QUADRAS  REGULARES

 

 

O SER

 

 

 

 

Devastador

 

Devastador o que for

Para o público, ser pode

O benefício maior

Para aquele a quem acode.

 

 

Lei

 

Toda a lei toda aplicada

Tornará do mundo os gozos

Em pouco menos que nada:

Faz-nos todos criminosos.

 

 

Violará

 

Leva sempre ao cataclismo

E violará todo o credo:

Verdadeiro terrorismo

É o terrorismo do medo.

 

 

Diversificados

 

Abordagens e motivos

Diversificados vão

Melhorar dos objectivos

Comuns o que atingirão.

 

 

Beleza

 

Beleza não é só cara bonita

Mas um bom coração manter também

E manter alma limpa sempre além

Dos atropelos graves da desdita.

 

 

Diferença

 

Boa educação é luz,

Ignorância é escravidão,

Diferença que traduz

Haver mais ou menos pão.

 

 

Dão

 

Os que aos outros dão de si

Logram o inimaginável:

Os mais melhorando ali,

Quem se der finda saudável.

 

 

Elegância

 

A elegância, por essência

Bem mais que corporeidade,

Radica e é consequência,

Bem no fundo, da humildade.

 

 

Relógio

 

O tempo nunca obedece

Do relógio ao ponteiro:

Quanto nos velhos se apresse,

Na juventude é ronceiro.

 

 

Alvor

 

Porque sou tão confiante?

É de mim, ao decidir

Avançar para diante,

Tal se eu fora o alvor a vir.

 

 

Deparar

 

A mim, o mais irritante

Nos outros, nalguns trejeitos,

É deparar-me adiante,

Afinal, com meus defeitos.

 

 

Bastante

 

Quando alguém bastante grande

For para então dar nas vistas,

É bastante a que lhe mande

Outrem tiros das balistas.

 

 

Mentira

 

Cada vida passageira,

Seja lá qual for a idade,

É mentira traiçoeira:

- É que ela é imortalidade.

 

 

Boas

 

As coisas boas da vida,

As que deveras ganhei,

Nunca o foram por medida:

Não são nunca o que planeei.

 

 

Espaço

 

Do homem nas estranhas lavras

Cresce uma estranha raiz:

Há um espaço entre as palavras

Que mais que as palavras diz.

 

 

Apreciamos

 

Nunca apreciamos tanto

Uma oferta de bandeja

Como a que esperar, enquanto

Luto por que um dia a veja.

 

 

Fim

 

Não é mais ou menos sorte

O fim que ao fim for vivido:

Quem não viver com sentido

Sentido não tem na morte.

 

 

Pende

 

O tempo transformador

Não pende da duração:

Um instante pode um ror

E uma vida, às vezes, não.

 

 

Mata

 

O que nos mata é doença,

Decadência da velhice,

Não da verdade a sentença

Sobre quanto a vida disse.

 

 

Saber-me

 

O que nos mata a esperança

Não é saber-me mortal,

É se abandonado alcança

Alguém ver-se no final.

 

 

Gente

 

Muita gente há que se esquive

Trancada à primeira porta,

Há muita gente que vive

Mas vive de forma morta.

 

 

Corrida

 

Na corrida desmedida

Procurando a boa sorte,

Há o que empobrece de vida

E se enriquece de morte.

 

 

Fundo

 

Aquele que pensa e sente

Do fundo do coração

Vê o que diz ou faz ausente:

Tudo é desintegração.

 

 

Acredito

 

Só acredito no sagrado

Que não for a ter vantagem:

Se findar prejudicado

E assim mesmo seguir viagem.

 

 

Poço

 

Se fui um poço vazio,

Vazio irei continuar

Quando a morte o débil fio

Da vida de vez cortar.

 

 

Palavra

 

A palavra tem poder

De mudar e construir

Muito maior que qualquer

Trato outro que auferir.

 

 

Baixa

 

Quem tiver baixa auto-estima

Crê que os mais o julgam péssimo

E os mais trepam vida acima

Sem dele ver nem um décimo.

