TERCEIRO  BRINDE

 

 

 

Gastos

 

Todos os momentos gastos

Para olharmos para trás

Nos impedem de ir nos rastos

Do que adiante nos apraz.

 

 

Terminada

 

Tarefa por terminada

Quando damos, o mais certo

Nem sequer por começada

É do que estamos mais perto.

 

 

Ausente

 

Em nossa vida inquieta,

O amanhã, o eterno ausente,

É a nossa porta indiscreta

Na morada permanente.

 

 

Obra

 

Será que o valor da obra

É daquilo que se vê?

Mil carvões valem de sobra

Um diamante ínfimo ao pé?

 

 

Trampolim

 

A Deus há os que servirão

Só para saltar o vau,

Mas obras de Deus não são

Nem trampolim nem degrau.

 

 

Caminhos

 

Não há caminhos já feitos.

Rasgaremos mil estradas

Por montanhas, por estreitos,

Por força só das pegadas.

 

 

Unidade

 

A unidade marca a vida,

Desunir-se é podridão.

Só que a marca é prosseguida

Em nunca firmado chão.

 

 

Capelinha

 

Quando fazes capelinha

Numa obra universal,

Todo o universal definha

Em capelinha total.

 

 

Constante

 

Uma constante pondera

As vertentes que nos ficam:

- Muita flor na primavera,

Poucas as que frutificam.

 

 

Asa

 

O calor do céu convém

Mais o esforço que reclama:

És pardal que ainda tem

Asa empastada de lama.

 

 

Magia

 

Há magia na figura

Do Cosmos em expansão

Mas a magia mais pura

Habita no coração.

 

 

Cebola

 

A vida é como a cebola,

Descasca-se uma camada

De cada vez que se imola,

Chora-se a cada facada.

 

 

Partido

 

Ter o coração partido

É bom sinal porventura:

Tentou-se, nalgum sentido,

Algo que agora supura.

 

 

Heróis

 

Nem todos podemos ser

Heróis porque era preciso

Alguém palmas a bater

Na rua ao toque do guizo.

 

 

Alto

 

É de muito alto subir

Para perceber, ao menos,

Nas alturas do nadir,

Como nós somos pequenos.

 

 

Sábio

 

Em tudo o que ato e desato

Nestes trilhos sobre o chão,

Não há sábio mais sensato

Do que o próprio coração.

 

 

Importante

 

Se algo de grande importância

Não pode ser discutido,

Nada mais, naquela instância,

De importante é ali ouvido.

 

 

Ingénuo

 

É muito bom ser ingénuo:

Sempre ocorre o interessante

Se ignoro um costume estrénuo

Ou que fazer adiante.

 

 

Medida

 

Da vida a medida plena

E que vale o que valemos:

- Na vida o que vale a pena

É o que por outrem fazemos.

 

 

Violência

 

Se todos nos envolvemos

Doutrem na felicidade,

A violência não tem termos

Nem território que grade.

 

 

Mistério

 

É um mistério o que sustenta

A ponte entre cá e lá,

Pois cada um se alimenta

Daquilo que aos outros dá.

 

 

Chega

 

Morte não é aquela

Luz a fenecer,

É apagar a vela:

- Chega o amanhecer!

 

 

Salto

 

A morte é o que, de repente,

Tem pegadas seduzidas:

Morte é o salto para a frente,

O maior de nossas vidas.

 

 

Passo

 

O tempo de vida é escasso

Ao da Vida comparado:

A vida terrestre é um passo

Para o Infindo inexplorado.

 

 

Entrar

 

Se crês que a morte nos muda,

Vê que tal não é verdade:

Mais é exaltação aguda

De entrar em outra cidade.

 

 

Convida

 

A vida de toda a sorte

Convida a um alvor qualquer.

É o que acontece na morte:

- A morte é um amanhecer.

 

 

Busca

 

Enviei minha luz de alma

Em busca do Céu, do Inferno.

Voltou dizendo-me, calma:

- São em ti teu mundo interno.

 

 

Vencidos

 

Ai daqueles que jamais

Foram vencidos da vida!

Nunca vencedores reais

Na vida são de seguida.

 

 

Manifestação

 

Manifestação vivida

De sucesso sem desdoiro

É a de enriquecer a vida,

Não a de encher cofres de oiro.

 

 

Paz

 

O sucesso é poder ir

Para a cama, a cada noite,

Sempre com alma a sorrir

Na paz do Infindo que a acoite.

 

 

Desperta

 

A arrogância atrai ódio mais inveja,

A elegância desperta amor, respeito.

Aquela humilhará quenquer que seja,

A elegância encaminha à luz o preito.

 

 

Cores

 

Um pôr-de-sol é mais belo

Com nuvens irregulares:

São mil cores em novelo,

Verso e sonho ali aos pares.

 

 

Excelência

 

Excelência não é um acto

Mas um hábito que temos

E que forte torna o fraco,

Pois somos o que fazemos.

 

 

Obrigação

 

Nunca a vida obrigação

Tem de me vir a ofertar,

Pôr-me ao alcance da mão,

Seja o que for que esperar.

 

 

Optimista

 

É um optimista o que pensa

Que o que um passo atrás alcança

Depois dum que em frente vença

Não é um desastre, é uma dança.

 

 

Ingrediente

 

Confiança, a cola da vida,

O ingrediente que lidera

Tudo o mais, como medida,

Na comunhão, quando é vera.

 

 

Corajoso

 

Covarde morre cem vezes

Antes da vez que o matar.

Corajoso olha os reveses,

Morre uma vez, se calhar.

 

 

Basilar

 

Meu impulso basilar

A que mais fundo me grude

Não luta por dominar,

Luta pela plenitude.

 

 

Separado

 

Compreende o novo dado

Por trás de tudo o que viste:

Nada existe separado,

Um dado a sós não existe.

 

 

Emoções

 

O maior bem de que gozas

É que emoções positivas

Serão tão contagiosas

Como são as negativas.

 

 

Colectiva

 

Sem emoção colectiva

Optimista todos vão

Negociar mal cada pista

Tomando a má decisão.

 

 

Altruísmo

 

Mil e um casos de altruísmo

Põem em causa o meu norte:

Não é verdade se cismo

Que sobrevive o mais forte.

