QUADRAS  RITMADAS

 

 

 

Falhados

 

Vivemos na inevitável predestinação

De falhados.

Apenas poderemos escapar, então,

Por trilhos que interminamente sejam desbravados.

 

 

Correm

 

Os humanos correm para a morte

Tentando que a esperança não seja destroçada.

Os homens livres descobrem, desta sorte,

A liberdade da alvorada.

 

 

Esperança

 

A esperança estimula a vida

Com tão vital transporte

Que é bem superior dela a medida

Que a da sorte.

 

 

Crise

 

Não aguarde a crise adiante

Para descobrir, ferida,

A faceta importante

Da vida.

 

 

Fantasia

 

Se o amor é fantasia,

Encontro-me, afinal

Todo o dia

Em carnaval.

 

 

Lutar

 

Com maior, menor disputa,

É bom lutar pelo amor.

Conquistá-lo, porém, sem luta,

É melhor.

 

 

Certa

 

É quem ao meu lado estiver

Na hora incerta

Que há-de ser

A pessoa certa.

 

 

Génios

 

Se ajudarmos a crescer a criança

Como ela for, sem convénios,

Ao fim o que teremos na balança

Serão apenas génios.

 

 

Educa

 

Educa as crianças,

Que, ao educar,

Quando o porvir alcanças,

Já os homens não vais ter de castigar.

 

 

Biblioteca

 

De pé,

Em nenhuma biblioteca cabe:

O homem é

O que sabe.

 

 

Pronto

 

Se um homem não descobrir

Nada por que morrer,

Não está pronto, em frente ao ir,

Para viver.

 

 

Barricadas

 

Não atrás de barricadas,

Mundo de horrores,

A não ser daquelas enfeitadas

De flores.

 

 

Sólido

 

A natureza, talhada

Neste sólido chão,

Não faz nada

Em vão.

 

 

Viável

 

Mais viável é amar

Que ser amado.

Acolhe o amor, que ele não vai ficar

Sempre à espera, aí posto de lado.

 

 

Amizade

 

A amizade, o calor

Que a vida nos percorre,

É um amor

Que nunca morre.

 

 

Lutador

 

Lutador singular

Não é quem luta a esmo,

É quem sabe lutar

Consigo mesmo.

 

 

Artista

 

O grande artista não vê

O que uma coisa é,

Tem outra coisa em vista

...Ou então não é um artista.

 

 

Sucesso

 

O sucesso não é do acaso

Nem da compra dum porvir.

Antes é, a prazo,

De insistir.

 

 

Caminho

 

Caminho para a felicidade

Não existe, adivinho.

Em tudo o que me persuade

A felicidade é o caminho.

 

 

Persiste

 

O exigível

Fica muito além do que aliste:
Nada é impossível

A quem persiste.

 

 

Arrebol

 

Um dia de chuva, um dia de sol,

Mais que o outro nenhum mais belo...

Afinal, o arrebol

Depende sempre de meu íntimo apelo.

 

 

Coragem

 

Ao medo a resistência,

O domínio dele durante a viagem

E não dele a ausência,

É coragem.

 

 

Diagnóstico

 

No diagnóstico da doença,

Mais do que o que o teu tempo inventa

De exames e análises para a sentença,

Tempo é a melhor ferramenta.

 

 

Mau

 

O optimista sabe quanto

O mundo pode ser mau.

Vê o pessimista, num pranto,

Todo o dia disto o pau.

 

 

Excesso

 

O Ocidente

Requer tudo em excesso, senão

Não tem a impressão

De ter o suficiente.

 

 

História

 

A História cinde-a

Dos povos a liderança que os trabalha:

Atraídos a grandiosidades, vão à Índia;

Sem chefia, tudo se abandalha.

 

 

Liberdade

 

Toda e qualquer

Liberdade

Advém, afinal, de se não ter

Vaidade.

 

 

Humor

 

Humor

Com siso

É saber mudar a dor

Em riso.

