso melhor, um lado mau.

Deixo de odiar tanto, então,

O inimigo corrido a varapau.

 

 

Vingança

 

À vingança da vingança afeita,

A humanidade escorre sangue pelo chão.

A vingança mais perfeita

É o perdão.

 

 

Terreno

 

No chão terreno,

A alegria só irei poder

Sentir em pleno

Depois de sofrer.

 

 

Saída

 

Não há saída

Para a dor que houver

Da morte sofrida,

Só caminho a percorrer.

 

 

Escolhas

 

Nossas escolhas e actos

Importam, embora ninguém se convença,

E não é pelos impactos:

- É que fazem a diferença.

 

 

Dar

 

Dar talvez logremos

Sem amar,

Mas não podemos

Amar sem dar.

 

 

Toa

 

Porque o mundo não anda à toa

E se alinha em tudo o que houver,

É preciso ser boa pessoa

Para boas pessoas conhecer.

 

 

Desprezado

 

O inimigo

Quanto mais desprezado

No próprio abrigo,

Tanto mais ousado.

 

 

Veloz

 

Tão veloz é o desafio quando inteiro se aparte,

Daqui voando para ali,

Quanto a parte

Mais lenta de si.

 

 

Pegadas

 

Jamais diluem os traços

Das horas passadas:

Passam os passos,

Ficam as pegadas.

 

 

Riqueza

 

Por trás,

A riqueza

Se faz

De muita pobreza.

 

 

Acode

 

Se Deus pode quanto quer,

O que melhor nos acode

É o homem só querer

Quanto pode.

 

 

Santidade

 

A santidade se te consome

Naquilo que cobras:

Santidade não é um nome,

São obras.

 

 

Inquirem

 

Se inquirem quem és, condiz

Com o acto de que és capaz:

Cada qual não é o que diz,

É o que faz.

 

 

Exemplo

 

O estatuto de exemplo da história

Na minha vinha não empo,

Pois tal memória

É parar o tempo.

 

 

Parar

 

Parar o tempo seria,

Em vez da novidade em nossos hortos,

Morta a fantasia,

Amarrar os vivos aos mortos.

 

 

Perdure

 

A vida, para deveras ser,

Importa que isto apure:

Não vivemos para morrer,

Mas para fazer algo que perdure.

 

 

Beleza

 

A beleza é a cor

De que se pinta a verdade

Quando a invade

O amor.

 

 

Prever

 

Não só ninguém logra prever

Como nem reconhece

O impacto que vai ter

No momento em que aparece.

 

 

Dor

 

Quando queres um ror,

Quais os rumos programados?

- Sem dor

Não há resultados!

 

 

Crueldade

 

Antes da vítima a imagem real

Fora narcísica:

Quantas vezes a crueldade verbal

É bem pior do que a física!

 

 

Caçada

 

Qualquer arte é uma caçada às perdizes

Na euforia:

Qualquer arte tem as raízes

Mergulhadas na alegria.

 

 

Fatalidade

 

A fatalidade da sorte

É o pano de fundo que nos marca a lida:

Ignorar a morte

É, pois, ignorar a vida.

 

 

Vendem

 

Vendem tudo

Em cada piso.

É pena que não vendam, a miúdo,

Algum juízo.

 

 

Rir

 

“Acorda e toca a mexer!”

- Diz a mente mas, a seguir,

O corpo, sem querer,

Desata a rir.

 

 

Valor

 

Um homem de valor

Procure ser, expresso,

Em vez dum oco tambor

De sucesso.

 

 

Patos

 

Com patos criado ter sido

Pouco importa: a vida não é um tisne

Desde que tenhas nascido

Dum ovo de cisne.

 

 

Sombra

 

Aprende a regra

Da sombra que projectas no barranco:

A sombra é sempre negra,

Nem que seja a dum cisne branco.

 

 

Alegria

 

À alegria bem vivida

Afere-a:

É a coisa mais séria

Da vida.

 

 

Paz

 

A paz se enliça

De quatro trilhos com que a grade:

Verdade, justiça,

Amor e liberdade.

 

 

Recompensa

 

A maior recompensa de nosso labor

Não é o que nos pagam, por norma,

Mas aquilo em que o suor

Nos transforma.

 

 

Granjeado

 

O dia próspero não vem por acaso,

É granjeado, como a seara,

Com muita fadiga e a mui longo prazo,

Com mil desalentos a cada esquina avara.

