BRINDEMOS

 

 

BARTOLOMEU  VALENTE

 

 

 

AROEIRA, 2014

 

 

 

 

 

 

PRIMEIRO  BRINDE

 

 

Brindemos

 

Brindemos ao novo ano,

À nova oportunidade

De endireitar sem engano

A vida que o pé nos grade.

 

 

Envelhecendo

 

Quando for envelhecendo,

Descubra ter duas mãos:

Uma a si se defendendo,

Outra ajudando os irmãos.

 

 

Sonhar

 

Tens mesmo de sonhar grande,

Desejar muito e correr

Atrás do que o sonho mande,

Que por ti ninguém vai ser.

 

 

Cabe

 

Se o mundo não faz sentido,

Sentido a si cabe dar-lhe:

- O que quer ter decidido

E o que fazer indicar-lhe.

 

 

Menor

 

O menor número de ossos

Parte que te for possível

Mas faz barulho nos fossos

Mais que o que for previsível.

 

 

Página

 

Amanhã, página em branco

Dum livro que tem trezentas

E sessenta e cinco, franco.

- Bom livro faz do que intentas!

 

 

Durmas

 

Nunca durmas sobre os loiros,

Aleija, é pouco galhardo.

Não são teus nunca os tesoiros,

Teu é só deles o fardo.

 

 

Pego

 

É para te submeteres,

Aniquilares teu ego

Que vives, não para seres

Dele afundado no pego.

 

 

Grão

 

És na vida o grão de trigo:

Se não te enterras e morres,

Mesmo quando o mundo corres,

Não há o fruto que em ti sigo.

 

 

Mundo

 

Tens de ser homem do mundo,

Não haja, porém, engano:

Se pretendes ser fecundo,

Nunca podes ser mundano.

 

 

Cargas

 

Que é que importa que nos largos

Te apregoes de mãos largas?

Quem aspira aos altos cargos

Errou se não viu as cargas.

 

 

Soltas

 

União, interligação...

Para que um relógio quero

Se em peças soltas no chão,

Sem nunca as horas que espero?

 

 

Muitos

 

Há muitos caminhos, há,

Muitos mais do que imaginas.

Mas não há confusão lá:

- Segue aquele a que te inclinas.

 

 

Tela

 

Uma tela gigantesca

É a vida: de a pincelar

É com toda a tinta fresca

Com que a puder avivar.

 

 

Atrás

 

Como não posso obrigar

O tempo a voltar atrás,

Mais vale então acatar

Com ele viver em paz.

 

 

Ambicione

 

Não ambicione fazer

Pela vida, parca avença.

Ambicione antes que quer

Fazer nela a diferença.

 

 

Anzol

 

Mantenha o anzol lançado,

Desiscado não o deixe.

Quando menos esperado,

Haverá deveras peixe.

 

 

Vitórias

 

As vitórias comemora,

Mas eleva um pouco mais

A fasquia desde agora,

Se só vitórias atrais.

 

 

Fora

 

Buscam, fracos, reflectir

O que lhes vier de fora?

Esquecem o que a luzir,

Forte, dentro deles mora.

 

 

Evita

 

Os que se julgam mais fortes

Evita, que, na verdade,

Escondem com tais desnortes

A própria fragilidade.

 

 

Agradar

 

Nunca tentes agradar

Por aí a toda a gente,

Ou findas perdendo, a par,

O apreço que por ti sente.

 

 

Senhor

 

Nunca do tempo tentes ser senhor:

Se colhes antes de seu tempo os frutos,

Estarão verdes, não terão sabor;

Se adias, podres serão teus produtos.

 

 

Alcança

 

Quão mais o coração simplicidade

Alcança, mais capaz de amar sem medo.

Quão mais amar sem medo, mais verdade

Na elegância do gesto de seu credo.

 

 

Além

 

Junta-te aos que disserem: “muito embora

Esteja tudo bem, vamos em frente!”

Sabem que é necessário ir embora

Além dos horizontes do presente.

 

 

Parar

 

Evita os que disserem: “acabou,

Irei parar aqui.” Não compreendem

Que nem vida nem morte se finou,

Do eterno etapas tudo que empreendem.

 

 

Queixo

 

Se me queixo da vida: “é tudo igual...”,

Que poderei fazer para mudar?

Hoje é o dia primeiro e meu fanal:

- Descubro o que jamais vi ali estar!

 

 

Sabe

 

Qualquer pessoa que venha

A conhecer, nela gabe

Esta proveitosa senha:

Sabe algo e você não sabe.

 

 

Sentido

 

Eu gosto do que não faz

Sentido para ninguém:

De acordar-nos é capaz

A mente que a gente tem.

 

 

Espelho

 

A confiança é um espelho:

Não o arranjo, se partido,

Pois vejo, no caco velho,

Fissuras no reflectido.

 

 

Busca

 

Na busca pelas paixões

Sê jovem sempre atrevido,

Com outrem nas relações,

Aí sê sempre crescido.

 

 

Lista

 

À janela desvelado

É o mundo a perder de vista.

Nunca estive em todo o lado,

Mas está na minha lista.

 

 

Inspiração

 

A inspiração vem, por vezes,

De olhar ali, com surpresa,

Para o que, meses e meses,

À frente larguei na mesa.

 

 

Certo

 

É só preciso fazer

Algo certo vida além,

Desde que o erro que houver

Não seja muito também.

 

 

Medida

 

Há quem cuide que a medida

É a do tamanho da gala.

Importa viver a vida,

Pouco importa decorá-la.

 

 

Disposto

 

Há muito que meditar

No direito deste avesso:

Se estás disposto a falhar,

Tenderás a ter sucesso.

 

 

Agradeça

 

Felicidade é direito

Que creio que ninguém tem.

Se aparece, preste preito

E agradeça, é o que convém.

 

 

Resultado

 

Vem o melhor resultado

Se todos no grupo operam

Pelo melhor, com agrado,

Com todo o grupo onde o geram.

 

 

Apenas

 

Apenas pensar em “nós”

Ajuda o “eu” que então for,

Ao pesar contras e prós,

A se sair bem melhor.

 

 

Respeito

 

Pratique a capacidade

De olhar com todo o respeito

A opinião que desagrade

Por diversa do seu preito.

 

 

Todos

 

Todos juntos trabalhemos

Em busca da solução

Que o porvir que nós queremos

A todos nos traga à mão.

 

 

Encoraja

 

Encoraja o limpo jogo

Como de equipa o trabalho

E nunca a vitória a rogo

Contra o que vales ou valho.

 

 

Cósmico

 

Se a identidade mortal

Pus de lado, então dispomos

Da entrada inteira ao portal

Do ser cósmico que somos.