 

 

Ironia

 

A ironia é bendita,

Colhida na vida a esmo,

Pois sempre a adoração desmistifica

De mim mesmo.

 

 

Omissão

 

A omissão

É sempre uma pista,

O sinal apagado no chão

De divórcio à vista.

 

 

Par

 

Os gostos andam a par

Dos próprios sinais:

As pessoas tendem a gostar

Delas próprias nos demais.

 

 

Tradição

 

Tradição

É, na essência,

A ilusão

Da permanência.

 

 

Sempre

 

Todos gostaríamos de abonos

Para sempre na jornada

Mas para sempre não somos donos

De nada.

 

 

Decepção

 

Da decepção o estigma

Mata a inocência.

Decepção é paradigma

De decadência.

 

 

Escreve

 

Quem lê, muita vez nem vê

Que há lá reveses.

Quem escreve do que lê

Lê duas vezes.

 

 

Plenos

 

Na educação e no amor, os sinais

Mais plenos

São que, muitas vezes, menos é mais

E mais é menos.

 

 

Promessa

 

Amor é a promessa

Manter,

Aconteça

O que acontecer.

 

 

Dor

 

O problema de qualquer

Dor vivida,

É que exige ser

Sentida.

 

 

Preocupação

 

A preocupação, em esqueleto sumário,

Seja qual for a que ocorrer,

É sempre um efeito secundário

De estarmos a morrer.

 

 

Impulso

 

Por maior que seja o impulso que nos acometa,

Por mais alto que chegue,

Jamais no baloiço da vida consegue

Dar a volta completa.

 

 

Conforto

 

Quando ando em demanda de porto

Interminável para diante,

O conforto fácil é um conforto

Que não é reconfortante.

 

 

Nada

 

A palavra não é nada,

Por muito que aos céus brade,

Quando comparada

À realidade.

 

 

Perto

 

Da vida perdidos no deserto,

Duvidosos arquejamos.

Ora, o céu está muito mais perto

Do que julgamos.

 

 

Transcendência

 

A transcendência

Do mundo

É apenas o íntimo mais profundo

Da imanência.

 

 

Eterno

 

Porque é interno,

De ti diante,

Podes estar no eterno

A todo o instante.

 

 

Clandestino

 

Deus é aquele clandestino

Que tem a ousadia

De viver no coração menino

De todos os que precisam de companhia.

 

 

Excluída

 

Na integral comunhão

Da humanidade finalmente atingida

Apenas a exclusão

Seria excluída.

 

 

Império

 

O mistério

De qualquer império cristão

É que não é império,

É traição.

 

 

Labéus

 

O mistério de Deus

Só o vislumbro no fundo

Dos labéus

Da dor do mundo.

 

 

Incluídos

 

Quando todos incluídos

Os homens de vida estuem,

Só restarão excluídos

Os que excluem.

 

 

Disponível

 

O mundo não é sagrado,

É disponível, na teia de mil planetários planos,

Para ser habitado

Por todos os humanos.

 

 

Fora

 

Fora da coincidência

Entre a igualdade e a diferença

De todos, na essência,

Não há salvação que convença.

 

 

Crucial

 

Jesus Cristo é um crucial

Modelo de universal salvação:

- Na maior pobreza material,

A maior riqueza de coração.

 

 

Pergunta

 

A pergunta que tudo fermente:

- Que tipo de futuro

É o que inauguro

No presente?

 

 

Ganho

 

O mais estranho

É que é o futuro

Que me vem fermentando todo o ganho

Que hoje apuro.

 

 

Conservador

 

O conservador religioso,

De qualquer fé perante o desafio

É o mero guarda ruidoso

Dum túmulo vazio.

 

 

Tradicional

 

Uma cultura tradicional,

Entre todos os possíveis sentidos,

Reduz tudo, no final,

A modelos já conhecidos.

 

 

Livra-me

 

Deus, se tens algum sentido

No infinito dos céus,

Livra-me de qualquer dogma fechado definido,

Livra-me de deus.

 

 

Utopia

 

A utopia, na evidência

Que tanto em nós grita,

É uma paciência

Infinita.

