DA MORAL À ÉTICA
Fanáticos
Há na história uma linhagem
De fanáticos da ordem
Sempre a um ídolo em romagem
Absoluto em que concordem.
As vidas não têm valor
Se ao dogma se andam a opor.
Ignoram que o colectivo
Homens soma, não é arquivo.
E em nome daquilo matam
Todos quantos não o acatam.
Alturas
Das alturas do poder
Protegido por polícia,
Exército e tribunais,
Num homem ninguém vai ver
(Condenado a uma sevícia,
Prisão, morte, horrores tais)
Que é um homem o condenado:
Apenas, varrendo a mão,
Hão por fim aniquilado
Um foco de oposição.
Perda
A perda é ganho se calha
A perda ser o começo
Da vitória que inda emperra.
É de perder a batalha
Quando a perda for o preço
Para ao fim ganhar a guerra.
Chefe
Chefe, se rico, abastado,
Não deve nunca ostentar:
Fará crer em todo o lado
Que se está bem, confortado,
Então está-lo-ão, a par,
Todos com quem laborar.
Estes aguardam que cresçam
Então as actividades
E que os negócios floresçam,
Todos melhorem, não desçam.
Mas, se as excentricidades
Forem tais que os persuades
De que podes já ter tudo,
Então querem tirar-te algo.
Não há mais aquele escudo
De ir além, ser mais graúdo.
- Vida de luxo é o fidalgo
Prazer com que à tumba galgo.
Fanático
Ser jovem e ser fanático
É só mundo a preto e branco:
Nós, os bons, com senso prático,
Eles, os maus, que desanco.
É ser desequilibrado
E não ter moderação:
Cego ao mal de nosso lado
E ao bem que os outros terão.
Num mundo assim dividido
Fica a vida sem sentido,
É a recíproca matança:
Morta a vida, a morte alcança.
Simples
Quem é simples e normal,
Quando em lugar de poder,
É inimigo figadal
Dos compadrios que houver.
Ninguém o pode atacar
Por ter um padrinho alheio.
Não o podem derrubar:
Não tem brechas pelo meio.
Moralistas
O maior dos moralistas
É sempre o mais pecador.
Sempre há um fariseu nas listas,
De pedra na mão, em vistas
De a atirar seja a quem for.
O que muito se empertiga
Sempre é porque muito esconde.
Aquele que demais briga
Priva-se da vera liga
De leal ser consigo avonde.
Trafulha
Quem tem alma de trafulha
Arranja como expandi-la,
Seja lá qual for a bulha
Que se bulhe a persegui-la.
Um Estado ou uma empresa,
Bem como qualquer família,
Melhor governa e não lesa
Um homem bom, em vigília,
Que governam os papéis
Que são sempre as boas leis.
Boa
Boa acção dar boa acção
É muita ingenuidade:
Acrescenta a comunhão,
Ignoramos se persuade.
O bumerangue não volta
Nunca para a nossa mão,
Na reviravolta à solta
Cai perto apenas no chão.
Nenhum crime tem castigo
Nem certeiro nem de vez,
O criminoso o perigo
Corre é de o sofrer talvez.
A bondade ingratidão
É o que gera, no geral,
E andamos à humilhação
A escapar de vale em vale.
- Contudo, nascer o dia
Quem o faz é quem porfia.
Eventos
O nosso foco diário
Sobre os eventos comuns
Fragiliza em modo vário
Nossa percepção de alguns
Eventos providenciais
Sempre em redor bem reais.
Ocorrem constantemente
E raro os temos em mente.
Ignorando
Adorar a criação
Ignorando o criador
É fazer da religião
Leviana superstição,
Sem donde vem o calor.
Se fascina o mensageiro,
Já ninguém liga à mensagem
E o mandante por inteiro
Dá por perdida a viagem.
As igrejas e capelas
Caíram nestas sequelas.
Trocam por sinais da estrada
Deles a meta indicada:
Liturgias, rituais,
Tradições, sei lá que mais...
