SEXTILHAS
Literatura
Literatura é ilusão
Porque é sempre uma mentira:
Crê que os termos coisas são,
Que é o real que ali transpira.
Ora, ao termo, me encalacro:
É que tudo é um simulacro.
Celebre
Celebre cada conquista,
Por mais pequena que seja.
Sem ela, o sustento em vista
Emocional que se almeja
Acaba então por findar:
Não logramos continuar.
Êxito
Um êxito satisfaz,
Não me traz desapontado.
Mesmo um migalho o que apraz,
Se aos mais junto num punhado,
É que é fácil a mudança,
Por maior que a vida alcança.
Revés
Quando tiver um revés,
Porque é sempre tudo ou nada?
Lapsos há de lés a lés,
Fazem parte da jornada.
Como é tudo natural,
Porquê desistir por tal?
Sim
Em vez de dizeres “não”
Àquilo que não quiseres,
Diz “sim” à inversa versão,
À daquilo que tu queres.
Em lugar de envergonhado,
Irás sentir-te inspirado.
Heroísmo
O verdadeiro heroísmo
Não será o de ultrapassar
Outrem, custe o que custar,
Mas antes sem fundo o abismo
De outrem servir, em lugar,
Custe, sim, o que custar.
Lisonja
A lisonja é o inimigo,
Que muito mal resistimos
Ao bem que ouvirmos de nós.
Mais dum ladrão vale o abrigo
A nos derrubar dos cimos
Que um lisonjeador após.
Lentamente
Os destinos lentamente
Se formam e ninguém sabe,
De actos semeada a semente,
Quais os a que o fruto cabe
E com tempo formarão
Floresta a cobrir o chão.
Forte
É próprio dum homem forte,
Não a dúvida ignorar,
A hesitação, o desnorte,
Mas primeiro a ultrapassar
Este comum fundo humano
Ser sem perda e sem engano.
Trono
Quem atacamos sabemos
Do alto de nós ao olhar.
O bem, porém, que fizemos
Nunca, ao fundo, o saberemos:
Real foi nalgum lugar?
Para quem?... Selos supremos.
Demais
Quem ocupar o poder
Durante tempo demais
Finda idêntico a se ver
Ao que forem cargos tais,
A ponto de, se atacado,
Crer que ferem nele o Estado.
Culpado
A tentação do culpado
Que com ele mais aperta
É vir a ser revelado,
Já que a verdade liberta.
E, com isto no sentido,
Conseguir ser redimido.
Seguros
Perdem-se tantos sentidos
Só de iludirmos, seguros,
O que são os horizontes!
Surgem às vezes ruídos
Que acabam erguendo muros
Onde era de elevar pontes.
Solidão
É preciso solidão
Ao conversarmos connosco.
Sermos nós, só no serão
Da aventura onde me embosco.
E, de base, este instrumento
Leva ao desenvolvimento.
Todo
Deus anda por todo o lado
Para que nós o vejamos
Em todas as conjunturas.
Dispostos temos andado
A vê-Lo em todos os ramos
Como um só de mil figuras?
Mesmo
Paz e dor ao mesmo tempo?
Difícil de acreditar...
Mas é apenas ver a par
Que é de Deus tal contratempo,
A visar um qualquer fito
Que só se vê do Infinito.
Cores
As cores ténues ou vivas
Com que deparamos cá
São de navegar furtivas
Luzes do caminho que há
Para o destino a seguir
Que abre os portais do porvir.
Demais
Nascemos com tempo a mais
Para todo o sofrimento,
Porém com pouco demais
Para amor, contentamento
E, no cume da má sorte,
Sem como vencer a morte.
Jesus
O Jesus que nos importa
É o que anda aqui, clandestino,
A bater de porta em porta
Para mudar o destino.
E que crê na ousadia
De que há-de haver melhoria.
Dom
Um protesto contra tudo
Que torna a vida prisão,
De alegria é dom sortudo,
De esperança dos que são
Excluídos do portal
Da fé do trono oficial.
