MISCELÂNIA
DA IRONIA AO BOM-HUMOR
Instrução
Instrução em abundância
Há na internet. E é gratuito.
O que rareia é com ânsia
De aprender quem queira muito.
Brilhante
Qualquer cientista que, meigo,
Uma complexa teoria
Lograr explicar a um leigo
Ao fim, que brilhante dia!
Lindo
Se alguém é lindo por fora
E por dentro cai de borco,
É um baton que a toda a hora
Pintará os lábios dum porco.
Teme-o
Aquele que vai morrer
Sozinho (que vida vã!)
Teme-o muito por não ver
Como acordar de manhã.
Caixote
Quem doutrem a sério cuida
E não cuida de seu nicho
Findará, mal se descuida,
Feito um caixote de lixo.
Tempo
O tempo é mesmo danado:
Por mais que me apegue a ele,
Nunca me fica apegado,
Sempre a escorrer-me da pele.
Livros
Os livros serão sapatos
De salto alto muito bons:
Levam-nos a desacatos...
- Aí dos pés eu desato-os
E é correr de fuga em tons!
Relíquias
Relíquias na Idade Média
Multiplicam-se sem fim.
Coroa de espinhos nédia?
Uma, não, são quinze assim!
Só de túnicas de Cristo
Conto, ao menos, umas seis.
Pedaços da cruz hei visto
Tais que deles erguereis
Com abundância um telhado.
E da crucificação
Os pregos são ao manado,
Fora os perdidos no chão...
E há quem a pedra a guardar
Tinha que Jesus nem teve
Onde o crânio repousar
Durante a vida tão breve!
Duro
É duro para um piloto,
Depois de tanto voar,
Dar consigo, o sonho roto,
Por só em terra pousar.
Piedade
A piedade é uma alegria
Muito bem dissimulada:
Alívio de, por um dia,
Não ser daquela jogada.
Casa
Casa um homem quatro vezes,
Quatro vezes é traído.
Para escapar aos reveses
Depois de tão remoído,
De madeira uma mulher
Faz, de vez para a reter.
Deu-lhe o bicho da madeira,
Comeu-a ali toda inteira.
Cadeia
A cadeia, mundo à toa,
Algo de bom faz sentir.
Tem sempre esta coisa boa:
- Que bom é de lá sair!
Ditador
Ditador não enlouquece
Mas também, se bem se apura,
De ser louco não se esquece,
Não se cura da loucura.
Fina
A gente fina, ao rejeitar
O resto do mundo de que nunca gosta,
Besunta-se de bosta
E jura que é creme de bronzear.
Caminhar
As raças humanas, em todas as rotas,
Continuam a gatinhar para diante.
Enquanto se puder tapar o ridículo com notas
Até um anão equivale a um gigante
Poucos
Uns poucos sabem,
Os mais têm um título.
Não precisam de estudar nenhum capítulo,
Basta o título: todos os capítulos lá cabem.
A infame sabedoria
Da família, do apadrinhamento, da mercancia...
Crime
O crime é preciso
Porque garante ao governo a adesão,
No momento preciso,
Do cidadão.
Inocente
O maior inocente, o maior,
De mal com o governo, enviesado,
É, para este, pior
Que um culpado.
Pecado
Para qualquer sacristão
Tudo é pecado e receio,
Desde que na contramão
Dum passo qualquer alheio.
Enterro
Como enterro é sempre a vida,
Enterro de passo torto:
- Para alguém ser bom, convida
Tal alguém a ser o morto!
Galinha
Desde que religioso
Me fiz,
O que de mais ponderoso,
Como aprendiz,
Descobri
É que o melhor petisco
Para um padre ou levita,
O melhor isco
A prendê-los ali,
É galinha frita!
Têm então um prazer divinal
Em qualquer visita
Dita
Espiritual...
Finda
Homem ou mulher pior
Não há nunca no lameiro:
Quem não casa por amor
Finda a chorar por dinheiro.