 

 

Dois

 

Há dois modos de viver:

Nada, num, é milagroso;

Noutro, é tudo. E há que escolher

Com qual deles eu me entroso.

 

 

Seremos

 

Se quisermos vir a ser

Todo o ser de que dispomos,

Tudo vem de o bem querer:

- Vamos ser o amor que somos.

 

 

Deixar

 

Para ser inteiro vou

Cumprir minha estranha lei:

- Vou deixar de ser quem sou

Para ser o que serei.

 

 

Gratidão

 

Se a gratidão é virtude,

Ela é mãe das outras mais

Quando ela ao Cosmos me grude,

Do Infindo grato aos sinais.

 

 

Tontinho

 

Parecer tontinho

E não ligar nada

É poder: sozinho

Eu me faço à estrada.

 

 

Instinto

 

Nunca ignores teu instinto

Mas não creias que é da casta

Que te basta como plinto:

Nunca instinto é quanto basta.

 

 

Diversão

 

Diversão que afago

É pegar nas loisas

E no fim ser pago

Para aprender coisas.

 

 

Berma

 

Diversão que dá prazer

É pôr-me à berma da estrada

Tendo muito que fazer

E depois não fazer nada.

 

 

Trepar

 

Dá valor a teu amigo:

Dele e de seu jeito moço

Precisas, perdido o abrigo,

Ao tentar trepar do poço.

 

 

Culto

 

Deveria o culto ser

Todo um festival de vida,

Não um pescoço a pender

Duma morte pressentida.

 

 

Loucura

 

Sem algum grau de loucura

Nunca um homem há passado,

Seja qual for a figura,

Dum cadáver adiado.

 

 

Nadas

 

A oportunidade exortas

Se com nadas te regalas:

São sempre pequenas portas

Que abrem para grandes salas.

 

 

Pouco

 

Quem com pouco se contenta

É o dia-a-dia que apresta,

E, nas horas que acalenta,

É cada gesto uma festa.

 

 

Engano

 

Não temas por enganar-te:

- Aprendo só se me engano

E do engano qualquer arte

Melhoro ao suprir o dano.

 

 

Acolher

 

Acolher a tempestade

Em vez de contra remar

É que é mesmo a actividade

Pacífica a relevar.

 

 

Vizinho

 

Quem não quer saber

Mais de seu vizinho,

Dele o mal a haver

Já vem a caminho.

 

 

Pardal

 

Não é segurando as asas

Que ajudo o pardal a voar,

Só voará sobre as casas

Se ser pardal o deixar.

 

 

Fechar

 

Fechar o mundo lá fora?

Mas, sem fresta onde em mim entro,

Como irei trancar-me agora,

Como me trancar por dentro?

 

 

Nuvens

 

Ser optimista é manter

Nas nuvens sempre a cabeça

Mas com os pés a correr

Trilho em frente com a pressa.

 

 

Glória

 

A maior glória da vida

Não é a de nunca cair,

É a de me erguer a seguir

A cada queda sofrida.

 

 

Líder

 

O bom líder, no perigo,

É o que toma a dianteira;

Na festa é o que toma abrigo

Lá na fila derradeira.

 

 

Silêncio

 

Silêncio, na solidão,

É o que nos leva a entender

Quanto as palavras serão

Preciosas a valer.

 

 

Lanterna

 

Quando Deus dá uma lanterna

Não é de a tapar no cesto,

É para alumiar, superna,

O mundo pelo meu gesto.

 

 

Sonho

 

Eleva o teu sonho até

Um porvir dos mais risonhos,

Que o porvir é de quem crê

Na beleza de seus sonhos.

 

 

Preparados

 

As perguntas lavram ermos

Onde plantamos o ser:

Só vemos o que estivermos

Preparados para ver.

 

 

Vias

 

Nas vias de prosseguir,

De Deus imos à verdade

Ou a verdade, a seguir,

Nos molda em Deus a vontade.

 

 

Muda

 

Sem observar crueldade

Não sentia compaixão:

- A pior eventualidade

De mudar é ocasião.

 

 

Dançar

 

A vida não é esperar

Pelo fim dos aguaceiros,

Mas aprender a dançar

À chuva, pelos lameiros.

 

 

Desígnio

 

O desígnio de Deus está para além.

Como compreender, atingir o sentido?

Temos de aprender a confiar também

No que for ignoto de tão desmedido.

 

 

Degrau

 

Mais do que saltar a vau

O ribeiro antes da boda,

Quem tem fé trepa um degrau

Sem ver nunca a escada toda.

 

 

Alcance

 

Não deixes que a vida lance

Confusão no que consagre.

Todos temos este alcance:

- Somos parte dum milagre.

 

 

Porto

 

Já nem ligo ao que me agrade

Quando estou quase a ser morto.

No meio da tempestade

Serve, afinal, qualquer porto.

 

 

Escapar

 

A morte jamais é o fim:

Como escapar do que fiz,

Como irei fugir de mim,

Como trocar de matiz?

 

 

Limites

 

Impedindo as tuas falhas,

Protegendo teus palpites,

Não precisas de muralhas,

Precisas é de limites.

 

 

Surpresas

 

Não estragues as surpresas!

Elas lembram-me nos meus

Trilhos de rotas ilesas

Que, afinal, eu não sou Deus.

 

 

Onda

 

Apanharmos uma onda,

Mais que uma maré subida,

É o modo como eu responda

Aos desafios da vida.

 

 

Talha

 

Talha justo teu perfil

Sem nunca perder o norte:

Quenquer pode ser gentil,

Sendo ao mesmo tempo forte.

 

 

Diferença

 

Tudo quanto escrevo e leio

Vai fazer a diferença

Na forma como me enleio

Da vida com a sentença.

 

 

Governado

 

Num país bem governado

Não vão homens aos ofícios

Mas os ofícios buscado

Hão quem traz mais benefícios.

 

 

Atento

 

Olha atento ao que fenece

E ao que os anos já geraram,

Que é raro o que permanece

Quando os tempos já mudaram.

 

 

Ferrabrás

 

Aqueles que querem tudo

E actuam à ferrabrás

Perdem perdendo este escudo:

- Dá tudo e tudo terás.

 

 

Preparar-se

 

Bom é preparar-se alguém

Para o serviço do cargo

E aguardar, como convém,

A hora da escolha ao largo.

 

 

Vergôntea

 

Ser vergôntea de famosos...

Não são os ilustres pais

Mas os actos generosos

Que darão nossos sinais.