 

 

Passos

 

Quando somos dispensados,

A dor é sempre maior

Que se os passos desviados

Fomos nós quem os quis pôr.

 

 

Impressão

 

A impressão que permanece

Será sempre a derradeira:

Pouco importa a vez primeira,

Ante aquela logo esquece.

 

 

Nada

 

Nada é definitivo,

Senão o que se viveu.

Bem ou mal, morre o que é vivo

E, se mal, pior ao bem meu.

 

 

Arbítrio

 

O livre arbítrio não é

O que escolho para a vida,

É o que a vida põe-me ao pé

Para vivê-lo em seguida.

 

 

Estranho

 

O mais estranho do mundo

É que em redor tudo morre

E eu nunca entendo, no fundo,

Que o mesmo comigo ocorre.

 

 

Luto

 

O luto pode ser triste

Como pode ser alegre:

Pende do que nele aviste

E do Todo em que o integre.

 

 

Camões

 

Estranhas vidas se apuram

Nas utopias que abraçam:

As obras de arte perduram

Mas os Camões todos passam.

 

 

Realizar

 

Realizar um sonho

Que muito se quer...

- Quanto sou lá ponho,

É como morrer.

 

 

Problema

 

Quando se foca a atenção

Sobre um problema menor,

Ele cresce, cresce então,

Maior finda que o maior.

 

 

Fundo

 

Por vezes, ser um herói,

Quando o bem comum abarco,

Significa que ele foi

Ao fundo já com o barco.

 

 

Poderes

 

Sempre os poderes preferem

Gente que em silêncio morre

A quem pela vida corre,

Fúrias mil nele a baterem.

 

 

Supermercado

 

Supermercado deserto...

Até onde a vista alcança,

Não é de bens, ao fim perto,

É deserto de esperança.

 

 

Muda

 

Mesmo quando toda a escolha

Parece de vez perdida,

A sorte rebenta a bolha,

Brota à frente uma avenida.

 

 

Palavras

 

As palavras serão vento

Mas o vento é que espevita

Do incêndio todo o tormento

Que nem a tormenta evita.

 

 

Época

 

Em época de paz

Discretamente aterra

A semente que faz

Desencadear a guerra.

 

 

Fáceis

 

As coisas serão decerto

Mais fáceis de proclamar

Do que de ficar vão perto

De um dia se realizar.

 

 

Palavras

 

Palavras leva-as o vento?

Todavia, um vento forte

Dum carvalho até o portento

Derruba em total desnorte.

 

 

Custa

 

Não custa manipular

Do indivíduo o coração,

Basta apenas controlar

As fontes de informação.

 

 

Horas

 

Dão vida as preocupações

Como as horas de prazer.

Porém, desconta as lesões,

Sabor mau de igual saber.

 

 

Aponta

 

Muitas vezes o mais óbvio

Passará despercebido

Se o pensamento pacóvio

Investe noutro sentido.

 

 

Armas

 

As armas nunca conferem

A ninguém qualquer nobreza:

Procedem desta e referem,

No que é nobre, o que se preza.

 

 

Temor

 

Temor da superstição...

Não existe luz alguma,

Só pavor da escuridão

E nisto só se consuma.

 

 

Glória

 

A glória, mas que ilusão!

A barbárie da maldade

Imiscui-se pelo chão

Que pisar a humanidade.

 

 

Conhecimento

 

Conhecimento é uma droga

Virulenta, irresistível.

Como em qualquer, nele voga

Bem e mal e a todo o nível.

 

 

Momentos

 

Nos momentos de perigo,

Nas conjunturas mais graves

Já ninguém pensa em pascigo.

As viandas? São tudo entraves!

 

 

Repelem

 

Jesus anda de teu lado

Mesmo se as igrejas dele

Te repelem com o enfado

De quem lhe roubou a pele.

 

 

Debaixo

 

Para quem debaixo de água

Estiver apenas conta

Voltar à tona da mágoa.

Que importa que mais aponta?

 

 

Semana

 

Uma semana em cadeia

É muito tempo, é demais.

