SEXTILHAS

 

 

 

Literatura

 

Literatura é ilusão

Porque é sempre uma mentira:

Crê que os termos coisas são,

Que é o real que ali transpira.

Ora, ao termo, me encalacro:

É que tudo é um simulacro.

 

 

Celebre

 

Celebre cada conquista,

Por mais pequena que seja.

Sem ela, o sustento em vista

Emocional que se almeja

Acaba então por findar:

Não logramos continuar.

 

 

Êxito

 

Um êxito satisfaz,

Não me traz desapontado.

Mesmo um migalho o que apraz,

Se aos mais junto num punhado,

É que é fácil a mudança,

Por maior que a vida alcança.

 

 

Revés

 

Quando tiver um revés,

Porque é sempre tudo ou nada?

Lapsos há de lés a lés,

Fazem parte da jornada.

Como é tudo natural,

Porquê desistir por tal?

 

 

Sim

 

Em vez de dizeres “não”

Àquilo que não quiseres,

Diz “sim” à inversa versão,

À daquilo que tu queres.

Em lugar de envergonhado,

Irás sentir-te inspirado.

 

 

Heroísmo

 

O verdadeiro heroísmo

Não será o de ultrapassar

Outrem, custe o que custar,

Mas antes sem fundo o abismo

De outrem servir, em lugar,

Custe, sim, o que custar.

 

 

Lisonja

 

A lisonja é o inimigo,

Que muito mal resistimos

Ao bem que ouvirmos de nós.

Mais dum ladrão vale o abrigo

A nos derrubar dos cimos

Que um lisonjeador após.

 

 

Lentamente

 

Os destinos lentamente

Se formam e ninguém sabe,

De actos semeada a semente,

Quais os a que o fruto cabe

E com tempo formarão

Floresta a cobrir o chão.

 

 

Forte

 

É próprio dum homem forte,

Não a dúvida ignorar,

A hesitação, o desnorte,

Mas primeiro a ultrapassar

Este comum fundo humano

Ser sem perda e sem engano.

 

 

Trono

 

Quem atacamos sabemos

Do alto de nós ao olhar.

O bem, porém, que fizemos

Nunca, ao fundo, o saberemos:

Real foi nalgum lugar?

Para quem?... Selos supremos.

 

 

Demais

 

Quem ocupar o poder

Durante tempo demais

Finda idêntico a se ver

Ao que forem cargos tais,

A ponto de, se atacado,

Crer que ferem nele o Estado.

 

 

Culpado

 

A tentação do culpado

Que com ele mais aperta

É vir a ser revelado,

Já que a verdade liberta.

E, com isto no sentido,

Conseguir ser redimido.

 

 

Seguros

 

Perdem-se tantos sentidos

Só de iludirmos, seguros,

O que são os horizontes!

Surgem às vezes ruídos

Que acabam erguendo muros

Onde era de elevar pontes.

 

 

Solidão

 

É preciso solidão

Ao conversarmos connosco.

Sermos nós, só no serão

Da aventura onde me embosco.

E, de base, este instrumento

Leva ao desenvolvimento.

 

 

Todo

 

Deus anda por todo o lado

Para que nós o vejamos

Em todas as conjunturas.

Dispostos temos andado

A vê-Lo em todos os ramos

Como um só de mil figuras?

 

 

Mesmo

 

Paz e dor ao mesmo tempo?

Difícil de acreditar...

Mas é apenas ver a par

Que é de Deus tal contratempo,

A visar um qualquer fito

Que só se vê do Infinito.

 

 

Cores

 

As cores ténues ou vivas

Com que deparamos cá

São de navegar furtivas

Luzes do caminho que há

Para o destino a seguir

Que abre os portais do porvir.

 

 

Demais

 

Nascemos com tempo a mais

Para todo o sofrimento,

Porém com pouco demais

Para amor, contentamento

E, no cume da má sorte,

Sem como vencer a morte.

 

 

Jesus

 

O Jesus que nos importa

É o que anda aqui, clandestino,

A bater de porta em porta

Para mudar o destino.

E que crê na ousadia

De que há-de haver melhoria.

 

 

Dom

 

Um protesto contra tudo

Que torna a vida prisão,

De alegria é dom sortudo,

De esperança dos que são

Excluídos do portal

Da fé do trono oficial.