Ora, após este desvio,
Perde-se da vida o fio.
Aproximar-me
Aproximar-me de Deus
Não é sentar-me calado
Na igreja votada aos céus.
É calar-me em qualquer lado
Ante d’Ele a criação
E atentar na voz tranquila
Em branda murmuração
Que dentro em nós se perfila.
Atento
Quer-me atento às criancinhas,
Aos órfãos como às viúvas...
O estranho destas gavinhas
É que o melhor cacho de uvas
Não serão eles que o colhem
Mas meus braços que os acolhem:
Neles a visão de Deus
Apuro a um passo dos céus.
Diferida
Se forço à pluralidade,
Arrisco a fragmentação.
Se muito urgir a unidade,
É uniformidade então.
Unidade e pluralismo
São a meta diferida
Do labor em que me abismo,
A rede a tecer da vida.
Unir na diversidade,
O disperso unificar,
É a coabitação que eu grade
Sem ninguém sacrificar.
Perdem-se
Perdem-se as religiões
Em mil organizações,
Tabus, argumentações,
Reformas e sacrifícios,
Rituais de mil ofícios,
Sem, no fim, os benefícios.
São regras de hipocrisia,
De poderosos fatia,
- Sempre na mesma euforia
A pautar carga maior
Sobre as costas de quem for
Oprimido do opressor.
E todas na mesma linha!
Quem é que ali adivinha
Uvas outras doutra vinha?
Quem fará nascer o dia
Para a festa da alegria
Que já nelas ninguém via?
Deixar
É não deixar Deus ser Deus,
É não o deixar à solta,
Na rede prendê-lo em seus
Conceitos, ritos à volta,
Tabus e normas morais,
- Que em religiões são os véus
Que do Além eram sinais.
Como tudo isto é traição,
- Onde há fé na religião?
Juntou-se
Uma vez a Jesus juntou-se um homem:
“Quero ir contigo e ser teu companheiro.”
Pela estrada que então ambos lá tomem
Acabam dando à margem dum ribeiro.
Sentaram-se na alfombra e juntos comem
Dois dos três pães do saco merendeiro.
O terceiro sobrou. Jesus se ergueu
E foi dessedentar-se em frente, ao rio.
Não encontra, ao voltar, aquele pão
Que derradeiro fora o da merenda.
“Quem é que o pão tirou?” – pergunta então.
“Não sei!” – responde o outro, sem contenda.
Continuaram trilhando o duro chão
E viram uma corça, numa senda,
Com os dois veadinhos seus filhotes.
Chama-os Jesus e acorrem vindo a trotes.
Jesus matou um deles que assa em parte
E com seu companheiro ambos comeram.
Depois, ao veadinho: “levantar-te
Vais, por graça de Deus.” Logo mexeram
As patas e ele ergueu e alegre parte.
Os olhos do parceiro estremeceram.
“Em nome do milagre que observaste,
Quem é que o pão tirou?” – pergunta ao traste.
“Não sei” – responde o homem. Que inocente!
Chegam a um grande lago, em fundo vale.
Jesus do par tomou a mão tremente,
Caminharam sobre as águas por igual.
O pélago transposto ali presente,
Jesus insiste e quer do outro o sinal:
“Em nome do milagre que aqui vês,
Quem é que o pão tirou de nós de vez?”
“Não sei” – fingiu o homem de contrito.
Chegaram a um deserto árido em pedra.
Jesus apanha areia, com um fito:
“Por dom de Deus te muda, em oiro medra.”
E assim aconteceu. Jesus, aflito,
Uma terceira vez a vinha redra:
Em três partes divide o oiro da jeira.
“ Uma a mim, outra a ti e uma terceira
Para aquele que o pão daqui tirou.”
Logo o parceiro diz: “Pronto, fui eu!”
Então Jesus, enquanto se aprontou,
Correspondeu dizendo: ”é todo teu!”
E prosseguiu caminho. O outro ficou
Com os oiros, mirando ali o céu.
Dois homens encontraram no deserto
Este homem mais os oiros dele perto.