Se
Se andas sempre satisfeito
E ao que só tens prestas preito;
Quer te dêem, quer te tirem,
Que importa se não ferirem?;
Vives somente neste hoje,
Ontem foi-se, o amanhã foge;
Não tens sonhos, utopias
No teu ramerrão dos dias;
Se assim é, não há questão:
- O que és deveras é um cão!
Verdade
A verdade dum criado
É sempre aquela que o amo
Vai querer, em qualquer ramo,
Ouvir sempre em todo o lado.
Oprimidos
Oprimidos por séculos de servidão,
Já nem a voz erguerão.
Então substituem-nos os iluminados
E agirão no lugar deles.
Sendo ou não por eles aprovados,
Serão quem lhes arrancará doravante as peles.
Sabem melhor - não é verdade? -
O que convém à felicidade...
Simples
O simples homem do povo:
Um naco de pão para comer,
Um canto onde repousar
Sem cuidar
De qualquer renovo,
- E ei-lo feliz como quenquer!
Não admira que o cão,
Sem qualquer ponte
Para qualquer horizonte,
Seja dele o velho irmão.
Cheio
Reanimado e cheio de emoção,
Muito embora sem vírgula entender
Do que para ali andam a dizer,
Em si murmura o crente que a função
É de padre decerto a falar bem,
A julgar pelos berros que além solta,
Pelo suor que lhe alaga a cara em volta,
Pelos suspiros que a assembleia tem,
Tal como se estivessem, ante os céus,
Prestes as almas a entregar a Deus...
Médicos
Médicos muito tempo ausentes,
A gozarem da lazeira os bombons,
Levam os pacientes
A aproveitar o tempo para ficarem bons.
Cinquenta
Revolucionário,
Com cinquenta anos.
Morte? Temerário,
Não lhe teme os danos.
Preocupa-o, sim,
Probabilidade
Dum mau bife ao fim
Duma actividade.
E então o mau cheiro
Que cheira a miséria?
E o alerta inteiro
De mortes sem féria
Numa barricada
De vento gelada?...
- Como é complicado
Manter dele o lado!
Parente
Um parente é uma pessoa
A que se vai sem convite
Para lá lazer à toa
Tempos que nem nos palpite.
Exterminar
Em toda a guerra
Os trabalhadores têm óptimas razões
Apresentadas pelos patrões
Para exterminar a terra!
Faltam
Não faltam os mexericos?
Sua ausência entravaria
Do mundo a marcha, os salpicos.
De tédio morrer faria
Pessoas, não, mafarricos.
Custa
Ele é muito inteligente,
Doutrem à custa engordado,
De toucinho um naco ingente
Por coração já trocado.
Curar
É um tratamento excelente,
De curar com tal virtude
Que, se eu não fora doente,
Tinha excelente saúde!
Corre
Se a vida nos corre bem,
É tudo muito agradável.
Caso contrário, porém,
Que mundo mais execrável!
Repete
Quem repete muitas vezes
A mesma coisa é idiota
E toma os demais fregueses
De parvos como uma frota.
Gostam
Se não gostam de ninguém
E se ninguém gosta delas,
De cães se rodeiam bem:
Pessoas como cadelas...
Consultar
O problema de muita gente
Para resolver qualquer questão,
É correr primeiro, pressurosamente,
A consultar o garrafão.
Ninguém
Hoje em dia já ninguém se ilude:
Não há uma única pessoa normal
Que esteja, afinal,
De perfeita saúde!
Os médicos tal nos ensinam
E todos a tal disparate se inclinam....
Relógio
Ele é tão senhor de si
Que nunca chega atrasado:
Se algum dia tal eu vi,
O mal não veio dali,
Foi relógio avariado!...
Cão
Se um cão vir um osso,
Quer logo roê-lo.
E dum homem posso
O mesmo dizê-lo...
Tiro
Dói
O tiro crítico certeiro?
Todavia, nenhum boi verdadeiro
Protesta quando lhe chamam boi...
É mesmo mais inteligente
Que a gente?
Pretender
Pretender ser importante
Não dá a importância que peça,
Dá uma nulidade adiante,
Brilhantina na cabeça.
Importância
Quem ali quiser entrar
Tem de ter nome importante?...