Bondade
Deus ama os seres humanos,
Não do que operem ou não,
Mas da bondade sem danos,
Infinita, que é seu dom,
Sendo seus mais preferidos
Os da história já perdidos.
Mostram
As leis e regulamentos
Litúrgicos das igrejas,
Sinagogas e mesquitas
Mostram os acolhimentos
Libertos e sem invejas
Do Deus que – crês – lá concitas?
Vale
Do ponto de vista humano
Só vale o que se fizer
A servir todos, sem dano,
Não a dominar quenquer.
Muito embora cada qual
Julgue ser mais que outro igual.
Acaso
Só o acaso é uma mensagem,
O previsível é mudo.
Fala o acaso e, na triagem,
É de procurar ler tudo:
É sempre um mundo de além
O que por ele nos vem.
Relógio
Protesto contra o relógio:
Louco avança ao desabrigo
(Aloje-o embora, aloje-o)
Quando junto estou contigo;
Se comigo não estás,
Parece parado assaz.
Assim
A vida agrada
Pelo que preserva:
Enquanto um nada,
Outro observa.
A vida é assim
Tanto fora como dentro de mim.
Chegadas
Umas às outras apenas
As pessoas são chegadas
Para poderem, nas cenas,
Serem por fim separadas.
No respeito à solidão
É que vão sendo o que são.
Nada
De repente descobriu
Que é um desesperado nada?
É pessoa por um fio
Na multidão derrotada.
Mas resta um fio, porém:
Pode-se ir por ele além...
Ódio
Só se pode alimentar
Ódio por um tempo curto.
Força ilusória ao nos dar,
É dum parasita o surto,
Que consome (e mais se é mudo)
Em nós, finalmente, tudo.
Diverso
Vivemos num mundo que acha
Que alguém um pouco diverso
Deve isolado na racha
Mais profunda do Universo
Ser, na mais negra floresta,
Em ilha que a ninguém presta.
Foge
Um homem não foge, não,
Vira-se para enfrentar
O inimigo dele então.
É o que faz para observar,
Para encontrar-lhe a fraqueza
E o vencer contra o que o lesa.
Ondas
As ondas atacam-se antes
De lograrem atacar.
Nunca deverás deixar
Que nos caiam trepidantes,
Em cima, mas sim usá-las.
Doutro modo a vida entalas.
Resposta
Quando nós somos pequenos,
A resposta é: “porque sim!”
Quando grandes, mais ou menos
O mesmo é-nos dito assim,
Em definitivo adeus:
“Foi a vontade de Deus!”
Intrusos
Mais ou menos sendo intrusos,
Nunca então ali concebem
Que é que aconteceu, no fundo:
Os velhos ficam confusos
E os mortos nunca percebem
Sua mudança de mundo.
Mentiras
Todos querem as mentiras
Que facilitem as vidas.
Imploram por elas e as canoras liras
Fortificam as pessoas iludidas.
O canto de sereia
Bate certo, volta e meia.
Rapazinho
Somos sempre o rapazinho
Brincando às conchas na praia
Frente a um oceano maninho
De verdades que se espraia
Diante dele, ali perto,
E aguarda ser descoberto.
Igreja
Uma igreja substantivo
É um engano, porque é verbo.
É reunir tudo o que é vivo
Contra quanto for acerbo.
Mutuamente edificar:
Igreja, não; é igrejar.
Ambos
Os homens como as mulheres
Ambos podem ser sensíveis
E fortes quanto quiseres,
Cobrindo todos os níveis.
Complementares são rostos,
Nunca dois rumos opostos.
Espelhos
Somos espelhos dos mais
E muito ao fim nos magoa
Ver que em espelhos que tais
Não somos boa pessoa,
Como perante quenquer
Nós adorávamos ser.
Esperança
Manter a esperança é bom
Para si mais tudo em volta,
Mesmo para quem o tom
É de preso com escolta,
Os olhos a revirar
Do ânimo que lhe quer dar.
