BRINDEMOS
BARTOLOMEU VALENTE
AROEIRA, 2014
PRIMEIRO BRINDE
Brindemos
Brindemos ao novo ano,
À nova oportunidade
De endireitar sem engano
A vida que o pé nos grade.
Envelhecendo
Quando for envelhecendo,
Descubra ter duas mãos:
Uma a si se defendendo,
Outra ajudando os irmãos.
Sonhar
Tens mesmo de sonhar grande,
Desejar muito e correr
Atrás do que o sonho mande,
Que por ti ninguém vai ser.
Cabe
Se o mundo não faz sentido,
Sentido a si cabe dar-lhe:
- O que quer ter decidido
E o que fazer indicar-lhe.
Menor
O menor número de ossos
Parte que te for possível
Mas faz barulho nos fossos
Mais que o que for previsível.
Página
Amanhã, página em branco
Dum livro que tem trezentas
E sessenta e cinco, franco.
- Bom livro faz do que intentas!
Durmas
Nunca durmas sobre os loiros,
Aleija, é pouco galhardo.
Não são teus nunca os tesoiros,
Teu é só deles o fardo.
Pego
É para te submeteres,
Aniquilares teu ego
Que vives, não para seres
Dele afundado no pego.
Grão
És na vida o grão de trigo:
Se não te enterras e morres,
Mesmo quando o mundo corres,
Não há o fruto que em ti sigo.
Mundo
Tens de ser homem do mundo,
Não haja, porém, engano:
Se pretendes ser fecundo,
Nunca podes ser mundano.
Cargas
Que é que importa que nos largos
Te apregoes de mãos largas?
Quem aspira aos altos cargos
Errou se não viu as cargas.
Soltas
União, interligação...
Para que um relógio quero
Se em peças soltas no chão,
Sem nunca as horas que espero?
Muitos
Há muitos caminhos, há,
Muitos mais do que imaginas.
Mas não há confusão lá:
- Segue aquele a que te inclinas.
Tela
Uma tela gigantesca
É a vida: de a pincelar
É com toda a tinta fresca
Com que a puder avivar.
Atrás
Como não posso obrigar
O tempo a voltar atrás,
Mais vale então acatar
Com ele viver em paz.
Ambicione
Não ambicione fazer
Pela vida, parca avença.
Ambicione antes que quer
Fazer nela a diferença.
Anzol
Mantenha o anzol lançado,
Desiscado não o deixe.
Quando menos esperado,
Haverá deveras peixe.
Vitórias
As vitórias comemora,
Mas eleva um pouco mais
A fasquia desde agora,
Se só vitórias atrais.
Fora
Buscam, fracos, reflectir
O que lhes vier de fora?
Esquecem o que a luzir,
Forte, dentro deles mora.
Evita
Os que se julgam mais fortes
Evita, que, na verdade,
Escondem com tais desnortes
A própria fragilidade.
Agradar
Nunca tentes agradar
Por aí a toda a gente,
Ou findas perdendo, a par,
O apreço que por ti sente.
Senhor
Nunca do tempo tentes ser senhor:
Se colhes antes de seu tempo os frutos,
Estarão verdes, não terão sabor;
Se adias, podres serão teus produtos.
Alcança
Quão mais o coração simplicidade
Alcança, mais capaz de amar sem medo.
Quão mais amar sem medo, mais verdade
Na elegância do gesto de seu credo.
Além
Junta-te aos que disserem: “muito embora
Esteja tudo bem, vamos em frente!”
Sabem que é necessário ir embora
Além dos horizontes do presente.
Parar
Evita os que disserem: “acabou,
Irei parar aqui.” Não compreendem
Que nem vida nem morte se finou,
Do eterno etapas tudo que empreendem.
Queixo
Se me queixo da vida: “é tudo igual...”,
Que poderei fazer para mudar?
Hoje é o dia primeiro e meu fanal:
- Descubro o que jamais vi ali estar!
Sabe
Qualquer pessoa que venha
A conhecer, nela gabe
Esta proveitosa senha:
Sabe algo e você não sabe.
Sentido
Eu gosto do que não faz
Sentido para ninguém:
De acordar-nos é capaz
A mente que a gente tem.
Espelho
A confiança é um espelho:
Não o arranjo, se partido,
Pois vejo, no caco velho,
Fissuras no reflectido.
Busca
Na busca pelas paixões
Sê jovem sempre atrevido,
Com outrem nas relações,
Aí sê sempre crescido.
Lista
À janela desvelado
É o mundo a perder de vista.
Nunca estive em todo o lado,
Mas está na minha lista.
Inspiração
A inspiração vem, por vezes,
De olhar ali, com surpresa,
Para o que, meses e meses,
À frente larguei na mesa.
Certo
É só preciso fazer
Algo certo vida além,
Desde que o erro que houver
Não seja muito também.
Medida
Há quem cuide que a medida
É a do tamanho da gala.
Importa viver a vida,
Pouco importa decorá-la.
Disposto
Há muito que meditar
No direito deste avesso:
Se estás disposto a falhar,
Tenderás a ter sucesso.
Agradeça
Felicidade é direito
Que creio que ninguém tem.
Se aparece, preste preito
E agradeça, é o que convém.
Resultado
Vem o melhor resultado
Se todos no grupo operam
Pelo melhor, com agrado,
Com todo o grupo onde o geram.
Apenas
Apenas pensar em “nós”
Ajuda o “eu” que então for,
Ao pesar contras e prós,
A se sair bem melhor.
Respeito
Pratique a capacidade
De olhar com todo o respeito
A opinião que desagrade
Por diversa do seu preito.
Todos
Todos juntos trabalhemos
Em busca da solução
Que o porvir que nós queremos
A todos nos traga à mão.
Encoraja
Encoraja o limpo jogo
Como de equipa o trabalho
E nunca a vitória a rogo
Contra o que vales ou valho.
Cósmico
Se a identidade mortal
Pus de lado, então dispomos
Da entrada inteira ao portal
Do ser cósmico que somos.