Roubá-lo determinam e matá-lo.
Propõe-lhes ele: “vamos dividi-lo
Entre os três e um de vós vai por regalo
À cidade, comprando-o em sigilo.”
Um deles partiu logo e, sem abalo,
Meditava consigo neste estilo:
“Porque hei-de dividir com estes dois?
Enveneno a comida e é meu depois!”
Entretanto, entre si, os do deserto:
“Porque havemos de dar-lhe um terço de oiro?
No regresso matamo-lo. É mais certo
Dividir entre nós dois o tesoiro.”
O terceiro voltou, cumprem o acerto,
Mas comem o veneno, mau agoiro,
E morrem dele ao lado, os três bem tortos.
No deserto, eis o oiro junto aos mortos.
Jesus, quando tornou pelo local,
Ali os encontrou naquele estado.
Aos discípulos diz, ante o letal
Espectáculo triste dele ao lado,
Mais deprimente que qualquer sinal
Que até o momento houvera contemplado:
“Assim é o mundo a quem ao mundo apele.
Tende cuidado, pois, todos com ele.”
Detém
Quem detém em quantidade
Jamais dele os interesses
Esquece de defender.
Esconder é a faculdade
De aos mais pobres as benesses
Denegar quem não quer ver.
Ou aos que outra vida almejam
Impedi-los de que vejam.
Caminho
Por muito bom que tu sejas,
Se queres abrir caminho,
Faz de conta que o que almejas
Te obriga a aprender, cadinho
Que faz que o que leva o carro,
Mesmo sem nada a ensinar-te,
Esta porta com que esbarro
De escancará-la tem arte.
Quando a porta se descerra,
Entras ou ficas em terra?
Para sempre poder ser...
- Pondera, pois, que fazer.
Fora
Ausência de fantasia,
Fora a sensibilidade,
- Cabeçadas não daria
Nem a dor doutrem me invade.
De egoísmo sendo presa,
Vivo numa fortaleza,
Contudo incapaz de amar,
De sofrer e de pensar.
Engodos
Terei estado a caminho
Durante estes anos todos
Sem me dar conta um pouquinho
Por entre tantos engodos?
É mais fácil nos perdermos
De nós próprios cá por dentro
Do que do bosque nos ermos
Ou da cidade num centro.
Verdade
Tu não queres a verdade,
Mas a verdade especial
Que seja do teu agrado,
Verdade pela metade
Que encaixe, em calha total,
No que já crês, por teu lado.
Mas os demais querem deuses,
Talhar lugares sagrados
Onde todos os adeuses
Se sintam, por fim, fintados.
Uma e outra perspectiva
Enganam-se, ao fim, na vida.
Integridade
Tem um rosto a integridade,
O de honrar sempre as promessas
E dizer pura a verdade
E a responsabilidade
Assumir de ir às avessas,
Com os erros cometidos.
É ser o que se diz ser
E os actos já prometidos,
Pagando os custos devidos,
Cumprir a quem prometer.
Calma
A mais lapidar das regras
Para a calma se manter
É o sono nunca perder
Com pequenas questões negras.
A lapidar depois desta
É ser capaz de pesar
Qualquer questão que encontrar
Como uma pequena aresta.
Corrida
Vida é corrida de fundo,
Cada qual evoluindo
Do esforço próprio fecundo.
A acelerar mal vou indo,
Voluntarismo atrapalha
Desbaratando energias
Com escolhas, quando calha,
Que infelizes mais são vias.
Avulta a força serena
De quem segue o seu caminho
Sem disparates na arena
Nem dos outros ser cadinho.
Vingança
O desejo de vingança
Sempre é o detrito do mal.
Joga-o fora, se te alcança,
Que ser livre é o principal.
Sê, portanto, inteligente:
Esquece, pois, de raiz.
E serás por entre a gente
Um farol de ser feliz.
Jesus
Não é Jesus que divide,
Antes o que foi montado
Em torno, gavinha em vide,
E que se há dogmatizado.