 

 

Vaidoso

 

Vaidoso e desvanecido

Se comigo andar agora,

Trago os meus olhos por fora,

Por dentro ando em mim perdido.

 

 

Somos

 

Nada mais fiel o que somos

Nos mostra, em todos os lados,

Que os verdadeiros pecados:

As lesões que à vida impomos.

 

 

Findo

 

O poder é limitado,

O querer é sem limite.

Se os troco, findo acabado,

Findo de vez meu palpite.

 

 

Mais

 

Se apetecer mais do que é,

Se quiser mais do que pode,

Ninguém já fica de pé,

É pó que o vento sacode.

 

 

Percas

 

Que percas por omissão,

Vá lá, que é o que em tal pedias.

Pior é os que tombarão

Pela omissão dos teus dias.

 

 

Inveja

 

Dos homens o vão juízo,

Nosso inimigo de sobra,

Não é o da falta de siso,

É inveja da boa obra.

 

 

Fortunas

 

Das fortunas as sequelas

Como as alcança quenquer?

- Merecedor sendo delas

Sem jamais as pretender.

 

 

Escusa

 

Aquele que mais se escusa

Mais de que há questões convence.

Quem claro as revê mais usa

De frente o que após as vence.

 

 

Recto

 

Nenhum homem há tão recto

Dele próprio por juiz

Que diga o que ele é, correcto,

Ou que então seja o que diz.

 

 

Demasiado

 

Demasiado crescer

Não é bênção, maldição

Antes será, noutro ser

Vire embora o próprio chão.

 

 

Conhecimento

 

Conhecimento de si

Fará desbravar as vias

Que revelam que anda ali

Por entre nós o Messias.

 

 

Come

 

Se o zelo vos come a vós,

Vosso corpo vira zelo.

Se comeis do zelo após,

Vira corpo até ao pêlo.

 

 

Dentro

 

Por fora muito zelosos,

Dentro cobras e lagartos...

- Se os muros mui sigilosos

Romperas, que estranhos partos!

 

 

Discurso

 

Discurso de quem não viu

É de acaso o que ouviria.

De quem viu ditame seu

Algo tem de profecia.

 

 

Varapau

 

O juízo dos homens, tal

Qual me faz um varapau,

Poderá fazer-me mal,

Não me pode tornar mau.

 

 

Preceitos

 

Quando os preceitos são muitos,

São difíceis de guardar.

Se num unir meus intuitos,

Como é fácil de observar!

 

 

Merecimento

 

Operar Deus o que pode

Não tira o merecimento

Ao homem a quem acode

Obrar ao que deve atento.

 

 

Poder

 

Nunca o homem se contenta

Com só poder o que pode

E a ruína do mundo inventa,

Do mais com que nos sacode.

 

 

Posso

 

Eu posso tudo o que quero

Quando só quero o que posso.

Doutro modo não impero,

Corroo-me até ao osso.

 

 

Saber

 

O que à vida mais acode

Contém sempre este saber:

- Quem menos quer do que pode,

Pode mais do que o que quer.

 

 

Parecer

 

O que em tudo parecer

Maior quer do que o que for

Não é grande no que quer

Nem grande do que é senhor.

 

 

Tenção

 

À boa tenção não peça

Como finda tal tenção:

Com boa tenção começa

O que finda em tentação.

 

 

Força

 

A força das mesmas causas,

Quando iguais em toda a frente,

Quando unidas e sem pausas,

Opera mais fortemente.

 

 

Traças

 

“Senhor, dou-vos muitas graças

Por não ser como os demais”?!

- Eis como do inferno as traças

No bom pano as infectais.

 

 

Inteligência

 

Ora com inteligência

Quando de orar hora for,

Porque, mais que com sapiência,

Então oras com sabor.

 

 

Tesoiro

 

O tesoiro mais seguro

É o supérfluo não querer:

Sou mais rico, quando o apuro,

Que um ambicioso qualquer.

 

 

Haurir

 

Não entendo, em meu lugar,

O que peço para haurir?

- Nem meu pedir é orar,

Nem meu orar é pedir.

 

 

Tesoiros

 

São os maiores tesoiros

Mais castigo que favor

Se do mau uso os desdoiros

Se lhes vêm sobrepor.

 

 

Uso

 

Do poder o mais nobre uso

Muitas vezes há-de ser

Se voluntário recuso

Usar o mesmo poder.

 

 

Desencadeia

 

Príncipe com humildade

Desencadeia adiante

Ser, na multidão que invade,

Benquisto por governante.

 

 

Muda

 

Muda o tempo e as condições

E o que fora perversão,

Quando olhos de ver lá pões,

É hoje edificação.

 

 

Oculto

 

Ao tesoiro oculto fundo

Bem mais fácil é calcá-lo,

Com um desprezo infecundo,

Que pô-lo à mostra ao cavá-lo.

 

 

Mestre

 

Trata de ser quem adestre,

Teu sestro torcido, vence-o.

Sempre ensina quem é mestre,

Tendo-se embora em silêncio.

 

 

Desarma

 

Desarma as armas da liça,

Repousa então qualquer ânsia:

Onde florescer justiça

Cresce paz em abundância.

 

 

Vão

 

Em vão se procura a paz

Enquanto o mundo oprimido

Todo o dia no-lo traz

Cada vez mais sucumbido.

 

 

Freima

 

A vida é um trilho por Deus

Retraçado e nossa freima

É corrê-lo, sob os céus,

Sem tropeçar na toleima.

 

 

Chatice

 

Se com um órfão se casa,

Nunca terá de passar

A chatice que o arrasa

De com sogros festejar.

 

 

Machado

 

Um bom livro, lido após,

Deverá ser o machado

A rachar o mar gelado

Que houver cá dentro de nós.

 

 

Punhado

 

Se transportas um punhado

De terra todos os dias,

Erguerás mesmo a teu lado

A montanha em que não crias.

 

 

Sonho

 

Matar o sonho nos mata,

O sonho é o real que é nosso,

O que ao abismo nos ata,

O fundo ao fundo do fosso.

 

 

Arrependo

 

Todo o dia me arrependo

E não sei por que feitiço

Não compro nada nem vendo

Para contrapor a isso.

 

 

Grandeza

 

A grandeza da grandeza,

A maior que pressentir,

Nem fala do que ela preza

Por não poder sem mentir.

 

 

Infinito

 

Ao Infinito quenquer

Poderá sempre subir,

Mas, se o todos querem ver,

Poucos que querem vir.

 

 

Miradoiros

 

O Infinito tem escassos

Miradoiros nesta pista:

Primeiro há que dar os passos

Para depois ver a vista.

