QUADRAS IRREGULARES
CONJUNÇÃO
Pior
O pior duma tareia
Não é da pisadura o centro,
É o que nos desfeiteia
Por dentro.
Volta
A gente volta atrás
Sem reparar.
É que então é capaz
De se encontrar.
Ensinam
O amor e o desejo
Ensinam homem e mulher, a par,
Se lhes derem ensejo,
A voar.
Miséria
Enquanto a miséria peneira
As fraldas da cidade,
Inda não há verdadeira
Liberdade.
Anseio
Há pessoas assim:
Podem mandar-me para o inferno
E, falo por mim,
Torna-se logo o meu anseio superno!
Romance
O romance é alguém ferido
Cuja dor
É curada, nalgum sentido,
Pelo amor.
Crítica
A crítica é um pontapé
Na canela:
Dói muito, mas é
O que permite no futuro evitar a sequela.
Fundura
A vida,
Tudo está no pormenor,
Embora o conjunto decida
Da fundura qual a cor.
Corre
A vida corre todos os dias,
De ponta a ponta,
E das correrias
Ninguém parece dar-se conta.
Esperar
O problema maior não é a morte,
É esperar por ela:
- Qual a sorte
Ao saltarmos da janela?
Caminho
Às vezes a vida é negra:
Para onde ir?
Esta, porém, é a frutífera regra:
Andamos a caminho do porvir.
Fim
Seja qual for o caminho,
Não tarda,
Ninguém precisa de ser adivinho:
- O muro do fim aguarda.
Vivem
Muitos vivem mortos,
Da vida esquivos.
Por mais, porém, que vivam tortos,
Têm o direito de morrer vivos.
Único
Por vezes é o sofrimento,
Não a alegria,
O único caminho do fermento
Dum novo dia.
Mundo
O mundo gira
No intervalo,
Embora eu confira
Que não ando a empurrá-lo.
Maior
Dor maior é reparar
No nosso umbigo
E ver o mundo em redor dele sempre a andar
E, pior, sou eu que o sigo.
Banho
Chorar
De emoção que no imo mora
É tomar banho de mar
De dentro para fora.
Dentro
O que nos atormenta, como um feitiço,
Mora dentro de nós.
Nunca, portanto, após,
Nos libertaremos disso.
Hora
Quando tudo corre bem,
Não é de folgarmos,
Antes hora em que mais convém
Nos preocuparmos.
Galo
Onde águia não houver
O galo cantou:
“Ante quenquer
Águia sou!”
Sinto
Convenho,
Pode parecer tolo:
Só sinto deveras a sede que tenho
Depois do primeiro golo.
Desfasamento
Quando o desastre acontece,
Do desfasamento temporal
Muita gente perece
Em queda livre mental.
Conjuntura
Nada melhor, à partida,
Na conjuntura dum lugar,
Que a saída
Em que todos venham a ganhar.
Coroa
Por mais clara que seja a norma
Da lei,
Nenhuma coroa transforma
Um homem num rei.
Falsos
São mais perigosos
Os falsos amigos
Que os mais tenebrosos
Inimigos.
Entrarão
Certos portões
É melhor não os abrir
Se ignoramos os senões
Que por eles podem entrar a seguir.
Esfolar
Para visitar os segredos
Dos jardins da sabedoria
Urge bater à porta que os prenuncia
Até esfolar os dedos.
Destino
O destino do homem
É insofismável.
Porque é que tantos à toa se consomem?
- O homem é divinizável!
Alberga
Todo o artista,
No foro interno,
Alberga do céu a pista
E do inferno.
Maior
O maior sábio
É o que não se crê infalível,
Cujo lábio
Duvida, duvida até atingir o inatingível.
Gota
Basta uma gota de sonho
Mal medida,
E de repente de tudo disponho:
Que doce a vida!
Dimensão
A mais bela dimensão humana
É a que os fanáticos ignoram:
O mistério. Dela emana
A teia dos sonhos que o Infinito devoram.
Infelicidade
Uma coisa extraordinária?
Pelo mundo ao vaguear,
A infelicidade é a ordinária
Coisa do mundo mais vulgar.
Encontrar-se
O rico
Tem a vida num torresmo:
Tem tudo onde depenicar o bico
Menos encontrar-se a si mesmo.
Toque
Os homens gratos pensam
Que o toque feminino envida
A pouca bênção
Que podem ter na vida.