Mas de liberdade cheia,

Que curta, mal dá sinais!

 

 

Assim

 

Passamos a vida à espera.

Quando chega, não é nada.

Nova espera se pondera

E é sempre assim a jornada.

 

 

Ocorre

 

Quanto ocorre muitas vezes

Já nos não impressiona?

Há morte há biliões de meses,

Contudo é sempre uma fona...

 

 

Perde

 

Quando alguém perde a raiz,

Finda a vida muito triste.

A pessoa, por um triz,

Quase como não existe.

 

 

Canção

 

Velha canção de embalar.

A mais velha e de viúva

Murmura quase a chorar,

É a bela canção da chuva.

 

 

Ganha

 

O homem, animal estranho,

Ganhará mais ordens dando

Do que ganha suplicando,

Se é que vem disto algum ganho.

 

 

Elmo

 

É um elmo esta solidão

A que fechei a viseira:

Ouvimos, vemos o chão,

Fora fica a vida inteira.

 

 

Simples

 

As coisas mais simples são,

A maioria das vezes,

As que nos levantarão

No futuro mais reveses.

 

 

Encurta

 

Um saber veloz apenso

À minha estreita medida:

O trabalho mais intenso

Encurta dias de vida.

 

 

Fugir

 

Cruzar ninguém pode a vida

Sempre a fugir do passado:

Vem ter connosco em seguida

E o pé finda acorrentado.

 

 

Entrada

 

A entrada para o inferno

Um portão não é de chamas,

É um arco florido, terno

E com as músicas que amas...

 

 

Tendência

 

Temos tendência a exigir

Do semelhante a nobreza

Que em nós nem há-de existir

E outra é a que ele acaso preza.

 

 

Milhas

 

As dez milhas de lonjura

Donde se quiser estar,

Parecem cem, se se apura

Quão sente quem se alongar.

 

 

Medo

 

Temos um medo de morte

Dum lugar desconhecido:

Somos o miúdo à sorte,

Do escuro sempre fugido.

 

 

Igual

 

Miséria, necessidade

Dão aos pobres tentação.

E as grandezas e a vaidade

Dão aos mais igual quinhão.

 

 

Sempre

 

O que temos no presente

Decepciona facilmente

 

E aquilo que desejamos

Sempre nele acreditamos.

 

 

Muda

 

O arrependimento

Por causa da morte,

Quando muda a sorte

Só dura um momento.

 

 

Criminoso

 

Criminoso arrependido

Diante do cadafalso?

Não do crime cometido,

É que a forca é-lhe um percalço...

 

 

Obrigação

 

Quanta entrega de poder

Sobre os outros pressupõe

A obrigação de escolher

Que ao engano nos expõe!

 

 

Eterno

 

Esperança, inquietação,

Tudo eterno recomeça.

A felicidade não

Fixa a lei, nela tropeça.

 

 

Fogo

 

O fogo é que desenlaça

Oiro de gangas que o tomem.

O mesmo opera a desgraça

Ao vir depurar um homem.

 

 

Violento

 

Arrastado em turbilhão,

Nem lhe restará uma reza,

Incapaz de dizer não,

- É o violento por fraqueza.

 

 

Sombra

 

Como a sombra é inseparável

De quem caminhar ao sol,

O traidor sempre encontrável

É do inovador no rol.

 

 

Preocupado

 

Preocupado com amos

Anda a vida inteira urgente

O que nasceu com os ramos

Presos ao pé de alta gente.

 

 

Escrita

 

A escrita sempre falseia

O que houver no pensamento.

A mente é da praia a areia,

O papel, de horta um tormento.

 

 

Herói

 

Pela paixão arrastado,

Todo o herói é um desatino

E a grandeza que há tomado

Foi de a tempo tomar tino.

 

 

Viagem

 

Será o homem como o barco,

Afunda se não há porto.

Mas, se a viagem não abarco,

Nem sou barco, estarei morto.

 

 

Velho

 

Ama o velho a solidão,

Pressente, no negror pulcro,

A infinita dimensão

Que mora além do sepulcro.

