DA IRONIA AO BOM-HUMOR
Lavras
Do mundo as pequenas lavras
De que andam, afinal, cheias?
- É um dilúvio de palavras
Num deserto, ao fim, de ideias.
Guardar
O trabalho é uma invenção,
A melhor que se nos pinte.
Devo algum guardar então
Já para o dia seguinte.
Caraças
Passado o carnaval
É que passas
A ver que todos agora põem, afinal,
As caraças.
Sério
A sério levas as metas
Quando públicas as tornas.
Privadas, são mais secretas
Fantasias para sornas.
Confiar
Ninguém é de confiar,
Por mais que seja importante,
Se a televisão ganhar
Dele dos livros à estante.
Beijos
Há beijos bem mais sinceros
De aeroporto em adeus
Do que em casamentos meros
Em que os beijos nem são teus.
Fortuita
Fortuita infidelidade
Jamais impediu ninguém
(Ao contrário, na verdade)
De pensar naquele a quem
Infiel se foi no momento.
É mesmo este pensamento
Acaso o mais abundante
A se revelar constante.
Salvar
Principiamos com vontade
De ir mudar, salvar o mundo,
E acabamos na vaidade
De chefe ser um segundo.
Treinado
Em público, dum soldado,
“Quer paz,” – digo – “odeia a guerra”.
Em particular, treinado
É a disparar, senão erra.
Folheá-lo
Ler um livro, folheá-lo,
É deveras perigoso:
Dá-me, súbito, um estalo,
E os membros rasgados coso...
Nem posso voltar atrás,
- Sei lá do que era capaz!
Rico
Sempre é por esta pilhéria
Que ninguém lhe o mundo invade:
O rico cria a miséria
E depois a caridade.
Revolução
A revolução selecciona os filhos,
Não demora:
A uns prende-os ao peito com cadilhos
Enquanto a outros os devora.
Senhor
O ar e o sorriso do senhor do oiro,
Irónico e jucundo,
Que lá por ser dono do tesoiro
Se crê dono do mundo!
Dono das almas, dono das mulheres
Do mundo inteiro.
Ar de quem pode comprar todos os talheres,
Das viandas no viveiro.
Pode tudo comprar:
Conhece e compra, singular,
A fraqueza, afinal, de qualquer parceiro.
Poder
Qualquer homem, um qualquer,
Morra à fome ou guarde espiga,
No que tocar ao poder
Tem mais olhos que barriga.
Diferença
Entre um homem e um miúdo,
A diferença a que acedo
É a do preço, sobretudo,
Do respectivo brinquedo.
Detentor
O detentor do poder
Crê na infalibilidade,
Tanto que não pode haver
Factos contra tal verdade.
Emprestar
Quem é bom não é o primeiro
A mover da vida o fundo,
Quem emprestar o dinheiro
É quem mandará no mundo.
Divórcio
Divórcio, perda de amor
Ou uma separação
Nada são perante a dor
Dos dinheiros que se vão.
Um homem pode esquecer
Um amor que houver perdido
Mas milhões a se perder
Nunca mais caem no olvido.
Miséria a que nos inclina
Tal paixão feita divina.
Notícias
Parece-me que, por sorte,
Nas novas manifestadas,
Notícias da minha morte
São decerto exageradas.
Perdido
“Tudo perdido!” – hei cuidado.
Por entre tal desbarato,
Cêntimo recuperado
Sabe mesmo a arroz de pato!
Letra
Quem entender a Escritura
Sem sentido espiritual
Mas na letra que a figura
Torna Deus num animal.
Por mor do queijo da Lua
Vai então varrer de morte
Toda a gente lá da rua
Que a Lua vê doutra sorte.
Mais: jura comer fatias
Do queijo no além dos dias!
Engana
Porquê buscar o que engana?
É quando atento vasculho
Que encontro fins-de-semana
Para aumentar o barulho.
Imprevista
Se é do espírito de Deus
A iniciativa imprevista,
Há logo alguém dentre os seus
A reconduzi-lo à pista,
A dizer-lhe o certo, o errado,
Com esta missão divina:
A um deus que se há transviado
Reordená-lo à boa sina.