 

 

Bondade

 

Deus ama os seres humanos,

Não do que operem ou não,

Mas da bondade sem danos,

Infinita, que é seu dom,

Sendo seus mais preferidos

Os da história já perdidos.

 

 

Mostram

 

As leis e regulamentos

Litúrgicos das igrejas,

Sinagogas e mesquitas

Mostram os acolhimentos

Libertos e sem invejas

Do Deus que – crês – lá concitas?

 

 

Vale

 

Do ponto de vista humano

Só vale o que se fizer

A servir todos, sem dano,

Não a dominar quenquer.

Muito embora cada qual

Julgue ser mais que outro igual.

 

 

Acaso

 

Só o acaso é uma mensagem,

O previsível é mudo.

Fala o acaso e, na triagem,

É de procurar ler tudo:

É sempre um mundo de além

O que por ele nos vem.

 

 

Relógio

 

Protesto contra o relógio:

Louco avança ao desabrigo

(Aloje-o embora, aloje-o)

Quando junto estou contigo;

Se comigo não estás,

Parece parado assaz.

 

 

Assim

 

A vida agrada

Pelo que preserva:

Enquanto um nada,

Outro observa.

A vida é assim

Tanto fora como dentro de mim.

 

 

Chegadas

 

Umas às outras apenas

As pessoas são chegadas

Para poderem, nas cenas,

Serem por fim separadas.

No respeito à solidão

É que vão sendo o que são.

 

 

Nada

 

De repente descobriu

Que é um desesperado nada?

É pessoa por um fio

Na multidão derrotada.

Mas resta um fio, porém:

Pode-se ir por ele além...

 

 

Ódio

 

Só se pode alimentar

Ódio por um tempo curto.

Força ilusória ao nos dar,

É dum parasita o surto,

Que consome (e mais se é mudo)

Em nós, finalmente, tudo.

 

 

Diverso

 

Vivemos num mundo que acha

Que alguém um pouco diverso

Deve isolado na racha

Mais profunda do Universo

Ser, na mais negra floresta,

Em ilha que a ninguém presta.

 

 

Foge

 

Um homem não foge, não,

Vira-se para enfrentar

O inimigo dele então.

É o que faz para observar,

Para encontrar-lhe a fraqueza

E o vencer contra o que o lesa.

 

 

Ondas

 

As ondas atacam-se antes

De lograrem atacar.

Nunca deverás deixar

Que nos caiam trepidantes,

Em cima, mas sim usá-las.

Doutro modo a vida entalas.

 

 

Resposta

 

Quando nós somos pequenos,

A resposta é: “porque sim!”

Quando grandes, mais ou menos

O mesmo é-nos dito assim,

Em definitivo adeus:

“Foi a vontade de Deus!”

 

 

Intrusos

 

Mais ou menos sendo intrusos,

Nunca então ali concebem

Que é que aconteceu, no fundo:

Os velhos ficam confusos

E os mortos nunca percebem

Sua mudança de mundo.

 

 

Mentiras

 

Todos querem as mentiras

Que facilitem as vidas.

Imploram por elas e as canoras liras

Fortificam as pessoas iludidas.

O canto de sereia

Bate certo, volta e meia.

 

 

Rapazinho

 

Somos sempre o rapazinho

Brincando às conchas na praia

Frente a um oceano maninho

De verdades que se espraia

Diante dele, ali perto,

E aguarda ser descoberto.

 

 

Igreja

 

Uma igreja substantivo

É um engano, porque é verbo.

É reunir tudo o que é vivo

Contra quanto for acerbo.

Mutuamente edificar:

Igreja, não; é igrejar.

 

 

Ambos

 

Os homens como as mulheres

Ambos podem ser sensíveis

E fortes quanto quiseres,

Cobrindo todos os níveis.

Complementares são rostos,

Nunca dois rumos opostos.

 

 

Espelhos

 

Somos espelhos dos mais

E muito ao fim nos magoa

Ver que em espelhos que tais

Não somos boa pessoa,

Como perante quenquer

Nós adorávamos ser.

 

 

Esperança

 

Manter a esperança é bom

Para si mais tudo em volta,

Mesmo para quem o tom

É de preso com escolta,

Os olhos a revirar

Do ânimo que lhe quer dar.