Se este lixo for varrido
Para os caixotes da História,
Ninguém mais é dividido,
Tudo é encantada memória.
Mudar
Mudar o rumo da vida
É mudar moldes de si
E de quanto ocorre aí.
Deixar de esperar, na lida,
Que os eventos aconteçam,
Sem os rotular sequer:
- É levar a acontecer
Com os meus palmos que os meçam.
Consciente
É bom estar consciente
De que algum medo acompanha
A muda atrás ou à frente.
A muda então não me acanha,
Venha lá como vier.
O que importa é o que é que apanha
Ao cilindrar o que houver:
Até pode ser melhor...
E a mudança a acontecer
Então tem o que eu vou pôr
Para que ela venha a ser
Toda aqui de minha cor.
Separa
É o ego o que me separa
Como uma parte do todo
E com isto me prepara
Para a missão, como engodo.
Quando vou longe demais
E eu me confundo com ele,
Faz que me corte dos mais
E tudo o mais me atropele.
Adona-se então de mim
E eu por mim cheguei ao fim.
Permanecer
Não é fácil observar
Calamidade em sigilo,
Catástrofe a me esmagar
E permanecer tranquilo.
Contudo, pode fazer-se
Do ego após o corte cerce:
- É o coração na subida
Ao Todo entregue à medida.
Vício
Gostaria de mudar
A mudança com o vício
De tudo logo parar,
De antanho feito um resquício?
Ora, se manter como era
Me mantivera feliz,
O que ocorreu nesta espera
Nunca fora o que se diz:
Não teria acontecido
Se feliz dera sentido.
E, portanto, se ocorreu,
Não era aquele o meu céu.
Pião
Como um pião de criança
Que perde velocidade
De rotação, minha dança,
Dança de instabilidade,
Na vida então a mudança
Me requer para alcançar
O equilíbrio que mudar.
E assim é que ao negativo
Efeito sempre me esquivo.
Pior
Mesmo o pior de teus dias
Ver que é o melhor para o imo
Livra do medo que havias
Cultivado do ego ao cimo.
Do Jardim das Oliveiras
Não te livra, suar em sangue.
Entrega-te às mãos fagueiras
Dum Deus que de ti não mangue.
Podes-te crucificar
Mas no íntimo em paz ficar.
Desperto
Ao não resistir, liberto-
-Me do que era imaginado
E logo ali me desperto
Ao aparente mostrado.
Fico logo disponível
Para o real atingível.
De repente abrem-se opções
E dantes, nem ilusões.
Viável
É sempre viável querer
Aquilo que nem sequer
Do interesse é da pessoa.
Será o que nos atordoa
Num mártir ou num herói:
Parece que lhes nem dói
Não por eles mas por todos
Se sacrificar aos bodos.
Entendem um bem maior
Nisto a si próprios propor.
Cuida
Quando cuida dia e noite:
“Como odeio este lugar!
Quem me dera onde me acoite!”
- Vai-se o mal real tornar.
A vida é um génio que acerta
Nas dentaduras que o mordem,
É por si que ele desperta:
- O seu desejo é uma ordem.
Melhor, pois, é olhar o bem
Que o mal dentro dele tem.
Guru
Anda a ensinar um guru
Quando a discípula atesta:
“Há meses, mestre, vens tu
Ensinar a quem não presta:
Ninguém, em nenhum momento,
Vislumbra esclarecimento.
Afinal, que é que é preciso?!”
O guru sorriu e disse:
“Leva a peneira e, com siso,
Enche-a de mar, sem tontice.”
Os alunos não entendem,
Resmungam que ele não é
Um guru dos que nos prendem.
Todos sabem, ninguém crê
Que de água se encha a peneira.
Toda escoa, que é o problema
Com quanto ensina: aligeira,
Mas logo escoa o bom lema.
Então todos o abandonam
Menos a aluna que pede:
“Mestre, as aulas não me abonam,
O que é de entender me cede.”
O guru, com compaixão,
Lhe responde: “vem comigo.”
