TERCEIRO BRINDE
Gastos
Todos os momentos gastos
Para olharmos para trás
Nos impedem de ir nos rastos
Do que adiante nos apraz.
Terminada
Tarefa por terminada
Quando damos, o mais certo
Nem sequer por começada
É do que estamos mais perto.
Ausente
Em nossa vida inquieta,
O amanhã, o eterno ausente,
É a nossa porta indiscreta
Na morada permanente.
Obra
Será que o valor da obra
É daquilo que se vê?
Mil carvões valem de sobra
Um diamante ínfimo ao pé?
Trampolim
A Deus há os que servirão
Só para saltar o vau,
Mas obras de Deus não são
Nem trampolim nem degrau.
Caminhos
Não há caminhos já feitos.
Rasgaremos mil estradas
Por montanhas, por estreitos,
Por força só das pegadas.
Unidade
A unidade marca a vida,
Desunir-se é podridão.
Só que a marca é prosseguida
Em nunca firmado chão.
Capelinha
Quando fazes capelinha
Numa obra universal,
Todo o universal definha
Em capelinha total.
Constante
Uma constante pondera
As vertentes que nos ficam:
- Muita flor na primavera,
Poucas as que frutificam.
Asa
O calor do céu convém
Mais o esforço que reclama:
És pardal que ainda tem
Asa empastada de lama.
Magia
Há magia na figura
Do Cosmos em expansão
Mas a magia mais pura
Habita no coração.
Cebola
A vida é como a cebola,
Descasca-se uma camada
De cada vez que se imola,
Chora-se a cada facada.
Partido
Ter o coração partido
É bom sinal porventura:
Tentou-se, nalgum sentido,
Algo que agora supura.
Heróis
Nem todos podemos ser
Heróis porque era preciso
Alguém palmas a bater
Na rua ao toque do guizo.
Alto
É de muito alto subir
Para perceber, ao menos,
Nas alturas do nadir,
Como nós somos pequenos.
Sábio
Em tudo o que ato e desato
Nestes trilhos sobre o chão,
Não há sábio mais sensato
Do que o próprio coração.
Importante
Se algo de grande importância
Não pode ser discutido,
Nada mais, naquela instância,
De importante é ali ouvido.
Ingénuo
É muito bom ser ingénuo:
Sempre ocorre o interessante
Se ignoro um costume estrénuo
Ou que fazer adiante.
Medida
Da vida a medida plena
E que vale o que valemos:
- Na vida o que vale a pena
É o que por outrem fazemos.
Violência
Se todos nos envolvemos
Doutrem na felicidade,
A violência não tem termos
Nem território que grade.
Mistério
É um mistério o que sustenta
A ponte entre cá e lá,
Pois cada um se alimenta
Daquilo que aos outros dá.
Chega
Morte não é aquela
Luz a fenecer,
É apagar a vela:
- Chega o amanhecer!
Salto
A morte é o que, de repente,
Tem pegadas seduzidas:
Morte é o salto para a frente,
O maior de nossas vidas.
Passo
O tempo de vida é escasso
Ao da Vida comparado:
A vida terrestre é um passo
Para o Infindo inexplorado.
Entrar
Se crês que a morte nos muda,
Vê que tal não é verdade:
Mais é exaltação aguda
De entrar em outra cidade.
Convida
A vida de toda a sorte
Convida a um alvor qualquer.
É o que acontece na morte:
- A morte é um amanhecer.
Busca
Enviei minha luz de alma
Em busca do Céu, do Inferno.
Voltou dizendo-me, calma:
- São em ti teu mundo interno.
Vencidos
Ai daqueles que jamais
Foram vencidos da vida!
Nunca vencedores reais
Na vida são de seguida.
Manifestação
Manifestação vivida
De sucesso sem desdoiro
É a de enriquecer a vida,
Não a de encher cofres de oiro.
Paz
O sucesso é poder ir
Para a cama, a cada noite,
Sempre com alma a sorrir
Na paz do Infindo que a acoite.
Desperta
A arrogância atrai ódio mais inveja,
A elegância desperta amor, respeito.
Aquela humilhará quenquer que seja,
A elegância encaminha à luz o preito.
Cores
Um pôr-de-sol é mais belo
Com nuvens irregulares:
São mil cores em novelo,
Verso e sonho ali aos pares.
Excelência
Excelência não é um acto
Mas um hábito que temos
E que forte torna o fraco,
Pois somos o que fazemos.
Obrigação
Nunca a vida obrigação
Tem de me vir a ofertar,
Pôr-me ao alcance da mão,
Seja o que for que esperar.
Optimista
É um optimista o que pensa
Que o que um passo atrás alcança
Depois dum que em frente vença
Não é um desastre, é uma dança.
Ingrediente
Confiança, a cola da vida,
O ingrediente que lidera
Tudo o mais, como medida,
Na comunhão, quando é vera.
Corajoso
Covarde morre cem vezes
Antes da vez que o matar.
Corajoso olha os reveses,
Morre uma vez, se calhar.
Basilar
Meu impulso basilar
A que mais fundo me grude
Não luta por dominar,
Luta pela plenitude.
Separado
Compreende o novo dado
Por trás de tudo o que viste:
Nada existe separado,
Um dado a sós não existe.
Emoções
O maior bem de que gozas
É que emoções positivas
Serão tão contagiosas
Como são as negativas.
Colectiva
Sem emoção colectiva
Optimista todos vão
Negociar mal cada pista
Tomando a má decisão.
Altruísmo
Mil e um casos de altruísmo
Põem em causa o meu norte:
Não é verdade se cismo
Que sobrevive o mais forte.