 

 

Gente

 

Quem se solidarizar

Com gente vulgar repara

Que nunca a gente vulgar

Gente vulgar se julgara.

 

 

Conchas

 

As conchas não vêm de fora,

De dentro se desenvolvem:

O espírito que ali mora

Revelam enquanto o envolvem.

 

 

Mistério

 

Mistério que nos rodeia

Não é o sexo, que elogia,

É como é que finda cheia

Cada hora cada dia!

 

 

Saco

 

Há quem seja um saco inchado,

Cheio de sentenças dentro,

Rótulos por todo o lado...

- E é um ninguém quando nele entro.

 

 

Inocência

 

A inocência se avizinha,

Por mor do inocente dom,

Muitas vezes duma vinha

Em poda de perdição.

 

 

Palavras

 

Como somos pueris!

Quando às palavras te dobres,

Logo mesmo os actos vis

De nobres termos recobres.

 

 

Tirania

 

Tirania que se aprume

Não é mera veleidade:

Primeiro devém costume,

Logo após, necessidade.

 

 

Quase

 

Quase nada neste mundo

Se entende como se diz

E nada se faz, no fundo,

Como eu entendido o quis.

 

 

Eterno

 

Insatisfação e dor,

Das empresas culturais

São sempre o eterno motor,

Hoje e amanhã que sonhais.

 

 

Direito

 

Há um direito superior,

Acima do positivo,

Que é o real conformador

Do que naquele for vivo.

 

 

Espírito

 

O espírito é criador.

Força física pesada,

Perante dele o fulgor,

É quase insecto de nada.

 

 

Tenta

 

É por exterioridades

Que o que vive da ganância

Mas não tem as qualidades

Tenta impor sua importância.

 

 

Condição

 

Há muito quem apetite

Só tenha do que outros comem.

Ninguém logra ter desquite

De sua condição de homem.

 

 

Toiro

 

Mesmo o toiro bravo cansa

Se marrar apenas no ar.

Nenhum poder força alcança

Se ninguém se expõe a par.

 

 

Sábio

 

Sábia superioridade

Do sábio ouve, indulgente,

O chilreio, paciente,

Dos miúdos: é a cidade.

 

 

Divertimento

 

As pequenas vilanias

Tal como as grandes vaidades

São divertimento a dias

Para todas as idades.

 

 

Justeza

 

A justeza do justo tanto enguiça

Que então nem reparamos na sequela:

Quem põe a andar a roda da justiça

Pode ser apanhado então por ela.

 

 

Impostura

 

Onde a impostura reina

Desaparece o riso:

Atinge, quando teima,

Mesmo idiotas com siso.

 

 

Louvores

 

Os louvores dos amigos

Quase automáticos criam

Uma leva de inimigos

Que em nossa carne se aviam.

 

 

Músculos

 

Os músculos mais depressa

Trabalho encontram a sério

Que o que a inteligência meça,

A fiar-se de seu império.

 

 

Mecânica

 

A mecânica rotina

De qualquer labor hodierno

É de escravidão a sina

De qualquer sonho superno.

 

 

Homem

 

O homem tem um sentido

Deveras apalhaçado:

O homem mais presumido

É o homem mais fracassado.

 

 

Fanfarrão

 

Mais fanfarrão egoísta

Sempre é o falso coração

Que crê que ele é que conquista

Qualquer bem-querer à mão.

 

 

Honras

 

Tem honras qualquer profeta

Se não for na própria terra.

Qualquer pessoa concreta

Igual desterro a desterra.

 

 

Proibi-lo

 

O modo mais eficaz

De algo tornar desejável

É proibi-lo, contumaz,

E sob pena inevitável.

 

 

Esforço

 

O esforço de andar de guarda

É um ladrão muito esgotante:

Rouba-nos, na senda parda,

A alegria vida adiante.

 

 

Surpresa

 

Surpresa é característica:

Nunca sabemos quando uma

Aparece, muito artística,

E a pesquisa desarruma.

 

 

Calmante

 

O calmante natural:

Este murmúrio das ondas

Do mar penteando o areal

E o céu onde o infindo escondas...