A uma loja vão então
Onde compra (que castigo!)
A peneira questionada.
“Enche a peneira com água” –
- Diz-lhe na praia, à chegada.
A discípula, sem mágoa,
Corre ao mar onde a mergulha.
Trá-la a correr, logo escoada.
O guru sorriu sem bulha:
“Enche-a de água bem pejada.”
Logo ela tenta de novo.
É inútil, fica vazia,
Que a peneira não é um covo.
À terceira, então esfria:
“Estou farta desta vida
De aluna espiritual”
- Joga a peneira, sentida,
Ao mar que nada lhe vale,
E foge em passo pesado.
E o guru: “espera, olha!”
A jovem vira de lado,
Vê a peneira que se molha
A afunda fundo no mar.
O guru junta-se à aluna:
“Não é apenas mergulhar,
Urge que ao mar se reúna.
Tens de te atirar lá dentro
Toda imersa até ao centro.”
Alinhado
Nunca Deus vive alinhado
Com uma fé, com prejuízo
Das outras que houver ao lado.
Isto é o nosso curto juízo.
Deus por igual todos chama
Ao amor a que os conclama.
E só é filho de Deus
O que incarna o amor dos céus,
Venha lá donde vier
O trilho que percorrer.
Malas
Tempo é de mandar os mais
Fazer as malas, ilesos.
Perdemos tempo demais
Doutrem carregando pesos.
As emoções negativas
Reconverte, nunca as vivas.
Assim é que te aceleras
A voar por sobre as eras.
Natureza
A natureza é a criança
A brincar com nossas vidas.
Dos brinquedos quando cansa,
Com as peças já partidas,
Abandona-os ao trocá-los
Por outros, novos regalos.
A responsabilidade
Nossa é de apanhar bocados,
Refazer a identidade
De todos, já renovados,
Cada qual nos seus estilos,
Novos de novo erigi-los.
Evitar
Evitar aqueles
De quem não gostamos
É bem simples. Eles,
Por mais que algum preste,
Não são nossos ramos.
Verdadeiro teste
É evitar amigos
Nos nossos abrigos
Quando tal é a sina
Que a meta destina.
Ilumina
A morte ilumina a vida
Pelo valor que lhe der:
Saboreamos-lhe a subida
E a descida a esmorecer,
É o que dá peso e sentido
A tudo o que for vivido.
Nada como a morte ensina
A viver a nossa sina.
Fiel
Exigir marido fiel
É certo e decerto leal,
Mas nenhum marido é aquele,
Se enjaulado tigre real.
Tudo com conta e medida
Em tudo receita a vida.
O ciúme doentio
Queima a chama e o pavio.
Humano
Onde é que principia, universal,
Um humano direito a ser real?
Num recanto pequeno, junto a casa,
Num solitário que dali se abrasa,
No bairro onde viver, na faculdade,
Na escola onde eu adubo a minha idade,
Na fábrica, na quinta, na vilória,
Onde quer que modele uma vitória...
Só com iniciativa cidadã,
Concertada a manter cada manhã
A segurança instável em que vivo,
Poderei aguardar o passo esquivo
A progredir, incerto mas fecundo,
Dos direitos humanos pelo mundo.
Revoltas
As revoltas terminam muito raro
No convés dum navio em rendição.
Ao invés, perdem ímpeto no claro
E persistente esforço de audição
Da mesa diplomática redonda
Onde nenhum as cartas do outro esconda.
Também nas melhorias continuadas
Por bom nível de vida das pessoas.
Por fim, nas inflexíveis caminhadas
Perseverantes sempre donde ecoas
O desejo infinito que te traz
A voz em nome de quem quer a paz.
Diplomacia
Sempre a diplomacia tem vitórias
Feitas de microscópicas vantagens,
Aqui a sugestão de algumas glórias,
Além a cortesia a ler mensagens,
Concessão oportuna e logo sábia,
Persistência depois, sensata lábia,
Um tacto sempre atento e uma calma
Impassível, paciente e com tal alma
Que nenhuma imprudência ou disparate,
Provocação abale ou desacate.