Mais
Saber hoje sobre o mundo
Mais que o que eu ontem sabia,
Um auxílio mais profundo
Aos outros dar cada dia,
- É surpreendente e sem risco
Quão longe nos leva este isco!
Ver
Ver, só quando é ver deveras,
É que é sempre ver além,
Ficar por detrás das eras
De aparência que contém:
Há um mundo gratuito – é um facto –
Por detrás do mundo exacto.
Enganar
O mais fácil de enganar
É sempre o mais instruído:
A razão há-de-o cegar
Para o segredo envolvido
Na magia, ao fim rasteira,
Do cotio a que se abeira.
Momentos
Há momentos numa vida
Em que tudo dá uma volta
E tudo muda em seguida:
A encruzilhada revolta
É mais clara em quanto acolha
- E eis o momento da escolha.
Saudades
Sentimos saudades, por vezes,
Do que odiamos
Tanto como, corteses,
Do que amamos:
Na perda, o vazio
É do mesmo rio.
Mudam
Os homens mudam ao correr dos anos.
O poder vai e depois vem e muda
O imo de todos: desenlaça enganos.
Rodam estrelas, roda o tempo e gruda
A caravela ao vento os soltos panos.
Um porto firme?... Que ninguém se iluda!
Tornar
Quem um mundo dividido
Quer tornar num mundo são
Não basta ter no sentido
De paz a implementação:
De impor-se por sobre o ensejo
Tem de conter o desejo.
Enraíza
A amizade se enraíza
Numa química confiante.
E a razão de quanto a giza,
De nascer, manter adiante,
É um mistério abismal
Como um canto musical.
Juntos
Dois amigos brincam juntos.
Ora, a amizade acontece
Quando, havendo outros assuntos,
Mesmo se não apetece,
Gostam juntos de brincar.
Do mais... depois é o lugar.
Filantropo
Filantropo verdadeiro
Sempre é desinteressado:
Nada peço nem requeiro
Em troca do esforço dado.
A
paga de tal propor:
- Tudo é feito por amor.
Trepa
Desde o Eu à Humanidade
Trepa do imo o crescimento.
Depois é o mundo que invade
De ocupação todo o invento.
Um universal engodo
Há por derradeiro – o Todo.
Critiques
Não critiques, que isso fere.
Ninguém ama ser ferido.
Quem só crítica profere
Se isola, ao fim, sem sentido.
Corrige os outros no templo
Do que for o teu exemplo.
Escola
Venho à Terra vindo à escola
Para aprender a seguir
O que houver de evoluir:
Se me aplico, ergo a sacola,
Não há mais nenhum lameiro
Que me atole o pé ligeiro.
Evoluir
Evoluir para melhor
É a contínua ampliação
Da consciência da união
De cada no Todo-mor.
Conquista, não, do imortal
Mas do saber de ser tal.
Diversas
Precisamos de pessoas
Diversas em nossa vida,
Mesmo só para, sem loas,
Uma visita atendida
Apenas pela magia
De hoje estar um belo dia.
Ouvir
Amigo que aceite ouvir
É de quem nos achegamos,
Dele a roda ao preferir.
Com ele nos recriamos:
Abre-nos e nos expande
Por quaisquer mundos onde ande.
Silencioso
Aquele que silencioso
Connosco gosta de estar,
Que em nosso silêncio o gozo
Frui de nos apreciar
Uma chave tem à mão
De aquecer o coração.
Genuína
A amizade é genuína
Quando apenas dois amigos,
Sem palavra que malsina,
Se sentem, não em castigos,
Mas feliz cada qual antes
Por juntarem-se uns instantes.
Irmãos
Irmãos nos torna o destino:
Ninguém caminha sozinho.
Tudo aquilo com que atino
Para encher doutrem o ninho
Será prenda retribuída
A mim em igual medida.
Ausência
Ausência não é desgraça
Quando o reencontro nosso
Especial for esta graça:
“Quando puderes, eu posso,
Volta, teu quarto há-de estar
Pronto para te abraçar.”
Ficam
Há quem entre em nossa vida,
Parta cedo em vida a esmo.