 

 

Ajudar

 

Ajudar não só bem sabe

Como também dá saúde

E alarga a longevidade:

- Ruma à vida em plenitude.

 

 

Resposta

 

Não é a personalidade

Que o sucesso nos garante:

Perante a dificuldade

Conta é o que a resposta implante.

 

 

Alma

 

Alma da comunidade

Vai ser o revezamento,

Toda a reciprocidade,

Mão dada a cada momento.

 

 

Música

 

A melodia tem sons

Mais o que jamais anotas,

Dádiva de ignotos dons:

Música é espaço entre notas.

 

 

Ver

 

Ver jamais é solitário,

Ver é diálogo então,

É testemunhar primário,

Participar na função.

 

 

Porque

 

Uns dos outros criadores,

Entrosamos mãos e pés,

Damo-nos o pão e as flores:

- Eu só sou porque tu és!

 

 

Resume-se

 

O problema do dinheiro

Resume-se deste modo:

Nunca alguém, por mais cimeiro,

Pode um dia tê-lo todo.

 

 

Pouco

 

Tínhamos pouco dinheiro

Mas éramos denodados:

Felizes tão por inteiro

Que nada importam tais dados.

 

 

Cruzando

 

O que eu sou e o que tu és

Nunca o dirão nem mil tomos.

Cruzando o Cosmos resvés,

É um mistério o lar que somos.

 

 

Perceptível

 

Do Universo o perceptível

É partícula de pó

Comparado ao invisível,

- Do espírito a fértil mó.

 

 

Engano

 

Duas vezes eu me engano:

Creio no que não é vero

E não creio (e sofro o dano)

Na verdade que não quero.

 

 

Incondicional

 

Deus ama, incondicional:

Como um só somos ligados.

Desta união radical

Vivemos em Deus gravados.

 

 

Viajar

 

Viajar é como um bom,

Um desafiante livro,

Requer abrir-me ao seu dom:

Presente ele, inteiro vibro.

 

 

Esquecem

 

Esquecem o que dizemos

E o que agimos, a seguir,

Mas nunca esquecem, extremos,

Como os fizemos sentir.

 

 

Desafio

 

Um desafio é tal rio

Na barragem que o detém:

Mais retenho ao desafio

Que se a vida corre bem.

 

 

Humildade

 

Pode a humildade levar

Alguém a ajudar, no mundo,

Mas rumo a Deus, ajudar

Céu além leva fecundo.

 

 

Sobreviver

 

Sobreviver ao que é grave

As niquices de cotio

Leva a que logo as entrave,

De fio inovo a pavio.

 

 

Fim

 

Mansão, carro, dinheirama,

Toda a vida coisas boas...

- No fim, morrendo na cama,

Só importam mesmo as pessoas.

 

 

Brasa

 

Ao morrer, do lar a brasa

Ganho ou perco de vez eu?

- Quando eu estiver no céu,

Vou sentir-me mesmo em casa.

 

 

Quebradas

 

São as pessoas quebradas

Aquelas que Deus prefere

A romper pelas estradas

Da Luz que do Céu nos fere.

 

 

Vulgares

 

São indivíduos vulgares

Os que Deus sempre utiliza

A iluminar os lugares

Donde quenquer o Céu visa.

 

 

Ameaçada

 

A felicidade existe

Apenas se ameaçada.

Logo, és feliz, és – já viste? –

Logo à vida desde a entrada.

 

 

Coincidência

 

A coincidência é um pequeno

Milagre em que Deus prefere,

Para além daquele aceno,

Ignoto permanecer.

 

 

Escapar

 

Há quem do tempo padece,

Sempre a lhe escapar da mão?

- O tempo não envelhece,

Envelhece é o coração.

 

 

Ensina

 

- Ensina, tudo me ensina

Do perito em qualquer arte!

- Mas como, se tal é a sina:

Só tu podes ensinar-te?

 

 

Demasiado

 

Quando um homem tem na mão

Demasiado poder,

A capacidade então

Perde de se conhecer.

 

 

Sonhos

 

Todos nós cremos em sonhos,

Que o sonho, em certa medida,

Mesmo em trejeitos medonhos,

É o que nos dá força à vida.

 

 

Antes

 

Antes dum fazer qualquer

Saber é fundamental,

Já que saber, afinal,

É de fazer o poder.

 

 

Dificuldade

 

Perante a dificuldade

Quando perdes a coragem,

A coragem que te invade

É bem fraca – eis a mensagem.

 

 

Irmãos

 

Por mais velhos que fiquemos,

Quando estou com meus irmãos

Volto à infância, nos extremos

Cerrando a vida nas mãos.

 

 

Melhor

 

Como o sol, o vento, a chuva,

Do homem o melhor amigo

Nele encobre, feito luva,

Também o pior inimigo.

 

 

Conselhos

 

Há velhos sábios e velhos

Que, ignaros, matam os povos.

Do tempo antigo os conselhos

Não servem em tempos novos.

 

 

Diante

 

Dos olhos de toda a gente

Se diante, bem largo e fundo,

Eis o esconderijo assente

Que é o mais secreto do mundo.

 

 

Palpites

 

Ideias tolas, palpites

São muitas vezes as chaves

Para a porta dos limites

Abrir do porvir as caves.

 

 

Reverso

 

Na vida quotidiana

Bem e mal vão misturados,

Nunca um absoluto emana,

Há o reverso noutros dados.

 

 

Gestação

 

Uma mãe em gestação,

Feia embora, é muito bela:

É do mundo e bebé são,

Afinal, porta e janela.

 

 

Piorar

 

Piorar é, infelizmente,

Mais fácil que melhorar.

Nem muda, ao fim, muita gente,

Só envelhece. E ao mundo, a par.

 

 

Estrada

 

Uma estrada traz esperas

E as esperas em quenquer,

Através sempre das eras,

O farão envelhecer.

 

 

Morto

 

O morto não morre

Por já não viver,

Mas sim quando ocorre

Dele me esquecer.

 

 

Maus-olhados

 

Maus-olhados há, velados,

Cuja negridão pesamos.

E o pior dos maus-olhados

É o que sobre nós lançamos.

 

 

Cansa

 

Cansará muito viver,

Mormente se não se alcança.

Mas há pior a colher:

- Não viver é o que mais cansa.