Língua
A fala
Tantas vezes tropeça
Que muitas vezes é quando a língua se cala
Que a verdade começa.
Prémio
O prémio do acto generoso
É sobre si próprio a vitória,
Da dádiva gratuita o gozo
E a glória.
Tantos
Tantos livros e palavras,
Tanto engano!
Andamos a desviar as lavras
Do humano...
Agir
Urge agir pelo povo
Mas sem ele?
O nascituro eclode do ovo,
Sem coração, porém, nem pele.
Fica
Um campónio,
Façam dele o que fizerem,
Campónio fica o demónio
Pelos dias de vida que lhe escorrerem.
Convivialmente
Quando o mundo ignaro, simplório,
Convivialmente se integre,
Partilha um serão alegre
Como um velório.
Jardins
Quando toda a preferência
É pelo monturo,
Como é que, em minha tendência,
Jardins apuro?
Jugo
As almas vis
Que o jugo sofreram demais,
Mal no poleiro as intuís,
Logo oprimem todos os mais.
Mãe
Quando em nós se fita
E cola como grude,
Pode ser a desdita
Mãe da virtude.
Nariz
O sentimento de humanidade,
Quando se reparte,
Mete o nariz, de verdade,
Em toda a parte.
Apreciar
É preciso conhecer o mundo inteiro
Para apreciar como sabe bem
O cheiro
Da mesa da mãe.
Novo
A dor provocada
Por amor não correspondido
Pode sempre ser curada
Por um novo amor surgido.
Difícil
Tem de ser difícil a vida.
Doutro modo como se poderia,
Na conta devida,
Medir a alegria?
Infringindo
Importa fazer justiça
Em nome da humana grei,
Sem hesitar com quanto a enguiça,
- Mesmo infringindo a lei!
Sonho
O homem vive do sonho que o invade:
Medita
E devém verdade
Aquilo em que acredita.
Jamais
A imaginação
Para o prazer e a alegria
É um dom
Que Deus jamais nos negaria.
Corta
Não é apenas o estólido
Que, desastrado, corta a eito:
Não há nada mais sólido
Que um preconceito.
Capital
Capital com que não se tem cuidado
Tem a tendência indecente
De se tornar, por todo o lado,
Independente.
Cão
Devemos pensar sempre o melhor
Mas com o cão engatilhado
Prudentemente preparado
Para o pior.
Antigas
Das antigas maneiras o saber
Alvar:
Deixar correr
E nada de pensar.
Sabedoria
A sabedoria vem do passado,
O porvir é o campo dos erros,
Lavrado
E a parir a ferros.
Afastam-nos
Morremos.
Da vida os fastígios
Da morte os remos
Afastam-nos como meros vestígios.
Fá-la
Queres uma coisa feita?
Sem demora,
Para evitar a desfeita,
Fá-la agora!
Menos
Credo,
Que medo tens de falhar!
Ao menos não tenhas medo
De tentar...
Cumprida
Promessa
Aceite sob pressão
Logo aí começa
A não ser cumprida então.
Monstros
O mundo é um lugar de paz e luz
Mas os monstros são reais,
O que traduz
Quanto temos de fazer mais e mais e mais...
Alternativa
Qualquer alternativa é melhor
Que trabalhar
Num lugar
Onde ninguém nos der valor.
Fechado
Um coração fechado trancou
Do lado de fora toda a dor?
É a proteger o que lhe restou
No interior.
Rotina
Nascer, crescer, reproduzir-se e morrer,
A rotina principal.
Para quê nas secundárias me perder
Da estrada real?
Esquecemo-nos
Primeiro esquecemo-nos da bebida,
Depois foi dum talher...
Assim é que, de seguida,
Um dia esquecemo-nos de viver.
Descubro
Tanta morte nos arquivos!
Descubro aí que é que valho?
Morrer é o derradeiro trabalho
Dos vivos.
Emociona
A vida
Emociona quando a vivemos
Mas apenas a compreendemos
Quando termina, à despedida.
Claudicamos
Todos claudicamos após,
Quando o desejo alheio,
Demais cheio,
É mais forte do que nós.
Ignora
Ignora que mente.
Desta feita,
É o que faz que apresente
A mentira perfeita.
Orgulho
Quando o orgulho se senta no trono,
As multidões apenas escutam, a seguir,
A voz do dono.
...E é o que querem ouvir!
