QUINTILHAS

 

 

 

Sucedida

 

Pessoa bem sucedida

Muda de trilho mental:

Disciplinada à partida

(Quer a rota garantida),

É flexível no final.

 

 

Auto-piedade

 

Qualquer auto-piedade

Nos aprisiona nos muros

De nossa interioridade.

Com a minha insanidade

O mundo fica em apuros.

 

 

Excluídos

 

Olhar o mundo a partir

Dos biliões de excluídos,

Com os olhos se fundir

É de Deus: anda a fremir

Indignado dos tolhidos.

 

 

Vítima

 

Uma vítima inocente

Que ao mal não responde a mal

Quebra dali para a frente

Da violência consistente

O inteiro ciclo infernal.

 

 

Ponte

 

Quem é que me faz a ponte

Para além de toda a idade?

Onde hei-de encontrar a fonte

Que, desde além do horizonte,

Corre para a eternidade?

 

 

Transmudar

 

Porque será que a instituição

Ou o preceito religioso

Gerado a ser libertação

Se transmudar vai em prisão

Sacralizada onde não gozo?

 

 

Adorador

 

Verdadeiro adorador

Em espírito e verdade

Adora em si o rigor

E a fundura do vigor:

É o templo que nos persuade.

 

 

Mesmo

 

Família-reprodução

É mais do mesmo constante.

Como fermentar então

Nela o diverso adiante

Que se impõe, queira-se ou não?

 

 

Utopia

 

A utopia pode ser

Um método de trabalho,

Que, nos milagres sem crer,

Ninguém pode pretender

Realista ser no que é falho.

 

 

Durável

 

Felicidade durável

Nenhuma pode erigida

Ser sobre uma indubitável

Infelicidade estável

Doutrem para toda a vida.

 

 

Verdade

 

Na verdade trivial

Qualquer oposto é impossível.

Na profunda, o especial

É que a oposta é, por igual,

Uma verdade credível.

 

 

Conhecer

 

Para conhecer alguém,

Só se formos passo a passo.

Pressa demais não convém,

Vamos colidir além

Ou naufragar no compasso.

 

 

Vítima

 

Quão mais a vítima julga que está

Em posição de controlo

Tanto mais corresponderá

Ao vero controlo que nem suspeitará

Que lhe mina o solo.

 

 

Pecado

 

O pecado velho, antigo,

De tão fundo enraizado,

Não garante abrigo

Ao perigo

De acabar ressuscitado.

 

 

Longe

 

Tão longe de casa eu ando

Em busca de meu confim

Que já nem meu lar demando.

Ele é que, sem meu comando,

Se lembra afinal de mim.

 

 

Pergunta

 

Sempre a pergunta da vida

É que é que irá fazer dela

E a resposta, de seguida,

Cria, na própria medida,

Ora o lodo, ora uma estrela.

 

 

Rumará

 

Toda a energia da vida

Rumará rumo ao amor:

O de si mesmo, à partida;

O dos demais, em seguida;

Do mundo, ao final pendor.

 

 

Observada

 

Realidade distorcida

É a verdade imaginada.

A realidade observada,

De pré-juízos mondada,

É a limpa meta da vida.

 

 

Bem

 

Tudo acaba sempre bem

Se tudo entregar a Deus:

Se a mudança que me advém

Ocorrer, como convém,

Sem me opor aos trilhos seus.

 

 

Ajudar

 

Pode o Espírito indicar

A direcção, mas comum

É só querer ajudar

Com subtileza a guiar

Para a escolha qualquer um.

 

 

Cântico

 

Se és do cântico que diz:

“Descansarei quando morto”,

Desengana-te: a matriz

Do Além marca-te a raiz,

- Lavra eterna ao mundo o horto.

 

 

Enfeite

 

Em árvore de Natal

Que é todo o imenso Universo,

Sou o enfeite especial

Na azul bola terrenal,

Lindo em si no lindo berço.

 

 

Mistura

 

Todos escolhas conscientes,

Optimistas, pessimistas,

Temos em todas as frentes.

É o que mistura, entrementes,

Do bem-estar nossas pistas.

 

 

Oração

 

A oração é sempre ouvida,

Porém, por razões fundadas,

Nem sempre ela é atendida:

- Sei lá bem em que medida

Faltam-me as prendas rogadas!

 

 

Manda

 

O espírito não comanda

Nunca a vida de ninguém.

Assiste, guia donde anda,

Mas sou eu quem ao fim manda,

Faço da vida o que tem.

 

 

Ódio

 

Se para sempre tens no coração

Ódio pelo que te hajam antes feito,

Eis como continuas em prisão.

Reconciliado, vais livrar teu peito,

Jamais algemarás de ódios teu chão.

 

 

Assunto

 

O que fazes do que é teu

É assunto entre ti e Deus.

E o que por todos se deu

Vale mais em terra e céu

Que o que esconderem teus véus.

 

 

Largou

 

Não gostava

Do mundo em que vivia,

Por isso largou a vida escrava:

- O sofrimento ultrapassava

A alegria.

 

 

Asneira

 

Da maturidade

A insuperável asneira:

O problema do mundo é a seriedade

Que aboliu a eternidade

Da brincadeira.

 

 

Ruína

 

A palavra que nos livra da ruína

Também finda a arruinar

Quem não se inclina

Nem destina

A realizar.

 

 

Lição

 

A lição

De trabalhar para ser feliz

Que as mãos do povo nos dão!...

Algum dia mandarão

No país?

 

 

Brincamos

 

Brincamos a todas as horas

Ao humor

Transformador

E eis como fintamos as demoras

Do amor.

 

 

Morte

 

A morte tem muito poder

Mas não o de eliminar um amor

Que a cada minuto vem a ser,

Por te não ter,

Maior.

 

 

Momento

 

Num momento, o coração

É para sempre apanhado.

E durante a vida, então,

Se a amada não fica à mão,

Fica o amor em todo o lado.

 

 

Quatro

 

É uma coisa o amor que tenho,

Outra, a relação gerada:

Somos dois aqui no empenho,

Mais dois, quatro, que é o que ganho

Da imagem de ambos sonhada.

 

 

Olhar

 

Um para o outro olhar,

Não é amar,

Não.

É juntos olhar

Na mesma direcção.

 

 

Prazer

 

O prazer do amor é amar

E sentir-me mais feliz

Por quanto gratificar,

Mais que pelo que inspirar

Ao outro, dele raiz.

 

 

Cortar

 

Bem podes cortar as flores

Todas duma vida inteira,

Que não podes, ao te impores,

Impedir com teus horrores

Quanto a Primavera cheira.

 

 

Minuto

 

A vida dura uma vida,

O amor, não. Mas só um minuto

Pode durar a medida

Da vida inteira vivida

E valê-la, enfim, no fruto.

 

 

Mais

 

Aquele a que não agrada

Ninguém é mais infeliz

Que aquele que sofre a espada

De não agradar por nada

A ninguém, desde a raiz.

 

 

Continuar

 

Jurar que iremos amar

Alguém uma vida em termos

É jurar que continuar

Vai uma vela a queimar

Toda a vida que vivermos.

 

 

Sublime

 

É o amor a poesia

Dos sentidos a actuar:

É sublime ou não o havia.

Quando houver é sem findar

E então cresce dia a dia.