 

 

Criança

 

Quem não foi nunca criança,

Uma criança qualquer,

Não precisa nem alcança

Tempo para envelhecer.

 

 

Escondida

 

Andar no mundo revela

Uma verdade escondida:

É sempre olhar à janela

À espera duma outra vida.

 

 

Rebanho

 

Crer em Deus é uma rotina,

Rebanho de corta-fita?

- Quando tudo isto abomina,

Quando é preciso, Deus grita.

 

 

Passo

 

Os corações do homem

Traçam-lhe o caminho

E o Senhor que tomem

No passo O adivinho.

 

 

Mão

 

Na vida resta a evidência

Apegada aos passos meus:

Não há sorte ou coincidência,

Tudo tem a mão de Deus.

 

 

Íntimo

 

Não podemos definir

Inteira a vida na terra:

Deus é que a cria, o porvir

No íntimo de Deus se encerra.

 

 

Anjos

 

São os anjos que arquitectam

Todas as coincidências

Que na vida se detectam

Disfarçadas de aparências.

 

 

Eventos

 

Nem eventos bons nem maus

São aquilo que alguém viva.

Tudo pende, ao cruzar vaus,

Apenas da perspectiva.

 

 

Destruidor

 

Cresceste a odiar tua vida

E o ódio, mesmo com palmas,

É destruidor, na medida

Em que nos destrói as almas.

 

 

Lamentável

 

De homens o mais lamentável

É quem, insone, desata

A trocar, infatigável,

Os sonhos por oiro e prata.

 

 

Casa

 

É sentir-me em casa

Onde quer que esteja

O que mais me abrasa

E a quenquer que seja.

 

 

Transformação

 

A transformação sem perda

É apenas uma ilusão.

A mudança, por mais lerda,

Traz dor sempre no desvão.

 

 

Desculpar

 

O que tens de desculpar,

A ti como aos mais refere

Esta perda singular:

- Uma ignorância que fere.

 

 

Quanto

 

Quanto mais de teu destino

Tu te vais aproximando,

Tanto mais tu, clandestino,

Te vais daqui afastando.

 

 

Tragédia

 

É a tragédia ferramenta

De os vivos sabedoria

Obterem e nunca tenta

Para a vida ser um guia.

 

 

Ponte

 

Há uma ponte de esplendor

Entre a vida que é vivida

E a vida depois da vida,

Vida da vida interior.

 

 

Transmudar

 

Deus encontra sempre forma

De transmudar dor e perda,

O mal, no bem que é de norma,

Que é o que então d’Ele o mundo herda.

 

 

Protecção

 

Qualquer auto-protecção

O mal do lado de dentro

Aprisiona e torna vão

À protecção o meu centro.

 

 

Dentro

 

O que fica atrás de nós

Como o que ficar à frente

É insignificante após

Ver o que há dentro da gente.

 

 

Óbvia

 

Como é óbvia a conclusão

Quando a lês clara nas loisas!

Nada é óbvio quando não

Sabemos nada das coisas.

 

 

Eitos

 

Nunca alguém só com defeitos

Pode existir de verdade.

Do defeito atrás dos eitos

Há sempre uma qualidade.

 

 

Preso

 

Preso estás da dor à brida

Nesta vida de isolados.

Na vida depois da vida

Não vivemos separados.

 

 

Presente

 

Quando Deus se faz presente

Não é por pública entrada,

Deus penetra em toda a gente

Por uma porta privada.

 

 

Envelhecer

 

O melhor de envelhecer

É nenhuma das idades

Por que passei se perder:

São minhas férteis herdades.

 

 

Simplicidade

 

A simplicidade é estranha

Maneira de caminhar:

É sempre, quando se ganha,

Mui difícil de alcançar.

 

 

Palavra

 

A palavra é tão sagrada

E a vida tanto nos lavra

Que o que alguém vale, de entrada,

É se tem ou não palavra.

 

 

Saber

 

Importa saber do meu

Sem ninguém ter de permeio.

Mais sabe o sandeu no seu

Que o sisudo num alheio.

 

 

Esterco

 

O esterco, do lugar fora,

Suja a casa que utiliza.

No lugar posto e na hora,

Todo o campo fertiliza.

 

 

Ruim

 

Erva ruim sempre mantém

Foros de perenidade:

A vida acaba, porém

Jamais acaba a vaidade.

 

 

Cura

 

Jesus cura a enfermidade,

Os mortos ressuscitou...

Desgraça da nossa idade:

- A nenhum doido curou!

 

 

Padrinho

 

Quem tem padrinho em palácio

Bem de tudo escapará,

Quem o não tem é um pascácio,

Em penúria morrerá.

 

 

Zelo

 

Alguns há que o zelo come,

Consome-os até ao pêlo,

E há quem nunca se consome:

- É quem só come do zelo.

 

 

Nome

 

Nasceste com grande nome,

Mas comes tudo sem sobras?

- Virtude que a morte dome,

Não é a do nome, é a das obras.

 

 

Dormes

 

A verdade é que não podes

Mandar no que te comanda.

Teu fado a dormir sacodes?

- Tu dormes, teu tempo anda.

 

 

Passamento

 

Porque da vida na viagem

Tudo passa a todo o momento,

Mais que perpétua passagem,

Tudo é perpétuo passamento.

 

 

Imo

 

No imo da interioridade

Deus de nós mais nos conhece,

Verdade que é da verdade,

Que nós de nós, sem benesse.

 

 

Difícil

 

Mais difícil é ganhar

Pouco quando pouco houver

Do que muito se lucrar

Quando muito se tiver.

 

 

Trombeta

 

Se uma trombeta final

Ressuscita os mortos certa,

É estranho, pois tal sinal

Os mortais nunca desperta.

 

 

Subtileza

 

A subtileza do céu

Põe um sem outros tirar,

A do mundo põe de seu

Tirando outrem do lugar.

 

 

Igual

 

Levantados e caídos

Igual medida não têm:

Levantados desmedidos,

Mal caem, já mal se vêem.

 

 

Ocasiões

 

Quanto mais ocasiões,

Mais hão-de ser os pecados.

Não há mais largos portões

Que os do poder alcançados.

 

 

Golpe

 

Cada dia, cada hora

É um golpe que a morte está

Dando à vida na demora

Desde aqui para acolá.