Desistirem
Os que da liberdade desistirem
Por segurança mais um tudo-nada,
Nenhuma liberdade que auferirem
Nenhuma segurança na jornada
Merecem, que não há nem mais nem menos.
Cada uma viável outra torna:
Sem liberdade a segurança plenos
Riscos de reprimir mantém na jorna;
Sem segurança a liberdade é frágil.
É uma à outra que há-de tornar ágil.
Segurança que salve a liberdade,
Não tanta que as fronteiras desta invade.
Estafetas
É corrida de estafetas
O teor de cada vida.
O testemunho das metas
Corre então de tua lida.
Que teus filhos e teus netos
Tenham o mundo melhor
Que pode de teus projectos
Brotar à hora do alvor.
E que teus antepassados
Aplaudam teus passos dados.
Má
Há tanta coisa má
Que nos pode ferir
E há tanta gente lá!
- Que é que os leva a lá ir?!
Ferir com intenção
Não é, não, jeito meu.
Isto nos põe à mão,
De qualquer jeito, o céu:
O que é ferido, ao postigo
Encontra sempre este abrigo.
Contar
Contar da vida diz de alguém que é vivo
E que mais vida lança ao solo esquivo
Nos quadros soltos que semeia breve.
Pode jamais estar onde já esteve
Mas em meu peito germina
Nova terra e nova sina.
Velhice
A velhice é a morte aos poucos,
Cada vez mais tontos,
Cada vez mais loucos,
Mas sempre a segurar os pontos
Da jogada da vida,
Sabendo-a embora de vez perdida.
Devagar, devagar,
Que até ao derradeiro,
Neste canteiro
Hei-de ser eu a plantar!
Trás
Quando, num serviço, fica para trás um utente,
Dói muito mais depois.
Ele fica então descontente
E ainda acaba por partir os arrebóis
De toda a gente.
Má ou boa,
Quantos descontentes moram em cada pessoa?
Obediência
Obediência,
Felicidade de muletas,
Sem alguma transigência
A rachar gretas,
É uma tristeza.
Quem a preza?
Nada mais triste que o rebanho.
Onde o arreganho
Do dia contra o obstáculo
Que me pode garantir o pináculo
Do meu ganho?
Desafia
Do milagre a probabilidade
É que desafia.
Torná-lo realidade
Algum dia
É que é apaixonante
E me empurra para diante.
Bati
Quando bati com a porta à vida,
Algo quebrou debaixo de mim:
Era o chão.
Foram anos, em seguida,
A amontoar serrim
Na carpintaria de projectos
Sobre que nunca tive mão.
É no que dá trairmos nossos tectos.
Bom
Pouco importa o bom caminho
Se só leva ao bom destino,
Que aqueloutro que mal adivinho
É para que sempre me inclino.
Até pode ser mau,
Mas, quem não arrisca
O varapau,
Não petisca.
E não passa a vida a vau
Para o lado de lá
Onde o sonho está.
Ileso
Conseguir cruzar ileso
É uma utopia.
Cada dia vai doer, cada dia,
E temos de ir de gesto coeso
Ainda mais firme e teso,
Que a felicidade apenas acontece
Do que não se podia entretecer mas entretece.
Pequenez
A pequenez de nossas horas,
A pequenez de nossas vidas...
Pouco importam as demoras
Esquecidas.
É de estar de plantão,
A ração de combate
À mão,
Pronto sempre para o embate
Ou para a comunhão.
O que importa é estar
De prevenção
Inteiro no lugar,
Quando chegar a ocasião.
Liderança
Todos temos liderança
Cá por dentro a comandar.
E desta ninguém descansa
De seu jeito de mandar.
Mas não nos deixamos ser.
Conforto é ser comandado
De fora por quem vier,
Não de dentro espicaçado.
Ter a mão sobre o mandado
Daquilo que for pedido,
A desafiar o fado
Como a inventar um sentido.
Tudo então corre na mesma,
Sempre o mesmo executando,
Somo folha a folha à resma,
Seguro do tédio brando.