Dois
Há dois modos de viver:
Nada, num, é milagroso;
Noutro, é tudo. E há que escolher
Com qual deles eu me entroso.
Seremos
Se quisermos vir a ser
Todo o ser de que dispomos,
Tudo vem de o bem querer:
- Vamos ser o amor que somos.
Deixar
Para ser inteiro vou
Cumprir minha estranha lei:
- Vou deixar de ser quem sou
Para ser o que serei.
Gratidão
Se a gratidão é virtude,
Ela é mãe das outras mais
Quando ela ao Cosmos me grude,
Do Infindo grato aos sinais.
Tontinho
Parecer tontinho
E não ligar nada
É poder: sozinho
Eu me faço à estrada.
Instinto
Nunca ignores teu instinto
Mas não creias que é da casta
Que te basta como plinto:
Nunca instinto é quanto basta.
Diversão
Diversão que afago
É pegar nas loisas
E no fim ser pago
Para aprender coisas.
Berma
Diversão que dá prazer
É pôr-me à berma da estrada
Tendo muito que fazer
E depois não fazer nada.
Trepar
Dá valor a teu amigo:
Dele e de seu jeito moço
Precisas, perdido o abrigo,
Ao tentar trepar do poço.
Culto
Deveria o culto ser
Todo um festival de vida,
Não um pescoço a pender
Duma morte pressentida.
Loucura
Sem algum grau de loucura
Nunca um homem há passado,
Seja qual for a figura,
Dum cadáver adiado.
Nadas
A oportunidade exortas
Se com nadas te regalas:
São sempre pequenas portas
Que abrem para grandes salas.
Pouco
Quem com pouco se contenta
É o dia-a-dia que apresta,
E, nas horas que acalenta,
É cada gesto uma festa.
Engano
Não temas por enganar-te:
- Aprendo só se me engano
E do engano qualquer arte
Melhoro ao suprir o dano.
Acolher
Acolher a tempestade
Em vez de contra remar
É que é mesmo a actividade
Pacífica a relevar.
Vizinho
Quem não quer saber
Mais de seu vizinho,
Dele o mal a haver
Já vem a caminho.
Pardal
Não é segurando as asas
Que ajudo o pardal a voar,
Só voará sobre as casas
Se ser pardal o deixar.
Fechar
Fechar o mundo lá fora?
Mas, sem fresta onde em mim entro,
Como irei trancar-me agora,
Como me trancar por dentro?
Nuvens
Ser optimista é manter
Nas nuvens sempre a cabeça
Mas com os pés a correr
Trilho em frente com a pressa.
Glória
A maior glória da vida
Não é a de nunca cair,
É a de me erguer a seguir
A cada queda sofrida.
Líder
O bom líder, no perigo,
É o que toma a dianteira;
Na festa é o que toma abrigo
Lá na fila derradeira.
Silêncio
Silêncio, na solidão,
É o que nos leva a entender
Quanto as palavras serão
Preciosas a valer.
Lanterna
Quando Deus dá uma lanterna
Não é de a tapar no cesto,
É para alumiar, superna,
O mundo pelo meu gesto.
Sonho
Eleva o teu sonho até
Um porvir dos mais risonhos,
Que o porvir é de quem crê
Na beleza de seus sonhos.
Preparados
As perguntas lavram ermos
Onde plantamos o ser:
Só vemos o que estivermos
Preparados para ver.
Vias
Nas vias de prosseguir,
De Deus imos à verdade
Ou a verdade, a seguir,
Nos molda em Deus a vontade.
Muda
Sem observar crueldade
Não sentia compaixão:
- A pior eventualidade
De mudar é ocasião.
Dançar
A vida não é esperar
Pelo fim dos aguaceiros,
Mas aprender a dançar
À chuva, pelos lameiros.
Desígnio
O desígnio de Deus está para além.
Como compreender, atingir o sentido?
Temos de aprender a confiar também
No que for ignoto de tão desmedido.
Degrau
Mais do que saltar a vau
O ribeiro antes da boda,
Quem tem fé trepa um degrau
Sem ver nunca a escada toda.
Alcance
Não deixes que a vida lance
Confusão no que consagre.
Todos temos este alcance:
- Somos parte dum milagre.
Porto
Já nem ligo ao que me agrade
Quando estou quase a ser morto.
No meio da tempestade
Serve, afinal, qualquer porto.
Escapar
A morte jamais é o fim:
Como escapar do que fiz,
Como irei fugir de mim,
Como trocar de matiz?
Limites
Impedindo as tuas falhas,
Protegendo teus palpites,
Não precisas de muralhas,
Precisas é de limites.
Surpresas
Não estragues as surpresas!
Elas lembram-me nos meus
Trilhos de rotas ilesas
Que, afinal, eu não sou Deus.
Onda
Apanharmos uma onda,
Mais que uma maré subida,
É o modo como eu responda
Aos desafios da vida.
Talha
Talha justo teu perfil
Sem nunca perder o norte:
Quenquer pode ser gentil,
Sendo ao mesmo tempo forte.
Diferença
Tudo quanto escrevo e leio
Vai fazer a diferença
Na forma como me enleio
Da vida com a sentença.
Governado
Num país bem governado
Não vão homens aos ofícios
Mas os ofícios buscado
Hão quem traz mais benefícios.
Atento
Olha atento ao que fenece
E ao que os anos já geraram,
Que é raro o que permanece
Quando os tempos já mudaram.
Ferrabrás
Aqueles que querem tudo
E actuam à ferrabrás
Perdem perdendo este escudo:
- Dá tudo e tudo terás.
Preparar-se
Bom é preparar-se alguém
Para o serviço do cargo
E aguardar, como convém,
A hora da escolha ao largo.
Vergôntea
Ser vergôntea de famosos...
Não são os ilustres pais
Mas os actos generosos
Que darão nossos sinais.
Vaidoso
Vaidoso e desvanecido
Se comigo andar agora,
Trago os meus olhos por fora,
Por dentro ando em mim perdido.