 

 

Engane

 

Não há neste mundo quem

Não se engane ao definir-se:

No que são e ao que vêm,

No que pretendem ao ir-se.

 

 

Cem

 

Profetizar após cem

Golpes na testa apanhados

É profecia de quem

Tiver os olhos tapados.

 

 

Condenar

 

Se Deus pode condenar,

Os que O temem pouco penam

Se os homens os vão julgar

Ou se os homens os condenam.

 

 

Ofendido

 

Quem conhece que ofendido

Terá toda a vida a Deus

Nada, por mais denegrido,

Pode ofender brios seus.

 

 

Dores

 

Quando as dores são iguais,

Sentimos todas no todo.

Quando uma supera as mais,

Suspende as mais deste modo.

 

 

Apetece

 

A quenquer sempre apetece

Ser bem mais do que quanto é

E querer mais acontece

Que o que pode pôr de pé.

 

 

Sabedoria

 

Ao homem jamais acode

A humilde sabedoria:

Por querer mais do que pode

Não pode o que poderia.

 

 

Gostos

 

Todos os gostos virão

A parar, por fim, em penas

E após as penas, então,

É que as glórias virão plenas.

 

 

Miséria

 

Depois da felicidade

A miséria é bem maior

Que a miséria que nos há-de

A vida calhar de impor.

 

 

Domínio

 

Dum sobre outrem o domínio

Só sobre o corpo vai ser,

Que o espírito é exímio,

Foge ao alheio poder.

 

 

Caminha

 

Não é ser do mundo o homem,

Pois caminha para o Infindo,

Mas ser no mundo que tomem

Em mão as mãos, ao ir indo.

 

 

Adiante

 

Do passado nós adiante

Lemos aonde nos impele,

Um pigmeu sobre um gigante

Pode ver bem mais do que ele.

 

 

Queira

 

Não há quem não queira a paz

Mas nem todos, a justiça

E é o que a guerra sempre traz

Para o rego da rabiça.

 

 

Passado

 

Crer que o passado passou

Passagem é que não ganha,

Que o passado sempre apanha

Quem no compasso o ignorou.

 

 

Castigar

 

Quando Deus quer castigar

O homem pelos seus atilhos,

Matar-lhe vem devagar,

Muito devagar, os filhos.

 

 

Horrível

 

Qualquer horrível, vivê-lo

É desgraça sem sentido.

Posto em arte é sempre belo

Num rumo desconhecido.

 

 

Distância

 

Horrível será o vulcão

Que me ameaça, camartelo.

Mas visto à distância, não:

Pode à distância ser belo.

 

 

Exausto

 

Um bom livro deixa exausto

Quem o ler até ao fim:

É que se vivem num hausto

Mil vidas em tal confim.

 

 

Vislumbrar

 

A morte jamais é o fim,

É apagar uma candeia

Por se vislumbrar enfim

A madrugada que ameia.

 

 

Mente

 

A nossa felicidade

Depende mais do que temos

Na mente que nos persuade

Que do que em bolsa contemos.

 

 

Esperança

 

A esperança onde deponho

O que o tempo houver negado,

A esperança será o sonho

Dum homem quando acordado.

 

 

Sorriso

 

Se meu sorriso mostrara

De alma meu profundo abrigo,

Muitos, ao ver rir-me a cara,

Choravam então comigo.

 

 

Depurada

 

Não há no mundo alegria

Tão depurada que, lesa,

Não vá pagar todo o dia

Dura pensão à tristeza.

 

 

Perverso

 

Ao perverso não acode,

Na morte, de luz cariz:

O ímpio, quando quer, não pode,

Pois, quando pôde, não quis.

 

 

Ilusão

 

Não há pior ilusão

Que a ilusão da despedida:

- Da boa morte a instrução

Verdadeira é a boa vida.

 

 

Mais

 

Nada obriga mais a Deus

Que uma vontade sujeita

E a que ira provoca aos céus

É a que a presumida é atreita.

 

 

Nossa

 

Deus nos quer dar toda nossa

E apenas nossa vontade,

Por isso quer quem lha endossa

Toda inteira e de verdade.

 

 

Formosura

 

O espanto da formosura

É que é sempre uma caveira

Bem vestida em compostura

De encantar quem se lhe abeira.

 

 

Peita

 

A maior peita é o respeito,

Bem maior que a do dinheiro:

Se este a pagar mal é afeito,

Aquele deve-se inteiro.

 

 

Curam

 

Homens que curam o rei

Como um todo então nos curam

De alma e corpo toda a grei

Nos grandes homens que apuram.

 

 

Mercês

 

As mercês feitas a indignos

Não honram a quem apontam,

Antes invertem os signos

E as honras, no inverso, afrontam.

 

 

Peça

 

Há muito quem peça a Deus

O que Deus lhe não concede.

É que, no entender dos céus,

Ninguém sabe o que Lhe pede.

 

 

Mercê

 

Os homens fazem mercê

Quando dão: “toma lá, pega!”

A mercê de Deus, se dê,

É igual à de quanto nega.

 

 

Privilégio

 

Privilégio consentido

Finda a dividir a grei,

Que um privilégio vivido

É uma ferida da lei.

 

 

Solitário

 

Coitado do solitário:

- Se cai, tem quem o levante?

Antes bendito, ao contrário:

- Quem o derruba adiante?

 

 

Solidão

 

O só nunca estará só

Quando é solidão com Deus,

Só consigo mói a mó

Da farinha que há nos céus.

 

 

Peca

 

Se sempre que um homem peca

Caíra um raio do céu,

Findava-lhe o fogo e a seca,

Sem mais raio haver de seu.

 

 

Pergunta

 

Se pergunta o presumido

Com o douto ali a par,

Saber não põe no sentido,

É apenas a se mostrar.

 

 

Idolatria

 

Ao transpor o rio a vau,

Busquei onde tomar pé:

A idolatria é degrau

Na escadaria da Fé.

 

 

Nobreza

 

A nobreza desunida

É ferida de baixeza,

Não tem de nobreza a vida,

É apenas nobre vileza.

 

 

Esperança

 

A esperança requer ver

Mas de não ver é que exista,

Que uma esperança qualquer

Morre no instante da vista.

 

 

Derrube

 

Que homem há que não derrube

O que acima a vela enfuna,

À espera de que lhe adube

Mais um degrau da fortuna?