Dirigentes religiosos,
Que humildes, que prestimosos!
Verdade
A verdade quanta vez
É mero ponto de vista!
Triunfa sempre? Talvez...
Só que isto não vem na lista.
Intenções
Para não causar lesões
Há quem tenha e com requinte
Sempre boas intenções
...Só para o dia seguinte!
Estranho
O mais estranho, ao querer,
É
nem ver o que haverá:
O homem nem sabe o que quer,
Contudo quer sempre já.
Pára
Nunca poderás dizer:
Pára, mundo, porque eu quero
Agora aqui já descer!
Só porque, em teu destempero,
Crês ter perdido a cabeça
Por alguém que (vê os despistes)
Nem dá conta nem tropeça
Neste facto de que existes.
Novo-rico
Novo-rico é o que atropele,
Nem sequer é agradecido:
Novo-rico é sempre aquele
A quem tudo era devido.
Rico
O rico é sempre esquisito.
Como então lidar com ele?
Doutrem serve-se, incontrito,
Usa-o, sugando-lhe a pele,
E depois, sem mais demora,
De imprestável deita-o fora.
Pensão
O amor, a pobre pensão
Familiar onde o luxo
Se centra todo no vão
De entrada, como um repuxo.
Antes de entrar na miséria
Dos quartos de móveis velhos,
Chão pegajoso, que a féria
Não traz novos aparelhos,
Paredes cheias de manchas...
- Amor, onde nos enganchas?
Perder
A maneira mais segura
De alguém perder é de andar
Persistente e com lisura
Atrás dele sem parar.
Cérebro
Como o cérebro é pequeno!
Quero a lua a cada instante...
Como
lavrar o terreno,
Como planear para diante?
Fatal
A fatal insanidade
Humana dói-nos assim:
É pena intuir a verdade
Quando é já próximo o fim.
Sorte
Quando alguém está a morrer
Pode imaginar a sorte
Que é de ter mais que fazer
Que ter de pensar na morte.
Especialistas
Repara nas pistas
Ou não te livras dos danos:
Os especialistas
São célebres pelos enganos...
Controlar
Não preciso de quem tente
Controlar a minha vida
Com a oferta inteligente
De descontos à medida.
A vida é mais importante
Do que este constante insulto.
Não sei que é que mo garante,
Só sei que é um mistério oculto.
E, desconto por desconto,
Porque não grátis e pronto?
Não fazem ideia alguma
De como o amor se consuma.
Velhos
Há quem pretenda que os velhos
Devenham tão transparentes
Como vidro sem espelhos.
E, para os mais exigentes,
O melhor que nisto alistem
É que nem notem que existem.
Picareta
Viver é caminhar
De picareta na mão
Revolvendo o chão
...Em busca de algo perdido no mar!
Pónei
Quem é que um pónei quer ter
Se puder ter o Universo?
Que interessante ia ser!
Nem precisa de ser terso
A limpar a porcaria
Ao sol-pôr de cada dia!
Alicate
O alicate é interessante
Por dele o que não soubermos:
Não sabemos, neste instante,
Que o vamos querer adiante,
Logo depois de o perdermos...
- Todo o dia é um alicate
A morder com tal dislate.
Pepitas
Valem mais, na vida opaca,
De pepitas de oiro umas poucas
Do que vale uma boa faca,
O que prova quanto as gentes andam loucas.
Diferença
A diferença importante
Entre nós e os canibais:
Eles vão-se embora adiante,
Nós não vamos nunca mais.
Mas nós não comemos gente!
Talvez. Porém, reparemos:
É dum modo diferente
Mas, no fim, sempre os comemos...
Pior: de consciência calma,
Foi sempre de corpo e alma.
Até
Até os nossos medos sentir-nos importantes
Nos hão-de fazer
Porque temos medo, em todos os instantes,
De importantes não ser.
Nunca
Nunca nos podemos rir
Das piadas do que é rei
...Ou o dia passarei
A rir, tolinho, a seguir.
Anonimato
O anonimato tem coisas boas
Que custam a crer:
Às vezes conhecemos pessoas
Porque nossos olhos não as logram ver.