 

 

Caixão

 

No caixão,

Cemitério além,

Ossos apenas há, podridão,

Mais nada. Nem ninguém.

 

 

Bases

 

Para que é que tenho mãos

Capazes

Senão para lançar as bases

Dum mundo de irmãos?

 

 

Heróis

 

Os heróis particulares

Têm universalidade:

Alguns gestos singulares

Atingem os confins da realidade.

 

 

Faz

 

Faz aos outros agora e aqui

Aquilo que todos os dias

Gostarias

Que te fizessem a ti.

 

 

Sem

 

Sem conhecimento não há amor

E, sem amor, o conhecimento,

Seja ele qual for,

Afasta o outro para longe nas asas do vento.

 

 

Estepes

 

Nas estepes da vida para ajudar

As multidões a continuar rumo às estrelas

É urgente parar

E socorrê-las.

 

 

Resume

 

Seja qual for o queixume,

Eis a lição:

A vida inteira se resume

A nunca abrir mão.

 

 

Cura

 

Qualquer cura

É o silêncio que a concita:

Deus murmura,

O Diabo grita.

 

 

Pouco

 

Há pouco quem pense, muito pouco.

A maioria imensa

É apenas um mundo louco:

- Pensa que pensa.

 

 

Truque

 

O que deveras te eduque

É apenas saber

Que a vida é um truque

E só tens uma hipótese de o aprender.

 

 

Novo

 

Para uma coisa nova

Sair do ovo

É preciso ganhar a prova

Dum pensamento novo.

 

 

Morrer

 

É preciso uma vida inteira

Para aprender a morrer

Ou então nem sequer,

Não há maneira.

 

 

Silenciosos

 

Invocamos deuses silenciosos

Por uma razão:

Ante os vazios tenebrosos,

É melhor que a escuridão.

 

 

Acontecer

 

Nem mãos alevantadas nem votos,

Antes democracia real a acontecer:

Todos, conhecidos ou ignotos,

Teriam então muitas coisas a dizer.

 

 

Globo

 

O mundo é o globo da vida,

Quanto mais navega, menos se atrasa,

Que mais perto fica, em seguida,

De casa.

 

 

Perfeito

 

O mundo perfeito, qualquer que seja a imagem,

Não existirá nunca: desquite-o!

O mundo perfeito é uma viagem,

Não um sítio.

 

 

Metáfora

 

A metáfora é a mentira

Que me agrade

E me sugira

A verdade.

 

 

Errados

 

Para o tédio

De enfatuados

Não há melhor remédio

Que descobrir que estamos errados.

 

 

Inteligentes

 

Deus criou-nos inteligentes o bastante

Para, seja o que for que lhe aliste,

Descobrir, logo adiante,

Que isso não existe.

 

 

Repetição

 

A repetição, de segurar é um laço

Que agito:

A repetição cria espaço

Para o Infinito.

 

 

Aprender

 

Aprender é fascínio e é lamento
E quantas vezes condena!

O resultado final é que faz o tormento

Valer a pena.

 

 

Fugir

 

Não sei de que andas a fugir

Mas fugir duma coisa qualquer

Não a faz, a seguir,

Desaparecer.

 

 

Venda

 

Haver algo que eu não entenda

Não quer dizer

Que não haja nada por trás da venda

Para entender.

 

 

Significado

 

O significado não é uma veleidade

Qualquer,

É mas é muito mais que nossa capacidade

De o entender.

 

 

Porto

 

 

O porto é sempre a primeira instância

Da vida na triagem.

Ora, o porto tem pouca importância,

O que importa é a viagem.

 

 

Devagar

 

Aprende a viver devagar. É um abrigo

De tal sorte

Que nem haverá perigo

Na morte.

 

 

Única

 

A única constância

De qualquer alma humana

É a inconstância

Que dela é soberana.

 

 

Subestimado

 

Não há liberdade, presente

De qualquer maltratado,

Como a de ser constantemente

Subestimado.