Ajudar
Ajudar não só bem sabe
Como também dá saúde
E alarga a longevidade:
- Ruma à vida em plenitude.
Resposta
Não é a personalidade
Que o sucesso nos garante:
Perante a dificuldade
Conta é o que a resposta implante.
Alma
Alma da comunidade
Vai ser o revezamento,
Toda a reciprocidade,
Mão dada a cada momento.
Música
A melodia tem sons
Mais o que jamais anotas,
Dádiva de ignotos dons:
Música é espaço entre notas.
Ver
Ver jamais é solitário,
Ver é diálogo então,
É testemunhar primário,
Participar na função.
Porque
Uns dos outros criadores,
Entrosamos mãos e pés,
Damo-nos o pão e as flores:
- Eu só sou porque tu és!
Resume-se
O problema do dinheiro
Resume-se deste modo:
Nunca alguém, por mais cimeiro,
Pode um dia tê-lo todo.
Pouco
Tínhamos pouco dinheiro
Mas éramos denodados:
Felizes tão por inteiro
Que nada importam tais dados.
Cruzando
O que eu sou e o que tu és
Nunca o dirão nem mil tomos.
Cruzando o Cosmos resvés,
É um mistério o lar que somos.
Perceptível
Do Universo o perceptível
É partícula de pó
Comparado ao invisível,
- Do espírito a fértil mó.
Engano
Duas vezes eu me engano:
Creio no que não é vero
E não creio (e sofro o dano)
Na verdade que não quero.
Incondicional
Deus ama, incondicional:
Como um só somos ligados.
Desta união radical
Vivemos em Deus gravados.
Viajar
Viajar é como um bom,
Um desafiante livro,
Requer abrir-me ao seu dom:
Presente ele, inteiro vibro.
Esquecem
Esquecem o que dizemos
E o que agimos, a seguir,
Mas nunca esquecem, extremos,
Como os fizemos sentir.
Desafio
Um desafio é tal rio
Na barragem que o detém:
Mais retenho ao desafio
Que se a vida corre bem.
Humildade
Pode a humildade levar
Alguém a ajudar, no mundo,
Mas rumo a Deus, ajudar
Céu além leva fecundo.
Sobreviver
Sobreviver ao que é grave
As niquices de cotio
Leva a que logo as entrave,
De fio inovo a pavio.
Fim
Mansão, carro, dinheirama,
Toda a vida coisas boas...
- No fim, morrendo na cama,
Só importam mesmo as pessoas.
Brasa
Ao morrer, do lar a brasa
Ganho ou perco de vez eu?
- Quando eu estiver no céu,
Vou sentir-me mesmo em casa.
Quebradas
São as pessoas quebradas
Aquelas que Deus prefere
A romper pelas estradas
Da Luz que do Céu nos fere.
Vulgares
São indivíduos vulgares
Os que Deus sempre utiliza
A iluminar os lugares
Donde quenquer o Céu visa.
Ameaçada
A felicidade existe
Apenas se ameaçada.
Logo, és feliz, és – já viste? –
Logo à vida desde a entrada.
Coincidência
A coincidência é um pequeno
Milagre em que Deus prefere,
Para além daquele aceno,
Ignoto permanecer.
Escapar
Há quem do tempo padece,
Sempre a lhe escapar da mão?
- O tempo não envelhece,
Envelhece é o coração.
Ensina
- Ensina, tudo me ensina
Do perito em qualquer arte!
- Mas como, se tal é a sina:
Só tu podes ensinar-te?
Demasiado
Quando um homem tem na mão
Demasiado poder,
A capacidade então
Perde de se conhecer.
Sonhos
Todos nós cremos em sonhos,
Que o sonho, em certa medida,
Mesmo em trejeitos medonhos,
É o que nos dá força à vida.
Antes
Antes dum fazer qualquer
Saber é fundamental,
Já que saber, afinal,
É de fazer o poder.
Dificuldade
Perante a dificuldade
Quando perdes a coragem,
A coragem que te invade
É bem fraca – eis a mensagem.
Irmãos
Por mais velhos que fiquemos,
Quando estou com meus irmãos
Volto à infância, nos extremos
Cerrando a vida nas mãos.
Melhor
Como o sol, o vento, a chuva,
Do homem o melhor amigo
Nele encobre, feito luva,
Também o pior inimigo.
Conselhos
Há velhos sábios e velhos
Que, ignaros, matam os povos.
Do tempo antigo os conselhos
Não servem em tempos novos.
Diante
Dos olhos de toda a gente
Se diante, bem largo e fundo,
Eis o esconderijo assente
Que é o mais secreto do mundo.
Palpites
Ideias tolas, palpites
São muitas vezes as chaves
Para a porta dos limites
Abrir do porvir as caves.
Reverso
Na vida quotidiana
Bem e mal vão misturados,
Nunca um absoluto emana,
Há o reverso noutros dados.
Gestação
Uma mãe em gestação,
Feia embora, é muito bela:
É do mundo e bebé são,
Afinal, porta e janela.
Piorar
Piorar é, infelizmente,
Mais fácil que melhorar.
Nem muda, ao fim, muita gente,
Só envelhece. E ao mundo, a par.
Estrada
Uma estrada traz esperas
E as esperas em quenquer,
Através sempre das eras,
O farão envelhecer.
Morto
O morto não morre
Por já não viver,
Mas sim quando ocorre
Dele me esquecer.
Maus-olhados
Maus-olhados há, velados,
Cuja negridão pesamos.
E o pior dos maus-olhados
É o que sobre nós lançamos.
Cansa
Cansará muito viver,
Mormente se não se alcança.
Mas há pior a colher:
- Não viver é o que mais cansa.
