MISCELÂNIA

 

 

 

DA IRONIA AO BOM-HUMOR

 

 

 

 

Instrução

 

Instrução em abundância

Há na internet. E é gratuito.

O que rareia é com ânsia

De aprender quem queira muito.

 

 

Brilhante

 

Qualquer cientista que, meigo,

Uma complexa teoria

Lograr explicar a um leigo

Ao fim, que brilhante dia!

 

 

Lindo

 

Se alguém é lindo por fora

E por dentro cai de borco,

É um baton que a toda a hora

Pintará os lábios dum porco.

 

 

Teme-o

 

Aquele que vai morrer

Sozinho (que vida vã!)

Teme-o muito por não ver

Como acordar de manhã.

 

 

Caixote

 

Quem doutrem a sério cuida

E não cuida de seu nicho

Findará, mal se descuida,

Feito um caixote de lixo.

 

 

Tempo

 

O tempo é mesmo danado:

Por mais que me apegue a ele,

Nunca me fica apegado,

Sempre a escorrer-me da pele.

 

 

Livros

 

Os livros serão sapatos

De salto alto muito bons:

Levam-nos a desacatos...

- Aí dos pés eu desato-os

E é correr de fuga em tons!

 

 

Relíquias

 

Relíquias na Idade Média

Multiplicam-se sem fim.

Coroa de espinhos nédia?

Uma, não, são quinze assim!

 

Só de túnicas de Cristo

Conto, ao menos, umas seis.

Pedaços da cruz hei visto

Tais que deles erguereis

 

Com abundância um telhado.

E da crucificação

Os pregos são ao manado,

Fora os perdidos no chão...

 

E há quem a pedra a guardar

Tinha que Jesus nem teve

Onde o crânio repousar

Durante a vida tão breve!

 

 

Duro

 

É duro para um piloto,

Depois de tanto voar,

Dar consigo, o sonho roto,

Por só em terra pousar.

 

 

Piedade

 

A piedade é uma alegria

Muito bem dissimulada:

Alívio de, por um dia,

Não ser daquela jogada.

 

 

Casa

 

Casa um homem quatro vezes,

Quatro vezes é traído.

Para escapar aos reveses

Depois de tão remoído,

 

De madeira uma mulher

Faz, de vez para a reter.

 

Deu-lhe o bicho da madeira,

Comeu-a ali toda inteira.

 

 

Cadeia

 

A cadeia, mundo à toa,

Algo de bom faz sentir.

Tem sempre esta coisa boa:

- Que bom é de lá sair!

 

 

Ditador

 

Ditador não enlouquece

Mas também, se bem se apura,

De ser louco não se esquece,

Não se cura da loucura.

 

 

Fina

 

A gente fina, ao rejeitar

O resto do mundo de que nunca gosta,

Besunta-se de bosta

E jura que é creme de bronzear.

 

 

Caminhar

 

As raças humanas, em todas as rotas,

Continuam a gatinhar para diante.

Enquanto se puder tapar o ridículo com notas

Até um anão equivale a um gigante

 

 

Poucos

 

Uns poucos sabem,

Os mais têm um título.

Não precisam de estudar nenhum capítulo,

Basta o título: todos os capítulos lá cabem.

A infame sabedoria

Da família, do apadrinhamento, da mercancia...

 

 

Crime

 

O crime é preciso

Porque garante ao governo a adesão,

No momento preciso,

Do cidadão.

 

 

Inocente

 

O maior inocente, o maior,

De mal com o governo, enviesado,

É, para este, pior

Que um culpado.

 

 

Pecado

 

Para qualquer sacristão

Tudo é pecado e receio,

Desde que na contramão

Dum passo qualquer alheio.

 

 

Enterro

 

Como enterro é sempre a vida,

Enterro de passo torto:

- Para alguém ser bom, convida

Tal alguém a ser o morto!

 

 

Galinha

 

Desde que religioso

Me fiz,

O que de mais ponderoso,

Como aprendiz,

Descobri

É que o melhor petisco

Para um padre ou levita,

O melhor isco

A prendê-los ali,

É galinha frita!

 

Têm então um prazer divinal

Em qualquer visita

Dita

Espiritual...