 

 

Invertendo

 

Tudo o que for ordenado

Cada qual a ter por seu,

Sempre, invertendo o mandado,

Por nosso vive e viveu.

 

 

Hoje

 

Fruamos hoje do dia

Que se nos dá sem alarde

Como ele fundo nos guia,

Que amanhã já será tarde.

 

 

Viso

 

Se me viso despachado

Da mão liberal de Deus,

“Quero” não digo em meu lado,

Mas “o que querem” os céus.

 

 

Persuadir

 

A persuadir, convencer,

Maior força é a da paciência

Que a dos milagres que houver,

Grite o que grite a evidência.

 

 

Confesse

 

Há quem confesse que errou

Mas com tal malabarismo

Que em virtude o erro tornou

Mais o que calou no abismo.

 

 

Tirado

 

O tempo que for tirado

A melhor fazer o ofício,

De ofício não é furtado,

É furtado ao desperdício.

 

 

Heróica

 

Da heróica acção o maior

Prémio será o de fazê-la.

Tê-la feito é só o fulgor

Que da vida a torna estrela.

 

 

Baixamente

 

Actos próprios avalia

Baixamente ou de bem pouco

Quem cuida que lhos podia

Alguém pagar, de tão louco.

 

 

Devia

 

Quem fizer o que devia

Devia aquilo que fez.

Paga então espera um dia

Por pagar custas de vez?!

 

 

Creram

 

Quantos creram que o remédio

Era dada solução

E dali o efeito nédio

Foi a sua perdição?

 

 

Zelos

 

Zelos e oferecimentos

Devem ser antes desfeita

Quando sempre estes momentos

Se encaminham à colheita.

 

 

Retiro

 

Quem se acolhe no retiro

Já no campo nada colhe

Mas recolhe a luz que aufiro:

Muito colhe quem se acolhe!

 

 

Foge-lhes

 

Para imitá-los são maus

E, para inimigos, muitos?

- Foge-lhes dos varapaus

E que baste a teus intuitos.

 

 

Distingue

 

Distingue os que te remiram

Na mistura em que te vejam:

Quantos mais os que te admiram,

Tantos mais os que te invejam.

 

 

Saboreio

 

Se procuro o saboroso

É porque é bom, saboreio.

Não é de ostentar, ansioso,

Com um clarim no meu meio.

 

 

Estudo

 

A vantagem dum estudo

É que me traz este abrigo

Enorme mesmo miúdo:

- Saber viver bem comigo.

 

 

Doutrina

 

Quando a doutrina for boa

Mas o tempo então for mau,

Bom é não falar à toa:

- Cala e esconde o varapau.

 

 

Comigo

 

Nunca só menos serei

Que quando estou só comigo:

É que a sós é que me sei

Nas mãos de Deus ao abrigo.

 

 

Sós

 

Se para os sós falta a terra,

Abrem-se, ao invés, os céus,

Se a si cada mão se aferra

Mas no Infindo se abre a Deus.

 

 

Prover

 

Primeiro Deus nos provou,

Depois então nos proveu:

Não há prover sem me dar,

Sem provar o que sou eu.

 

 

Alheio

 

É o alheio um vomitório,

Quando o tomais, muda o centro:

Vomitai-lo e, no envoltório,

Tudo o mais que tínheis dentro.

 

 

Enleio

 

É o alheio aquele enleio

Que encegueira a vida airada:

Aquele que busca o alheio

Perde o próprio de assentada.

 

 

Misturar

 

Quem misturar a fazenda

Dele próprio com a alheia

Perde a alheia, mais a renda,

Mais a própria que se enleia.

 

 

Guardar

 

Jejuar e guardar pão

Não é de vera abstinência,

É avareza e o quinhão

Dela furta-te a existência.

 

 

Imagem

 

De Cristo a imagem na igreja

É morta e nunca padece,

A do pobre em que O não veja

Padece, viva, e me esquece.

 

 

Dilação

 

Na dilação do castigo

Ninguém se fie se tarda,

Que sempre bate ao postigo

E atrasos compensa em barda.

 

 

Fies

 

Nunca da misericórdia

Te fies, já que, por certo,

Para ajustar a concórdia,

A justiça anda por perto.

 

 

Deserto

 

Faz teu deserto no mundo,

De ti próprio fá-lo dentro,

Cria um espaço fecundo

Em que o Céu te fale ao centro.

 

 

Impossível

 

Às artes o que é impossível

Como à natureza, então

O que o tornar exequível

Há-de ser sempre a união.

 

 

Bastiões

 

Que importa fechar cidades

Com muros e bastiões

Se a brecha por que me invades

Mora em nossos corações?

 

 

Mais

 

Para ser mais do que somos

Não são multiplicações

Que nos desdobram em tomos,

Basta unirmos corações.

 

 

Um

 

Para os poucos serem muitos,

A união faz deste pó

De tantos e tão fortuitos,

Ao fim, apenas um só.

 

 

Arte

 

Arte boa a fazer bons

É a de acolhê-los, gratuitos.

O desprezo enoita os tons,

A honra melhora a muitos.

 

 

Guardar

 

Dos homens me guardo, enfim,

Mesmo quando estou a sós:

Devo-me guardar de mim

Como vós também de vós.

 

 

Singular

 

Tem a vida esta bravata

Que é deveras singular:

- Porque é que o homem se mata

Por tudo o que há-de deixar?

 

 

Emendado

 

Não há quem pior aceite

Por alguém ser emendado

Que quem qualquer cume enfeite

E mais se mais informado.

 

 

Promete

 

Quem faz mais do que promete

Não falta à verdade ao fim.

Quem faz menos e o projecte

Este, na verdade, sim.

 

 

Desaguisando

 

Enquanto a Pátria se enliça

Desaguisando mil casas,

Erga-se o sol da justiça

Com a saúde nas asas!

 

 

Servir

 

Deus não tem necessidade

De que a Ele nós sirvamos.

Nós é que sempre, em verdade,

De O servir necessitamos.

 

 

Obrigação

 

Deixar uma obrigação

Para a devoção cumprir

Apela à repreensão,

Vem o castigo a seguir.

 

 

Ofensa

 

Em nome de tua crença

Tiras aos mais o escalpelo?

Servir a Deus com ofensa

Não é servir, é ofendê-Lo.

 

 

Madrugar

 

Por Cristo ressuscitar

Em nosso imo, num ser dois,

É preciso madrugar,

Não deixar para depois.

 

 

Enquanto

 

Enquanto se armar a barca

Quem se ali não converteu

No fim também não a abarca,

Vai-se afogar no escarcéu.

 

 

Fazes

 

Se tu fazes o que podes

No que te estiver à mão,

Deus fará, quando Lhe acodes,

O mais de que hás precisão.