- A importância que levar
É a do bancário montante!
Amendoim
Porque não dar amendoim ao rato
Quando lograr assim, mui de mansinho,
Evitar o pior do desacato,
Afastá-lo de vez do meu toucinho?
Todos
Todos têm muito valor
Quando se trata de apanhar
O que for
De supor
Ser outrem a pagar!
Agir
Como é que os homens permitem
Todo o dia aos javalis
Que para agir se concitem,
Homens ontem, hoje vis?
Proclama
Se um homem altivamente
Proclama que é um cavalheiro,
Proclama que, enfim, não sente
Que é um palhaço por inteiro.
Destino
Se eu próprio quero, quero!
Não a cadeira pregada,
Prego a prego, à martelada,
Por qualquer destino mero!
Idosa
A idosa ao neto garante
Seguro na praia andar.
Vem uma onda gigante,
Logo o arrasta para o mar.
Desvairada, ajoelha, implora:
“Meu Deus, salva-me o meu neto!”
Outra onda, ali na hora,
Trá-lo à praia, são, completo.
Mas grita a avó contra o céu:
“Ele trazia um chapéu!”
Comenta o povo a saída:
“Pobre e mal agradecida...”
Sherlock
Sherlock Holmes acampar
Foi com Watson certo dia.
Na tenda após ressonar
Acordou na noite fria.
Sacudiu logo o parceiro:
“Olha ao alto, que é que vês?”
“Vejo o Cosmos todo inteiro,
Biliões de estrelas talvez...”
“Que podemos deduzir
Duma tal afirmação?”
“Um astrónomo existir
Vê galáxias ao milhão.
Um astrólogo verá
Em que signo está um planeta.
Metereologia dá
Que amanhã bom tempo espreita.
Um teólogo entender
Consegue o poder de Deus
E quão minúsculo ser
Somos nós perante os céus...
E, Holmes, que é que deduz
De tão grandiosa oferenda?”
“Watson, és mesmo um lapuz:
Vê, roubaram-nos a tenda!”
Médico
Conta o médico ao doente:
“Não tenho boas notícias,
Pouco tempo tem à frente...
Goze todas as blandícias.”
“Mas quanto tempo me resta?”
“Dez...” “Dez quê? Dias, semanas?...”
O médico não se apresta
A sair. Com poucas ganas,
Antes que a questão renove,
Continua, calmo: “...nove...”
- A vida é curta e mais curta
Se a cada dia se furta.
Fila
Na manhã dos grandes saldos
Há fila de madrugada.
Por entre os clientes baldos
Fura um, pela calada.
Logo a multidão o agarra,
Põe-no no estacionamento.
É, porém, homem de garra,
Tenta outra vez, no momento.
Mal avança, a multidão
De novo o atropela, impede.
A coxear, rezingão,
Vai para a frente, não cede.
“És maluco?!” – alguém pergunta –
“Dão cabo de ti se tentas
Furar tanta gente junta.”
“Bem sei. Com as horas lentas,
Ninguém de facto se arroja...
Mas fique a espera tranquila:
Se eu não chego à frente à fila,
Não consigo abrir a loja!”
Barbeiro
“Está vendo aquele miúdo?”
- Diz o barbeiro ao cliente. –
“Mais estúpido é que tudo!
Quer ver mesmo? Então atente.”
Dum euro toma uma moeda,
Outra de dois noutra mão.
Pede ao miúdo conceda
Escolher qual quer então.
Logo ele agarra na dum
E corre à rua, ligeiro.
“Mais burro que qualquer um!”
- Remata alegre o barbeiro.
O cliente vai-se embora,
Vê o miúdo nos gelados.
“Porque não quiseste agora
De dois euros ter trocados?”
“No dia em que isso escolher
Finda o jogo. Está a ver?...”
Falso tolo e seu dinheiro
Vão-se embora alegremente.
Veja bem, por derradeiro,
Quem mais tolo é dentre a gente.
Selva
A selva leva a entender
O nosso papel no mundo:
Animais como qualquer
Animal outro, no fundo.