 

 

Mudança

 

A mudança minha é boa:

Quer dizer que nossa vida

Já não segue mais à toa,

Segue em frente e à medida.

 

 

Cobrindo

 

Pensar não é solidéu

Cobrindo mentes a par:

Se todos pensam como eu,

Alguém não anda a pensar.

 

 

Fora

 

Lá fora, além da raiz

Onde aqui me enraizei,

Lá fora é sempre o país

Que só nunca visitei.

 

 

Metade

 

Metade do que ensinamos

Não é verdade, é mentira

E nem sequer vislumbramos

Qual metade tenho em mira.

 

 

Espanta

 

Espanta o que não sabemos.

Mais espanta o que nós cremos

 

Que sabemos e, contudo,

Só por saber passa. E é tudo.

 

 

Portas

 

É sempre às portas do nada

Que a maior guarda se posta:

Dá o vazio demasiada

Vergonha, sendo esta exposta.

 

 

Aroma

 

Há um aroma, na mentira,

De morte, que é quanto odeio

No mundo e que tenho em mira

Esquecer da vida em meio.

 

 

Sou

 

Conheci além um porto?

Dizer, porém, conheci

É de algo falar que é morto:

Não sou além, sou aqui.

 

 

Quem

 

Somos quem somos. Verdade?

Quando a pensar nós nos pomos,

Não somos nunca quem somos:

Sou quem molda a sociedade.

 

 

Filhas

 

Filhas do enamoramento,

As realidades são falsas,

Mas são lindas. Mas são vento

E a que alturas tu as alças!

 

 

Esquecer

 

Esquecer é imaginar

Que algo que foi o não foi,

Imaginário que dói,

Um pouco da morte a par.

 

 

Trai

 

Saber quando um homem mente,

Que termo trai a intenção?

É o impossível presente:

- Um imo não tem portão.

 

 

Tempo

 

O tempo é bom para a história,

Não, porém, para a verdade.

Tudo distorce a memória,

Dá sempre outra identidade.

 

 

Esquece

 

Só esquece deveras quem,

Ao esquecer pretender,

Do que esquece mais além

Se esquece até de esquecer.

 

 

História

 

A História que tu reviras,

Mal a tocas a escalavras:

A História são mil mentiras

Em mil jogos de palavras.

 

 

Saber

 

Queres saber a verdade

Ou quanto dela se abusa?

A verdade de verdade

É sempre, sempre confusa.

 

 

Pouco

 

Quão pouco heróico é o presente

E a verdade, pequenina,

Senão na hora em que a invente,

O instante em que me ilumina!

 

 

Juram

 

Juram a todo o momento?

De que é uma jura capaz?

Melhor não é um juramento

Do que o jurador que o faz.

 

 

Único

 

É dum único tostão:

Tocas, fechou-te a armadilha.

Moeda não corre senão

À moeda, em frente da quilha.

 

 

Móveis

 

Móveis dum único preço,

Bricabraque a que me ligo...

- Se me estimo, ali me meço,

Sou eu num espelho antigo.

 

 

Cavalos

 

Nossos cavalos galopam

Mal aponta o amanhecer,

Mal nos topam, mal nos topam,

Mais que nós vida a correr.

 

 

Sapateando

 

A sorrir sem se dar conta,

Sapateando a dançar,

Será quem, de ponta a ponta,

É feliz de par em par.

 

 

Brancos

 

Não é um pai mas um avô:

Cabelos brancos da vida,

A cabeça um iô-iô

E toda ela florida!

 

 

Velho

 

De dia para dia o velho pai

A criança se torna da criança,

Nenhuma protecção dele hoje sai,

Defesa sem defesa, o eterno o alcança.

 

 

Cada

 

Cada guerra porá fora

De moda uma geração

De heróis porque, de hora a hora,

Cobre-os doutra vala o chão.

 

 

Problema

 

O problema de hoje em dia

São os actos, não as actas:

- Como haver democracia

Se não houver democratas?

 

 

Discutir

 

Quem vai discutir a corda

Com que irá ser enforcado?