Nem é preciso morrer,
Já nos matámos bem mortos,
Já afundámos o escaler
Da aventura em nossos portos.
Intranquilo
Só depois do erro intranquilo
Entendi que tinha errado.
Obrigado por me deixares corrigi-lo,
Pela oportunidade de trocar de lado.
Quando o houver de vez saldado,
Diz-me, que o saldarei novamente,
Em sigilo,
À tua frente.
Silêncio
Ao silêncio
Dos sentidos destruídos
Convence-o
Com os sentidos vividos:
Vence-o
Com os actos ponderados, comedidos,
Ou, ao invés,
Com os mundos rendidos
A teus pés.
Este silêncio, medita,
Não é silêncio, pois grita.
Tempestades
As tempestades reboam,
Temos de aprender
A lhes sobreviver,
Aguentar os trovões que atroam,
Preparar vidraças robustas
Para de longe ver
As lágrimas justas.
A vida inteira é isto
E, apesar de tudo, existo!
Incompleto
Saber-me incompleto
Em mim
É estar no que sou completo:
Sou feito assim.
Então
É atirar-me à estrada,
Sem travão
Na caminhada,
Sempre a levantar pontes
Para além dos horizontes,
Sempre à espreita da alvorada
Que apenas pode por mim ser espreitada.
Sou este aquém
Sempre em alta
A que eternamente
Falta
Um além:
Ameando à minha frente,
Mal advém,
Mal se pressente.
Mal
Há no mundo tanto mal
Que apetece desistir
Mas desistir é o aval
Para mais mal persistir.
Tudo tem tão sério ar
Que só levando-o a brincar!
Brincar
A brincar o dia é curto,
Qualquer problema, pequeno.
Saída ao primeiro surto
Chega a vir em alvor pleno.
Rir abre um caminho nédio:
- É, pois, único remédio.
Noz
Rimo-nos dos outros, de nós
E do mundo.
Após
Tudo devir jucundo
É que semeamos a noz
Que torna tudo fecundo.
Roube
Quando uma terra se roube,
Logo a fortuna decai,
Dada a sorte que lhe coube,
E na miséria se esvai.
Foi o destino das guerras
Quando se pilharam terras.
Só se inverteu tal destino
Quando ao povo derrotado
Se permitiu tomar tino,
Enriquecer novo fado.
Ao tomar em mãos a sorte,
É nobre, de novo, o porte.
E o mundo se engrandeceu
Do cume que se atingiu.
Longe
É fácil não fazer nada
Quando é lá longe a desgraça.
Ser solidário me agrada
Só perto de mim na estrada,
Que lhe sinto o amor na traça.
Questão é quando, à lonjura,
Desgraça a nós nos procura:
Bem gostávamos que alguém
Um pouco mais fosse além,
Até rastrear no chão
O sangue da nossa mão.
Criado
Se um criado te falhou,
É logo posto na rua
Se de propósito o fez.
Se hesitas no que o levou,
Logo doutro modo actua
A decisão do entremez.
Uma vez pode ser erro,
Duas, coincidência ou sorte,
Três, ou é deliberado
Ou mau hábito no encerro
E a prova talvez suporte
De à freima não ser dotado.
Há quem tenha imo de escravo
E, quando lhe volta o dono,
Corre ao chicote a dobrar-se.
Se não soube doutro travo
Ou teme o som doutro entono,
Mais corre ali sem disfarce.
Se tem diferente vida,
Quão mais longa a liberdade,
Mais é provável amá-la.
E é mais funda, na medida
Em que a todos persuade
Que a sério de tal faz gala.
Porém, nada disto vale
Se não aprende o respeito
E só o medo é que o comanda.
Se só o medo é que equivale
Ao julgamento do peito,
A confiança por onde anda?
Persegue
Quando alguém persegue alguém
Só porque ele é diferente,
Não por fazer mal à gente,
Principia e leva além
A violação, por maldade,
Do que é qualquer liberdade.