Mamã
- Mamã, porque casaste com o papá?
- Porque ele me fazia rir um pedaço.
- Pois é. Nem reparaste lá
Que podias ter casado com um palhaço...
Fascinante
De repente, a rapariga
Com quem ninguém quer falar
É a mais fascinante intriga
Com que se pode topar?
- É das redes sociais
Dela com fotos a mais!
Barrigas
Quando a festa for de arromba
Há lá barrigas pejadas!
Há lugar para o que tomba
E mais quarenta garfadas...
Cura
A melhor cura contra o preconceito
Racista, político, religioso...,
Não é varrê-los a eito,
O que seria por igual preconceituoso.
- A melhor maneira
É atingi-los na carteira.
Verdade
Verdade não é carroça
Que ande tanto mais depressa
Quanto mais burros lhe engrossa
A longa fila à cabeça.
Caricatura
Não há, não, como morrer
Para que gostem de nós:
É a caricatura a ser
Quem não fui mas sou após.
Trocam
Os homens trocam ternura
E sempre de boa-fé
De forma muito segura:
- Muita vez ao pontapé!
Morto
Todo o morto se parece
Com os mais a vida toda:
Um morto nunca acontece
Que venha a passar de moda.
Dom
Muito dom de feiticeiro,
Pé contido, não conduz
A qualquer filho da luz,
Mas onde aflora o dinheiro.
Galinha
A galinha de ovos de oiro
Há quem a mate, não mango,
Jogando fora o tesoiro,
Só para ir comer frango.
Punirem
O meio mais eficaz,
O de mais finos regalos
Para punirem os pais
É deveras imitá-los.
Chamava
Quando chamava a atenção
Do meu filho, perguntei:
“Não ouviste chamar, não?”
“As duas primeiras sei
Que não ouvi, de certeza.
Esta agora foi surpresa!”
Pensam
Uns pensam em comprimento
Outros pensam em largura.
Nuns poucos, o pensamento
Da profundidade cura.
E a maioria compensa:
- Aí ninguém nada pensa!
Comer
Para levar um miúdo
A comer os vegetais
Mistura-lhe o conteúdo
Às comidas principais:
Ripa a cenoura encoberta
Na caixa dos lápis certa!
Circo
Do circo um trabalhador
Limpa bosta de elefante.
É só calor e suor...
E ele firme, ali constante.
“Porque é que tu não arranjas
Um labor num habitáculo?”
“E deixo os loiros e as franjas,
Deixo o mundo do espectáculo?!”
Gestor
O gestor anda a mexer,
Gato na caixa de areia,
Sempre a tentar esconder
Fezes que faz volta e meia.
Fazer
Quenquer se pode propor
De labor sempre um montão,
Basta não ser o labor
Que for de fazer então.
Velhote
“Qual será mesmo o segredo
De tanta longevidade?”
E o velhote, quase a medo:
“Não morri!” E é verdade...
Pequeno
Sem que ninguém lho demande
Pergunta cada freguês:
“Que queres ser quando grande?”
“ É ser pequeno outra vez!”
Trará
Uma comunhão de bens
Trará grandes benefícios
Quando aos afectos que tens
Acrescem mil e um resquícios.
Mas antes assina os vales
Da separação de males.
Balearam
A um assassino ladrão
Que a gente nem adivinha
Balearam no coração
Que felizmente não tinha.
Livra-te
Se amas e fores amado,
Livra-te de te queixares
De a sorte te pôr de lado,
Longe de seus patamares.
Se amas e fores amado
E não te sentes sortudo,
Cume de todo o sobrado,
Então tens juízo miúdo.
Não grites mais de teu curro:
Tua voz é mesmo um zurro!
Dura
O amor, o amor mata!
...Só porque, com sorte,
Quando bem se acata,
Dura até à morte.
Deixa
Um dia deixa de haver,
Deixa de haver amanhã.
Vais acordar e, ao ver,
Não podes nessa manhã.
É bom que antes de tal dia
Acordes a aurora fria.
Teimoso
“Teimoso! Teimoso, não.