Quem pretende que isto o acorda

E não o ser condenado?

 

 

Qualquer

 

A gente quer qualquer coisa,

Qualquer coisa na parada,

Que qualquer coisa na loisa,

Qualquer é melhor que nada.

 

 

Conta

 

Em política, a aparência

Conta mais que a realidade

E devém uma indecência

Quando ao fim tudo ela invade.

 

 

Poder

 

Todo o poder nos corrompe

Mas a falta de poder

Corrompe inda mais, que rompe

Com toda a malha de ser.

 

 

Caímos

 

Sempre que de nós

Tentamos fugir

Caímos após

Em nós, a seguir.

 

 

Odeio

 

Há sempre um incontornável

Que atinge de quando em quando.

Odeio este insuportável

Que, afinal, vou suportando.

 

 

Faltou

 

Faltou pão, faltaram paus?

Quem vai mondar as raízes?

Os infelizes são maus

E, além de maus, infelizes.

 

 

Culpa

 

Sempre a culpa é mesmo estranha.

Será que a deveras sentes?

Aparece e quem a apanha

São, no fundo, os inocentes.

 

 

Santo

 

Quem nunca pecou não é

Santo deveras, por junto.

Quem nunca pecou, de pé

Nem se tem, é só um defunto.

 

 

Pior

 

O pior da vida é haver

O incomportável que tenta

Propriedade em mim deter

E, contudo, a gente o aguenta.

 

 

Fez

 

O que não me fez tremer,

Apetecível, temível,

Não foi deveras sequer

De algum modo inesquecível.

 

 

Tipos

 

Dois tipos há de pessoas:

As que correm risco às portas;

As que andam só pelas broas,

Que são as que já estão mortas.

 

 

Mede

 

Mede a grandeza de alguém

Para outrem ele rir

Quando ele chorar, porém,

Por dentro como sentir.

 

 

Adulto

 

Muito eu me via acolá!

Depois nunca mais me vi.

Eu já fui adulto, já,

Contudo depois cresci...

 

 

Verdadeiramente

 

Verdadeiramente morto

Poderá ser para alguns

Da bênção de Deus o porto,

Sem mais infernos nenhuns.

 

 

Demais

 

A dor e a miséria,

Quando repartidas,

Por demais são féria

A entregar-nos vidas.

 

 

Lado

 

O outro lado pleno,

Meu mergulho interno:

Povoado pequeno,

Porém grande inferno.

 

 

Mentira

 

Mentira, para o fanático,

É o que transmuda em verdade,

Que o que conta, em senso prático,

É crerem no que lhe agrade.

 

 

Rói

 

Só Deus sabe o mal

Que rói as pessoas

Para os mais fanal

Só de coisas boas!

 

 

Volta

 

Quando temos um momento

Para nós próprios de olhar,

Volta logo o pensamento:

- Para quê tanto lutar?

 

 

Semearmos

 

Tanta amargura se encontra

E tanta angústia, ao sinal

De semearmos a montra

Do trilho do bem e mal!

 

 

Bênção

 

É uma bênção possuir

Imaginação que agrade

Independente, ao surdir,

De qualquer realidade.

 

 

Exercício

 

O exercício dum dom,

Dum dom extraordinário

Do prazer da vida é o tom,

Mesmo o mais atrabiliário.

 

 

Preserva

 

A discreta irreverência

Nos preserva a liberdade

Como o contrário, na essência,

À escravidão persuade.

 

 

Espíritos

 

“Espíritos?! Não, não creio.

Quem é que acredita neles?

Arrepiam-se-me as peles:

Não acredito, receio...”

 

 

Pequeno

 

O meu pequeno trabalho,

Tão simples e tão pateta,

Não muda o mundo um negalho

Mas põe-me a vida completa.

 

 

Óculos

 

Quando os óculos perdi,

Ao olhar-me para dentro,

Pela vez primeira vi

Tudo claro: vi meu centro.

 

 

Sons

 

Há sons de Verão

Para sempre em mim:

Mar em cantochão,

Gaivotas sem fim...