 

 

Lágrimas

 

As lágrimas enxugar

Requer um fácil remédio:

- Causas averiguar

E removê-las do assédio.

 

 

Converter-me

 

Jamais há sinal mais certo

De converter-me o Infinito

Que refazer longe e perto

As vias em que me adito.

 

 

Prata

 

A prata liga os metais

E a cobiça a tanto obriga

Que pela prata tu trais,

Rompes toda e qualquer liga.

 

 

Pende

 

Dentro das próprias paredes

Pende da igualdade a paz:

Se no lar vós o não vedes,

Vede o invés que a guerra traz.

 

 

Zénite

 

Está no zénite a Lua,

Cada qual a tem em casa.

No mando que ao mal arrasa

Esta seja a lei que é tua.

 

 

Desfaz

 

O que em guerras se compraz

Olhe a melhor entre as glórias:

Bem melhor viver em paz

É sempre que mil vitórias.

 

 

Barco

 

Quando o barco deu à costa,

Foi da falha das amarras

E ninguém no vento aposta

Que é culpa de suas garras!

 

 

Bastante

 

O bastante a sustentar,

Cobrir o corpo decente

É com que se há-de bastar

Alguém para ser contente.

 

 

Nua

 

Se alguém vai à sepultura

Contente da nua pele,

Quem é que tristeza apura

Por galas em falta nele?

 

 

Vista

 

Quem vista do céu augura

Que mais vista importa a ele?

Troca-lhe ela o fel em mel,

Toda a amargura é doçura.

 

 

Filha

 

Toda a admiração é filha

Da ignorância e mãe da ciência:

Admira o que não partilha,

Daí vai buscar-lhe a essência.

 

 

Melhor

 

De alguém o imo libertar

Bem maior glória de Deus

Será do que se enlevar

Arrebatado nos céus.

 

 

Banqueteias

 

Enquanto te banqueteias,

Repara, tens dois convivas,

Corpo e alma: nunca a meias

Te sacias, se um esquivas.

 

 

Presente

 

Muitos vivem sem querer

No presente a fincar pé.

Para lograrem o que é

Nem vêem o que há-de ser.

 

 

Escrúpulos

 

O que escrúpulos não faz

Das coisas que são pequenas

É das maiores que atrás

Finda a cair nas arenas.

 

 

Corta

 

Ditoso quem a cabeça

Corta à cobra do destino

Nos torrões onde tropeça:

- Ao vício, de pequenino.

 

 

Pigmeu

 

Se vós não venceis o vício

Enquanto pigmeu, no instante,

Como vencer-lhe o resquício

Quando ele já for gigante?

 

 

Pequenas

 

As maldades que, pequenas,

Por pequenas desprezamos,

Grandes crescerão nas cenas

Pequenas onde as largamos.

 

 

Elejo

 

Elejo para o governo

Gentileza a dar-me gozo?

Quem na nau, frente ao inverno,

Quer um piloto formoso?!

 

 

Caminho

 

De bordão, um passo adiante,

Avança, canta teu hino.

O caminho aliciante

Sempre é mais do que o destino.

 

 

Emolumentos

 

Pequenos emolumentos,

Com tempestade pelo ar,

Em momentos de maus ventos

Nunca são de desprezar.

 

 

Guarda

 

Guarda a tua fortaleza

Das feras para as guedelhas.

Não há, não, maior fraqueza

Que ser leão entre ovelhas.

 

 

Somenos

 

Homens e armas de somenos

São ante o quê, como e quando:

O número importa menos

Que a crença, a estratégia, o mando.

 

 

Abertos

 

Se, em mesas aparelhadas,

Os pratos estão desertos,

Se, à força, as mãos vão fechadas,

Porque não braços abertos?

 

 

Acertada

 

Que importa acertada a ordem

Se nunca são castigados

Os que, quebrando-a, a remordem

E ao fim são condecorados?

 

 

Pena

 

Não é miserável

Terra onde há delitos

Mas se é constatável

Falhar pena aos ditos.

 

 

Sofre

 

Mal vai do reino em que a vida

Impõe esta norma ao grémio:

O valor sofre ferida

E o que transgredir, o prémio.

 

 

Peito

 

Num peito, o sangue das balas,

Noutro, a condecoração?

Se com isto não te abalas,

Breve irá tremer teu chão.

 

 

Ministro

 

Quando, ministro, te aténs

Ao que ao poder lhe convém,

Não vens buscar nosso bem,

Vens buscar os nossos bens.

 

 

Bem

 

Ao gastar a bem do povo

Tudo o que ao povo se tira,

Eis como é firme o renovo

E a vitória, ao fim, se afira.

 

 

Estranho

 

Estranho é que nós queiramos

Bem mais ser que algum vizinho

E no céu nos contentamos

Só com lá ter um cantinho.

 

 

Desterro

 

Qual é o desterro maior?

O que dentro nos acua.

Para o homem de valor,

Todo o mundo é pátria sua.

 

 

Aguardando

 

Se o mundo inteiro é desterro

Aguardando a pátria inteira,

Se no Além é que me aferro,

Livro-me do cativeiro.

 

 

Temo

 

Temo que os que quanto é novo

Condenam, abram só entrada

Ao que é velho e, sem renovo,

Toda a farda é remendada.

 

 

Cumpro

 

Quando eu cumpro a condição

De eu a outrem perdoar,

A mim é que tal perdão

Acabo a, por fim, me dar.

 

 

Mal

 

O mal tens de pôr de lado,

Mas repara em que sentido:

- O mal não é ser tentado,

Mal é apenas ser vencido.

 

 

Consumado

 

O saber bem consumado,

Se consiste no que é dito,

Consiste, além, no adequado

Modo em que o dito é prescrito.

 

 

Dar

 

Há uma medida sem par

Que os dons mede que não meçam:

Ah, muito deseja dar

O que pede que lhe peçam!

 

 

Filhos

 

Se somos filhos de Deus,

Que importa sê-lo do rei?

Somos mesmo bem ateus,

Já que isto nunca fez lei!

 

 

Linhagens

 

És de linhagens carnais?

Pois olha, sou da divina.

Porque te jactas das tais

Se iguais são em nossa sina?

 

 

Filho

 

Daqueles a quem desprezas

É Deus pai com seu cadilho.

Porque os desprezas te lesas:

De Deus deixas de ser filho.

 

 

Céu

 

Se na terra a dor sem dor

Se acolhe e a tristeza é alegre,

Já a terra não é o que for,

Antes céu que a terra integre.