Acender
Muitas vezes é suficiente
A ameaça duma barriga vazia
Para acender na mente
A sabedoria.
Vestes
Quando num sacerdote investes,
As gentes tenderão
A ver as vestes,
O homem, não.
Velho
Quando damos um conselho
Aos quarenta, somos chatos.
Aos setenta é de ser velho
Que serão de sábio os tratos?
Rigorosamente
Muito do que crê que é do conhecimento geral
A gente desvairada,
Disso, afinal,
Não conhece rigorosamente nada.
Singular
A vida tem isto de singular:
Há gente
Que, por muito que se tente,
Nunca conseguimos ajudar.
Riqueza
Para onde uma riqueza
Grande for dando sinais,
Atrás dela corre a empresa
Do desejo de ter mais.
Guilhotina
Cai rápida a guilhotina
Em desuso, ao persistir
Em matar rápida a sina
Do degolado a atingir:
As gentes querem tormento
Lento e horror no passamento...
Pária
Aquele que é um pária aqui
Alguém é mas no juízo
Do bando cujo alibi
É erguê-lo do crime ao viso.
Tolos
Muitos dos inteligentes
Crêem que os demais são tolos.
É o que um dia ferra os dentes
E lhes comerá os miolos.
Acorrentar
Querer amar
É tão prático
Como querer-se acorrentar
A um lunático.
Gargalhada
Se queres a gargalhada
Que Deus dê, sem mais enganos,
Então conta-lhe, de entrada,
Quais são de facto os teus planos.
Negócio
Fecha um negócio o banqueiro
E, na precipitação,
Não pensa em nenhum argueiro:
Na viúva jogada ao chão,
Em quantos mil ele lesa...
- Só pensa em sua riqueza.
Grávidas
Eram só vinte mulheres
Mas tão grávidas que (cruzes!)
Ao tão bojudas as veres
Pareciam avestruzes.
Aprendem parto sem dor,
Mas a conversa é tão oca
Que os olhos erguem de horror,
Tal é o tédio que lhes toca.
São duas sentindo igual,
Dão à luz uma amizade
Que lhes serve de fanal
No escuro da novidade.
São caixa de ressonância
Uma doutra e se confiam.
Trocam as queixas com ânsia
E gostam do que desfiam.
É uma bênção ter amigos
Mas não há como a amizade
Surgida destes pascigos
Do tédio que nos invade.
Exageres
Nunca exageres os teus
Defeitos que tens aí.
Os teus amigos, sem véus,
Irão fazê-lo por ti.
Salva
De tua ira me salva,
Meu Deus, com amor estrénuo,
E antes de mais, de alva em alva,
Salva-me do amigo ingénuo!
Sozinho
Não me importo de ir sozinho.
O meu problema primário
É que o que ali adivinho
É que é muito solitário...
Evitar
Ponto de vista da mente
É
sempre evitar sevícias:
Então são boas notícias
Não ter notícias a gente.
Cobarde
O que nos mete mais medo
É
que o tempo é bem cobarde:
Somos tão velhos tão cedo
E tão espertos tão tarde!
Palhaços
Se isto é tudo aquilo que há,
Mande alguém entrar palhaços,
Que é um circo que vejo lá,
Em todo e qualquer dos traços.
Guerra
Política, a mais cortês,
É guerra todos os meses.
A guerra mata uma vez,
Política, muitas vezes.
Mentira
A mentira a volta ao mundo
Vai dar antes de a verdade
Ter para si um segundo
De vera oportunidade.
Orgulhoso
Um orgulhoso prefere
Perder-se a ir perguntar,
Na dúvida que pondere,
Qual o caminho a tomar.
Bajulador
Um bajulador é quem
Alimenta um crocodilo
Esperando ao fim que, a bem,
Há-de poder digeri-lo.
Previsão
A previsão do futuro
Antecipa o que há-de ser
E explica após (é seguro)
Porque não veio a ocorrer.
Consola
Consola a imaginação
Do que não podemos ser.
Sentido de humor então
Consola do que é quenquer.