 

 

Ilusão

 

No momento

Da ilusão

Não confunda movimento

Com acção.

 

 

Liberdade

 

Da vida na estrada,

Apesar do muito que aí nos agrade,

Não há nada

Como a liberdade.

 

 

Supremo

 

A cada manhã que acordo

Novamente a experiência

Do prazer supremo abordo:

- O da existência.

 

 

Segredo

 

O segredo não está

Naquilo que diz

Mas no modo feliz ou infeliz

Como o dirá.

 

 

Impossível

 

O mais incrível

Que eras fora resiste:

- Nada é impossível

Àquele que persiste.

 

 

Como

 

Aprende

Como se para sempre viveras,

Vive e rende

Como se amanhã morreras.

 

 

Rosa

 

Foi o tempo a tua rosa dedicado

Vida adiante

Que tua rosa há tornado

Tão importante.

 

 

Ama

 

Ama, seja lá como for,

Pouco importa a cor e o tom.

Mesmo não sabendo que é amor

Todos sentirão que é bom.

 

 

Azar

 

Quando luta e acredita e insiste,

Até o azar, por certo,

Desiste

De ficar por perto.

 

 

Sorrir

 

Sorrir é o comportamento

Que, sem despesa,

Opera o melhor tratamento

De beleza.

 

 

Impacto

 

Ninguém logra prever

O impacto que irá ter

 

Nem o reconhece, como urge,

No momento em que ele surge.

 

 

Pessimista

 

Um pessimista é quem

Dentre um mundo de miseráveis,

Só tem

Surpresas agradáveis.

 

 

Tambor

 

Não há tambor nem trombeta

Quando a maior decisão da vida

É tomada, correcta ou incorrecta,

E nem damos conta dela, de seguida.

 

 

Livro

 

Um bom livro que me fala,

Se algum houve,

Não apenas não se cala,

Também ouve.

 

 

Paga

 

Paga o que deves sem dar

De permeio,

Que dar sem pagar

É dar o alheio.

 

 

Degrau

 

A morte, mais que fim, é donde galgo

O degrau dum crescimento.

A morte de algo

É doutra coisa o nascimento.

 

 

Casa

 

Para que em bens redobres

Após,

Faz tu e os teus casa aos pobres,

Deus vos fará casa a vós.

 

 

Lar

 

Tanto o lar são nossas vidas,

Distraídas embora e separadas,

Que sempre o fim das saídas

São as entradas.

 

 

Outrem

 

Não é destino, boa-fé,

Nem sina:

- Cada um, como é,

Assim outrem imagina.

 

 

Pensar

 

De pensar, os elementos

Andam-me, mais do que julgo, à mão:

Os pensamentos

Espelham-me o coração.

 

 

Caridade

 

As obras de caridade

São linguagens que se aprendem

E que todos, de verdade,

Entendem.

 

 

Habituada

 

A vontade habituada

A não querer,

Dê as voltas que der, no fim da jornada,

Então nunca quer.

 

 

Despreze

 

Ninguém despreze a vocação a seguir,

Porque, se impelido para aqui ou acolá,

Não quer ir,

Depois, embora queira, não poderá.

 

 

Ocasião

 

À ocasião o que impertinente

A faz

É que ou se agarra de frente

Ou nunca se poderá por trás.

 

 

Ignorância

 

Se um açoite não é coisa boa,

A ignorância é bem pior:

O açoite afronta a pessoa,

A ignorância desacredita o amor.

 

 

Idade

 

A idade, com bons modos

E más sinas,

Transforma-nos a todos

Em ruínas.

 

 

Interpretar

 

É seguro

Que interpretar mal o passado

Nos lança num futuro

Errado.

 

 

Silêncio

 

Tudo na terra anda sempre a falar.

Temos primeiro de aprender, a seguir,

Em silêncio, portanto, a ficar

Para ouvir.

 

 

Parar

 

Parar é preciso

No itinerário a decorrer.

Paralisar-me, porém, antes do viso

Seria morrer.

 

 

Loucos

 

Vivemos num país de loucos

E nós, os espertos, somos mesmo muito poucos.

 

Onde estarão os loucos, onde estão?

Que chatice! Não encontro nenhum à mão...

 

 

Perfeito

 

Tudo é perfeito.

Só atrais

O que precisas para apanhar o jeito

De avançar um pouco mais.