Criança
Quem não foi nunca criança,
Uma criança qualquer,
Não precisa nem alcança
Tempo para envelhecer.
Escondida
Andar no mundo revela
Uma verdade escondida:
É sempre olhar à janela
À espera duma outra vida.
Rebanho
Crer em Deus é uma rotina,
Rebanho de corta-fita?
- Quando tudo isto abomina,
Quando é preciso, Deus grita.
Passo
Os corações do homem
Traçam-lhe o caminho
E o Senhor que tomem
No passo O adivinho.
Mão
Na vida resta a evidência
Apegada aos passos meus:
Não há sorte ou coincidência,
Tudo tem a mão de Deus.
Íntimo
Não podemos definir
Inteira a vida na terra:
Deus é que a cria, o porvir
No íntimo de Deus se encerra.
Anjos
São os anjos que arquitectam
Todas as coincidências
Que na vida se detectam
Disfarçadas de aparências.
Eventos
Nem eventos bons nem maus
São aquilo que alguém viva.
Tudo pende, ao cruzar vaus,
Apenas da perspectiva.
Destruidor
Cresceste a odiar tua vida
E o ódio, mesmo com palmas,
É destruidor, na medida
Em que nos destrói as almas.
Lamentável
De homens o mais lamentável
É quem, insone, desata
A trocar, infatigável,
Os sonhos por oiro e prata.
Casa
É sentir-me em casa
Onde quer que esteja
O que mais me abrasa
E a quenquer que seja.
Transformação
A transformação sem perda
É apenas uma ilusão.
A mudança, por mais lerda,
Traz dor sempre no desvão.
Desculpar
O que tens de desculpar,
A ti como aos mais refere
Esta perda singular:
- Uma ignorância que fere.
Quanto
Quanto mais de teu destino
Tu te vais aproximando,
Tanto mais tu, clandestino,
Te vais daqui afastando.
Tragédia
É a tragédia ferramenta
De os vivos sabedoria
Obterem e nunca tenta
Para a vida ser um guia.
Ponte
Há uma ponte de esplendor
Entre a vida que é vivida
E a vida depois da vida,
Vida da vida interior.
Transmudar
Deus encontra sempre forma
De transmudar dor e perda,
O mal, no bem que é de norma,
Que é o que então d’Ele o mundo herda.
Protecção
Qualquer auto-protecção
O mal do lado de dentro
Aprisiona e torna vão
À protecção o meu centro.
Dentro
O que fica atrás de nós
Como o que ficar à frente
É insignificante após
Ver o que há dentro da gente.
Óbvia
Como é óbvia a conclusão
Quando a lês clara nas loisas!
Nada é óbvio quando não
Sabemos nada das coisas.
Eitos
Nunca alguém só com defeitos
Pode existir de verdade.
Do defeito atrás dos eitos
Há sempre uma qualidade.
Preso
Preso estás da dor à brida
Nesta vida de isolados.
Na vida depois da vida
Não vivemos separados.
Presente
Quando Deus se faz presente
Não é por pública entrada,
Deus penetra em toda a gente
Por uma porta privada.
Envelhecer
O melhor de envelhecer
É nenhuma das idades
Por que passei se perder:
São minhas férteis herdades.
Simplicidade
A simplicidade é estranha
Maneira de caminhar:
É sempre, quando se ganha,
Mui difícil de alcançar.
Palavra
A palavra é tão sagrada
E a vida tanto nos lavra
Que o que alguém vale, de entrada,
É se tem ou não palavra.
Saber
Importa saber do meu
Sem ninguém ter de permeio.
Mais sabe o sandeu no seu
Que o sisudo num alheio.
Esterco
O esterco, do lugar fora,
Suja a casa que utiliza.
No lugar posto e na hora,
Todo o campo fertiliza.
Ruim
Erva ruim sempre mantém
Foros de perenidade:
A vida acaba, porém
Jamais acaba a vaidade.
Cura
Jesus cura a enfermidade,
Os mortos ressuscitou...
Desgraça da nossa idade:
- A nenhum doido curou!
Padrinho
Quem tem padrinho em palácio
Bem de tudo escapará,
Quem o não tem é um pascácio,
Em penúria morrerá.
Zelo
Alguns há que o zelo come,
Consome-os até ao pêlo,
E há quem nunca se consome:
- É quem só come do zelo.
Nome
Nasceste com grande nome,
Mas comes tudo sem sobras?
- Virtude que a morte dome,
Não é a do nome, é a das obras.
Dormes
A verdade é que não podes
Mandar no que te comanda.
Teu fado a dormir sacodes?
- Tu dormes, teu tempo anda.
Passamento
Porque da vida na viagem
Tudo passa a todo o momento,
Mais que perpétua passagem,
Tudo é perpétuo passamento.
Imo
No imo da interioridade
Deus de nós mais nos conhece,
Verdade que é da verdade,
Que nós de nós, sem benesse.
Difícil
Mais difícil é ganhar
Pouco quando pouco houver
Do que muito se lucrar
Quando muito se tiver.
Trombeta
Se uma trombeta final
Ressuscita os mortos certa,
É estranho, pois tal sinal
Os mortais nunca desperta.
Subtileza
A subtileza do céu
Põe um sem outros tirar,
A do mundo põe de seu
Tirando outrem do lugar.
Igual
Levantados e caídos
Igual medida não têm:
Levantados desmedidos,
Mal caem, já mal se vêem.
Ocasiões
Quanto mais ocasiões,
Mais hão-de ser os pecados.
Não há mais largos portões
Que os do poder alcançados.
Golpe
Cada dia, cada hora
É um golpe que a morte está
Dando à vida na demora
Desde aqui para acolá.