 

 

Interminável

 

Quem vê Deus não o compreende

Na Infinidade suposta.

Interminável aprende:

- O êxtase é do que mais gosta.

 

 

Teme

 

Como o mundo trata a luz,

Tanto teme uma janela:

Mal uma luz lhe reluz,

Todo o golpe vai a ela.

 

 

Ofendido

 

Embora tenha o sentido

De tudo o que me desfeia,

Ninguém por mais ofendido

Se dá que da luz alheia.

 

 

Infelicidade

 

De toda a infelicidade

A de mais triste cariz

Não é a que a desgraça invade,

É a de ter sido feliz.

 

 

Retribuída

 

A imagem retribuída

Deveras de mim dá fé:

Ninguém é o que de si cuida,

O que doutrem cuida é que é.

 

 

Trabalhos

 

Eis o que em tempo bem pouco

Muito muda nos retalhos

De juízos sãos em loucos:

- Não trabalho, mas trabalhos.

 

 

Obras

 

O céu é ditoso,

Ninguém o avalia

Senão pelo gozo

Das obras que fia.

 

 

Senão

 

Tem o poeta um senão,

Senão do que mais agrade:

Quem mente por profissão

Não mente, fala verdade.

 

 

Sirva

 

Os grandes aos apetites

Têm quem sirva depressa,

Mais que da honra aos desquites

Em que acaso se tropeça.

 

 

Pelejam

 

Se com grandes os despidos

Pelejam, breve os enfaixo:

Vencedores ou vencidos,

Ficarão sempre por baixo.

 

 

Pobre

 

O pobre com seu não-ter

Mais a Deus vai contentar

Que o rico ao liberal ser,

Que o não-seu sempre há-de dar.

 

 

Depois

 

O que, só, perseverou

Depois de todos, sinal

Dá de que antes desejou,

Mais se desvela, ao final.

 

 

Retardar

 

Deus tardará sempre mais

A quem mais se retardar

E mais madruga no cais

Para quem mais madrugar.

 

 

Esperança

 

A esperança dum ingrato,

Tal como a geada de inverno,

Desfaz-se do sol ao trato,

Mal a luz lhe vê o caderno.

 

 

Quando

 

Quando buscamos a Deus,

A nós é que nos buscamos

E nos achamos nos seus

Luzeiros que incendiamos.

 

 

Providência

 

É providência divina

Levar-nos a seus intentos,

Não na via que destina,

Na torta de meus inventos.

 

 

Contenta

 

Nenhum homem se contenta

De Deus com a remissão:
A remir, basta o que tenta,

A contentar, nada, não.

 

 

Descontente

 

A esperança descontente,

Quando foi correspondida,

É um afecto vil da gente,

Nossa irracional medida.

 

 

Ouro

 

O ouro, correndo em rios,

Com a enchente inunda a terra,

Casas arruína em baixios,

Os povos oprime em guerra.

 

 

Ceptro

 

O ceptro da paz do reino

Será o ceptro da igualdade,

Se o justo amas sem ser leino,

Se odeias a iniquidade.

 

 

Impotente

 

Maior poder do poder

É o de devir impotente

Para o desigual fazer.

Aí no cume é eminente.

 

 

Enfermidade

 

A enfermidade letal

De que sofre a natureza,

De corpo e de alma final,

É a doença da tristeza.

 

 

Sofre

 

Mais que as trevas, o que é triste

Sofre muito, sofre a esmo,

Não do que fora resiste,

Da carga que é por si mesmo.

 

 

Demónio

 

O demónio tenta, tenta,

Mas a força que a fraqueza

Em tal vitória lhe inventa

É, no fundo, a da tristeza.

 

 

Ajudado

 

Ajudado da tristeza,

Um demónio serão dois

Mas a tristeza mais pesa

Do que o diabo depois.

 

 

Inveja

 

Por inocente que seja

O benemérito amado,

Se há tristeza por inveja,

Há quem derrube o invejado.

 

 

Rumando

 

Fraldas de que me encobri

Prima mortalha são pura:

Desde a hora em que nasci

Vou rumando à sepultura.

 

 

Curso

 

Que será o curso da vida?

O enterro de cada qual:

Quanto mais pompa vivida,

Mais as cruzes, no final.

 

 

Sepultado

 

Quando alguém é sepultado,

Um pregão irá dizer:

De quanto amontoaste ao lado

Só a mortalha irás reter.

 

 

Gula

 

A gula tem o topete

De nos ditar a má sorte:

Qualquer dia de banquete

É véspera duma morte.

 

 

Miserável

 

Miserável condição

Em nossa carne envolvida,

Com vida e morte em tensão:

Comer para ser comida!

 

 

Menos

 

Não é conta de somenos

Da tumba olhar o sentido:

Tu, pobre, por comer menos,

Lá serás menos comido.

 

 

Carreia

 

Nós somos aquele cego

Que aos ombros carreia um manco,

E os dois só, no mútuo apego,

O inteiro Homem sou que alanco.

 

 

Lugar

 

No mundo não há lugar:

Alto embora, levantado,

Quando bem examinado,

É nada quando vagar.

 

 

Cair

 

Sempre é bem-afortunado

Quem já não pode cair

E só não cai para o lado

Quem já mais não tem onde ir.

 

 

Agrave

 

Se eu permitir que se agrave

Um só vício até ao fim,

De cabelo muda em trave,

Finda a dominar-me a mim.

 

 

Dano

 

Não sofro de ausência dano

Se em vez do corpo de alguém

O conheço noutro plano:

- A interioridade que tem.

 

 

Sem

 

Sem mensagem uma ausência

É dum vácuo o sofrimento.

Com a escrita há uma evidência

De espelho a todo o momento.

 

 

Ilustre

 

Do ilustre o lustre, ao temor

Desincha se há imunidade:

A ousadia é maior,

Tudo a ruína logo invade.

 

 

Tornar

 

Nunca será bom tornar

Ao lugar que, de raiz,

É memória do lugar

Onde já se foi feliz.

 

 

Pesar

 

Ser feliz é fugidio,

Escapa-se dentre os dedos.

O pesar, não, é arredio,

Agarra-nos como os medos.