 

 

Mais

 

Saber hoje sobre o mundo

Mais que o que eu ontem sabia,

Um auxílio mais profundo

Aos outros dar cada dia,

- É surpreendente e sem risco

Quão longe nos leva este isco!

 

 

Ver

 

Ver, só quando é ver deveras,

É que é sempre ver além,

Ficar por detrás das eras

De aparência que contém:

Há um mundo gratuito – é um facto –

Por detrás do mundo exacto.

 

 

Enganar

 

O mais fácil de enganar

É sempre o mais instruído:

A razão há-de-o cegar

Para o segredo envolvido

Na magia, ao fim rasteira,

Do cotio a que se abeira.

 

 

Momentos

 

Há momentos numa vida

Em que tudo dá uma volta

E tudo muda em seguida:

A encruzilhada revolta

É mais clara em quanto acolha

- E eis o momento da escolha.

 

 

Saudades

 

Sentimos saudades, por vezes,

Do que odiamos

Tanto como, corteses,

Do que amamos:

Na perda, o vazio

É do mesmo rio.

 

 

Mudam

 

Os homens mudam ao correr dos anos.

O poder vai e depois vem e muda

O imo de todos: desenlaça enganos.

Rodam estrelas, roda o tempo e gruda

A caravela ao vento os soltos panos.

Um porto firme?... Que ninguém se iluda!

 

 

Tornar

 

Quem um mundo dividido

Quer tornar num mundo são

Não basta ter no sentido

De paz a implementação:

De impor-se por sobre o ensejo

Tem de conter o desejo.

 

 

Enraíza

 

A amizade se enraíza

Numa química confiante.

E a razão de quanto a giza,

De nascer, manter adiante,

É um mistério abismal

Como um canto musical.

 

 

Juntos

 

Dois amigos brincam juntos.

Ora, a amizade acontece

Quando, havendo outros assuntos,

Mesmo se não apetece,

Gostam juntos de brincar.

Do mais... depois é o lugar.

 

 

Filantropo

 

Filantropo verdadeiro

Sempre é desinteressado:

Nada peço nem requeiro

Em troca do esforço dado.

A paga de tal propor:
- Tudo é feito por amor.

 

 

Trepa

 

Desde o Eu à Humanidade

Trepa do imo o crescimento.

Depois é o mundo que invade

De ocupação todo o invento.

Um universal engodo

Há por derradeiro – o Todo.

 

 

Critiques

 

Não critiques, que isso fere.

Ninguém ama ser ferido.

Quem só crítica profere

Se isola, ao fim, sem sentido.

Corrige os outros no templo

Do que for o teu exemplo.

 

 

Escola

 

 

Venho à Terra vindo à escola

Para aprender a seguir

O que houver de evoluir:

Se me aplico, ergo a sacola,

Não há mais nenhum lameiro

Que me atole o pé ligeiro.

 

 

Evoluir

 

Evoluir para melhor

É a contínua ampliação

Da consciência da união

De cada no Todo-mor.

Conquista, não, do imortal

Mas do saber de ser tal.

 

 

Diversas

 

Precisamos de pessoas

Diversas em nossa vida,

Mesmo só para, sem loas,

Uma visita atendida

Apenas pela magia

De hoje estar um belo dia.

 

 

Ouvir

 

Amigo que aceite ouvir

É de quem nos achegamos,

Dele a roda ao preferir.

Com ele nos recriamos:

Abre-nos e nos expande

Por quaisquer mundos onde ande.

 

 

Silencioso

 

Aquele que silencioso

Connosco gosta de estar,

Que em nosso silêncio o gozo

Frui de nos apreciar

Uma chave tem à mão

De aquecer o coração.

 

 

Genuína

 

A amizade é genuína

Quando apenas dois amigos,

Sem palavra que malsina,

Se sentem, não em castigos,

Mas feliz cada qual antes

Por juntarem-se uns instantes.

 

 

Irmãos

 

Irmãos nos torna o destino:

Ninguém caminha sozinho.

Tudo aquilo com que atino

Para encher doutrem o ninho

Será prenda retribuída

A mim em igual medida.

 

 

Ausência

 

Ausência não é desgraça

Quando o reencontro nosso

Especial for esta graça:

“Quando puderes, eu posso,

Volta, teu quarto há-de estar

Pronto para te abraçar.”

 

 

Ficam

 

Há quem entre em nossa vida,

Parta cedo em vida a esmo.