 

 

Única

 

Tornou-se-te única aquela

De quem se puder dizer:

Preferes ser infeliz sem ela

Que feliz com outra qualquer.

 

 

Natureza

 

A natureza nunca nos engana, no maranho do retrós

Dela, em nenhum dos ramos.

Nós próprios é que a nós

Nos enganamos.

 

 

Diferentes

 

Homens oriundos de mundos diferentes

Podem combinar e unificar tais mundos,

Podem pegar no requinte de todas as vertentes

E formar um novo todo em que todos são fecundos.

 

 

Sede

 

Da sede ficarei sempre ao abrigo

Quando para a frescura, ao fim, desperto,

Para o meu melhor amigo,

Minha fonte no deserto.

 

 

Argamassa

 

Perdida a calma,

Descontrola-nos o amargor, em seguida.

Então, aí, a amizade, argamassa de alma,

Adoça-nos a vida.

 

 

Abrigo

 

Um abrigo

Sem idade:

A felicidade

É a mão do meu amigo.

 

 

Acontecem

 

Os amigos, mais que feitos,

Acontecem.

E, quando entre si prestam preitos,

É só que se reconhecem.

 

 

Solução

 

Qualquer problema tem solução.

Implica, porém, um dilema:

Daquela a implementação

Levanta sempre outro problema.

 

 

Inferno

 

O mundo é um inferno.

Homens e mulheres são as almas torturadas

E são o demónio interno

Que as tortura em todas as jornadas.

 

 

Inteligente

 

Ninguém inteligente

Aceita seja o que for

Só porque uma autoridade o assente:

Confirma por ti o acerto do que te queiram impor.

 

 

Grito

 

O amor promete o infinito

E cumpre tão pouco

Que por ele grito, grito, grito

Até ficar rouco. Até ficar louco!

 

 

Imortalidade

 

A imortalidade não se conquista

Nem se lê nos tomos.

Basta apurar a vista:

É o que somos.

 

 

Sem-abrigo

 

Ao sem-abrigo

Sem tecto nem casta

Basta um amigo.

...E um amigo basta!

 

 

Apregoado

 

Por ele próprio, o sucesso

Já põe de lado.

De que serve então tal excesso

Se não puder ao menos ser apregoado?

 

 

Dança

 

A mais trágica mudança

Que me advém

O que sempre traz na dança

É o meu próprio bem.

 

 

Não

 

A mente preserva o momento

De cada dia.

A mente tem conhecimento,

Não tem sabedoria.

 

 

Diferente

 

Dado que é quem cria a verdade que lê,

Toda a gente

Uma verdade diferente.

 

 

Prefiro

 

Prefiro o irresponsável

Se nele a verdade descerro,

Ao responsável,

Se no erro.

 

 

Derrotado

 

Ao derrotado convence-o

O amargo sabor:

- A derrota em silêncio

Aguenta-la melhor.

 

 

Sopro

 

Quando

Reparares de verdade,

Verás que a beleza é um sopro brando

Contra as ventanias da realidade.

 

 

Artista

 

O artista vive no futuro

Avidamente

Ou no passado, num apuro,

Nunca no presente.

 

 

Passagem

 

Desde que nasce, nosso corpo, apenas ágil

Para a viagem,

Torna cada um numa frágil

Viatura de passagem.

 

 

Sempre

 

Por melhor que seja o juízo

Como o aviso que houver,

Porque é que é sempre preciso

Escolher?

 

 

Umbilical

 

A escolha é o nosso mistério,

O cordão umbilical

Sidéreo

Para o bem ou para o mal.

 

 

Grandeza

 

O sinal dos sinais

De grandeza sem igual

É tornar uma equipa de rivais

Numa equipa sem rival.

 

 

Conjunto

 

Queres liderar,

Qualquer que seja o assunto?

É inadiável dominar

Uma visão de conjunto.

 

 

Ombros

 

Todos carregamos aos ombros, nas tranças

Dum leque de líderes fecundo,

As esperanças

Do mundo.

 

 

Plano

 

O plano reduz a surpresa.