Lição
A grande lição da vida,
Se nela andarmos despertos,
É que às vezes, nesta lida,
Os malucos estão certos.
Cultural
Muito cultural é a televisão!
Mal dela há sinal, fujo para um canto,
A ler um livro então,
- E que encanto!
Perdoar
Aprender a perdoar
É pôr o lixo na rua:
Quando o não executar,
Que cheirete aqui flutua!
Mãe
A mãe da ciência
É, decerto,
A paciência.
O problema é viver tão perto
Da demência...
Apodrece-o
O tempo o que ao corpo faz
Faz a estupidez às almas:
Apodrece-o, incapaz,
E ao fim inda bate palmas.
Manigância
O dinheiro não tem importância,
Papel
De manigância,
A menos que tenhamos falta dele...
Advogado
Só porque o fez, comprovado,
(Veja do advogado o lema)
Não quer dizer que culpado
Você seja do apostema.
Justiça
A justiça não é cega,
Enxerga até muito bem
Se o pescoço em que ela pega
Quebra a espada ou não que tem.
Regimes
Ao procurar o teor
Dos regimes adequados,
É a democracia o pior,
Todos os mais exceptuados.
Erros
À História o que melhor compete
É mostrar os erros que cometemos.
Como a História se repete,
É sinal de que nunca aprendemos.
Menino
Cantava o menino:
“Tem uma pilinha
O pai como a minha...”
E a mãe: “é o destino,
Ambos são rapazes.
Sabes o que têm
As mamãs também,
Na canção que fazes?”
E ele, todo afincos:
“Sei, pois, têm brincos!”
Giratória
Uma porta giratória
É a política em partidos:
Uma porta de memória
Para os tachos mais subidos.
Importar
Os políticos se importam
Por toda e qualquer questão.
Aquilo que não suportam
É se importar da nação.
Povo
Povo é óptimo pretexto
Para que as maledicências
Se digam em tal contexto
Que não sofrem consequências.
Bolsos
O modo de levar ricos
Com pobres a solidários
Serem é, sem mais salpicos,
Ir-lhes aos bolsos, sumários.
Engordam
Aqueles que engordam mais
Que quantos não fazem nada
São os que menos que os tais
Ainda fazem na jornada.
Mulheres
Da paz para os afazeres,
A humanizar o poder,
São precisas as mulheres
Juízo aos homens a trazer.
Importante
Mais importante que tudo
São as pessoas. Temática
Com que as classes nunca grudo:
Mais lhes importa a gramática...
“Ai, excelência, que apática
A nossa vida de entrudo!”
Confies
Não confies em ninguém
Que tenha televisão
Maior que a estante que tem
De livros que tem à mão.
Raio
O mundo já nasceu torto,
Como quem falha um ensaio.
Endireitá-lo, de morto,
E dar-lhe vida é que é o raio!
Herói
Nenhum homem é um herói
Para o criado de quarto,
Nem para a mulher o foi,
Embora de gestas farto,
Também não para a família,
Pronta sempre é na quezília.
Se é tanto herói que é profeta,
Na terra dele é uma treta.
Se é maior e traz futuro
Nem o seu tempo lhe auguro.
Primeiro o matam. E após
Dobram-lhe vénia os totós.
Caçar
Se sair a caçar ursos,
É de idiota chapado
Centrar-se em seguir percursos
De pegadas de veado.
Sexo
Se a razão é o que te importa,
Quando o sexo entra à janela,
A lógica pela porta
Sai na mira duma estrela.
Prático
Senso prático
Convém sempre distribuí-lo a esmo.
Um lunático é sempre um lunático,
Mesmo quando se trata de mim mesmo.
Missão
A missão dum empregado
Não é vender-lhe uns sapatos
Mas ajudá-lo, empenhado,
Da montra entre os aparatos,
A encontrar-lhe os que convêm.
Os que convêm a ele,
Não a si, mero refém
Do carinho que o impele.
Manipulado, o castiço
É você nem dar por isso!
Corda
Tira a corda do pescoço,
Deixa de levar-te a sério.
Não és centro, com teu osso,
De toda a gente no império.