Outros ficam sem medida,
Deixam pegadas na lida,
Do coração na batida,
Nunca mais somos o mesmo.
Sucesso
A fórmula do sucesso
Jamais muda de feição:
Trabalho árduo, paixão,
Perseverança. Ao começo,
A abrir-lhe a porta ao transporte,
Acaso um golpe de sorte.
Retrai
Todo o mundo se retrai
Quando a muda nos atinge:
É o ignoto que em nós cai
E o terror ninguém o finge.
A aventura pouco apraz,
Sempre alguém largou atrás.
História
Nossa história verdadeira
Não é verdadeira história.
A verdade não se abeira
Dos abismos da memória.
A minha verdade funda
É a que o coração me inunda.
Descalabro
Já não fico incomodado
Quando a vida é um descalabro.
Fico à espera, arrebitado:
“Que vem a seguir? Eu abro!”
O diferente me intriga,
Não assusta quem não briga.
Mudando
Quando nada andar mudando,
É que nada andará vivo.
O vivo move-se, quando
Mesmo é uma pedra que arquivo.
Ora, o que isto significa
É que a tudo é que se aplica.
Movimento
Toda a vida é movimento
E o movimento é mudança.
A muda, a todo o momento,
É uma inevitável dança.
Por mais que seja temida,
É a natureza da vida.
Agonia
A comunidade humana
Vive hoje nesta agonia
De renovar o que emana
Hora a hora, dia a dia.
E dum terror não escapa:
Tem de operá-lo sem mapa.
Rédea
Há modo de segurar
A rédea da carruagem
Descontrolada, ao trilhar
O rumo seu de viagem:
Nossa resposta à mudança
Ao mudar, a muda alcança.
Algo
O que me provoca o medo
Algo é que anda dentro em mim:
É o que creio e neste credo
Sou assim por ser assim.
Basta tal credo mudar
E outro sou, outro é o lugar.
Mostra
O
medo é mostra de amor:
Quem a si se não amara,
Que importa seja o que for
Que lhe ocorrera na algara?
Toda a demais emoção
É do amor derivação.
Idênticas
Quando as pessoas não pensam,
São idênticas então,
Conformes a quanto incensam,
Nada põem em questão.
Manter a cabeça fria
É que transpõe tal fasquia.
Produz
Que fazer da informação,
Não a informação em si,
É que produz reacção:
Há dois momentos ali.
E a informação incorrecta
Pode jogar-me à valeta.
Angular
A muda é a pedra angular
Da fala da Divindade
Eterna a me provocar
Na adequação que me invade.
E torna a casa deífica
Eternamente magnífica.
Porvir
Aquilo que foi mudado
Nunca poderás mudar
Porque pertence ao passado,
Só o porvir terá lugar.
No canto de vir a ser
Residirá teu poder.
Muda
Muda, muda a tua ideia
Acerca de que razão
A mudança que encandeia
Sempre ocorre em contramão:
- Nunca entendes a magia
Donde vem a melhoria!...
Ocorre
A mudança sempre ocorre,
Corra lá por onde corra,
Porque, no que quer que aforre,
Alguém requer que ela ocorra:
Não, não é a mente que o faz,
- À flébil alma é que apraz.
Momentos
São momentos anteriores
O que codifica a mente.
Do momento eterno os teores
Só o imo fundo os pressente.
E depois, em conclusão,
Só este é que tem razão.
Verdade
A verdade é subjectiva.
Não descoberta, é criada
Sempre em minha perspectiva.
Não é, portanto, observada,
É sempre, em toda a medida,
Por mim próprio produzida.
Controlo
Se a mudança do porvir
Já não tenho que temer,
Controlo então o que vir,
Livre para empreender,
Não, por temer, cauteloso,
Mas por ser mais desejoso.
Gerar
O que há-de vir no futuro
É a mudança que colocas
Ao cuidar do teu apuro,
Quando em freimas desembocas,
Em obras de hoje que, a par,
Amanhãs vão nortear.