 

 

Mundano

 

Não pelo que tenhamos, desejemos

De mundano (bens, terras, honrarias...)

Vivemos, mas daquilo em que nós cremos,

Tudo o mais são, de lado, fantasias.

 

 

Boa

 

A lei nunca será boa

Apenas porque se manda

Mas antes pelo que ecoa

E acarinha em toda a banda.

 

 

Fim

 

O fim para que nascemos

Será sempre um fim sem fim:

É que na morte abriremos

Da eternidade o confim.

 

 

Desgraça

 

Graça de reis é desgraça,

Que os que de urdimentos seus

Lhes findam caindo em graça

Não têm graça de Deus.

 

 

Visam

 

A graça dos reis é o alvo

Que visam todas as setas,

A de Deus é escudo calvo

Que as repele, de incorrectas.

 

 

Breve

 

Quão mais o bem desejado

De nós breve se avizinha

Tão mais o desejo armado

Cresce em nós como gavinha.

 

 

Sumo

 

O sumo bem entrevisto

Torna a eternidade breve;

Se de vez o não avisto,

Eterno o dia me teve.

 

 

Infeliz

 

Infeliz quem não entende

Que tem a fome maior,

Bem maior ao que propende

Do que estômago onde a pôr!

 

 

Nunca

 

Há os homens do nunca:

São os que hoje tentam

O amanhã que junca

De nada o que inventam.

 

 

Sujeita

 

Quem pede é quem se sujeita

Mas quer outrem sujeitar.

Só não, se entrega a quem peita

A escolha do que impetrar.

 

 

Grandeza

 

A grandeza do que é dito

Ora cresce ora mingua

Conforme é mestre ou precito

O peito que o brada à rua.

 

 

Força

 

Pouca força de obediência

As leis sempre alcançarão

Onde do exemplo a evidência

Falte para a imitação.

 

 

Mudança

 

Não há no mundo mudança

Maior do que ser mudado

Um homem noutro que alcança

Igual ser no transmudado.

 

 

Hipócrita

 

O hipócrita a santidade

Que no espírito não tem

Tem no vestido, em vaidade,

Na imitação que convém.

 

 

Rasga

 

Verdadeira penitência

Não é a que rasga os vestidos,

É a que rasga a consciência,

Coração rasga e sentidos.

 

 

Enfermidades

 

As grandes enfermidades

Requerem grandes remédios:

Não as curam veleidades

Nem bem forjados assédios.

 

 

Hábito

 

O mau dum hábito mau

É que um hábito maior

Do que o mau (que como nau

Nele andar) é de supor.

 

 

Gota

 

De sangue a gota vertida

Torna, na casa em que falta,

Triste a vitória vivida,

Embora seja a mais alta.

 

 

Desejar

 

O coração desejar

Sabe tudo o que quiser,

Muito embora, a meu pesar,

Não possa satisfazer.

 

 

Miserável

 

É miserável estado

Por igual temer perigos

Dum lado e do outro lado,

De inimigos e de amigos.

 

 

Repiques

 

Na capital há repiques,

Só no exército há feridas?

Das honras mordem despiques

Por onde se escoam vidas.

 

 

 

O que aqui lemos no rol

Não é Deus, é o que O traduz,

Ninguém a luz vê do Sol,

Vemos é coisas na luz.

 

 

Cume

 

O cume do gozo impõe

Sempre alguma alteridade

Donde a contemplar se põe

O que o goza de verdade.

 

 

Armas

 

Por meio de armas vencer

É ditar mil más sequelas.

A esperança pôr naquelas

Então é nada entender.

 

 

Valente

 

O valente é piedoso,

O valente é compassivo.

É covarde e fraco o gozo

Da crueldade obsessivo.

 

 

Lei

 

Nunca a lei é boa

Só do que bem manda,

Senão do que ecoa

E a guardar comanda.

 

 

Medida

 

De obra grande ou de pequena,

De acção boa ou denegrida

Cada qual na mente encena

A verdadeira medida.

 

 

Molde

 

Coração, pés, mãos ou asas,

Tudo provém da cabeça

Que é o molde com que tu casas

A fantasia que os meça.

 

 

Corpo

 

Dirá Deus matando alguém

A quem só corpo é de lei,

Sem alma deter também:

“Qual o achei, tal o deixei.”

 

 

Natural

 

É natural dar maior

Valor às coisas na perda

Que ao fruir o que tal for:

Pelo perdido é a dor lerda.

 

 

Mudável

 

É sempre vária, mudável,

A fortuna que tivermos:

Vem do risco o miserável

E, da saúde, os enfermos.

 

 

Véu

 

A posse dos bens é um véu

Que os oculta a que os conheça.

O véu corre a perda a céu

Aberto: o saber começa.

 

 

Nunca

 

O bem nunca se conhece

Senão quando ele se perde,

Nem o mal, embora o herde,

Senão quando se padece.

 

 

Lugar

 

O bem nunca tem lugar

Senão quando se conhece:

Perdido é que, então, a par,

Tem o lugar que merece.

 

 

Atropele

 

Quem chora o que tem remédio

O que quer é alívio dele.

Sem remédio se é, nem nédio,

Chora a dor que o atropele.

 

 

Único

 

Remédio único a dor

Há-de ser do bem perdido

E o bem perdido maior

É a dor perder sem sentido.

 

 

Príncipe

 

Do Príncipe esperar lei

É esperar, desesperar

E após, tanto quanto sei,

Fechar a boca e calar.

 

 

Boca

 

A boca do coração,

De longe e quando com gana,

Antes duma ocasião,

Sempre, sempre nos engana.

 

 

Servos

 

Se Deus tiver tantos servos

Como os que o dinheiro tem,

Que bem servido de nervos

Fora o mundo então, que bem!

 

 

 

A fé que não dói

É fácil de crer,

A fé que me mói,

Que difícil ter!

 

 

Mal

 

Mal é dizer mal.

Se dizeis que é bem,

Mal então mais mal

É o que dali vem.

 

 

Contradição

 

Entre o dizer duma boca

E o entender dum ouvido

A contradição se entoca:

Quem vai jurar o sentido?

 

 

Quantas

 

Quantas vezes vós ouvis

O que não ouvis de vez?

Pende a honra, por um triz,

Pendurada do entremez.