Engane
Não há neste mundo quem
Não se engane ao definir-se:
No que são e ao que vêm,
No que pretendem ao ir-se.
Cem
Profetizar após cem
Golpes na testa apanhados
É profecia de quem
Tiver os olhos tapados.
Condenar
Se Deus pode condenar,
Os que O temem pouco penam
Se os homens os vão julgar
Ou se os homens os condenam.
Ofendido
Quem conhece que ofendido
Terá toda a vida a Deus
Nada, por mais denegrido,
Pode ofender brios seus.
Dores
Quando as dores são iguais,
Sentimos todas no todo.
Quando uma supera as mais,
Suspende as mais deste modo.
Apetece
A quenquer sempre apetece
Ser bem mais do que quanto é
E querer mais acontece
Que o que pode pôr de pé.
Sabedoria
Ao homem jamais acode
A humilde sabedoria:
Por querer mais do que pode
Não pode o que poderia.
Gostos
Todos os gostos virão
A parar, por fim, em penas
E após as penas, então,
É que as glórias virão plenas.
Miséria
Depois da felicidade
A miséria é bem maior
Que a miséria que nos há-de
A vida calhar de impor.
Domínio
Dum sobre outrem o domínio
Só sobre o corpo vai ser,
Que o espírito é exímio,
Foge ao alheio poder.
Caminha
Não é ser do mundo o homem,
Pois caminha para o Infindo,
Mas ser no mundo que tomem
Em mão as mãos, ao ir indo.
Adiante
Do passado nós adiante
Lemos aonde nos impele,
Um pigmeu sobre um gigante
Pode ver bem mais do que ele.
Queira
Não há quem não queira a paz
Mas nem todos, a justiça
E é o que a guerra sempre traz
Para o rego da rabiça.
Passado
Crer que o passado passou
Passagem é que não ganha,
Que o passado sempre apanha
Quem no compasso o ignorou.
Castigar
Quando Deus quer castigar
O homem pelos seus atilhos,
Matar-lhe vem devagar,
Muito devagar, os filhos.
Horrível
Qualquer horrível, vivê-lo
É desgraça sem sentido.
Posto em arte é sempre belo
Num rumo desconhecido.
Distância
Horrível será o vulcão
Que me ameaça, camartelo.
Mas visto à distância, não:
Pode à distância ser belo.
Exausto
Um bom livro deixa exausto
Quem o ler até ao fim:
É que se vivem num hausto
Mil vidas em tal confim.
Vislumbrar
A morte jamais é o fim,
É apagar uma candeia
Por se vislumbrar enfim
A madrugada que ameia.
Mente
A nossa felicidade
Depende mais do que temos
Na mente que nos persuade
Que do que em bolsa contemos.
Esperança
A esperança onde deponho
O que o tempo houver negado,
A esperança será o sonho
Dum homem quando acordado.
Sorriso
Se meu sorriso mostrara
De alma meu profundo abrigo,
Muitos, ao ver rir-me a cara,
Choravam então comigo.
Depurada
Não há no mundo alegria
Tão depurada que, lesa,
Não vá pagar todo o dia
Dura pensão à tristeza.
Perverso
Ao perverso não acode,
Na morte, de luz cariz:
O ímpio, quando quer, não pode,
Pois, quando pôde, não quis.
Ilusão
Não há pior ilusão
Que a ilusão da despedida:
- Da boa morte a instrução
Verdadeira é a boa vida.
Mais
Nada obriga mais a Deus
Que uma vontade sujeita
E a que ira provoca aos céus
É a que a presumida é atreita.
Nossa
Deus nos quer dar toda nossa
E apenas nossa vontade,
Por isso quer quem lha endossa
Toda inteira e de verdade.
Formosura
O espanto da formosura
É que é sempre uma caveira
Bem vestida em compostura
De encantar quem se lhe abeira.
Peita
A maior peita é o respeito,
Bem maior que a do dinheiro:
Se este a pagar mal é afeito,
Aquele deve-se inteiro.
Curam
Homens que curam o rei
Como um todo então nos curam
De alma e corpo toda a grei
Nos grandes homens que apuram.
Mercês
As mercês feitas a indignos
Não honram a quem apontam,
Antes invertem os signos
E as honras, no inverso, afrontam.
Peça
Há muito quem peça a Deus
O que Deus lhe não concede.
É que, no entender dos céus,
Ninguém sabe o que Lhe pede.
Mercê
Os homens fazem mercê
Quando dão: “toma lá, pega!”
A mercê de Deus, se dê,
É igual à de quanto nega.
Privilégio
Privilégio consentido
Finda a dividir a grei,
Que um privilégio vivido
É uma ferida da lei.
Solitário
Coitado do solitário:
- Se cai, tem quem o levante?
Antes bendito, ao contrário:
- Quem o derruba adiante?
Solidão
O só nunca estará só
Quando é solidão com Deus,
Só consigo mói a mó
Da farinha que há nos céus.
Peca
Se sempre que um homem peca
Caíra um raio do céu,
Findava-lhe o fogo e a seca,
Sem mais raio haver de seu.
Pergunta
Se pergunta o presumido
Com o douto ali a par,
Saber não põe no sentido,
É apenas a se mostrar.
Idolatria
Ao transpor o rio a vau,
Busquei onde tomar pé:
A idolatria é degrau
Na escadaria da Fé.
Nobreza
A nobreza desunida
É ferida de baixeza,
Não tem de nobreza a vida,
É apenas nobre vileza.
Esperança
A esperança requer ver
Mas de não ver é que exista,
Que uma esperança qualquer
Morre no instante da vista.