Apenas tenho, decerto,
Mais ao longe, mais ao perto,
Sempre, mas sempre, razão!”
Noite
De noite, ergue-se da cama
E a cabeçada à parede
Tem ali logo de ganho:
“Para onde,” – ei-lo reclama –
“Sempre a tentar que me enrede,
Fugiu a casa de banho?”
Sente
Quenquer se sente superior
Quando, entre marionetas,
Pertence ao pendor
Dos que sabem.
Nem que, afinal, todos acabem
Atolados em tretas.
Resumo
O resumo bem pascácio
Da humana ambição se esboça
Em aspirar a um palácio
E terminar numa choça.
Proveito
Novo ou velho,
Que proveito se pode tirar
De guisar um coelho
Antes de o caçar?
Política
A política influência
Sem nenhuma competência
Pesa muitas vezes mais
Que a competência que amais
Mas que nunca tem à mão
Qualquer recomendação.
É o que sempre mantém podre
O mundo fedendo a odre.
Tratado
No meu país
Todo o mundo
É tratado por vagabundo
Até que tudo dobra a cerviz
Para todo o lado
- Porque entreviu um deputado!
Repórter
Local de crime é descanso
Para o repórter novato:
Sigo o rebanho que alcanço
E pronto, já estou em acto!
Revista
Revista de culinária
Se a cortar gordura actua,
Entra em falência sumária:
- Todos no olho da rua!
...É que gordura demais
É ela. E não dá sinais!
Diante
Diante dum monumento,
Um homem velho olha a estátua,
A mulher, o guia atento,
E o jovem, a mulher fátua.
Acaba
Há quem tanto diz que diz,
Dos outros sempre na pista,
Que acaba com o nariz
Mais comprido do que a vista.
Preconceito
Provoca sempre um abalo
O preconceito, quando ataca:
“Um homem deve andar como um cavalo
E a mulher, como uma vaca!”
- Não, não é o meu riso,
É que está a cair granizo...
Concorda
Cada qual concorda bem
Que os mais procedem mui mal
Quando maltratam alguém...
E o mesmo os mais, por sinal!
Adore
Há quem adore arte
Quando, sem desdoiro,
Calce ela, destarte,
Sapatinhos de oiro.
Rebento
Há muito progenitor
Que dá com o predilecto
Rebento feito um senhor
E fica mui desafecto.
Se ela uma inútil beldade,
Se ele um mui amarelento
Foram de idade em idade,
Dependentes, sem alento,
Que satisfeito por ter
Um doméstico brinquedo
Bonito com que entreter
O interminável folguedo!
A afeição familiar
É metade sentimento
De propriedade alvar
E superior alimento
Duma superioridade
Dum ninguém que tudo invade.
E com tal estupidez
Do lar se tece o entremez.
Mundo
O mundo é tão atraente!
Quem diria que é um lugar
Tão ignóbil, indecente
Como o usamos nós tornar?!
Macacas
Há mestres de cantoria
Com macacas a guinchar
Que as amestram, dia a dia,
Para o mercado trepar:
É a corrida ao casamento
Onde imitam um portento.
Comunhão
A comunhão de gostos por arte
Contribui para a felicidade conjugal
Decerto como, por outro lado,
Comparte,
Por igual,
O gosto comum por cabrito assado.
Da felicidade depende o tema
De para que horizonte se rema.
Tudo o mais
É mera paisagem por que passais.
Conhecer
Para quem celebridade não é
Não há nada, na verdade,
Como conhecer, num finca-pé,
Uma celebridade.
Indicações
O mundo inteiro a seguir
As indicações que dou
E a minha casa a se rir
Deste estúpido que sou!
Mais
Porque é que os homens guerreiam?
Querem mais terras, dinheiro,
Mais lonjura aonde ameiam,
Mais gado, vaca ou carneiro,
Mais à refeição comida,
Mais na libação bebida...
Querem mais... E não é mal.
Mal é tirá-lo aos demais
Que querem mais, por sinal,
Iguaizinhos, pois, aos tais.
Findam todos destruídos,
Desta estupidez varridos.