 

 

Livro

 

Um grande livro, memória

A arrebatar-me acolá,

Um grande livro é uma história

Que nunca terminará.

 

 

Luz

 

Há quem torne a luz do sol

Para todos mais brilhante

Desde o apontar do arrebol

À noite mais sufocante.

 

 

Desnudo

 

Desde que haja caridade

Logo aparece o intrujão

A cobrir toda a cidade,

Desnudo, a estender-lhe a mão.

 

 

Demais

 

Tenho visto muitos quadros

Mas com trabalho de menos.

Nenhum com demais nos adros

Sagrados fazendo acenos.

 

 

Íntimo

 

O íntimo de cada homem

É o último a ceder nele:

Quando a forçá-lo o consomem,

Nem o mundo inteiro o impele.

 

 

Diligência

 

A diligência é um apelo

À misericórdia alheia

E a mim próprio no singelo

Fracasso meu que me ameia.

 

 

Cada

 

Cada um é seu sujeito,

É a sua verdade em marcha,

A tornar-se um eu atreito,

Em devir tecendo a escarcha.

 

 

Desmorona

 

Qualquer verdade adiante

Desmorona a realidade

E requer a todo o instante

No mundo outra identidade.

 

 

Proclama

 

Dos homens a maior parte

Proclama querer o Bem.

Na prática (mero aparte)

Só Mal os actos contêm.

 

 

Deveremos

 

Uma qualquer conjuntura

Deveremos aceitar

Quando a razão nos apura

Que a não pode remediar.

 

 

Tremer

 

Toda a História é um pesadelo

De que tento despertar

E dou por mim, no sincelo,

A tremer, não a sonhar.

 

 

Ordem

 

Qualquer ordem implantada

Receia toda a evidência

Que a vá pôr em retirada

Da perpétua sonolência.

 

 

Dor

 

Se toda a dor, como o fogo,

Produzir ondas de fumo,

Todo o mundo, desde logo,

Se obscurece, em resumo.

 

 

Palavra

 

A palavra tem magia,

Carrega tanta esperança

Ou desespero que um dia

Mais forte que a ideia alcança.

 

 

Tédio

 

Se na vida não houver

Nada a fazer, o dissídio

Contra o tédio de viver

É por fim o suicídio.

 

 

Pouco

 

Um homem sagaz

É o que faz, pioneiro,

Comida capaz

Com pouco dinheiro.

 

 

Longo

 

Eu nem adivinho,

Pois sai do meu peito:

- Que longo caminho

O do dito ao feito!

 

 

Virtude

 

A virtude é perseguida

E, se os invejosos morrem,

A inveja, não: difundida,

O mundo os filhos percorrem.

 

 

Tirano

 

Ser tirano é perigoso,

Por muito gozo que dê

Ao tirano o pé gostoso,

Que ele um dia perde o pé.

 

 

Cobiça

 

A cobiça é bem fecunda

Terra de dupla cultura:

Mal uma colheita apura,

Logo outra semente a inunda.

 

 

Desvela

 

Trilho de humanização

Desvela mais as fraquezas

Do que visa a exposição

De nossas fátuas grandezas.

 

 

Pratos

 

Dos dois pratos da balança

O mais estranho pendor

É que entre quem os alcança

Pendem mais para o senhor.

 

 

Preocupe

 

Por mais que pelo outro mundo

Se preocupe quenquer,

Prima condição, no fundo,

É sempre a de aqui viver.

 

 

Avançam

 

Sentimentos perigosos

E não fáceis sentimentos

É que avançam, caudalosos,

Da Humanidade os intentos.

 

 

Fragilidade

 

Fragilidade potente,

Voa o homem nos espaços.

Quem diria do indigente

Algum dia tais abraços?

 

 

Boa

 

Dinheiro não é sinal

De ter boa educação,

Nem a educação, então,

O é de boa moral.

 

 

Procuramos

 

Procuramos sempre aquilo

De que mais sentimos falta,

Embora saiba o sigilo:

- Sou eu perdido noite alta.