Derrube
Que homem há que não derrube
O que acima a vela enfuna,
À espera de que lhe adube
Mais um degrau da fortuna?
Interminável
Quem vê Deus não o compreende
Na Infinidade suposta.
Interminável aprende:
- O êxtase é do que mais gosta.
Teme
Como o mundo trata a luz,
Tanto teme uma janela:
Mal uma luz lhe reluz,
Todo o golpe vai a ela.
Ofendido
Embora tenha o sentido
De tudo o que me desfeia,
Ninguém por mais ofendido
Se dá que da luz alheia.
Infelicidade
De toda a infelicidade
A de mais triste cariz
Não é a que a desgraça invade,
É a de ter sido feliz.
Retribuída
A imagem retribuída
Deveras de mim dá fé:
Ninguém é o que de si cuida,
O que doutrem cuida é que é.
Trabalhos
Eis o que em tempo bem pouco
Muito muda nos retalhos
De juízos sãos em loucos:
- Não trabalho, mas trabalhos.
Obras
O céu é ditoso,
Ninguém o avalia
Senão pelo gozo
Das obras que fia.
Senão
Tem o poeta um senão,
Senão do que mais agrade:
Quem mente por profissão
Não mente, fala verdade.
Sirva
Os grandes aos apetites
Têm quem sirva depressa,
Mais que da honra aos desquites
Em que acaso se tropeça.
Pelejam
Se com grandes os despidos
Pelejam, breve os enfaixo:
Vencedores ou vencidos,
Ficarão sempre por baixo.
Pobre
O pobre com seu não-ter
Mais a Deus vai contentar
Que o rico ao liberal ser,
Que o não-seu sempre há-de dar.
Depois
O que, só, perseverou
Depois de todos, sinal
Dá de que antes desejou,
Mais se desvela, ao final.
Retardar
Deus tardará sempre mais
A quem mais se retardar
E mais madruga no cais
Para quem mais madrugar.
Esperança
A esperança dum ingrato,
Tal como a geada de inverno,
Desfaz-se do sol ao trato,
Mal a luz lhe vê o caderno.
Quando
Quando buscamos a Deus,
A nós é que nos buscamos
E nos achamos nos seus
Luzeiros que incendiamos.
Providência
É providência divina
Levar-nos a seus intentos,
Não na via que destina,
Na torta de meus inventos.
Contenta
Nenhum homem se contenta
De Deus com a
remissão:
A remir, basta o que tenta,
A contentar, nada, não.
Descontente
A esperança descontente,
Quando foi correspondida,
É um afecto vil da gente,
Nossa irracional medida.
Ouro
O ouro, correndo em rios,
Com a enchente inunda a terra,
Casas arruína em baixios,
Os povos oprime em guerra.
Ceptro
O ceptro da paz do reino
Será o ceptro da igualdade,
Se o justo amas sem ser leino,
Se odeias a iniquidade.
Impotente
Maior poder do poder
É o de devir impotente
Para o desigual fazer.
Aí no cume é eminente.
Enfermidade
A enfermidade letal
De que sofre a natureza,
De corpo e de alma final,
É a doença da tristeza.
Sofre
Mais que as trevas, o que é triste
Sofre muito, sofre a esmo,
Não do que fora resiste,
Da carga que é por si mesmo.
Demónio
O demónio tenta, tenta,
Mas a força que a fraqueza
Em tal vitória lhe inventa
É, no fundo, a da tristeza.
Ajudado
Ajudado da tristeza,
Um demónio serão dois
Mas a tristeza mais pesa
Do que o diabo depois.
Inveja
Por inocente que seja
O benemérito amado,
Se há tristeza por inveja,
Há quem derrube o invejado.
Rumando
Fraldas de que me encobri
Prima mortalha são pura:
Desde a hora em que nasci
Vou rumando à sepultura.
Curso
Que será o curso da vida?
O enterro de cada qual:
Quanto mais pompa vivida,
Mais as cruzes, no final.
Sepultado
Quando alguém é sepultado,
Um pregão irá dizer:
De quanto amontoaste ao lado
Só a mortalha irás reter.
Gula
A gula tem o topete
De nos ditar a má sorte:
Qualquer dia de banquete
É véspera duma morte.
Miserável
Miserável condição
Em nossa carne envolvida,
Com vida e morte em tensão:
Comer para ser comida!
Menos
Não é conta de somenos
Da tumba olhar o sentido:
Tu, pobre, por comer menos,
Lá serás menos comido.
Carreia
Nós somos aquele cego
Que aos ombros carreia um manco,
E os dois só, no mútuo apego,
O inteiro Homem sou que alanco.
Lugar
No mundo não há lugar:
Alto embora, levantado,
Quando bem examinado,
É nada quando vagar.
Cair
Sempre é bem-afortunado
Quem já não pode cair
E só não cai para o lado
Quem já mais não tem onde ir.
Agrave
Se eu permitir que se agrave
Um só vício até ao fim,
De cabelo muda em trave,
Finda a dominar-me a mim.
Dano
Não sofro de ausência dano
Se em vez do corpo de alguém
O conheço noutro plano:
- A interioridade que tem.
Sem
Sem mensagem uma ausência
É dum vácuo o sofrimento.
Com a escrita há uma evidência
De espelho a todo o momento.
Ilustre
Do ilustre o lustre, ao temor
Desincha se há imunidade:
A ousadia é maior,
Tudo a ruína logo invade.
Tornar
Nunca será bom tornar
Ao lugar que, de raiz,
É memória do lugar
Onde já se foi feliz.
Pesar
Ser feliz é fugidio,
Escapa-se dentre os dedos.
O pesar, não, é arredio,
Agarra-nos como os medos.