Somos
Nada mais fiel o que somos
Nos mostra, em todos os lados,
Que os verdadeiros pecados:
As lesões que à vida impomos.
Findo
O poder é limitado,
O querer é sem limite.
Se os troco, findo acabado,
Findo de vez meu palpite.
Mais
Se apetecer mais do que é,
Se quiser mais do que pode,
Ninguém já fica de pé,
É pó que o vento sacode.
Percas
Que percas por omissão,
Vá lá, que é o que em tal pedias.
Pior é os que tombarão
Pela omissão dos teus dias.
Inveja
Dos homens o vão juízo,
Nosso inimigo de sobra,
Não é o da falta de siso,
É inveja da boa obra.
Fortunas
Das fortunas as sequelas
Como as alcança quenquer?
- Merecedor sendo delas
Sem jamais as pretender.
Escusa
Aquele que mais se escusa
Mais de que há questões convence.
Quem claro as revê mais usa
De frente o que após as vence.
Recto
Nenhum homem há tão recto
Dele próprio por juiz
Que diga o que ele é, correcto,
Ou que então seja o que diz.
Demasiado
Demasiado crescer
Não é bênção, maldição
Antes será, noutro ser
Vire embora o próprio chão.
Conhecimento
Conhecimento de si
Fará desbravar as vias
Que revelam que anda ali
Por entre nós o Messias.
Come
Se o zelo vos come a vós,
Vosso corpo vira zelo.
Se comeis do zelo após,
Vira corpo até ao pêlo.
Dentro
Por fora muito zelosos,
Dentro cobras e lagartos...
- Se os muros mui sigilosos
Romperas, que estranhos partos!
Discurso
Discurso de quem não viu
É de acaso o que ouviria.
De quem viu ditame seu
Algo tem de profecia.
Varapau
O juízo dos homens, tal
Qual me faz um varapau,
Poderá fazer-me mal,
Não me pode tornar mau.
Preceitos
Quando os preceitos são muitos,
São difíceis de guardar.
Se num unir meus intuitos,
Como é fácil de observar!
Merecimento
Operar Deus o que pode
Não tira o merecimento
Ao homem a quem acode
Obrar ao que deve atento.
Poder
Nunca o homem se contenta
Com só poder o que pode
E a ruína do mundo inventa,
Do mais com que nos sacode.
Posso
Eu posso tudo o que quero
Quando só quero o que posso.
Doutro modo não impero,
Corroo-me até ao osso.
Saber
O que à vida mais acode
Contém sempre este saber:
- Quem menos quer do que pode,
Pode mais do que o que quer.
Parecer
O que em tudo parecer
Maior quer do que o que for
Não é grande no que quer
Nem grande do que é senhor.
Tenção
À boa tenção não peça
Como finda tal tenção:
Com boa tenção começa
O que finda em tentação.
Força
A força das mesmas causas,
Quando iguais em toda a frente,
Quando unidas e sem pausas,
Opera mais fortemente.
Traças
“Senhor, dou-vos muitas graças
Por não ser como os demais”?!
- Eis como do inferno as traças
No bom pano as infectais.
Inteligência
Ora com inteligência
Quando de orar hora for,
Porque, mais que com sapiência,
Então oras com sabor.
Tesoiro
O tesoiro mais seguro
É o supérfluo não querer:
Sou mais rico, quando o apuro,
Que um ambicioso qualquer.
Haurir
Não entendo, em meu lugar,
O que peço para haurir?
- Nem meu pedir é orar,
Nem meu orar é pedir.
Tesoiros
São os maiores tesoiros
Mais castigo que favor
Se do mau uso os desdoiros
Se lhes vêm sobrepor.
Uso
Do poder o mais nobre uso
Muitas vezes há-de ser
Se voluntário recuso
Usar o mesmo poder.
Desencadeia
Príncipe com humildade
Desencadeia adiante
Ser, na multidão que invade,
Benquisto por governante.
Muda
Muda o tempo e as condições
E o que fora perversão,
Quando olhos de ver lá pões,
É hoje edificação.
Oculto
Ao tesoiro oculto fundo
Bem mais fácil é calcá-lo,
Com um desprezo infecundo,
Que pô-lo à mostra ao cavá-lo.
Mestre
Trata de ser quem adestre,
Teu sestro torcido, vence-o.
Sempre ensina quem é mestre,
Tendo-se embora em silêncio.
Desarma
Desarma as armas da liça,
Repousa então qualquer ânsia:
Onde florescer justiça
Cresce paz em abundância.
Vão
Em vão se procura a paz
Enquanto o mundo oprimido
Todo o dia no-lo traz
Cada vez mais sucumbido.
Freima
A vida é um trilho por Deus
Retraçado e nossa freima
É corrê-lo, sob os céus,
Sem tropeçar na toleima.
Chatice
Se com um órfão se casa,
Nunca terá de passar
A chatice que o arrasa
De com sogros festejar.
Machado
Um bom livro, lido após,
Deverá ser o machado
A rachar o mar gelado
Que houver cá dentro de nós.
Punhado
Se transportas um punhado
De terra todos os dias,
Erguerás mesmo a teu lado
A montanha em que não crias.
Sonho
Matar o sonho nos mata,
O sonho é o real que é nosso,
O que ao abismo nos ata,
O fundo ao fundo do fosso.
Arrependo
Todo o dia me arrependo
E não sei por que feitiço
Não compro nada nem vendo
Para contrapor a isso.
Grandeza
A grandeza da grandeza,
A maior que pressentir,
Nem fala do que ela preza
Por não poder sem mentir.
Infinito
Ao Infinito quenquer
Poderá sempre subir,
Mas, se o todos querem ver,
Poucos há que querem vir.
Miradoiros
O Infinito tem escassos
Miradoiros nesta pista:
Primeiro há que dar os passos
Para depois ver a vista.
Invertendo
Tudo o que for ordenado
Cada qual a ter por seu,
Sempre, invertendo o mandado,
Por nosso vive e viveu.