Festa
A vida não é uma luta,
Nem destinada a ser teste,
Nem de fogo uma disputa,
Provação que o treino apreste.
É prenda para, agradável,
Ser festim interminável.
Sinfonia
O mundo é uma sinfonia
Por Deus de sempre orquestrada
E de cada a melodia
Só do próprio é tocada.
Melodia de conjunto,
Só se orquestrar tal assunto.
Quero
Que quero fazer da vida,
De meu mim-próprio sagrado,
Por ela em mil repartida,
Por mim nela em todo o lado?
- A minha vida vivida
É a decisão assumida.
Decisão
Se cuidas que não decides
Por nada haver decidido,
É um erro a que te convides.
Mal te precatas, vivido
É que a maior decisão
Foi a não tomada então.
Bem
Quando tudo o que acontece
Estiver bem para ti,
A harmonia que te aquece
Com o Universo em si
Só atrai mais harmonia
À vida que te confia.
Natais
Dos natais o mais feliz
É aquele em que consciência
Tomei de que, por um triz,
Quase o lar perdi, de ausência.
Ao ver quanto perderia
Tudo deveio magia.
Ditadura
Séculos de ditadura
Levam aqueles que pensam
A olhar em volta, à procura
Da ameaça, não da bênção.
É assim tal qual no país,
Qual na igreja que tal quis.
Atitude
A atitude negativa
Transfere tanta energia
Como o riso, a simpatia...
Repara, pois, no que arquiva:
Se um mundo queres melhor,
Em qual delas te irás pôr?
Ajuste
Um ajuste de atitude
Pode a vida divertida
Tornar, de tal em virtude.
E o inverso, a inversa ida.
Dou só meia volta ao perno:
Crio céu ou crio inferno.
Ajudar-nos
Podem outros ajudar-nos
A ser felizes mas não
Respondem por realizar-nos:
É só nosso este guião.
E por isto ser feliz
É só de nossa matriz.
Perda
A perda sempre assegura
Que a encararás, frente a frente,
A partir do que inaugura
Perspectiva diferente.
Um ângulo renovado
Muda tudo em todo o lado.
Brilhante
Um homem brilhante inspira
A maldita desconfiança
Do inferior que se imiscuíra.
A inveja é um cego que lança
As garras de mil escolhos
Para arrancar-nos os olhos.
Populacho
O populacho, por norma,
Vai atrás da propaganda.
A grande ruptura forma-a
A vanguarda que comanda
Por entre todos ser tida
Como mesmo esclarecida.
Conflito
A aceitação mais a luta
Não terão de ir em conflito:
Aceito o lar e a disputa
É do que nele concito.
No meu canto de vivência
É à medida a complacência.
Esquimós
Os esquimós para a neve
Tinham cinquenta e dois nomes,
Tal a importância que teve
A neve nas suas fomes.
Porque não ter outros tantos
Para o amor e seus encantos?
Retaliação
No fim da guerra civil
É difícil perdoar,
A retaliação viril
É a tentação mais vulgar.
É, contudo, sempre um erro
Punir o ferro com ferro.
Empola
Quando se empolam impostos,
Se empola a burocracia
E os governantes propostos
Menos sérios são por dia,
Disto a mistura cativa
Devirá logo explosiva.
Vitória
A vitória dedica aos ignorados
Mas que se recusaram a abater-se,
A quantos tropeçaram mas a erguer-se
Insistiram de novo, esperançados,
Àqueles que trabalham muito, muito,
E o mundo findam a domar fortuito.
Saudável
Sempre uma Humanidade saudável
Há-de ser de três pernas este banco:
Economia aberta, responsável
Governo mais civil vida onde abanco.
Ora, a terceira perna é que, apoiada,
Me diz que qualidade houver na estrada.
Lampejos
Os lampejos de progresso
Escoam-se facilmente.
Quando chover, no recesso
Recolhe as águas, premente:
Um golpe de ar é o bastante
Para nada ir adiante.
Transição
Em qualquer transição, o perigoso
Ocorre quando cuido estar à vista
A vitória: é o engodo mais doloso.