Mundano
Não pelo que tenhamos, desejemos
De mundano (bens, terras, honrarias...)
Vivemos, mas daquilo em que nós cremos,
Tudo o mais são, de lado, fantasias.
Boa
A lei nunca será boa
Apenas porque se manda
Mas antes pelo que ecoa
E acarinha em toda a banda.
Fim
O fim para que nascemos
Será sempre um fim sem fim:
É que na morte abriremos
Da eternidade o confim.
Desgraça
Graça de reis é desgraça,
Que os que de urdimentos seus
Lhes findam caindo em graça
Não têm graça de Deus.
Visam
A graça dos reis é o alvo
Que visam todas as setas,
A de Deus é escudo calvo
Que as repele, de incorrectas.
Breve
Quão mais o bem desejado
De nós breve se avizinha
Tão mais o desejo armado
Cresce em nós como gavinha.
Sumo
O sumo bem entrevisto
Torna a eternidade breve;
Se de vez o não avisto,
Eterno o dia me teve.
Infeliz
Infeliz quem não entende
Que tem a fome maior,
Bem maior ao que propende
Do que estômago onde a pôr!
Nunca
Há os homens do nunca:
São os que hoje tentam
O amanhã que junca
De nada o que inventam.
Sujeita
Quem pede é quem se sujeita
Mas quer outrem sujeitar.
Só não, se entrega a quem peita
A escolha do que impetrar.
Grandeza
A grandeza do que é dito
Ora cresce ora mingua
Conforme é mestre ou precito
O peito que o brada à rua.
Força
Pouca força de obediência
As leis sempre alcançarão
Onde do exemplo a evidência
Falte para a imitação.
Mudança
Não há no mundo mudança
Maior do que ser mudado
Um homem noutro que alcança
Igual ser no transmudado.
Hipócrita
O hipócrita a santidade
Que no espírito não tem
Tem no vestido, em vaidade,
Na imitação que convém.
Rasga
Verdadeira penitência
Não é a que rasga os vestidos,
É a que rasga a consciência,
Coração rasga e sentidos.
Enfermidades
As grandes enfermidades
Requerem grandes remédios:
Não as curam veleidades
Nem bem forjados assédios.
Hábito
O mau dum hábito mau
É que um hábito maior
Do que o mau (que como nau
Nele andar) é de supor.
Gota
De sangue a gota vertida
Torna, na casa em que falta,
Triste a vitória vivida,
Embora seja a mais alta.
Desejar
O coração desejar
Sabe tudo o que quiser,
Muito embora, a meu pesar,
Não possa satisfazer.
Miserável
É miserável estado
Por igual temer perigos
Dum lado e do outro lado,
De inimigos e de amigos.
Repiques
Na capital há repiques,
Só no exército há feridas?
Das honras mordem despiques
Por onde se escoam vidas.
Vê
O que aqui lemos no rol
Não é Deus, é o que O traduz,
Ninguém a luz vê do Sol,
Vemos é coisas na luz.
Cume
O cume do gozo impõe
Sempre alguma alteridade
Donde a contemplar se põe
O que o goza de verdade.
Armas
Por meio de armas vencer
É ditar mil más sequelas.
A esperança pôr naquelas
Então é nada entender.
Valente
O valente é piedoso,
O valente é compassivo.
É covarde e fraco o gozo
Da crueldade obsessivo.
Lei
Nunca a lei é boa
Só do que bem manda,
Senão do que ecoa
E a guardar comanda.
Medida
De obra grande ou de pequena,
De acção boa ou denegrida
Cada qual na mente encena
A verdadeira medida.
Molde
Coração, pés, mãos ou asas,
Tudo provém da cabeça
Que é o molde com que tu casas
A fantasia que os meça.
Corpo
Dirá Deus matando alguém
A quem só corpo é de lei,
Sem alma deter também:
“Qual o achei, tal o deixei.”
Natural
É natural dar maior
Valor às coisas na perda
Que ao fruir o que tal for:
Pelo perdido é a dor lerda.
Mudável
É sempre vária, mudável,
A fortuna que tivermos:
Vem do risco o miserável
E, da saúde, os enfermos.
Véu
A posse dos bens é um véu
Que os oculta a que os conheça.
O véu corre a perda a céu
Aberto: o saber começa.
Nunca
O bem nunca se conhece
Senão quando ele se perde,
Nem o mal, embora o herde,
Senão quando se padece.
Lugar
O bem nunca tem lugar
Senão quando se conhece:
Perdido é que, então, a par,
Tem o lugar que merece.
Atropele
Quem chora o que tem remédio
O que quer é alívio dele.
Sem remédio se é, nem nédio,
Chora a dor que o atropele.
Único
Remédio único a dor
Há-de ser do bem perdido
E o bem perdido maior
É a dor perder sem sentido.
Príncipe
Do Príncipe esperar lei
É esperar, desesperar
E após, tanto quanto sei,
Fechar a boca e calar.
Boca
A boca do coração,
De longe e quando com gana,
Antes duma ocasião,
Sempre, sempre nos engana.
Servos
Se Deus tiver tantos servos
Como os que o dinheiro tem,
Que bem servido de nervos
Fora o mundo então, que bem!
Fé
A fé que não dói
É fácil de crer,
A fé que me mói,
Que difícil ter!
Mal
Mal é dizer mal.
Se dizeis que é bem,
Mal então mais mal
É o que dali vem.
Contradição
Entre o dizer duma boca
E o entender dum ouvido
A contradição se entoca:
Quem vai jurar o sentido?
Quantas
Quantas vezes vós ouvis
O que não ouvis de vez?
Pende a honra, por um triz,
Pendurada do entremez.