Hoje
Fruamos hoje do dia
Que se nos dá sem alarde
Como ele fundo nos guia,
Que amanhã já será tarde.
Viso
Se me viso despachado
Da mão liberal de Deus,
“Quero” não digo em meu lado,
Mas “o que querem” os céus.
Persuadir
A persuadir, convencer,
Maior força é a da paciência
Que a dos milagres que houver,
Grite o que grite a evidência.
Confesse
Há quem confesse que errou
Mas com tal malabarismo
Que em virtude o erro tornou
Mais o que calou no abismo.
Tirado
O tempo que for tirado
A melhor fazer o ofício,
De ofício não é furtado,
É furtado ao desperdício.
Heróica
Da heróica acção o maior
Prémio será o de fazê-la.
Tê-la feito é só o fulgor
Que da vida a torna estrela.
Baixamente
Actos próprios avalia
Baixamente ou de bem pouco
Quem cuida que lhos podia
Alguém pagar, de tão louco.
Devia
Quem fizer o que devia
Devia aquilo que fez.
Paga então espera um dia
Por pagar custas de vez?!
Creram
Quantos creram que o remédio
Era dada solução
E dali o efeito nédio
Foi a sua perdição?
Zelos
Zelos e oferecimentos
Devem ser antes desfeita
Quando sempre estes momentos
Se encaminham à colheita.
Retiro
Quem se acolhe no retiro
Já no campo nada colhe
Mas recolhe a luz que aufiro:
Muito colhe quem se acolhe!
Foge-lhes
Para imitá-los são maus
E, para inimigos, muitos?
- Foge-lhes dos varapaus
E que baste a teus intuitos.
Distingue
Distingue os que te remiram
Na mistura em que te vejam:
Quantos mais os que te admiram,
Tantos mais os que te invejam.
Saboreio
Se procuro o saboroso
É porque é bom, saboreio.
Não é de ostentar, ansioso,
Com um clarim no meu meio.
Estudo
A vantagem dum estudo
É que me traz este abrigo
Enorme mesmo miúdo:
- Saber viver bem comigo.
Doutrina
Quando a doutrina for boa
Mas o tempo então for mau,
Bom é não falar à toa:
- Cala e esconde o varapau.
Comigo
Nunca só menos serei
Que quando estou só comigo:
É que a sós é que me sei
Nas mãos de Deus ao abrigo.
Sós
Se para os sós falta a terra,
Abrem-se, ao invés, os céus,
Se a si cada mão se aferra
Mas no Infindo se abre a Deus.
Prover
Primeiro Deus nos provou,
Depois então nos proveu:
Não há prover sem me dar,
Sem provar o que sou eu.
Alheio
É o alheio um vomitório,
Quando o tomais, muda o centro:
Vomitai-lo e, no envoltório,
Tudo o mais que tínheis dentro.
Enleio
É o alheio aquele enleio
Que encegueira a vida airada:
Aquele que busca o alheio
Perde o próprio de assentada.
Misturar
Quem misturar a fazenda
Dele próprio com a alheia
Perde a alheia, mais a renda,
Mais a própria que se enleia.
Guardar
Jejuar e guardar pão
Não é de vera abstinência,
É avareza e o quinhão
Dela furta-te a existência.
Imagem
De Cristo a imagem na igreja
É morta e nunca padece,
A do pobre em que O não veja
Padece, viva, e me esquece.
Dilação
Na dilação do castigo
Ninguém se fie se tarda,
Que sempre bate ao postigo
E atrasos compensa em barda.
Fies
Nunca da misericórdia
Te fies, já que, por certo,
Para ajustar a concórdia,
A justiça anda por perto.
Deserto
Faz teu deserto no mundo,
De ti próprio fá-lo dentro,
Cria um espaço fecundo
Em que o Céu te fale ao centro.
Impossível
Às artes o que é impossível
Como à natureza, então
O que o tornar exequível
Há-de ser sempre a união.
Bastiões
Que importa fechar cidades
Com muros e bastiões
Se a brecha por que me invades
Mora em nossos corações?
Mais
Para ser mais do que somos
Não são multiplicações
Que nos desdobram em tomos,
Basta unirmos corações.
Um
Para os poucos serem muitos,
A união faz deste pó
De tantos e tão fortuitos,
Ao fim, apenas um só.
Arte
Arte boa a fazer bons
É a de acolhê-los, gratuitos.
O desprezo enoita os tons,
A honra melhora a muitos.
Guardar
Dos homens me guardo, enfim,
Mesmo quando estou a sós:
Devo-me guardar de mim
Como vós também de vós.
Singular
Tem a vida esta bravata
Que é deveras singular:
- Porque é que o homem se mata
Por tudo o que há-de deixar?
Emendado
Não há quem pior aceite
Por alguém ser emendado
Que quem qualquer cume enfeite
E mais se mais informado.
Promete
Quem faz mais do que promete
Não falta à verdade ao fim.
Quem faz menos e o projecte
Este, na verdade, sim.
Desaguisando
Enquanto a Pátria se enliça
Desaguisando mil casas,
Erga-se o sol da justiça
Com a saúde nas asas!
Servir
Deus não tem necessidade
De que a Ele nós sirvamos.
Nós é que sempre, em verdade,
De O servir necessitamos.
Obrigação
Deixar uma obrigação
Para a devoção cumprir
Apela à repreensão,
Vem o castigo a seguir.
Ofensa
Em nome de tua crença
Tiras aos mais o escalpelo?
Servir a Deus com ofensa
Não é servir, é ofendê-Lo.
Madrugar
Por Cristo ressuscitar
Em nosso imo, num ser dois,
É preciso madrugar,
Não deixar para depois.
Enquanto
Enquanto se armar a barca
Quem se ali não converteu
No fim também não a abarca,
Vai-se afogar no escarcéu.
Fazes
Se tu fazes o que podes
No que te estiver à mão,
Deus fará, quando Lhe acodes,
O mais de que hás precisão.