Outros ficam sem medida,

Deixam pegadas na lida,

Do coração na batida,

Nunca mais somos o mesmo.

 

 

Sucesso

 

A fórmula do sucesso

Jamais muda de feição:

Trabalho árduo, paixão,

Perseverança. Ao começo,

A abrir-lhe a porta ao transporte,

Acaso um golpe de sorte.

 

 

Retrai

 

Todo o mundo se retrai

Quando a muda nos atinge:

É o ignoto que em nós cai

E o terror ninguém o finge.

A aventura pouco apraz,

Sempre alguém largou atrás.

 

 

História

 

Nossa história verdadeira

Não é verdadeira história.

A verdade não se abeira

Dos abismos da memória.

A minha verdade funda

É a que o coração me inunda.

 

 

Descalabro

 

Já não fico incomodado

Quando a vida é um descalabro.

Fico à espera, arrebitado:

“Que vem a seguir? Eu abro!”

O diferente me intriga,

Não assusta quem não briga.

 

 

Mudando

 

Quando nada andar mudando,

É que nada andará vivo.

O vivo move-se, quando

Mesmo é uma pedra que arquivo.

Ora, o que isto significa

É que a tudo é que se aplica.

 

 

Movimento

 

Toda a vida é movimento

E o movimento é mudança.

A muda, a todo o momento,

É uma inevitável dança.

Por mais que seja temida,

É a natureza da vida.

 

 

Agonia

 

A comunidade humana

Vive hoje nesta agonia

De renovar o que emana

Hora a hora, dia a dia.

E dum terror não escapa:

Tem de operá-lo sem mapa.

 

 

Rédea

 

Há modo de segurar

A rédea da carruagem

Descontrolada, ao trilhar

O rumo seu de viagem:

Nossa resposta à mudança

Ao mudar, a muda alcança.

 

 

Algo

 

O que me provoca o medo

Algo é que anda dentro em mim:

É o que creio e neste credo

Sou assim por ser assim.

Basta tal credo mudar

E outro sou, outro é o lugar.

 

 

Mostra

 

O medo é mostra de amor:
Quem a si se não amara,

Que importa seja o que for

Que lhe ocorrera na algara?

Toda a demais emoção

É do amor derivação.

 

 

Idênticas

 

Quando as pessoas não pensam,

São idênticas então,

Conformes a quanto incensam,

Nada põem em questão.

Manter a cabeça fria

É que transpõe tal fasquia.

 

 

Produz

 

Que fazer da informação,

Não a informação em si,

É que produz reacção:

Há dois momentos ali.

E a informação incorrecta

Pode jogar-me à valeta.

 

 

Angular

 

A muda é a pedra angular

Da fala da Divindade

Eterna a me provocar

Na adequação que me invade.

E torna a casa deífica

Eternamente magnífica.

 

 

Porvir

 

Aquilo que foi mudado

Nunca poderás mudar

Porque pertence ao passado,

Só o porvir terá lugar.

No canto de vir a ser

Residirá teu poder.

 

 

Muda

 

Muda, muda a tua ideia

Acerca de que razão

A mudança que encandeia

Sempre ocorre em contramão:

- Nunca entendes a magia

Donde vem a melhoria!...

 

 

Ocorre

 

A mudança sempre ocorre,

Corra lá por onde corra,

Porque, no que quer que aforre,

Alguém requer que ela ocorra:

Não, não é a mente que o faz,

- À flébil alma é que apraz.

 

 

Momentos

 

São momentos anteriores

O que codifica a mente.

Do momento eterno os teores

Só o imo fundo os pressente.

E depois, em conclusão,

Só este é que tem razão.

 

 

Verdade

 

A verdade é subjectiva.

Não descoberta, é criada

Sempre em minha perspectiva.

Não é, portanto, observada,

É sempre, em toda a medida,

Por mim próprio produzida.

 

 

Controlo

 

Se a mudança do porvir

Já não tenho que temer,

Controlo então o que vir,

Livre para empreender,

Não, por temer, cauteloso,

Mas por ser mais desejoso.

 

 

Gerar

 

O que há-de vir no futuro

É a mudança que colocas

Ao cuidar do teu apuro,

Quando em freimas desembocas,

Em obras de hoje que, a par,

Amanhãs vão nortear.