Corações
Quando ouvem pelos ouvidos
Ouvem raios e trovões?
Nem queiras ver os sentidos
Se ouvem pelos corações!
Orelhas
O coração tem orelhas
E o que ouvir o coração
Depende das caixas velhas
Onde ecoa a inclinação.
Vezes
As vozes cantam em coro
Na orelha do religioso
O que é já de guerra um choro
No soldado prestimoso.
Forma
Tudo o que entra pelo ouvido
Na forma do coração
Se amoldará derretido
E sai santo ou sai ladrão.
Disposição
Tudo o que entra pelo ouvido
Faz eco no coração:
Conforme a disposição,
Assim o eco lá sentido.
Estreitos
Ninguém passa nos estreitos
Da boca e ouvido humanos
Que não deixe, como preitos,
A pele feita de enganos.
Caracol
Cada ouvido é um caracol:
As dicas lá revolvidas,
Quando à boca dão ao rol,
Saem sempre retorcidas.
Baldroca
Dois ouvidos, uma boca:
Duas verdades ouvira
E após a troca e baldroca
Sai da boca uma mentira.
Meio
O que faz o mentiroso,
Duas verdades ao meio,
É partir que depois coso
E eis da mentira o recheio.
Diminuída
Verdade diminuída
Que mentira declarada
É bem pior, que vivida
Por verdade é, da fachada.
Pior
A mentira que parece
Uma verdade das modas
É, na máscara refece,
A pior mentira de todas.
Mente
Mente a língua, que mente a imaginação;
Mente a língua, que nos mentem os ouvidos;
Mente a língua porque os olhos mentirão;
Mente a língua: todos mentem, insofridos.
Nega
Má vida com boa fé
É mentira toda inteira,
Que o que a fé lá põe de pé
Logo a vida o nega à beira.
Apetite
O apetite de ser visto
Não acaba com a morte:
Mesmo em sepulcro resisto
Na estátua que me transporte.
Testemunha
Onde falta a testemunha
Logo a gesta vai-se embora:
É que ela toda supunha
Ser mostrada a toda a hora.
Fiel
Dum homem o servo fiel
Serve até se ele o não vê.
De Deus o fiel servo impele
Tal se Deus nem vira o quê.
Veja
Há quem veja o que está vendo
E não o veja jamais,
Basta que o veja mantendo
A mente noutros quintais.
Vemos
Vemos o que estamos vendo
E o não vemos, nem sentidos
Dali nos virão correndo,
Quando o vemos distraídos.
Acerto
Ver as coisas como são
Isto é ver, no acerto e apego.
Como não são ver, então
Não é ver, é ficar cego.
Fechados
Todas as coisas se vêem
De olhos abertos, aos lados.
E a cegueira todos lêem
Por igual de olhos fechados.
Invejoso
O invejoso, o que o abrasa
É bem mais a glória alheia
Que o inferno em própria casa
Que de tormento andar cheia.
Pesos
Vê bem como tornar leves
Os pesos de tua jorna:
Gostar torna os dias breves,
Trabalhar longos os torna.
Abrasa
Se o fogo abrasa a vontade,
Logo cega, no momento,
A notícia da verdade
Com fumo no entendimento.
Ausência
A morte é deixar de ser,
Ausência, deixar de estar.
Bem maior desta é o sofrer
Que não ser, ao não ficar.
Roubar
É culpa o pouco roubar,
O roubar muito é grandeza:
Pouco é pirata no mar,
Mas frota armada é beleza.
Ladroeira
Um país sem a justiça
É ladroeira pegada.
Ladroeira que o enguiça
É o país à punhalada.
Presente
Sempre o passado é um fantasma,
O futuro, um sonho ausente.
O que temos e nos pasma
É apenas este presente.
Especial
O que algo torna especial
Não é só o que se ganhar
Mas o que pode, afinal,
Vir a perder-se em lugar.
Pateta
Qualquer pateta, qualquer,
Pela vida toda adiante,
Ouvir adora dizer
Que é deveras importante.
Aliados
Alguns aliados são,
Quando os espreito aos postigos
Da secreta escuridão,
Mais mortais que os inimigos.
Comprar
Se podes comprar um homem
E o voto dele com oiro,
Só sangue e aço que o domem
De leal dão dele agoiro.
Ponto
O nosso ponto de vista,
Consciente, inconscientemente,
Pomos sempre em toda a lista
Do que ocorre no presente.
Deveras
A história não é deveras
O deveras ocorrido,
É conversa pelas eras
Do antigamente vivido.
Pronto
Ninguém logra acreditar
Enquanto não ficar pronto:
Há o instante de espertar
E até ali é tudo um conto.
Pequenina
Cada coisa pequenina
Te irá mostrar o caminho
De um dia luz que ilumina
Doutrem seres no cadinho.
Herói
É um herói quem nunca foi
Um herói num gesto mero:
Se for deveras herói,
Primeiro tornou-se um zero.
Atrás
É a vitória de quem crê
Que atrás das nuvens há sol:
Maior que da dor o rol
É o sonho de quem se dê.
Diferentes
Somos todos diferentes
Mas vimos da mesma fonte,
Sob o mesmo sol viventes,
- Somos um só no horizonte.
Espelho
É por outrem que me rejo
Em gestos feitos a esmo,
Aquilo que noutrem vejo
É o espelho de mim mesmo.
Desapego
Quem vive com desapego
Do dinheiro que cinzele
Aduba as hortas no rego
E nunca fica sem ele.
Culpa
Sinto culpa? É que exigi
Ser perfeito e como não,
Como não o consegui,
Julguei-me: é a condenação.
Perfeccionismo
Perfeccionismo é controlo,
Frustração, flagelação.