Lágrimas
As lágrimas enxugar
Requer um fácil remédio:
- Causas averiguar
E removê-las do assédio.
Converter-me
Jamais há sinal mais certo
De converter-me o Infinito
Que refazer longe e perto
As vias em que me adito.
Prata
A prata liga os metais
E a cobiça a tanto obriga
Que pela prata tu trais,
Rompes toda e qualquer liga.
Pende
Dentro das próprias paredes
Pende da igualdade a paz:
Se no lar vós o não vedes,
Vede o invés que a guerra traz.
Zénite
Está no zénite a Lua,
Cada qual a tem em casa.
No mando que ao mal arrasa
Esta seja a lei que é tua.
Desfaz
O que em guerras se compraz
Olhe a melhor entre as glórias:
Bem melhor viver em paz
É sempre que mil vitórias.
Barco
Quando o barco deu à costa,
Foi da falha das amarras
E ninguém no vento aposta
Que é culpa de suas garras!
Bastante
O bastante a sustentar,
Cobrir o corpo decente
É com que se há-de bastar
Alguém para ser contente.
Nua
Se alguém vai à sepultura
Contente da nua pele,
Quem é que tristeza apura
Por galas em falta nele?
Vista
Quem vista do céu augura
Que mais vista importa a ele?
Troca-lhe ela o fel em mel,
Toda a amargura é doçura.
Filha
Toda a admiração é filha
Da ignorância e mãe da ciência:
Admira o que não partilha,
Daí vai buscar-lhe a essência.
Melhor
De alguém o imo libertar
Bem maior glória de Deus
Será do que se enlevar
Arrebatado nos céus.
Banqueteias
Enquanto te banqueteias,
Repara, tens dois convivas,
Corpo e alma: nunca a meias
Te sacias, se um esquivas.
Presente
Muitos vivem sem querer
No presente a fincar pé.
Para lograrem o que é
Nem vêem o que há-de ser.
Escrúpulos
O que escrúpulos não faz
Das coisas que são pequenas
É das maiores que atrás
Finda a cair nas arenas.
Corta
Ditoso quem a cabeça
Corta à cobra do destino
Nos torrões onde tropeça:
- Ao vício, de pequenino.
Pigmeu
Se vós não venceis o vício
Enquanto pigmeu, no instante,
Como vencer-lhe o resquício
Quando ele já for gigante?
Pequenas
As maldades que, pequenas,
Por pequenas desprezamos,
Grandes crescerão nas cenas
Pequenas onde as largamos.
Elejo
Elejo para o governo
Gentileza a dar-me gozo?
Quem na nau, frente ao inverno,
Quer um piloto formoso?!
Caminho
De bordão, um passo adiante,
Avança, canta teu hino.
O caminho aliciante
Sempre é mais do que o destino.
Emolumentos
Pequenos emolumentos,
Com tempestade pelo ar,
Em momentos de maus ventos
Nunca são de desprezar.
Guarda
Guarda a tua fortaleza
Das feras para as guedelhas.
Não há, não, maior fraqueza
Que ser leão entre ovelhas.
Somenos
Homens e armas de somenos
São ante o quê, como e quando:
O número importa menos
Que a crença, a estratégia, o mando.
Abertos
Se, em mesas aparelhadas,
Os pratos estão desertos,
Se, à força, as mãos vão fechadas,
Porque não braços abertos?
Acertada
Que importa acertada a ordem
Se nunca são castigados
Os que, quebrando-a, a remordem
E ao fim são condecorados?
Pena
Não é miserável
Terra onde há delitos
Mas se é constatável
Falhar pena aos ditos.
Sofre
Mal vai do reino em que a vida
Impõe esta norma ao grémio:
O valor sofre ferida
E o que transgredir, o prémio.
Peito
Num peito, o sangue das balas,
Noutro, a condecoração?
Se com isto não te abalas,
Breve irá tremer teu chão.
Ministro
Quando, ministro, te aténs
Ao que ao poder lhe convém,
Não vens buscar nosso bem,
Vens buscar os nossos bens.
Bem
Ao gastar a bem do povo
Tudo o que ao povo se tira,
Eis como é firme o renovo
E a vitória, ao fim, se afira.
Estranho
Estranho é que nós queiramos
Bem mais ser que algum vizinho
E no céu nos contentamos
Só com lá ter um cantinho.
Desterro
Qual é o desterro maior?
O que dentro nos acua.
Para o homem de valor,
Todo o mundo é pátria sua.
Aguardando
Se o mundo inteiro é desterro
Aguardando a pátria inteira,
Se no Além é que me aferro,
Livro-me do cativeiro.
Temo
Temo que os que quanto é novo
Condenam, abram só entrada
Ao que é velho e, sem renovo,
Toda a farda é remendada.
Cumpro
Quando eu cumpro a condição
De eu a outrem perdoar,
A mim é que tal perdão
Acabo a, por fim, me dar.
Mal
O mal tens de pôr de lado,
Mas repara em que sentido:
- O mal não é ser tentado,
Mal é apenas ser vencido.
Consumado
O saber bem consumado,
Se consiste no que é dito,
Consiste, além, no adequado
Modo em que o dito é prescrito.
Dar
Há uma medida sem par
Que os dons mede que não meçam:
Ah, muito deseja dar
O que pede que lhe peçam!
Filhos
Se somos filhos de Deus,
Que importa sê-lo do rei?
Somos mesmo bem ateus,
Já que isto nunca fez lei!
Linhagens
És de linhagens carnais?
Pois olha, sou da divina.
Porque te jactas das tais
Se iguais são em nossa sina?
Filho
Daqueles a quem desprezas
É Deus pai com seu cadilho.
Porque os desprezas te lesas:
De Deus deixas de ser filho.
Céu
Se na terra a dor sem dor
Se acolhe e a tristeza é alegre,
Já a terra não é o que for,
Antes céu que a terra integre.