 

 

Faça-se

 

Faça-se a minha vontade, não a Vossa,

Faça-se a Vossa vontade, não a minha:

A terra vive acolá e é uma fossa;

Esta já não é terra, é o Céu que caminha.

 

 

Hoje

 

Vive hoje, porque ontem

É por demais tarde;

Do amanhã que apontem

É cedo hoje o alarde.

 

 

Pede

 

Ninguém para si melhor

Pede que quem para todos

Pede o que se antolhar for

O melhor mesmo dos bodos.

 

 

Oramos

 

Quando oramos, o cuidado

É de olhar a quem pedir,

Não ao que pedir, que, ao lado,

Mal ver importa ou sentir.

 

 

Falas

 

Se tu falas tudo

E Deus não te fala,

Como vais, sortudo,

Ver o que Ele cala?

 

 

Perfeito

 

Ouvir de ouvido imperfeito

É um ouvir sem operar.

Ouvir de ouvido perfeito

É o ouvido efectivar.

 

 

Boca

 

A muito pequena boca

Posta a verdade mui grande

Deixa ignorada na toca

A imensa luz que a demande.

 

 

Inventos

 

No coração, pensamentos

E através das mãos, as obras:

Eis do espírito os inventos

Se, vida fora, o desdobras.

 

 

Condizem

 

Quando o coração e as mãos

Não condizem com a língua,

Podem gritar, que os desvãos

Do céu morrem sempre à míngua.

 

 

Corte

 

Das perturbações da corte

Só escapa quem, à cautela,

Lá não mais tentar a sorte

Mas, ao invés, fugir dela.

 

 

Pedir

 

Pedir que não gera briga

E ao buscado efeito atende?

- Pedir ao servir, obriga;

Pedir de antemão, ofende.

 

 

Requerer

 

Querer, requerer

É o que quer quenquer.

Não quero querer

Mais que o que Deus quer.

 

 

Necessidade

 

Há-de fazer o temor

E a necessidade então

O que fora bem melhor

Que nos fizera a razão.

 

 

Fraco

 

O inimigo, embora fraco,

Jamais é de desprezar,

Quanto mais quando me ataco

A um poderoso avatar.

 

 

Mudez

 

Na vida tal na doença,

Sempre que a mudez declina

Dar na morbidez sentença

Dificulta a medicina.

 

 

Remédio

 

Para a aflição com remédio

Convém uma diligência.

Para o que o não tem, o assédio

É o da dor sem mais pendência.

 

 

Heróica

 

Viver no meio dum povo

Corrupto em lista medonha,

Ser, contra o vício, um renovo,

É ter heróica vergonha.

 

 

Pecar

 

Se não vos envergonhais

De pecar, pois que a peçonha

De pecar quando pecais

Seja pecar com vergonha.

 

 

Eclipses

 

Quantas são as criaturas

Que amamos sem ser em Deus

Tantos eclipses apuras

Que opomos de encontro aos céus.

 

 

Aplica

 

Tanto nos rouba o afecto

E nos tira o sumo bem

Quanto se aplica, incorrecto,

Baixo apostando em quem tem.

 

 

Golpes

 

Que importam golpes de fora

Se prevalecem paixões

De dentro que a toda a hora

De luz apagam morrões?

 

 

Cansados

 

Todos cansados a buscar descanso,

Cansados todos por o nunca achar.

E se o descanso aqui jamais alcanço

É que aqui dele não há mais lugar.

 

 

Diabo

 

Se tens forma de diabo

Dentro de teu coração,

Que sai dele, ao fim e ao cabo,

Senão diabos ao milhão?

 

 

Dizes

 

Como dizes que o que dizes

Diz apenas o que ouviste?

Como ignoras os matizes

Que pintas no que se aliste?

 

 

Obrar

 

Que é que me importa o bem crer

Se o não faço acompanhar,

Em tudo quanto fizer,

Do que for o bem obrar?

 

 

Qualificado

 

Se és mesmo qualificado,

Tens critérios singulares:

Nada em ti vai ser obrado

Dos homens para os olhares.

 

 

Feito

 

Tudo aquilo que for feito

Para dos homens a vista,

Ainda que feito, é de jeito

Que é defeito do que invista.

 

 

Cega

 

Obra boa, alma da fé,

Fá-la mas guardando os olhos:

É cega a fé, não a lê

Mesmo franzindo os sobrolhos.

 

 

Boa

 

Obra boa, enquanto vista,

Não pode ser boa então.

Enquanto boa, conquista

Não ser vista sem senão.

 

 

Vai

 

Vai do ver com atenção

Ao ver, porém distraído,

Ver o que temos à mão

A nem mão ver no ocorrido.

 

 

Enfermidade

 

Uma mesma enfermidade,

Se o enfermo não é o mesmo,

Requer a diversidade

Da cura sem nada a esmo.

 

 

Cuidando

 

Não há mais cega cegueira

Do que ser a vista cega

Cuidando, dela à maneira,

Que o não é e em tudo o nega.

 

 

Queda

 

Quando a cegueira é tão cega

Que a si própria se não veja,

A queda que então lhe adrega

É que lhe alcança o que seja.

 

 

Remediar

 

Ver e não remediar

Não é ver de modo algum,

É por cego se ficar,

Vida sem rumo nenhum.

 

 

Dia

 

Se algum dia houver de ser

De abrir os olhos o dia,

Porque não já resolver

Que hoje é que ele principia?

 

 

Invejas

 

No tribunal das invejas

É o louvor acusação:

Sejas lá quenquer que sejas,

Se te louvam, cais ao chão.

 

 

Mudo

 

Dia de diabo mudo,

De calar pecado alheio

Mas de confessar, contudo,

O próprio que colo ao seio.

 

 

Hierarquia

 

Olhar para a hierarquia

É querer venerar votos,

Não acertar algum dia

Em rumos por ora ignotos.

 

 

Inquérito

 

Não olhes em teu inquérito

Para donde o voto vem.

O voto vale do mérito

Que a proposta dele tem.

 

 

Perícia

 

Cada qual no que exercita

E na perícia que tem

Opine quando concita

O rumo que ter convém.

 

 

Governante

 

Governante que não guarda

O povo como pastor

É o lobo que não se atarda

Do povo a ser caçador.

 

 

Enraive

 

Há quem se enraive, facundo,

A jogar ladrões ao pó,

A tirar ladrões do mundo

- Para roubar ele só!

 

 

Enforcar

 

É tropa que não comandes

Poderes a jogar plenos?

Lá se vão os ladrões grandes

A enforcar os pequenos!

 

 

Autoriza

 

Aquele que não proíbe

Qualquer crime quando pode,

Autoriza o que ele exibe,

Dele a culpa não sacode.