Dele o derradeiro pólo
É de autodestruição.
Creias
Quer tu creias, quer não creias
No que vida além consagres,
A medicina a que ameias
Anda cheia de milagres.
Adaptado
Não é sinal de saúde
Adaptado ir e contente
Num mundo que nos ilude,
Num planeta que é doente.
Bicicleta
Como andar de bicicleta
É a vida, pois, sem ludíbrio,
É um rumar constante à meta
Para manter o equilíbrio.
Controlo
O controlo é fantasia,
Tudo advém por um motivo,
Seja embora ignota a via
E mesmo se iníqua a vivo.
Viagem
É a morte aquela viagem
Que teremos de fazer,
Rumando a ignota paisagem
Nova para a conhecer.
Encerramento
Dum ciclo um encerramento,
A morte é sempre um portal,
Como outro qualquer momento
De partida com sinal.
Risco
Há risco fora do aprisco,
É o que medroso adivinho.
Não existe, porém, risco,
Somente existe caminho.
Roteiro
No roteiro de teu dia
Que é que te torna contente?
A intuição será teu guia
Na quietude da mente.
Dentro
Não esqueças o que importa:
Tudo está dentro de ti.
Esta é a verdadeira porta:
- O mundo começa aí.
Essência
Quando encontras tua essência,
Verás o melhor de ti
E o melhor, em prevalência,
Dos demais que houver aí.
Além
Além da tua aparência
Há um tesoiro a descobrir:
Anjo és na Terra, na essência,
Ser de luz a evoluir.
Cuidará
A intuição, quando for viva,
Cuidará de teu apuro,
Não será barco à deriva
Nem um horizonte escuro.
Obscuridade
Não pretendo saber tudo,
É preciso obscuridade
Para a luz a que me grudo
Apreciar de verdade.
Envoltura
És um ser de luz, magia,
Numa envoltura terrena
Que tu te escolheste um dia,
A evoluir até luz plena.
Bagagem
Toda a bagagem que tens
(Raiva, razão, a gordura...)
São teus requeridos bens
Na missão que te depura.
Harmonia
Tu, no fundo, és harmonia.
Se com ela estás concorde,
Que é que te perturbaria,
Que outra nota em teu acorde?
Culpado
Não sou culpado de nada,
Nem sou perante ninguém.
De Deus à porta de entrada
Quem sou eu no infindo Além?
Preparado
Quando já estás preparado
Para trepar à montanha,
Encontrarás a teu lado
O jantar que isso te ganha.
Ruído
Neste ruído de fundo
Só de barulho me inundo.
- Quem não tem nada a dizer
Porque teima em escrever?
Quieto
Perante a paisagem quieto,
Em calma e feliz espera.
Logo o coração, secreto,
Te murmura como é que era.
Hoje
Não importa só por hoje
Este hoje que hoje me importa:
É para amanhã que foge,
Importa que me abra a porta.
Inspiração
A inspiração, quando quer,
Vem, tal sol pela janela,
Sempre boa, até qualquer
Nuvem levar a luz dela.
Fraqueza
A fraqueza impõe que reaja:
Física inferioridade
Estimula e encoraja
Mental superioridade.
Terra
A Terra nós não herdámos
De nossos antepassados,
Por empréstimo a tomámos
De nossos filhos, mal nados.
Aguenta
Aquele que não aguenta
Ver alguém que esteja bem,
Tudo mal dentro apresenta,
Tudo mal dentro contém.
Preciso
A vida nunca vai dar
Aquilo que a gente quer.
Definitiva, em lugar,
O que é preciso há-de ter.
Paraíso
Depois de alguém descobrir
Que há deveras paraíso,
Mui difícil é, a seguir,
Viver no deserto liso.
Grandeza
A grandeza de alguém mede-a
Quanto para outrem ri
Quando dentro encurta a rédea
Para chorar para si.
Frustrado
O frustrado com a vida
Vai então tentar frustrar
Por isso, em igual medida,
A vida doutrem, a par.
Entender
Entender outrem: aí
Reside o que nunca rende,
Primeiro fito que vi
Que nunca ninguém entende.
Bisturi
Um homem é um bisturi
Que entalha o que fazem dele
Mais o que ele faz de si
Debaixo da mesma pele.
Consciência
Todos têm consciência
Do que fazer deverão,
Mas poucos (se alguns, na essência),
Muito poucos o farão.
Execução
De consciencialização
Não é o problema do mundo:
Ao invés, sempre é, no fundo,
Problema de execução.
Líder
Grande líder é o que for
Capaz de uma hora certa
Aguardar e então propor
A atitude que desperta.
Tiveste
Queres o que não tiveste?
É o caminho desgraçado:
Tiveste-o e já o perdeste
Por o ter desperdiçado.
Bónus
Tens de comer e beber?
O mais é um bónus da vida.
O engano é sempre o de crer
Que a prenda nos é devida.
Peregrino
A lonjura entre o que são
E o que gostavam de ser
Peregrino o coração
Mede a todos e quenquer.
Parecem
Todos parecem aquilo
Que os olhos doutrem procuram
Encontrar dentro, no silo
Das almas que os configuram.
Força
A felicidade é a força
De ir rumo a outra pessoa:
Por mais que tudo a distorça,
É da vida a trilha boa.
Acreditar
Acreditar é a alegria
Que resta a quem, em lugar
De atingir quanto em que cria,
Só atingir acreditar.
Saber
O mal de querer saber
Aquilo que não devia
É de ter de ouvir dizer
O que ouvir não quereria.
Problema
O problema de viver
É que com tudo me iludo:
- Quem tudo tem sempre quer,
Sempre quer ter mais que tudo.