 

 

Festa

 

A vida não é uma luta,

Nem destinada a ser teste,

Nem de fogo uma disputa,

Provação que o treino apreste.

É prenda para, agradável,

Ser festim interminável.

 

 

Sinfonia

 

O mundo é uma sinfonia

Por Deus de sempre orquestrada

E de cada a melodia

Só do próprio é tocada.

Melodia de conjunto,

Só se orquestrar tal assunto.

 

 

Quero

 

Que quero fazer da vida,

De meu mim-próprio sagrado,

Por ela em mil repartida,

Por mim nela em todo o lado?

- A minha vida vivida

É a decisão assumida.

 

 

Decisão

 

Se cuidas que não decides

Por nada haver decidido,

É um erro a que te convides.

Mal te precatas, vivido

É que a maior decisão

Foi a não tomada então.

 

 

Bem

 

Quando tudo o que acontece

Estiver bem para ti,

A harmonia que te aquece

Com o Universo em si

Só atrai mais harmonia

À vida que te confia.

 

 

Natais

 

Dos natais o mais feliz

É aquele em que consciência

Tomei de que, por um triz,

Quase o lar perdi, de ausência.

Ao ver quanto perderia

Tudo deveio magia.

 

 

Ditadura

 

Séculos de ditadura

Levam aqueles que pensam

A olhar em volta, à procura

Da ameaça, não da bênção.

É assim tal qual no país,

Qual na igreja que tal quis.

 

 

Atitude

 

A atitude negativa

Transfere tanta energia

Como o riso, a simpatia...

Repara, pois, no que arquiva:

Se um mundo queres melhor,

Em qual delas te irás pôr?

 

 

Ajuste

 

Um ajuste de atitude

Pode a vida divertida

Tornar, de tal em virtude.

E o inverso, a inversa ida.

Dou só meia volta ao perno:

Crio céu ou crio inferno.

 

 

Ajudar-nos

 

Podem outros ajudar-nos

A ser felizes mas não

Respondem por realizar-nos:

É só nosso este guião.

E por isto ser feliz

É só de nossa matriz.

 

 

Perda

 

A perda sempre assegura

Que a encararás, frente a frente,

A partir do que inaugura

Perspectiva diferente.

Um ângulo renovado

Muda tudo em todo o lado.

 

 

Brilhante

 

Um homem brilhante inspira

A maldita desconfiança

Do inferior que se imiscuíra.

A inveja é um cego que lança

As garras de mil escolhos

Para arrancar-nos os olhos.

 

 

Populacho

 

O populacho, por norma,

Vai atrás da propaganda.

A grande ruptura forma-a

A vanguarda que comanda

Por entre todos ser tida

Como mesmo esclarecida.

 

 

Conflito

 

A aceitação mais a luta

Não terão de ir em conflito:

Aceito o lar e a disputa

É do que nele concito.

No meu canto de vivência

É à medida a complacência.

 

 

Esquimós

 

Os esquimós para a neve

Tinham cinquenta e dois nomes,

Tal a importância que teve

A neve nas suas fomes.

Porque não ter outros tantos

Para o amor e seus encantos?

 

 

Retaliação

 

No fim da guerra civil

É difícil perdoar,

A retaliação viril

É a tentação mais vulgar.

É, contudo, sempre um erro

Punir o ferro com ferro.

 

 

Empola

 

Quando se empolam impostos,

Se empola a burocracia

E os governantes propostos

Menos sérios são por dia,

Disto a mistura cativa

Devirá logo explosiva.

 

 

Vitória

 

A vitória dedica aos ignorados

Mas que se recusaram a abater-se,

A quantos tropeçaram mas a erguer-se

Insistiram de novo, esperançados,

Àqueles que trabalham muito, muito,

E o mundo findam a domar fortuito.

 

 

Saudável

 

Sempre uma Humanidade saudável

Há-de ser de três pernas este banco:

Economia aberta, responsável

Governo mais civil vida onde abanco.

Ora, a terceira perna é que, apoiada,

Me diz que qualidade houver na estrada.

 

 

Lampejos

 

Os lampejos de progresso

Escoam-se facilmente.

Quando chover, no recesso

Recolhe as águas, premente:

Um golpe de ar é o bastante

Para nada ir adiante.

 

 

Transição

 

Em qualquer transição, o perigoso

Ocorre quando cuido estar à vista

A vitória: é o engodo mais doloso.