Importa ter cuidado que resista
A seduzir deixar-me pela imagem
Da vitória que ao fim é só miragem.
Dialogar
Dialogar com pessoas em directo,
Ouvi-las, confrontar pontos de vista
De forma respeitosa é o chão e o tecto
Por onde um mundo novo já se avista.
Poderão não mudar de opinião
Mas conversar fecunda o bom torrão.
Obstáculos
Por tragédias e muros constrangidos,
Os homens mais trabalham e melhor
Se deles confrontados e feridos.
Aprendem com os erros, vão propor
Tudo aquilo que evite repeti-los
E os desafios deixam-nos tranquilos.
Lidar
Não descansem sob os loiros,
Não desistam, não desistam!
Não parem de lidar toiros,
Seja a arena lá qual for
Em que as areias persistam,
Para o mundo ser melhor.
Heroísmo
O verdadeiro heroísmo
Não é nunca ultrapassar
Outrem custe o que custar,
Mas servir sem servilismo,
Custe o que custar também,
Outrem pela vida além.
Esperança
Quando a cultura nos fornece o desespero,
- “A tua dose diária de hoje toma e come” –
Porque a esperança não armar com todo o esmero
E à superfície novamente a ter da fome?
Partida a chávena inda dela a linfa escorre,
Vence a esperança como o amor que jamais morre.
Volta
As palavras podem dar
Esperança a toda a gente,
Rico e famoso tornar
Quenquer que as bem apresente.
Mas a ninguém, em seguida,
Vão trazer de volta à vida.
Ética
Não entramos neste mundo
Membros duma religião.
Ao invés, somos, no fundo,
De ética inato empurrão.
A ética, pois, prefere
À religião que se ingere.
Cara
Cara de nenhuns amigos,
Que cara mais infeliz
Da vida pelos débeis abrigos!
Pior, de raiz,
Se algum dia a vi,
Só a cara de ficar sem ti.
Pequenos
Que pequenos somos para o que queremos!
Sabê-lo dói tanto como não sabê-lo,
Vivê-lo dói tudo aquilo que doemos
E não viver mata sem haver cutelo.
Basta o teu sorriso para a tentativa...
Falho uma vez mais, mas que queres que viva?
Jovem
Desde que te conheço que sou jovem
E rejuvenescendo cada dia,
Os anos ao invés em mim se movem,
Corpo velho alma nova prenuncia.
Derrete a cera quando acendo a vela
Mas ilumina a vida a nova estrela.
Mudar
Quem quiser mudar o mundo
Nunca de tal tem poder,
É sempre outro que, infecundo,
O tem, então, de exercer.
Como se, por todo o lado,
Ninguém o queira mudado.
Também
Quando vais eu vou também,
Deixo de saber quem sou,
Se é que então serei alguém,
Nem sequer sei onde vou...
Irei contigo, porém,
Pois é o que sempre bastou.
Viável
Se for viável amar
Alguém com toda a paixão,
Mesmo que um só, singular,
A vida tem salvação.
Mesmo que eu não possa a tal
Reunir-me nunca, afinal.
Meninos
Nós, no amor, somos meninos,
Sentimo-nos coisa pouca
Da glória ante os desatinos
De quem amamos à louca.
Somos um recém-nascido
Cada dia a vir do olvido.
Sublime
O amor revela o sublime,
Oculto de quem é amado,
O excepcional que o encime,
O raro de que é dotado.
Facilmente então engana
No que por hábito emana.
Único
Único transformador,
Alquimista a mudar tudo
Em oiro há-de ser o amor,
Antídoto com que iludo
A morte, a vulgaridade,
Com que, ao fim, nem sinto a idade.
Sinaleiro
Um amor que é verdadeiro
É um desespero constante.
Questão é que é o sinaleiro
Da morte ao participante:
Não é um conselho, a medida
É morrer para ter vida.
Recíproco
Não é recíproco o amor,
Nem do imo de cada qual,
Não é metade, é um ror,
Um todo que tudo abale.