Passar
Fico a ver a tarde a passar...
Em meu redor ninguém a vê,
Todos com pressa de chegar,
Ninguém sabe onde nem a quê.
Deus
Deus, de tão usado,
Está tão roto,
Tão estafado!
Nem vale a pena usá-lo,
De tão boto.
Nem se pode mastigá-lo:
A que sabe, a que regalo?...
Cruzes, canhoto!
Pena
Dos que sofrem profundamente
Não tenho pena,
Mas dos que, a dor ausente,
Com satisfação vivem plena:
- Que porcaria de vida
É por eles vivida?
Minuto
Bastará mesmo um minuto
Para o mundo transmudar?
Que exagero! Não discuto,
Em bem menos tem lugar.
Espertos
A nossa medida
De, espertos, sermos, enfim, tolos:
- Todos passamos a vida
À procura de metermos golos.
Odiar
Que maravilhas fariam
Se não odiaram!
Quantos génios se desperdiçaram
A odiar génios que de génio nem hauriam!
Heréticos
Os heréticos tiveram sempre razão,
A instituição, morte em pé, não.
Por isso os despejou a todos no inferno.
O Eterno,
Divertido com a asneirada de tanto escarcéu,
É que os levou a todos para o céu.
Os outros foram ficando por onde calha,
A clamar de raiva contra a canalha.
Inferno
Inferno que se veja
É o estado em que viceja
Cada dia
Qualquer hierarquia
De qualquer igreja.
Em vida
Ou depois da morte
Igual é a medida,
Igual a sorte.
Tudo porque, erguida do pó,
Sempre há-de querer
Só, só
Poder.
Entretanto,
Todo e qualquer serviço
É apenas o manto
Para encobrir isso.
Vendem o céu a retalho
Com toda a compostura e siso.
Trabalho?!
- Mas que riso!
Murro
Na vida, todos os pactos
Levam um murro no nariz.
Nenhum miúdo de joelhos intactos
É feliz.
Malas
“Não ponhas o pé na estrada
Sem as malas com que te ajeitas”?
- Tanta gente enganada
Com as frases feitas!
Finanças
Das finanças à repartição
Todos vão
Como ao interior da morte.
E ainda têm muita sorte
Por não levarem caixão!
Quanto esgar de enterro!
Será do trabalho
Ou, quando ali me encerro,
Perco tudo quanto valho?
Como ensinar amor
A tanta dor?
Como beijar a morta cara
Sem do crânio pegar nenhuma escara?
Maluco
Ando muito preocupado
De me não crerem maluco.
Que terei feito de errado
Desde há pouco, há muito pouco?
Prejuízo
Milhares de milhões acumulámos de prejuízo:
Parámos os relógios, entretanto, a cantar loas...
Perdemos o juízo,
Mas que alegria, que alegria entre as pessoas!
Quis
Quis voar e me agarraram,
Ser imortal e me mataram,
Devir a criança eterna
E me internaram na caserna...
- E, depois de enfrentar tanto mouco,
Gritam que eu é que sou louco!
Vaidade
O fim da vaidade seria
A imediata melhoria
Do mundo.
Depois o pior
Acabaria por se sobrepor,
Ao revolver o lodo do fundo:
É que o preceito daquilo que amamos
É por vaidade que o sustentamos.
E quando a bondade
Existe por vaidade,
Como não alimentá-la?
- É isto o que mais abala.
Demónio
O demónio veste de marca,
O tridente
Com que ele arca
Em ninguém já ferra o dente.
Riscos
Há os que correm riscos,
Podem findar alquebrados e tortos
Mas também são os que saltam dos apriscos.
E há os que já estão mortos.
Anglófonos
Os brilhantes anglófonos que mundo além premeias
São, afinal, uns simples tolos:
Gritam, acérrimos, que não vivenciam ideias
Porque só têm miolos!
É uma escolha estranha:
Propugnam, voluntários, que são um monte de banha...
“Ideias?! São uma secreção, um mero quisto!”
- E reduzem-se, entusiastas, a isto.
Os espiritualistas que por lá resistem
Mal de ver-se ao espelho têm o escopo.