Quanto
Quanto amor retido
Dos homens nas pegadas,
Pelas estradas
Quanto amor perdido!
Basta
Homem ou cão, basta um olhar
E se alcança
Engendrar
Uma aliança.
Antigas
Antigas mossas,
Antigas danças:
Nada como o bater de botas grossas
Para fortalecer as alianças.
Metafísico
Metafísico é o planeta Terra,
Temos sonhos e não realidade.
Vivemos entre o porvir que nunca aterra
E o passado que jamais foi de verdade.
Véspera
Mesmo se falhar
A seguir,
Tentar
É a véspera de conseguir.
Ama-me
Por favor,
Não repares em meus jeitos,
Amor,
Ama-me com defeitos!
Mata
Mata estar apaixonado.
Não estar, porém,
Por outro lado,
Também.
Viver
Vai,
Não fiques,
Que quem fica trai!
Não te percas de viver em despiques.
Punho
Em geral, o indivíduo assustador,
De punho em riste,
É apenas alguém cheio de temor,
Um triste.
Decide
A felicidade não cai do céu,
Não pega de raiz.
Cada um é que decide o que é de seu:
Decide ou não ser feliz.
Luxo
Na miséria
Qualquer ínfimo amorável pormenor
É matéria
De luxo de inestimável valor.
Terror
Há quem, por medo da morte,
A morte prefira
Ao terror de enfrentar a sorte
Do dia-a-dia com a morte em mira.
Caia
Ninguém acumula tanto ódio que a rima
Um dia qualquer,
Sem o adivinhar sequer,
Lhe não caia em cima.
Vezes
Muitas vezes ser feliz
Tem um disfarce:
Não é o que se diz,
É resignar-se.
Tudo
Não há nenhum engano
Em nossa trama:
Tudo aquilo que é humano
É simultaneamente sonho e lama.
Saltar
Todo o homem tem no próprio vale
O que o faz saltá-lo de era em era:
Cada qual
Sua quimera.
Pessoas
Das pessoas a igualdade
É uma boa teoria
Mas quando devém realidade
A fantasia?
Lágrimas
As lágrimas, demasiada emoção,
A banheira a transbordar...
E os abraços são
Pensos rápidos a cicatrizar.
Atinge
Ao trepar,
Quanto mais alto atinge do que for capaz,
Mais terá de abandonar
Para trás.
Escolhe
Quem muito escolhe, singular,
Na vida,
É pessoa para findar
Mal servida.
Coração
Só os amigos, nos perigos,
Não têm coração leino.
Dois amigos
Valem mais que um reino.
Livros
O problema dos sagrados livros teus
A que apeles
É que os livros não escritos de Deus
Sabem infinitamente mais do que eles.
Acaba
Do diabo a mais lograda manha
É tamanha
Que acaba por nos persuadir
De nem existir.
Compreender
Compreender até ao fundamento
É o lugar
De aviamento
Para amar.
Salva
Quem salva uma vida,
Pioneiro,
Salva mais, na medida,
Em que nela salva um mundo inteiro.
Considerada
Para além de todos os matizes,
Como pode uma raça,
Espalhadas como todas são por múltiplos países,
Ser tida como uma ameaça?
Exigências
As exigências da vida
E o dever
São aquilo que nos convida
E obriga a crescer.
Parecem
Todos se parecem nas palavras.
Porém, quando atentes
Nas lavras,
Que diferentes!
Todavia
Com insistência
Ralhas?
Todavia, para a maledicência,
Não há muralhas...
Trocar
Os namorados,
Aos poucos,
Acabarão a esgrimir recados...
Os namorados são loucos!
Sem
Sem nós mesmos
Da vida na estrada
Não existem para ninguém nem os torresmos,
Nada!
Basta
Ao mal
É fácil vencer:
Basta os bons, afinal,
Não bulirem sequer.
Trabalho
Inglório
Prado,
O trabalho obrigatório
É sempre sacrificado.
Efeito
Muito os homens enfermam
Pelo efeito da largueza
Com que se prosternam
Ante a riqueza!
Pendure
Por mais vernácula
Que se pendure acima,
Não há obra-prima
Sem mácula.
Verdade
Desesperante,
A verdade é que a verdade, afinal,
É o que há de mais irrelevante
Num tribunal.
Jovens
Os jovens julgam ter todo o tempo do mundo.
Que ilusão essa!
A vida é um segundo
E a toda a pressa...