 

 

Corações

 

Quando ouvem pelos ouvidos

Ouvem raios e trovões?

Nem queiras ver os sentidos

Se ouvem pelos corações!

 

 

Orelhas

 

O coração tem orelhas

E o que ouvir o coração

Depende das caixas velhas

Onde ecoa a inclinação.

 

 

Vezes

 

As vozes cantam em coro

Na orelha do religioso

O que é já de guerra um choro

No soldado prestimoso.

 

 

Forma

 

Tudo o que entra pelo ouvido

Na forma do coração

Se amoldará derretido

E sai santo ou sai ladrão.

 

 

Disposição

 

Tudo o que entra pelo ouvido

Faz eco no coração:

Conforme a disposição,

Assim o eco lá sentido.

 

 

Estreitos

 

Ninguém passa nos estreitos

Da boca e ouvido humanos

Que não deixe, como preitos,

A pele feita de enganos.

 

 

Caracol

 

Cada ouvido é um caracol:

As dicas lá revolvidas,

Quando à boca dão ao rol,

Saem sempre retorcidas.

 

 

Baldroca

 

Dois ouvidos, uma boca:

Duas verdades ouvira

E após a troca e baldroca

Sai da boca uma mentira.

 

 

Meio

 

O que faz o mentiroso,

Duas verdades ao meio,

É partir que depois coso

E eis da mentira o recheio.

 

 

Diminuída

 

Verdade diminuída

Que mentira declarada

É bem pior, que vivida

Por verdade é, da fachada.

 

 

Pior

 

A mentira que parece

Uma verdade das modas

É, na máscara refece,

A pior mentira de todas.

 

 

Mente

 

Mente a língua, que mente a imaginação;

Mente a língua, que nos mentem os ouvidos;

Mente a língua porque os olhos mentirão;

Mente a língua: todos mentem, insofridos.

 

 

Nega

 

Má vida com boa fé

É mentira toda inteira,

Que o que a fé lá põe de pé

Logo a vida o nega à beira.

 

 

Apetite

 

O apetite de ser visto

Não acaba com a morte:

Mesmo em sepulcro resisto

Na estátua que me transporte.

 

 

Testemunha

 

Onde falta a testemunha

Logo a gesta vai-se embora:

É que ela toda supunha

Ser mostrada a toda a hora.

 

 

Fiel

 

Dum homem o servo fiel

Serve até se ele o não vê.

De Deus o fiel servo impele

Tal se Deus nem vira o quê.

 

 

Veja

 

Há quem veja o que está vendo

E não o veja jamais,

Basta que o veja mantendo

A mente noutros quintais.

 

 

Vemos

 

Vemos o que estamos vendo

E o não vemos, nem sentidos

Dali nos virão correndo,

Quando o vemos distraídos.

 

 

Acerto

 

Ver as coisas como são

Isto é ver, no acerto e apego.

Como não são ver, então

Não é ver, é ficar cego.

 

 

Fechados

 

Todas as coisas se vêem

De olhos abertos, aos lados.

E a cegueira todos lêem

Por igual de olhos fechados.

 

 

Invejoso

 

O invejoso, o que o abrasa

É bem mais a glória alheia

Que o inferno em própria casa

Que de tormento andar cheia.

 

 

Pesos

 

Vê bem como tornar leves

Os pesos de tua jorna:

Gostar torna os dias breves,

Trabalhar longos os torna.

 

 

Abrasa

 

Se o fogo abrasa a vontade,

Logo cega, no momento,

A notícia da verdade

Com fumo no entendimento.

 

 

Ausência

 

A morte é deixar de ser,

Ausência, deixar de estar.

Bem maior desta é o sofrer

Que não ser, ao não ficar.

 

 

Roubar

 

É culpa o pouco roubar,

O roubar muito é grandeza:

Pouco é pirata no mar,

Mas frota armada é beleza.

 

 

Ladroeira

 

Um país sem a justiça

É ladroeira pegada.

Ladroeira que o enguiça

É o país à punhalada.

 

 

Presente

 

Sempre o passado é um fantasma,

O futuro, um sonho ausente.

O que temos e nos pasma

É apenas este presente.

 

 

Especial

 

O que algo torna especial

Não é só o que se ganhar

Mas o que pode, afinal,

Vir a perder-se em lugar.

 

 

Pateta

 

Qualquer pateta, qualquer,

Pela vida toda adiante,

Ouvir adora dizer

Que é deveras importante.

 

 

Aliados

 

Alguns aliados são,

Quando os espreito aos postigos

Da secreta escuridão,

Mais mortais que os inimigos.

 

 

Comprar

 

Se podes comprar um homem

E o voto dele com oiro,

Só sangue e aço que o domem

De leal dão dele agoiro.

 

 

Ponto

 

O nosso ponto de vista,

Consciente, inconscientemente,

Pomos sempre em toda a lista

Do que ocorre no presente.

 

 

Deveras

 

A história não é deveras

O deveras ocorrido,

É conversa pelas eras

Do antigamente vivido.

 

 

Pronto

 

Ninguém logra acreditar

Enquanto não ficar pronto:

Há o instante de espertar

E até ali é tudo um conto.

 

 

Pequenina

 

Cada coisa pequenina

Te irá mostrar o caminho

De um dia luz que ilumina

Doutrem seres no cadinho.

 

 

Herói

 

É um herói quem nunca foi

Um herói num gesto mero:

Se for deveras herói,

Primeiro tornou-se um zero.

 

 

Atrás

 

É a vitória de quem crê

Que atrás das nuvens há sol:

Maior que da dor o rol

É o sonho de quem se dê.

 

 

Diferentes

 

Somos todos diferentes

Mas vimos da mesma fonte,

Sob o mesmo sol viventes,

- Somos um só no horizonte.

 

 

Espelho

 

É por outrem que me rejo

Em gestos feitos a esmo,

Aquilo que noutrem vejo

É o espelho de mim mesmo.

 

 

Desapego

 

Quem vive com desapego

Do dinheiro que cinzele

Aduba as hortas no rego

E nunca fica sem ele.

 

 

Culpa

 

Sinto culpa? É que exigi

Ser perfeito e como não,

Como não o consegui,

Julguei-me: é a condenação.

 

 

Perfeccionismo

 

Perfeccionismo é controlo,

Frustração, flagelação.