 

 

Ladrão

 

Quem por mérito à função

Não vai, ladrão há-de ser:

Rouba o lugar em questão

E mais o que à mão lhe vier.

 

 

Falhar

 

Eu sei bem que se falhar

Não lamento o que falhei,

Que só me arrependerei

É de acaso não tentar.

 

 

Perigosa

 

A frase mais perigosa

Em que todo o mundo dói

Desde que ser mundo goza:

“A vida inteira assim foi”.

 

 

Beleza

 

De beleza há uma importante

Loção com a qual se esguiche.

Se nada mais lembra adiante,

Esta é a regra: “que se lixe!”

 

 

Nunca

 

É de nunca interromper

Um inimigo no cerro

Enquanto ele a cometer

Estiver um qualquer erro.

 

 

Importa

 

Não me importa o que de mim

Alguém disser, que vaidade

Da vaidade é sempre, ao fim,

Desde que não for verdade.

 

 

Equilibra

 

Equilibra na balança

Medo mais questionamento

Com dose igual de esperança

E optimismo infrene e atento.

 

 

Mais

 

Se és o mais inteligente

Que se encontra numa sala,

De sala muda, coerente,

Antes que te atinja a bala.

 

 

Língua

 

A língua escava o recanto

Que a vida ou a morte apura.

Tento na língua, portanto,

Não te cave a sepultura!

 

 

Confessas

 

Se arrancas a língua a um homem,

Não provas que é mentiroso,

Confessas que te consomem

Os termos que lhe dão gozo.

 

 

Cegas

 

Os deuses cortam às cegas

E os homens irão só ver,

No meio das cegarregas,

Aquilo que irão querer.

 

 

Parede

 

Porque é que, se um homem ergue

Uma parede, o seguinte

Por cima espreita o albergue,

A ver que é que ali se pinte?

 

 

Desprezo

 

Um pouquinho de desprezo

Honesto o que quer que fosse

Pode refrescar teu peso,

Vinho amargo após um doce.

 

 

Zombaria

 

Precisamos de ser alvo

De zombaria, ao acaso,

Para evitar o papalvo

Sério demais que me aprazo.

 

 

Acordado

 

A desconfiança amarga

Mantém acordado à noite,

Mas antes isso que a carga

Do sono eterno que acoite.

 

 

Enfezado

 

Mesmo um miúdo enfezado,

Torcido e feio olhar pode

De cima o mundo, se alçado

Num dragão que o não sacode.

 

 

História

 

“É história, passa adiante!”

- Clamam os da vida em gomos.

A história nossa é importante:

Como que nos diz quem somos.

 

 

Segredo

 

O segredo é puramente

Que é que nos torna felizes

E disto um copo valente

Beber diário nas matrizes.

 

 

Perdemo-nos

 

Nós perdemo-nos às vezes.

O truque é o de acreditarmos

Que vale a pena, corteses,

Nós a nós nos encontrarmos.

 

 

Intuito

 

Não basta não ter o intuito

De ir prejudicar alguém,

Mas inda o intuito gratuito:

- Não prejudicar ninguém.

 

 

Liberdade

 

A liberdade é escolher

Comprometer-me por fim

Com tudo o que sinto ser

Que é o melhor que houver em mim.

 

 

Enjeito

 

Se outrem enjeito, não mora

Na ideia preconcebida,

Verdade ou erro de agora

- E assim me enjeito à medida.

 

 

Labor

 

Que o labor seja perfeito,

Puro dele em cada peça,

Que depois da morte o efeito

É que ainda permaneça!

 

 

Equilíbrio

 

Nossa criança interior

Urge-nos ser resgatada

Para equilíbrio maior

Do adulto na caminhada.

 

 

Forçar

 

Não é preciso forçar

Nem apressar conjunturas,

Tudo a seu tempo há-de andar,

Se exacto e perfeito o apuras.

 

 

Grande

 

É grande quem de verdade

Se buscou sem mais na lida.

A vera grandiosidade

É sempre desconhecida.

 

 

Objectos

 

Os objectos servirão

Para a vida embelezar,

Portanto, jamais, então,

A deverão controlar.

 

 

Moeda

 

Moeda ponto de partida

Dum projecto a operar,

Princípio é, de seguida,

Que só dor irá causar.

 

 

Questão

 

A questão não é o dinheiro

Que vida além recebemos

Mas antes e bem primeiro

Que é que nós dele fazemos.

 

 

Espreitam

 

O maior dos inimigos

De nossa interior jornada

São da culpa os mil postigos

Que espreitam na madrugada.

 

 

Conforme

 

A cada, conforme as obras,

É a justiça que visamos

Sem haver perdas nem sobras,

Colhemos o que semeamos.

 

 

Final

 

Nem tudo é um final feliz

Mas tudo é um fim necessário

E justo para, aprendiz,

Evoluir o mundo vário.

 

 

Coluna

 

A coluna me suporta

Com sofrimento profundo?

Se é suporte que me importa,

Não é suporte do mundo.

 

 

Fujas

 

Não fujas, que não há cimos

Que a mim me escondam de mim.

Aquilo de que fugimos

Vai perseguir-nos sem fim.

 

 

Frente

 

Quem colocar o poder

À frente das emoções

Vai falhar tudo o que quer,

Tudo são desilusões.

 

 

Caminho

 

Entre os medos e o anseio

Há um caminho a percorrer:

Só recolho o que semeio

 

E só recebo se der.

 

 

Culpo

 

Se me culpo, então me ataco,

Me ataca o mundo também,

Que acompanha taco a taco

Bom e mau que de mim vem.

 

 

Reencontro

 

A morte, para ser vida,

Um gesto tem de ter terno:

Pois que a nossa despedida

Seja um reencontro eterno!

 

 

Compaixão

 

Ter compaixão verdadeira

É pelo cão que sofreu

Como, da mesma maneira,

Pelo homem que lhe bateu.

 

 

Boca

 

O que nos entrar na boca

Não é tanto o que nos mata,

É o que sai dela, da toca

Da ideia que ata e desata.

 

 

Medicina

 

A medicina tentando

Vai fazer tudo o que pode,

Mas falha outra parte quando

Do imo a parte ela sacode.

 

 

Anjo

 

O anjo é o que vislumbrei

Para além de meu confim,

O que busco, anseio e sei

Que espreita dentro de mim.

 

 

Sofres

 

Sofres muito quando actuas

Com teu imo confundido:

A evolução pelas ruas

Deterás nalgum sentido.

 

 

Abundância

 

Se permites a abundância,

Abunda-te cada dia,

Vencendo toda a distância,

Tal por arte de magia.