Faça-se
Faça-se a minha vontade, não a Vossa,
Faça-se a Vossa vontade, não a minha:
A terra vive acolá e é uma fossa;
Esta já não é terra, é o Céu que caminha.
Hoje
Vive hoje, porque ontem
É por demais tarde;
Do amanhã que apontem
É cedo hoje o alarde.
Pede
Ninguém para si melhor
Pede que quem para todos
Pede o que se antolhar for
O melhor mesmo dos bodos.
Oramos
Quando oramos, o cuidado
É de olhar a quem pedir,
Não ao que pedir, que, ao lado,
Mal ver importa ou sentir.
Falas
Se tu falas tudo
E Deus não te fala,
Como vais, sortudo,
Ver o que Ele cala?
Perfeito
Ouvir de ouvido imperfeito
É um ouvir sem operar.
Ouvir de ouvido perfeito
É o ouvido efectivar.
Boca
A muito pequena boca
Posta a verdade mui grande
Deixa ignorada na toca
A imensa luz que a demande.
Inventos
No coração, pensamentos
E através das mãos, as obras:
Eis do espírito os inventos
Se, vida fora, o desdobras.
Condizem
Quando o coração e as mãos
Não condizem com a língua,
Podem gritar, que os desvãos
Do céu morrem sempre à míngua.
Corte
Das perturbações da corte
Só escapa quem, à cautela,
Lá não mais tentar a sorte
Mas, ao invés, fugir dela.
Pedir
Pedir que não gera briga
E ao buscado efeito atende?
- Pedir ao servir, obriga;
Pedir de antemão, ofende.
Requerer
Querer, requerer
É o que quer quenquer.
Não quero querer
Mais que o que Deus quer.
Necessidade
Há-de fazer o temor
E a necessidade então
O que fora bem melhor
Que nos fizera a razão.
Fraco
O inimigo, embora fraco,
Jamais é de desprezar,
Quanto mais quando me ataco
A um poderoso avatar.
Mudez
Na vida tal na doença,
Sempre que a mudez declina
Dar na morbidez sentença
Dificulta a medicina.
Remédio
Para a aflição com remédio
Convém uma diligência.
Para o que o não tem, o assédio
É o da dor sem mais pendência.
Heróica
Viver no meio dum povo
Corrupto em lista medonha,
Ser, contra o vício, um renovo,
É ter heróica vergonha.
Pecar
Se não vos envergonhais
De pecar, pois que a peçonha
De pecar quando pecais
Seja pecar com vergonha.
Eclipses
Quantas são as criaturas
Que amamos sem ser em Deus
Tantos eclipses apuras
Que opomos de encontro aos céus.
Aplica
Tanto nos rouba o afecto
E nos tira o sumo bem
Quanto se aplica, incorrecto,
Baixo apostando em quem tem.
Golpes
Que importam golpes de fora
Se prevalecem paixões
De dentro que a toda a hora
De luz apagam morrões?
Cansados
Todos cansados a buscar descanso,
Cansados todos por o nunca achar.
E se o descanso aqui jamais alcanço
É que aqui dele não há mais lugar.
Diabo
Se tens forma de diabo
Dentro de teu coração,
Que sai dele, ao fim e ao cabo,
Senão diabos ao milhão?
Dizes
Como dizes que o que dizes
Diz apenas o que ouviste?
Como ignoras os matizes
Que pintas no que se aliste?
Obrar
Que é que me importa o bem crer
Se o não faço acompanhar,
Em tudo quanto fizer,
Do que for o bem obrar?
Qualificado
Se és mesmo qualificado,
Tens critérios singulares:
Nada em ti vai ser obrado
Dos homens para os olhares.
Feito
Tudo aquilo que for feito
Para dos homens a vista,
Ainda que feito, é de jeito
Que é defeito do que invista.
Cega
Obra boa, alma da fé,
Fá-la mas guardando os olhos:
É cega a fé, não a lê
Mesmo franzindo os sobrolhos.
Boa
Obra boa, enquanto vista,
Não pode ser boa então.
Enquanto boa, conquista
Não ser vista sem senão.
Vai
Vai do ver com atenção
Ao ver, porém distraído,
Ver o que temos à mão
A nem mão ver no ocorrido.
Enfermidade
Uma mesma enfermidade,
Se o enfermo não é o mesmo,
Requer a diversidade
Da cura sem nada a esmo.
Cuidando
Não há mais cega cegueira
Do que ser a vista cega
Cuidando, dela à maneira,
Que o não é e em tudo o nega.
Queda
Quando a cegueira é tão cega
Que a si própria se não veja,
A queda que então lhe adrega
É que lhe alcança o que seja.
Remediar
Ver e não remediar
Não é ver de modo algum,
É por cego se ficar,
Vida sem rumo nenhum.
Dia
Se algum dia houver de ser
De abrir os olhos o dia,
Porque não já resolver
Que hoje é que ele principia?
Invejas
No tribunal das invejas
É o louvor acusação:
Sejas lá quenquer que sejas,
Se te louvam, cais ao chão.
Mudo
Dia de diabo mudo,
De calar pecado alheio
Mas de confessar, contudo,
O próprio que colo ao seio.
Hierarquia
Olhar para a hierarquia
É querer venerar votos,
Não acertar algum dia
Em rumos por ora ignotos.
Inquérito
Não olhes em teu inquérito
Para donde o voto vem.
O voto vale do mérito
Que a proposta dele tem.
Perícia
Cada qual no que exercita
E na perícia que tem
Opine quando concita
O rumo que ter convém.
Governante
Governante que não guarda
O povo como pastor
É o lobo que não se atarda
Do povo a ser caçador.
Enraive
Há quem se enraive, facundo,
A jogar ladrões ao pó,
A tirar ladrões do mundo
- Para roubar ele só!
Enforcar
É tropa que não comandes
Poderes a jogar plenos?
Lá se vão os ladrões grandes
A enforcar os pequenos!
Autoriza
Aquele que não proíbe
Qualquer crime quando pode,
Autoriza o que ele exibe,
Dele a culpa não sacode.