É que nem existem
Para aquele escol de topo.
Da pirâmide social na calha
Pouco mais são do que desprezível escumalha.
Depois
A vida depois da morte
Tem de incluir o prazer
Ou então, maldita sorte,
Mais vale morrer!
Idiota
O idiota é pouco valorizado,
Quando ele é decisivo:
Não há um amor amado
Que lhe não corra pelo crivo.
Estrelas
O tempo das estrelas ou cósmicas deambulações
Nada pesa na saúde, doença ou morte.
É útil para os vendilhões
Incompetentes venderem a sorte.
E assim os burlados
Da própria estupidez vão castigados.
Senhor
Senhor que trate seu povo
Cônscio das responsabilidades,
Deve ainda estar em ovo,
A chocar vindoiras idades.
Alguns são loucos,
Seu povo são os domésticos, desde o gado
Ao criado...
E não são poucos.
Se o senhor é sagrado
É um louco dobrado.
Se além de sagrado, é divino,
É um louco supino.
Então, quando se organiza
Num Estado ou numa Igreja,
A todos logo inferniza,
Seja profeta quem seja:
Venha Deus à Terra, venha,
Vê logo quantas apanha!
Fugir
Se não sabes guerrear,
Na guerra tens de fugir.
Não é honorável esta escolha singular,
Mas que há de honorável em à guerra ir?!
Reúnem
Os problemas dos democratas
É que, quando uns se reúnem por uma causa,
Logo outros se arvoram em empatas,
Juntos a entravá-los, na mais longa possível pausa,
E gritam de euforia
Quando dão cabo do País com tal mania!
Habituar-me
Não posso habituar-me tanto aos escravos
Que oblitere que andam por aí:
Um patamar após, tomarei por bravos
Os que obliteram que eles são gente em si.
Quem diz escravos diz os derivados
Com que esbarramos em todos os lados.
Taça
A vida é uma taça de oiro
Pejada de pedrarias,
Cintilando diamantes.
O desdoiro
É que, todos os dias,
Quem dos dantes
A herda
A põe sempre cheia de merda.
Por ou sem culpa sua,
Não terá nunca outra rua.
Se durante é toda assim,
Que será depois do fim?
- Espero bem que os céus
Não sofram de tais labéus!
Quarto
Quando um homem sai do quarto,
Deixa lá quanto ocorreu.
Quando a mulher sai, é um parto:
Leva tudo quanto é seu.
Desmedida
A paixão é desmedida.
Porém, quando se contrata,
Toma a medida da prata
E é com tal peso sentida.
Nos varais de tal temática
É paixão apenas prática.
Quer dizer, não é paixão,
Antes do amor o caixão.
Vácuo
Há muito quem se apaixone
Apenas porque é mais prático:
Dá jeito que alguém me abone
Mesmo um vácuo sintomático.
Verdadeiro
Todo o verdadeiro amor
É de espíritos visão:
Todos falam dele um ror,
Ninguém nunca o teve à mão.
Trespassado
Tudo sopas e descanso?
Então o amor fecha a loja,
Trespassado ao povo tanso
Que nas pantufas se aloja.
Beijo
É o beijo aquele segredo
Que na boca é desprendido,
Com coragem ou a medo,
Em vez de ser no ouvido.
Juntos
O que faz apaixonados
Juntos não se aborrecerem
É só de si terem dados
E um ao outro nem se verem.
Duvidar
É preciso duvidar,
Que quem não duvida, torto,
De tão certo no asnear,
Por mais que viva é já morto.
Reinventar
O amor é de reinventar,
Permanentemente novo
Ovo
Por estalar.
Toda a gente sabe,
Não é?
Mesmo que acabe,
Como toda a gente sabe,
Ao pontapé...
Melhor
A melhor mulher pertence,
E fará todo o sentido,
Àquele homem que a convence
Por ser o mais atrevido.
Importante
O amor é tão importante,
Se calhar, como a comida.
Porém, por mais que adiante,
Não nos alimenta a vida.
Teias
Lá onde rasga os véus
Das infinitas teias,
Que terá visto Deus
Em pessoas tão feias?