Quem falha em planear,

A surpresa o lesa:

Planeia falhar.

 

 

Conversar

 

A maneira de pôr fim

A uma guerra: é começar,

Enfim,

A conversar.

 

 

Perda

 

A perda é refém

De quem a acalenta:
- Perda de vez, só de quem

Não tenta.

 

 

Rebelde

 

Um líder rebelde, para saber

Guerrear,

Não tem ocasião, em regra, de aprender

A governar.

 

 

Sarfar

 

Duma tragédia da vida as mondas

Anularam-te o lugar?

Se não podes vencer as ondas,

Aprende a sarfar.

 

 

Sobra

 

A grandeza da obra

Ante a insignificância duma vida!

Como o homem sobra

Para além da própria medida.

 

 

Música

 

Amei e fui amado, está cheio o cesto

Da minha jornada pelo mundo.

O resto

É música de fundo.

 

 

Resistir-te

 

Resistir-te sempre, amor, poderão,

Mas hás-de acabar,

Ferido e chão,

Por triunfar.

 

 

Subconsciente

 

O subconsciente não é sepultura

Mas cisterna:

Daquela o morto não se cura,

Nesta as águas transvasam da poterna.

 

 

Cepticismo

 

O cepticismo é um bom cão de guarda

Desde que acertemos, na sequela,

Com o momento que se aguarda

Para lhe soltar a trela.

 

 

Maior

 

Quando há uma ocasião

Porque não aproveitar o ensejo?

A nossa imaginação

É sempre maior que o que vejo.

 

 

Incondicional

 

Amor sem reserva, incondicional brasa,

Conta mais, na decisiva hora,

Que uma casa

Acolhedora.

 

 

Arriscar

 

Como arriscar o presente

Pelo que, apuro,

É o inexistente

Futuro?

 

 

Entende

 

Respeito quem não entende o amor

Nem dele fala,

Não entendo é quem não ama, em nenhum pendor

Nem escala.

 

 

Parque

 

A mãe leva ao parque o miúdo

E descansa.

Então, sobretudo,

É outra vez criança.

 

 

Viver

 

Viver é proteger a vida

Do que não pára em nenhum lugar

Para, em seguida,

Nunca parar.

 

 

Impossível

 

Amo-te como é impossível este grito

Dizê-lo.

Está dito...

- Como é belo!

 

 

Abraço

 

Só quem não sabe

Onde um abraço sem medida

Acabe onde nunca acabe

Pode não gostar de tal vida.

 

 

Janela

 

Amo-te porque és bela,

Porque em teus olhos fito

A janela

Do Infinito.

 

 

Ultrapassar

 

Ultrapassar o limite,

Estranhamente,

É o único palpite

Para não acabar insuficiente.

 

 

Acúmulo

 

A felicidade

É a significativa constante

Dum acúmulo do que, na realidade,

É insignificante.

 

 

Tudo

 

Tudo o que ficou por viver das melodias,

Tudo o que ficou de viver refrão e codas,

Em ti há todos os dias

E com as moradas todas.

 

 

Saiba

 

O pior

É constatar

Que há quem saiba tudo sobre o amor

Menos amar.

 

 

Nunca

 

Quem nunca chorou

Nunca morreu

Mas também, perdido o voo,

Nunca viveu.

 

 

Mata

 

Só não te mato porque preciso de ti,

Só porque de ti preciso te mato

- Do ser em si

Eis o desavindo desacato.

 

 

Desprezou

 

Quem nunca desprezou a dor

Nunca foi também,

Seja lá ele quem for,

Amado por alguém.

 

 

Triz

 

Quem sempre teve medo de chorar

Nunca foi feliz,

Perdeu sempre o lugar

Por um triz.

 

 

Importante

 

O mais importante que há para dizer

É o que por dizer ficou.

Jamais há-de acontecer

Mas é por isso mesmo que aqui vou.

 

 

Dogma

 

Todo o dogma é um pecado

Contra Deus:

Crê ter nele aprisionado

Os céus!