Ladrão
Quem por mérito à função
Não vai, ladrão há-de ser:
Rouba o lugar em questão
E mais o que à mão lhe vier.
Falhar
Eu sei bem que se falhar
Não lamento o que falhei,
Que só me arrependerei
É de acaso não tentar.
Perigosa
A frase mais perigosa
Em que todo o mundo dói
Desde que ser mundo goza:
“A vida inteira assim foi”.
Beleza
De beleza há uma importante
Loção com a qual se esguiche.
Se nada mais lembra adiante,
Esta é a regra: “que se lixe!”
Nunca
É de nunca interromper
Um inimigo no cerro
Enquanto ele a cometer
Estiver um qualquer erro.
Importa
Não me importa o que de mim
Alguém disser, que vaidade
Da vaidade é sempre, ao fim,
Desde que não for verdade.
Equilibra
Equilibra na balança
Medo mais questionamento
Com dose igual de esperança
E optimismo infrene e atento.
Mais
Se és o mais inteligente
Que se encontra numa sala,
De sala muda, coerente,
Antes que te atinja a bala.
Língua
A língua escava o recanto
Que a vida ou a morte apura.
Tento na língua, portanto,
Não te cave a sepultura!
Confessas
Se arrancas a língua a um homem,
Não provas que é mentiroso,
Confessas que te consomem
Os termos que lhe dão gozo.
Cegas
Os deuses cortam às cegas
E os homens irão só ver,
No meio das cegarregas,
Aquilo que irão querer.
Parede
Porque é que, se um homem ergue
Uma parede, o seguinte
Por cima espreita o albergue,
A ver que é que ali se pinte?
Desprezo
Um pouquinho de desprezo
Honesto o que quer que fosse
Pode refrescar teu peso,
Vinho amargo após um doce.
Zombaria
Precisamos de ser alvo
De zombaria, ao acaso,
Para evitar o papalvo
Sério demais que me aprazo.
Acordado
A desconfiança amarga
Mantém acordado à noite,
Mas antes isso que a carga
Do sono eterno que acoite.
Enfezado
Mesmo um miúdo enfezado,
Torcido e feio olhar pode
De cima o mundo, se alçado
Num dragão que o não sacode.
História
“É história, passa adiante!”
- Clamam os da vida em gomos.
A história nossa é importante:
Como que nos diz quem somos.
Segredo
O segredo é puramente
Que é que nos torna felizes
E disto um copo valente
Beber diário nas matrizes.
Perdemo-nos
Nós perdemo-nos às vezes.
O truque é o de acreditarmos
Que vale a pena, corteses,
Nós a nós nos encontrarmos.
Intuito
Não basta não ter o intuito
De ir prejudicar alguém,
Mas inda o intuito gratuito:
- Não prejudicar ninguém.
Liberdade
A liberdade é escolher
Comprometer-me por fim
Com tudo o que sinto ser
Que é o melhor que houver em mim.
Enjeito
Se outrem enjeito, não mora
Na ideia preconcebida,
Verdade ou erro de agora
- E assim me enjeito à medida.
Labor
Que o labor seja perfeito,
Puro dele em cada peça,
Que depois da morte o efeito
É que ainda permaneça!
Equilíbrio
Nossa criança interior
Urge-nos ser resgatada
Para equilíbrio maior
Do adulto na caminhada.
Forçar
Não é preciso forçar
Nem apressar conjunturas,
Tudo a seu tempo há-de andar,
Se exacto e perfeito o apuras.
Grande
É grande quem de verdade
Se buscou sem mais na lida.
A vera grandiosidade
É sempre desconhecida.
Objectos
Os objectos servirão
Para a vida embelezar,
Portanto, jamais, então,
A deverão controlar.
Moeda
Moeda ponto de partida
Dum projecto a operar,
Princípio é, de seguida,
Que só dor irá causar.
Questão
A questão não é o dinheiro
Que vida além recebemos
Mas antes e bem primeiro
Que é que nós dele fazemos.
Espreitam
O maior dos inimigos
De nossa interior jornada
São da culpa os mil postigos
Que espreitam na madrugada.
Conforme
A cada, conforme as obras,
É a justiça que visamos
Sem haver perdas nem sobras,
Colhemos o que semeamos.
Final
Nem tudo é um final feliz
Mas tudo é um fim necessário
E justo para, aprendiz,
Evoluir o mundo vário.
Coluna
A coluna me suporta
Com sofrimento profundo?
Se é suporte que me importa,
Não é suporte do mundo.
Fujas
Não fujas, que não há cimos
Que a mim me escondam de mim.
Aquilo de que fugimos
Vai perseguir-nos sem fim.
Frente
Quem colocar o poder
À frente das emoções
Vai falhar tudo o que quer,
Tudo são desilusões.
Caminho
Entre os medos e o anseio
Há um caminho a percorrer:
Só recolho o que semeio
E só recebo se der.
Culpo
Se me culpo, então me ataco,
Me ataca o mundo também,
Que acompanha taco a taco
Bom e mau que de mim vem.
Reencontro
A morte, para ser vida,
Um gesto tem de ter terno:
Pois que a nossa despedida
Seja um reencontro eterno!
Compaixão
Ter compaixão verdadeira
É pelo cão que sofreu
Como, da mesma maneira,
Pelo homem que lhe bateu.
Boca
O que nos entrar na boca
Não é tanto o que nos mata,
É o que sai dela, da toca
Da ideia que ata e desata.
Medicina
A medicina tentando
Vai fazer tudo o que pode,
Mas falha outra parte quando
Do imo a parte ela sacode.
Anjo
O anjo é o que vislumbrei
Para além de meu confim,
O que busco, anseio e sei
Que espreita dentro de mim.
Sofres
Sofres muito quando actuas
Com teu imo confundido:
A evolução pelas ruas
Deterás nalgum sentido.
Abundância
Se permites a abundância,
Abunda-te cada dia,
Vencendo toda a distância,
Tal por arte de magia.