Importa ter cuidado que resista

A seduzir deixar-me pela imagem

Da vitória que ao fim é só miragem.

 

 

Dialogar

 

Dialogar com pessoas em directo,

Ouvi-las, confrontar pontos de vista

De forma respeitosa é o chão e o tecto

Por onde um mundo novo já se avista.

Poderão não mudar de opinião

Mas conversar fecunda o bom torrão.

 

 

Obstáculos

 

Por tragédias e muros constrangidos,

Os homens mais trabalham e melhor

Se deles confrontados e feridos.

Aprendem com os erros, vão propor

Tudo aquilo que evite repeti-los

E os desafios deixam-nos tranquilos.

 

 

Lidar

 

Não descansem sob os loiros,

Não desistam, não desistam!

Não parem de lidar toiros,

Seja a arena lá qual for

Em que as areias persistam,

Para o mundo ser melhor.

 

 

Heroísmo

 

O verdadeiro heroísmo

Não é nunca ultrapassar

Outrem custe o que custar,

Mas servir sem servilismo,

Custe o que custar também,

Outrem pela vida além.

 

 

Esperança

 

Quando a cultura nos fornece o desespero,

- “A tua dose diária de hoje toma e come” –

Porque a esperança não armar com todo o esmero

E à superfície novamente a ter da fome?

Partida a chávena inda dela a linfa escorre,

Vence a esperança como o amor que jamais morre.

 

Volta

 

As palavras podem dar

Esperança a toda a gente,

Rico e famoso tornar

Quenquer que as bem apresente.

Mas a ninguém, em seguida,

Vão trazer de volta à vida.

 

 

Ética

 

Não entramos neste mundo

Membros duma religião.

Ao invés, somos, no fundo,

De ética inato empurrão.

A ética, pois, prefere

À religião que se ingere.

 

 

Cara

 

Cara de nenhuns amigos,

Que cara mais infeliz

Da vida pelos débeis abrigos!

Pior, de raiz,

Se algum dia a vi,

Só a cara de ficar sem ti.

 

 

Pequenos

 

Que pequenos somos para o que queremos!

Sabê-lo dói tanto como não sabê-lo,

Vivê-lo dói tudo aquilo que doemos

E não viver mata sem haver cutelo.

Basta o teu sorriso para a tentativa...

Falho uma vez mais, mas que queres que viva?

 

 

Jovem

 

Desde que te conheço que sou jovem

E rejuvenescendo cada dia,

Os anos ao invés em mim se movem,

Corpo velho alma nova prenuncia.

Derrete a cera quando acendo a vela

Mas ilumina a vida a nova estrela.

 

 

Mudar

 

Quem quiser mudar o mundo

Nunca de tal tem poder,

É sempre outro que, infecundo,

O tem, então, de exercer.

Como se, por todo o lado,

Ninguém o queira mudado.

 

 

Também

 

Quando vais eu vou também,

Deixo de saber quem sou,

Se é que então serei alguém,

Nem sequer sei onde vou...

Irei contigo, porém,

Pois é o que sempre bastou.

 

 

Viável

 

Se for viável amar

Alguém com toda a paixão,

Mesmo que um só, singular,

A vida tem salvação.

Mesmo que eu não possa a tal

Reunir-me nunca, afinal.

 

 

Meninos

 

Nós, no amor, somos meninos,

Sentimo-nos coisa pouca

Da glória ante os desatinos

De quem amamos à louca.

Somos um recém-nascido

Cada dia a vir do olvido.

 

 

Sublime

 

O amor revela o sublime,

Oculto de quem é amado,

O excepcional que o encime,

O raro de que é dotado.

Facilmente então engana

No que por hábito emana.

 

 

Único

 

Único transformador,

Alquimista a mudar tudo

Em oiro há-de ser o amor,

Antídoto com que iludo

A morte, a vulgaridade,

Com que, ao fim, nem sinto a idade.

 

 

Sinaleiro

 

Um amor que é verdadeiro

É um desespero constante.

Questão é que é o sinaleiro

Da morte ao participante:

Não é um conselho, a medida

É morrer para ter vida.

 

 

Recíproco

 

Não é recíproco o amor,

Nem do imo de cada qual,

Não é metade, é um ror,

Um todo que tudo abale.