 

 

Ignoro

 

Não me respondes

De nenhuma parte.

Se ignoro a ferida que me escondes,

Como poderei salvar-te?

 

 

Trás

 

Encontrar a parte de trás

Por dentro das coisas

É o que o poema refaz

Em todas as loisas.

 

 

Simples

 

Qualquer arte é simples, na peugada

Que trilhar:

Ou serve para amar

Ou não serve para nada.

 

 

Livros

 

Os livros são um pontão

Numa voz:

Os livros não se lêem, não,

Lêem-nos a nós.

 

 

Demais

 

O homem sabe demais,

Tem poderes plenos

Para encontrar letais

Maneiras de se entregar menos.

 

 

Até

 

Divertires-te até à loucura,

Contemplando até à derradeira profundidade,

Eis a cura.

E a tua prova de sanidade.

 

 

Muro

 

Que nunca uma palavra

Fique por trás do muro,

Fora da lavra

Pelo seguro!

 

 

Mortal

 

Que nunca pelo Bem opere o Mal,

Que então

Não há perdão:

- É o derradeiro pecado mortal.

 

 

Inexistência

 

Muito me atrai

A inexistência de certezas!

É donde eternamente à rua sai

A beleza das belezas.

 

 

Corte

 

É no corte denso

Que supura

E não no penso,

Que qualquer arte cura.

 

 

Meias

 

As meias palavras

Quem as inventou

Largou a meio as lavras,

A meio de si ficou.

 

 

Retirar

 

De tudo

Qualquer pessoa

Pode retirar o conteúdo

De qualquer coisa boa.

 

 

Custa

 

Custa

O tempo a passar depressa demais:

É mesmo à justa

E já ultrapassámos os sinais...

 

 

Cheio

 

Um comboio cheio de gente:

A vida a passar

À minha frente...

- A vida a passear!

 

 

Pensar

 

Pensar no sentido da vida

Pode impedir de fazer

O que mais sentido, em justa medida,

Lhe der.

 

 

Falha

 

Preciso,

O poema não é quando calha:

O poema, liso,

É a falha.

 

 

Encaixa

 

Há dias em que o mundo não encaixa nos humanos

Nem os humanos no mundo,

Só danos

A afogar-nos no fundo.

 

 

Feliz

 

Ser feliz mal tem um vestígio,

É um tom

Que a ninguém dá prestígio.

Mas que bom!

 

 

Meia

 

Felicidade meia

É conhecermos os limites.

Outra meia, ao ficar cheia,

É que os desrespeitámos em todos os desquites.

 

 

Tão

 

Tudo o que faz feliz é tão precário,

Tão exíguo!

Por isso é que, quão mais sumário,

Mais o como, o bebo e digo-o.

 

 

Alicerce

 

O arroubamento

É o único alicerce seguro.

Nele germinam, a todo o momento,

Todas as certezas que inauguro.

 

 

Lucidez

 

Atinge a consciência

Uma lucidez qualquer,

Raramente a evidência

Do prazer.

 

 

Alegria

 

Singular,

A poesia

É a alegria

A procurar.

 

 

Possibilidades

 

Há quem tenha nele

Todas as possibilidades que vise

E há quem as tenha na pele

Porque as concretize.

 

 

Fendas

 

As fendas na vida,

Quase deus, quase diabo...

E a escolha preferida

De levar a vida a cabo.

 

 

Quase

 

A gente

Quase diz.

Então, de repente,

A gente é quase feliz.

 

 

Mudou

 

A verdade é sempre quase,

Portanto quase mentira.

Quem crê que mudou de fase

Delira.

 

 

Medimos

 

Os reis não os medimos pelo que treinam

Com a coroa,

Mas pelo que reinam

No interior de qualquer outra pessoa.

 

 

Objectivos

 

Será que ninguém vai aderir?

- Um dos grandes objectivos de viver

É fazer

Outrem sorrir!

 

 

Felizes

 

Para já,

Pessoas felizes a mais

É o que não há.

- Então porque esperais?