Após
Após três copos de vinho:
Ganha o capitão batalhas;
Os doutores,
Sorvendo licores,
Despejam, de caminho,
Sabedoria pelas calhas;
O comerciante
Mente lucros fabulosos adiante;
O funcionário desata a chorar,
Que até o vencimento já pago lhe está por pagar...
Entretanto, os leitões assados
Erguem no ar os pernis destroçados,
Olhando desoladamente
As bochechas de tanta gente
Dita, em todos os povoados
Em religião, mui crente.
Rei
Ao rei do mundo não basta
Todo este império terreno.
Logrado este, é doutra casta
O sonho de ser em pleno:
Quer ser Deus e, desta guisa,
Só adorado ser divisa.
Eficiência
A eficiência medra
Quando o cidadão
Que atirar a pedra
Esconder a mão.
Comum
Em nós é comum e forte
A repulsão, relutância
De afirmar sermos o norte
Da culpa, ser dela a instância.
Ajuda infinitamente
Bater dos outros no peito
A minha culpa que mente
Quem por fim dela é o sujeito.
Destino, determinismo,
A fatalidade, o instinto,
Um irracional abismo...
- Tudo é o diabo que me pinto.
Todo o pecador, portanto,
É um impoluto inocente,
Vítima de insídia tanto
Quão da escuridão que o tente.
Parceiro
Diabo de tudo culpar
É torná-lo omnipotente,
Parceiro de Deus a par,
E eu cá na plateia assente
Às palmas e assobios
E jamais dono dos fios.
Espantalhos
Se nos tornámos vedetas
Para um povo barrigudo
E era de só sermos setas
De amor por um povo mudo,
Espantalhos apupados
Somos por crer ser amados.
Odeio
“Odeio a guerra!” – diz ela.
E, como fêmea animal
Ama o que a guerra interpela
E quem a faz por igual.
Provém
Se a minha difamação
Provém dum homem tarado,
Prova já que sou, então,
Um homem equilibrado.
Reza
O que tem a gente boa
São só mortos e canalhas
Por quem toda a reza ecoa...
Do mundo o resto? São gralhas!
Cego
Quem é cego, cego é
E, se outro encontra o que busca,
Nega-o, batendo o pé.
Mas que coisa mais patusca!
Grande
Grão Nabucodonosor,
Grande imperador assírio!
Um dia, em louco furor,
Da loucura no delírio,
Põe-se a quatro pelo chão,
Pelos campos fora foi
Convencido, desde então,
A pastar, crendo que é um boi!
- É tal a grandeza humana
Que só rindo não engana!
Calamidades
Para as bolsas de quem reina
Calamidades do povo
São teoria que se aleina,
Não vá galar algum ovo.
Nunca
Os livros para bebés
Dizem que eles vão comer
Cada duas horas, três...
Mas nunca nos vão dizer
Que um comportamento igual
Irão ter até fazer
Dezoito anos e que vale
Até que, batendo a asa,
Sairão de vez de casa.
Pasteleiro
Do pasteleiro o maior
Elogio dentre os seus
É que eu engordei um ror
De saborear-lhe os pitéus.
Cães
Campos de concentração.
Os judeus foram levados,
Os cães deles, porém, não:
Só as pessoas foram gados,
Sem proveito nem combate,
Tudo pronto para abate.
ÍNDICE
Quadras Regulares – Afectos
Quadras Regulares – Deveres
Quadras Regulares – O Ser
Quadras Regulares – Utopia
Quadras Irregulares – Conjunção
Quintilhas e Sextilhas Regulares – Conjunção
Quintilhas e Sextilhas Irregulares – Conjunção
Sonetos
Poemas Longos Regulares – Afectos
Poemas Longos Regulares – Deveres
Poemas Longos Regulares – O Ser
Poemas Longos Regulares – Utopia
Poemas Longos Irregulares – Afectos
Poemas Longos Irregulares – Deveres
Poemas Longos Irregulares – O Ser
Poemas Longos Irregulares – Utopia
Miscelânia – Da Ironia ao Bom-humor