Jamais princípio, assim,
Nele o outro é sempre um fim.
Plena
Amar algo, amar alguém
É dar plena liberdade
Com o risco que contém,
Que a tentação o outro invade:
Se limita a plenitude,
A nós e outrem ilude.
Salvação
Amar outrem, salvação
Única, individual:
Ninguém vai perder-se em vão
Se de amor for um fanal,
Se o der de dentro da toca
E algum receber em troca.
Dupla
Sempre o amor poderá ser
A dupla felicidade:
A de entregar-se quenquer
Do imo na totalidade
E a da participação
Dum no outro ao pisar chão.
Ignoram
As canções como os poemas
Ignoram tanto do amor!
Não leio deles nos temas
Este serão, ao calor,
Contigo olhando as estrelas...
Dois palermas. E que belas!
Exigência
A
exigência mata o amor:
Querer sempre companhia,
Estar ao pé do calor,
Ternura que me asfixia...
Estar mais perto e mais perto
O amor esgota em deserto.
Rompe
O amor sempre rompe os laços
Colectivos duma raça,
Rompe com nacionais traços,
Hierarquias, quando enlaça...
- O progresso prefigura
De toda e qualquer cultura.
Bastante
Quando amamos, nosso amor
É tão grande que é bastante
De mão dada então nos pôr
Sentados por um instante,
Que em nós a charrua lavra
Sem ser preciso palavra.
Transitamos
Muitas vezes transitamos
Dum amor a uma ambição,
Porém nunca retornamos
Duma ambição a um amor.
Que é que aguardamos então
Dum mundo de tal teor?
Diferentes
Amor e desejo são
Realidades diferentes:
Nem tudo o que se ama, então,
É desejado, entrementes,
Nem tudo o que se deseja
Se amará, o que quer que seja.
Também
Um amor, para durar,
Tem de ser também confiança,
Todo estima ao partilhar
E ao visar tudo o que alcança.
Tem de haver a propriedade
Que tem qualquer amizade.
Quem
Quem é que me pode amar,
Quem é que sabe quem sou
No que não sou, singular,
Mas que é o lugar onde vou?
Quem sabe deste Infinito
Que ando a gritar no que grito?
Ajudinha
O amor não é uma ajudinha
Para a vida se viver,
O cacho a colher da vinha,
A fome e sede a conter.
A vida é rua tortuosa,
O amor é a lua que a goza.
Bobo
O excesso de amor
Só um bobo o provoca.
Só um bobo o valor
Tem
do que o convoca:
Só o amor que dobo
É que me faz bobo.
Inversa
Os actos que nos acuam
Quantas vezes são a inversa
Palavra
nunca inventada:
É o amor uma conversa
Em que as palavras actuam
Em vez de fala falada.
Máscara
À máscara arranca o amor
Sem a qual nós temeríamos
Não poder viver sequer
E atrás da qual o melhor
É que nós já nos sabíamos
Incapazes de o fazer.
Cada
Cada sentido
É o cadinho
Duma função.
Olho e ouvido
São o caminho
Do coração.
Tolhidos
Somos tolhidos de amar
Por exigir ser amados,
Em vez de genuínos dar
Sem os dinheiros contados.
Paga única seria
Adorar a companhia.
Amado
Ser amado é consumir-se
Na chama do amor fruído.
Amar, ao invés, luzir-se
É da luz dum sol nutrido.
Ser amado é, pois, passar,
Enquanto amar é durar.
Produtividade
O verdadeiro amor é
Uma produtividade
Interna a pôr tudo em pé
Com responsabilidade,
Solicitude, respeito,
E um sabor fundo no peito.
Temporárias
Separações temporárias
Têm sempre isto de bom:
Relevam das coisas várias
Da vida o ignaro tom,
Pois vistas todos os dias
Nem sequer te apercebias.
Irmãos
Nós somos todos gerados
Pela voz do Amor maior:
Não há filhos e enteados,
De irmãos é o nosso teor,
Pela Mão dum Universo
Que reúne todo o disperso.