Jamais princípio, assim,

Nele o outro é sempre um fim.

 

 

Plena

 

Amar algo, amar alguém

É dar plena liberdade

Com o risco que contém,

Que a tentação o outro invade:

Se limita a plenitude,

A nós e outrem ilude.

 

 

Salvação

 

Amar outrem, salvação

Única, individual:

Ninguém vai perder-se em vão

Se de amor for um fanal,

Se o der de dentro da toca

E algum receber em troca.

 

 

Dupla

 

Sempre o amor poderá ser

A dupla felicidade:

A de entregar-se quenquer

Do imo na totalidade

E a da participação

Dum no outro ao pisar chão.

 

 

Ignoram

 

As canções como os poemas

Ignoram tanto do amor!

Não leio deles nos temas

Este serão, ao calor,

Contigo olhando as estrelas...

Dois palermas. E que belas!

 

 

Exigência

 

A exigência mata o amor:
Querer sempre companhia,

Estar ao pé do calor,

Ternura que me asfixia...

Estar mais perto e mais perto

O amor esgota em deserto.

 

 

Rompe

 

O amor sempre rompe os laços

Colectivos duma raça,

Rompe com nacionais traços,

Hierarquias, quando enlaça...

- O progresso prefigura

De toda e qualquer cultura.

 

 

Bastante

 

Quando amamos, nosso amor

É tão grande que é bastante

De mão dada então nos pôr

Sentados por um instante,

Que em nós a charrua lavra

Sem ser preciso palavra.

 

 

Transitamos

 

Muitas vezes transitamos

Dum amor a uma ambição,

Porém nunca retornamos

Duma ambição a um amor.

Que é que aguardamos então

Dum mundo de tal teor?

 

 

Diferentes

 

Amor e desejo são

Realidades diferentes:

Nem tudo o que se ama, então,

É desejado, entrementes,

Nem tudo o que se deseja

Se amará, o que quer que seja.

 

 

Também

 

Um amor, para durar,

Tem de ser também confiança,

Todo estima ao partilhar

E ao visar tudo o que alcança.

Tem de haver a propriedade

Que tem qualquer amizade.

 

 

Quem

 

Quem é que me pode amar,

Quem é que sabe quem sou

No que não sou, singular,

Mas que é o lugar onde vou?

Quem sabe deste Infinito

Que ando a gritar no que grito?

 

 

Ajudinha

 

O amor não é uma ajudinha

Para a vida se viver,

O cacho a colher da vinha,

A fome e sede a conter.

A vida é rua tortuosa,

O amor é a lua que a goza.

 

 

Bobo

 

O excesso de amor

Só um bobo o provoca.

Só um bobo o valor

Tem do que o convoca:
Só o amor que dobo

É que me faz bobo.

 

 

Inversa

 

Os actos que nos acuam

Quantas vezes são a inversa

Palavra nunca inventada:
É o amor uma conversa

Em que as palavras actuam

Em vez de fala falada.

 

 

Máscara

 

À máscara arranca o amor

Sem a qual nós temeríamos

Não poder viver sequer

E atrás da qual o melhor

É que nós já nos sabíamos

Incapazes de o fazer.

 

 

Cada

 

Cada sentido

É o cadinho

Duma função.

Olho e ouvido

São o caminho

Do coração.

 

 

Tolhidos

 

Somos tolhidos de amar

Por exigir ser amados,

Em vez de genuínos dar

Sem os dinheiros contados.

Paga única seria

Adorar a companhia.

 

 

Amado

 

Ser amado é consumir-se

Na chama do amor fruído.

Amar, ao invés, luzir-se

É da luz dum sol nutrido.

Ser amado é, pois, passar,

Enquanto amar é durar.

 

 

Produtividade

 

O verdadeiro amor é

Uma produtividade

Interna a pôr tudo em pé

Com responsabilidade,

Solicitude, respeito,

E um sabor fundo no peito.

 

 

Temporárias

 

Separações temporárias

Têm sempre isto de bom:

Relevam das coisas várias

Da vida o ignaro tom,

Pois vistas todos os dias

Nem sequer te apercebias.

 

 

Irmãos

 

Nós somos todos gerados

Pela voz do Amor maior:

Não há filhos e enteados,

De irmãos é o nosso teor,

Pela Mão dum Universo

Que reúne todo o disperso.