 

 

Teu

 

O Universo é todo teu,

Só terás de o permitir,

 Andar preparado: o céu

Vem ter contigo a seguir.

 

 

Raia

 

Raia da sexualidade,

A fronteira transporia,

Mais que em prazer, na verdade

Que é do Cosmos a magia.

 

 

Rodeia

 

Por tudo o que te rodeia

Agradece, justo ou não.

Entendas ou não, te ameia

Firme e certo em teu torrão.

 

 

Junto

 

Que venhas dar o melhor

Por quem tenhas junto a ti,

À vida grato, em penhor

Por tê-lo encontrado ali!

 

 

Impedimento

 

Em qualquer impedimento

Aceite com alegria

Ajuda, a favor do vento,

A crescer em cada dia.

 

 

Obstáculo

 

Um obstáculo requer

Que lhe prestes atenção,

Não que te afundes, ao ver

Que a vida te impõe um não.

 

 

Mudança

 

Uma mudança flexível

É uma chave requerida

A resolver a impossível

Situação não resolvida.

 

 

Perdoar

 

Se te perdoas a ti,

Terás a capacidade

De perdoar, desde aí,

Por inteiro à humanidade.

 

 

Suave

 

Sempre por ti principia.

Depois suave adiante

Devém da partilha a via,

Viver com o semelhante.

 

 

Servir

 

Se se tratar de servir,

Primeiro é de ter em mente

(Os mais, não, vêm a seguir):

- Sirvo-me correctamente?

 

 

Sementes

 

As sementes que semeias

Lado a lado nas estradas,

De que tens as leiras cheias,

São sementes adequadas?

 

 

Companheiro

 

Quando fazes de teu medo

Um companheiro de estrada,

Deixa de amedrontar cedo,

Seu poder desfeito em nada.

 

 

Atreveres

 

Se tu nunca te atreveres,

Não aguardes que outrem faça

O que, no fundo, não queres,

Nem os culpes da trapaça.

 

 

Humilde

 

Humilde no pedir

E sente alegria ao dar:

Vais sempre então caminhar,

É o êxito em teu porvir.

 

 

Aprendizagem

 

O caminho é aprendizagem,

Mérito a reconhecer,

Partilhando na viagem

Tudo quanto se aprender.

 

 

Paras

 

Se não paras tua mente,

De férias que importa ir?

Gastas dinheiro em torrente

Sem descansar a seguir.

 

 

Autómato

 

Dirige as pegadas tuas,

Autómato jamais sejas

À deriva pelas ruas

De antigas normas sobejas.

 

 

Escolhe

 

Escolhe, presta atenção

À fruta que pretenderes.

Cada momento, uma opção

Pela vida que quiseres.

 

 

Atenção

 

Põe os teus cinco sentidos,

A atenção no que fizeres

E os resultados vividos

Se alteram rumo ao que queres.

 

 

Entrega

 

 

Vive o instante com entrega,

Pois apenas o presente

Tens na vida que te adrega:

Vai no dorso dele assente.

 

 

Antes

 

Antes de falar, agir,

Entrega-te às mãos de Deus.

Farás então, a seguir,

O que bem querem os céus.

 

 

Presença

 

“Faça-se a Tua vontade”

- A presença em ti divina

Por esta porta te invade

E ao Infinito te inclina.

 

 

Segue

 

Segue teu guia interior

Que conduzirá teu passo

Peregrino em quanto o for

Rumo às estrelas do espaço.

 

 

Rumo

 

O que o anjo te recorda

É que sigas sempre o rumo,

Fiel sempre à tua corda

Até ao teu cume sumo.

 

 

Muda

 

Muda a rotina diária,

Pode ajudar-te a encontrar

A pessoa estranha e vária

Escondida em teu lugar.

 

 

Deserto

 

Se percorres o deserto

Sem beber e desatento,

Não chegas ao fim, decerto,

Longe fica teu intento.

 

 

Tesoiro

 

Do tesoiro que te é dado

Vê que farás que o merece.

Quando o aluno é preparado,

Então o mestre aparece.

 

 

Organiza

 

Organiza o teu espaço

Interior e exterior.

É um jogo que, a cada passo,

Te torna a vida melhor.

 

 

Mudança

 

Num caminho de mudança

Põe toda a tua energia,

Teu coração, quando o alcança,

Só assim muda em harmonia.

 

 

Escuta-te

 

Escuta-te todo o dia:

Se a falar contigo aprendes,

Com outrem melhoraria

Logo a fala que lhe rendes.

 

 

Perfeito

 

Não te olhes perfeito ou sábio

Nem creias, pois, que a razão

Que irado propõe teu lábio

Ande a sós num mundo vão.

 

 

Arautos

 

Busca arautos nas estrelas,

Mensagens do coração.

Se ecoa em ti uma delas,

É o momento, vai então.

 

 

Itinerário

 

Eu mais o outro, sempre em germe

O itinerário sem fim...

Para doutrem convencer-me

Primeiro é de ver-me a mim.

 

 

Gostas

 

O que gostas e não gostas

Tria com todo o teu carinho.

É a única das apostas:

Muda-te e muda o caminho.

 

 

Lugar

 

Cada coisa em seu lugar,

Sem rotina, obrigação.

De repente, eis-te a voar

Com asas no coração.

 

 

Chávena

 

Tudo aterrador é menos

Após sentar-me acolá

Bebendo em goles pequenos

Uma chávena de chá.

 

 

Sorte

 

É a sorte que valho

Que me traz o ganho?!

- Quanto mais trabalho

Mais eu sorte tenho.

 

 

Mais

 

Por mais que amemos alguém,

Não poderemos deixar,

Custe o que custe também,

De ser quem somos, a par.

 

 

Perdas

 

As perdas vão aumentando

A par com o meu bloqueio,

A ponto de o trilho em que ando

Algures perder-se a meio.

 

 

Eito

 

A dor que está no teu peito

Não há como fugir dela,

É sofrê-la inteira a eito,

Saltará pela janela.

 

 

Encontrar

 

Onde encontrar vou alguém

Que, em vez de homem ou mulher,

Busque encontrar, mais além,

Só a pessoa de quenquer?

 

 

Preferires

 

Se preferires morrer

A ser qualquer zé-ninguém,

Então nem vives sequer,

Morreste por ti além.

 

 

Lado

 

Mede dos lados o lado

Que não vês em lado algum.

É que o que só tem um lado

Não leva a lado nenhum.

 

 

Maneira

 

A maneira de ter tudo

É satisfeito, de entrada,

Permanecer, sobretudo,

Com ter nada ou quase nada.