Dele o derradeiro pólo

É de autodestruição.

 

 

Creias

 

Quer tu creias, quer não creias

No que vida além consagres,

A medicina a que ameias

Anda cheia de milagres.

 

 

Adaptado

 

Não é sinal de saúde

Adaptado ir e contente

Num mundo que nos ilude,

Num planeta que é doente.

 

 

Bicicleta

 

Como andar de bicicleta

É a vida, pois, sem ludíbrio,

É um rumar constante à meta

Para manter o equilíbrio.

 

 

Controlo

 

O controlo é fantasia,

Tudo advém por um motivo,

Seja embora ignota a via

E mesmo se iníqua a vivo.

 

 

Viagem

 

É a morte aquela viagem

Que teremos de fazer,

Rumando a ignota paisagem

Nova para a conhecer.

 

 

Encerramento

 

Dum ciclo um encerramento,

A morte é sempre um portal,

Como outro qualquer momento

De partida com sinal.

 

 

Risco

 

Há risco fora do aprisco,

É o que medroso adivinho.

Não existe, porém, risco,

Somente existe caminho.

 

 

Roteiro

 

No roteiro de teu dia

Que é que te torna contente?

A intuição será teu guia

Na quietude da mente.

 

 

Dentro

 

Não esqueças o que importa:

Tudo está dentro de ti.

Esta é a verdadeira porta:

- O mundo começa aí.

 

 

Essência

 

Quando encontras tua essência,

Verás o melhor de ti

E o melhor, em prevalência,

Dos demais que houver aí.

 

 

Além

 

Além da tua aparência

Há um tesoiro a descobrir:

Anjo és na Terra, na essência,

Ser de luz a evoluir.

 

 

Cuidará

 

A intuição, quando for viva,

Cuidará de teu apuro,

Não será barco à deriva

Nem um horizonte escuro.

 

 

Obscuridade

 

Não pretendo saber tudo,

É preciso obscuridade

Para a luz a que me grudo

Apreciar de verdade.

 

 

Envoltura

 

És um ser de luz, magia,

Numa envoltura terrena

Que tu te escolheste um dia,

A evoluir até luz plena.

 

 

Bagagem

 

Toda a bagagem que tens

(Raiva, razão, a gordura...)

São teus requeridos bens

Na missão que te depura.

 

 

Harmonia

 

Tu, no fundo, és harmonia.

Se com ela estás concorde,

Que é que te perturbaria,

Que outra nota em teu acorde?

 

 

Culpado

 

Não sou culpado de nada,

Nem sou perante ninguém.

De Deus à porta de entrada

Quem sou eu no infindo Além?

 

 

Preparado

 

Quando já estás preparado

Para trepar à montanha,

Encontrarás a teu lado

O jantar que isso te ganha.

 

 

Ruído

 

Neste ruído de fundo

Só de barulho me inundo.

 

- Quem não tem nada a dizer

Porque teima em escrever?

 

 

Quieto

 

Perante a paisagem quieto,

Em calma e feliz espera.

Logo o coração, secreto,

Te murmura como é que era.

 

 

Hoje

 

Não importa só por hoje

Este hoje que hoje me importa:

É para amanhã que foge,

Importa que me abra a porta.

 

 

Inspiração

 

A inspiração, quando quer,

Vem, tal sol pela janela,

Sempre boa, até qualquer

Nuvem levar a luz dela.

 

 

Fraqueza

 

A fraqueza impõe que reaja:

Física inferioridade

Estimula e encoraja

Mental superioridade.

 

 

Terra

 

A Terra nós não herdámos

De nossos antepassados,

Por empréstimo a tomámos

De nossos filhos, mal nados.

 

 

Aguenta

 

Aquele que não aguenta

Ver alguém que esteja bem,

Tudo mal dentro apresenta,

Tudo mal dentro contém.

 

 

Preciso

 

A vida nunca vai dar

Aquilo que a gente quer.

Definitiva, em lugar,

O que é preciso há-de ter.

 

 

Paraíso

 

Depois de alguém descobrir

Que há deveras paraíso,

Mui difícil é, a seguir,

Viver no deserto liso.

 

 

Grandeza

 

A grandeza de alguém mede-a

Quanto para outrem ri

Quando dentro encurta a rédea

Para chorar para si.

 

 

Frustrado

 

O frustrado com a vida

Vai então tentar frustrar

Por isso, em igual medida,

A vida doutrem, a par.

 

 

Entender

 

Entender outrem: aí

Reside o que nunca rende,

Primeiro fito que vi

Que nunca ninguém entende.

 

 

Bisturi

 

Um homem é um bisturi

Que entalha o que fazem dele

Mais o que ele faz de si

Debaixo da mesma pele.

 

 

Consciência

 

Todos têm consciência

Do que fazer deverão,

Mas poucos (se alguns, na essência),

Muito poucos o farão.

 

 

Execução

 

De consciencialização

Não é o problema do mundo:

Ao invés, sempre é, no fundo,

Problema de execução.

 

 

 

Líder

 

Grande líder é o que for

Capaz de uma hora certa

Aguardar e então propor

A atitude que desperta.

 

 

Tiveste

 

Queres o que não tiveste?

É o caminho desgraçado:

Tiveste-o e já o perdeste

Por o ter desperdiçado.

 

 

Bónus

 

Tens de comer e beber?

O mais é um bónus da vida.

O engano é sempre o de crer

Que a prenda nos é devida.

 

 

Peregrino

 

A lonjura entre o que são

E o que gostavam de ser

Peregrino o coração

Mede a todos e quenquer.

 

 

Parecem

 

Todos parecem aquilo

Que os olhos doutrem procuram

Encontrar dentro, no silo

Das almas que os configuram.

 

 

Força

 

A felicidade é a força

De ir rumo a outra pessoa:

Por mais que tudo a distorça,

É da vida a trilha boa.

 

 

Acreditar

 

Acreditar é a alegria

Que resta a quem, em lugar

De atingir quanto em que cria,

Só atingir acreditar.

 

 

Saber

 

O mal de querer saber

Aquilo que não devia

É de ter de ouvir dizer

O que ouvir não quereria.

 

 

Problema

 

O problema de viver

É que com tudo me iludo:

- Quem tudo tem sempre quer,

Sempre quer ter mais que tudo.