Teu
O Universo é todo teu,
Só terás de o permitir,
Andar preparado: o céu
Vem ter contigo a seguir.
Raia
Raia da sexualidade,
A fronteira transporia,
Mais que em prazer, na verdade
Que é do Cosmos a magia.
Rodeia
Por tudo o que te rodeia
Agradece, justo ou não.
Entendas ou não, te ameia
Firme e certo em teu torrão.
Junto
Que venhas dar o melhor
Por quem tenhas junto a ti,
À vida grato, em penhor
Por tê-lo encontrado ali!
Impedimento
Em qualquer impedimento
Aceite com alegria
Ajuda, a favor do vento,
A crescer em cada dia.
Obstáculo
Um obstáculo requer
Que lhe prestes atenção,
Não que te afundes, ao ver
Que a vida te impõe um não.
Mudança
Uma mudança flexível
É uma chave requerida
A resolver a impossível
Situação não resolvida.
Perdoar
Se te perdoas a ti,
Terás a capacidade
De perdoar, desde aí,
Por inteiro à humanidade.
Suave
Sempre por ti principia.
Depois suave adiante
Devém da partilha a via,
Viver com o semelhante.
Servir
Se se tratar de servir,
Primeiro é de ter em mente
(Os mais, não, vêm a seguir):
- Sirvo-me correctamente?
Sementes
As sementes que semeias
Lado a lado nas estradas,
De que tens as leiras cheias,
São sementes adequadas?
Companheiro
Quando fazes de teu medo
Um companheiro de estrada,
Deixa de amedrontar cedo,
Seu poder desfeito em nada.
Atreveres
Se tu nunca te atreveres,
Não aguardes que outrem faça
O que, no fundo, não queres,
Nem os culpes da trapaça.
Humilde
Humilde sê no pedir
E sente alegria ao dar:
Vais sempre então caminhar,
É o êxito em teu porvir.
Aprendizagem
O caminho é aprendizagem,
Mérito a reconhecer,
Partilhando na viagem
Tudo quanto se aprender.
Paras
Se não paras tua mente,
De férias que importa ir?
Gastas dinheiro em torrente
Sem descansar a seguir.
Autómato
Dirige as pegadas tuas,
Autómato jamais sejas
À deriva pelas ruas
De antigas normas sobejas.
Escolhe
Escolhe, presta atenção
À fruta que pretenderes.
Cada momento, uma opção
Pela vida que quiseres.
Atenção
Põe os teus cinco sentidos,
A atenção no que fizeres
E os resultados vividos
Se alteram rumo ao que queres.
Entrega
Vive o instante com entrega,
Pois apenas o presente
Tens na vida que te adrega:
Vai no dorso dele assente.
Antes
Antes de falar, agir,
Entrega-te às mãos de Deus.
Farás então, a seguir,
O que bem querem os céus.
Presença
“Faça-se a Tua vontade”
- A presença em ti divina
Por esta porta te invade
E ao Infinito te inclina.
Segue
Segue teu guia interior
Que conduzirá teu passo
Peregrino em quanto o for
Rumo às estrelas do espaço.
Rumo
O que o anjo te recorda
É que sigas sempre o rumo,
Fiel sempre à tua corda
Até ao teu cume sumo.
Muda
Muda a rotina diária,
Pode ajudar-te a encontrar
A pessoa estranha e vária
Escondida em teu lugar.
Deserto
Se percorres o deserto
Sem beber e desatento,
Não chegas ao fim, decerto,
Longe fica teu intento.
Tesoiro
Do tesoiro que te é dado
Vê que farás que o merece.
Quando o aluno é preparado,
Então o mestre aparece.
Organiza
Organiza o teu espaço
Interior e exterior.
É um jogo que, a cada passo,
Te torna a vida melhor.
Mudança
Num caminho de mudança
Põe toda a tua energia,
Teu coração, quando o alcança,
Só assim muda em harmonia.
Escuta-te
Escuta-te todo o dia:
Se a falar contigo aprendes,
Com outrem melhoraria
Logo a fala que lhe rendes.
Perfeito
Não te olhes perfeito ou sábio
Nem creias, pois, que a razão
Que irado propõe teu lábio
Ande a sós num mundo vão.
Arautos
Busca arautos nas estrelas,
Mensagens do coração.
Se ecoa em ti uma delas,
É o momento, vai então.
Itinerário
Eu mais o outro, sempre em germe
O itinerário sem fim...
Para doutrem convencer-me
Primeiro é de ver-me a mim.
Gostas
O que gostas e não gostas
Tria com todo o teu carinho.
É a única das apostas:
Muda-te e muda o caminho.
Lugar
Cada coisa em seu lugar,
Sem rotina, obrigação.
De repente, eis-te a voar
Com asas no coração.
Chávena
Tudo aterrador é menos
Após sentar-me acolá
Bebendo em goles pequenos
Uma chávena de chá.
Sorte
É a sorte que valho
Que me traz o ganho?!
- Quanto mais trabalho
Mais eu sorte tenho.
Mais
Por mais que amemos alguém,
Não poderemos deixar,
Custe o que custe também,
De ser quem somos, a par.
Perdas
As perdas vão aumentando
A par com o meu bloqueio,
A ponto de o trilho em que ando
Algures perder-se a meio.
Eito
A dor que está no teu peito
Não há como fugir dela,
É sofrê-la inteira a eito,
Saltará pela janela.
Encontrar
Onde encontrar vou alguém
Que, em vez de homem ou mulher,
Busque encontrar, mais além,
Só a pessoa de quenquer?
Preferires
Se preferires morrer
A ser qualquer zé-ninguém,
Então nem vives sequer,
Morreste por ti além.
Lado
Mede dos lados o lado
Que não vês em lado algum.
É que o que só tem um lado
Não leva a lado nenhum.
Maneira
A maneira de ter tudo
É satisfeito, de entrada,
Permanecer, sobretudo,
Com ter nada ou quase nada.