 

 

Finda

 

Homem ou mulher pior

Não há nunca no lameiro:

Quem não casa por amor

Finda a chorar por dinheiro.

 

 

Se

 

Se andas sempre satisfeito

E ao que só tens prestas preito;

 

Quer te dêem, quer te tirem,

Que importa se não ferirem?;

 

Vives somente neste hoje,

Ontem foi-se, o amanhã foge;

 

Não tens sonhos, utopias

No teu ramerrão dos dias;

 

Se assim é, não há questão:

- O que és deveras é um cão!

 

 

Verdade

 

A verdade dum criado

É sempre aquela que o amo

Vai querer, em qualquer ramo,

Ouvir sempre em todo o lado.

 

 

Oprimidos

 

Oprimidos por séculos de servidão,

Já nem a voz erguerão.

Então substituem-nos os iluminados

E agirão no lugar deles.

Sendo ou não por eles aprovados,

Serão quem lhes arrancará doravante as peles.

Sabem melhor - não é verdade? -

O que convém à felicidade...

 

 

Simples

 

O simples homem do povo:

Um naco de pão para comer,

Um canto onde repousar

Sem cuidar

De qualquer renovo,

- E ei-lo feliz como quenquer!

 

Não admira que o cão,

Sem qualquer ponte

Para qualquer horizonte,

Seja dele o velho irmão.

 

 

Cheio

 

Reanimado e cheio de emoção,

Muito embora sem vírgula entender

Do que para ali andam a dizer,

Em si murmura o crente que a função

 

É de padre decerto a falar bem,

A julgar pelos berros que além solta,

Pelo suor que lhe alaga a cara em volta,

Pelos suspiros que a assembleia tem,

 

Tal como se estivessem, ante os céus,

Prestes as almas a entregar a Deus...

 

 

Médicos

 

Médicos muito tempo ausentes,

A gozarem da lazeira os bombons,

Levam os pacientes

A aproveitar o tempo para ficarem bons.

 

 

Cinquenta

 

Revolucionário,

Com cinquenta anos.

Morte? Temerário,

Não lhe teme os danos.

 

Preocupa-o, sim,

Probabilidade

Dum mau bife ao fim

Duma actividade.

 

E então o mau cheiro

Que cheira a miséria?

E o alerta inteiro

De mortes sem féria

 

Numa barricada

De vento gelada?...

 

- Como é complicado

Manter dele o lado!

 

 

Parente

 

Um parente é uma pessoa

A que se vai sem convite

Para lá lazer à toa

Tempos que nem nos palpite.

 

 

Exterminar

 

Em toda a guerra

Os trabalhadores têm óptimas razões

Apresentadas pelos patrões

Para exterminar a terra!

 

 

Faltam

 

Não faltam os mexericos?

Sua ausência entravaria

Do mundo a marcha, os salpicos.

De tédio morrer faria

Pessoas, não, mafarricos.

 

 

Custa

 

Ele é muito inteligente,

Doutrem à custa engordado,

De toucinho um naco ingente

Por coração já trocado.

 

 

Curar

 

É um tratamento excelente,

De curar com tal virtude

Que, se eu não fora doente,

Tinha excelente saúde!

 

 

Corre

 

Se a vida nos corre bem,

É tudo muito agradável.

Caso contrário, porém,

Que mundo mais execrável!

 

 

Repete

 

Quem repete muitas vezes

A mesma coisa é idiota

E toma os demais fregueses

De parvos como uma frota.

 

 

Gostam

 

Se não gostam de ninguém

E se ninguém gosta delas,

De cães se rodeiam bem:

Pessoas como cadelas...

 

 

Consultar

 

O problema de muita gente

Para resolver qualquer questão,

É correr primeiro, pressurosamente,

A consultar o garrafão.

 

 

Ninguém

 

Hoje em dia já ninguém se ilude:

Não há uma única pessoa normal

Que esteja, afinal,

De perfeita saúde!

 

Os médicos tal nos ensinam

E todos a tal disparate se inclinam....

 

 

Relógio

 

Ele é tão senhor de si

Que nunca chega atrasado:

Se algum dia tal eu vi,

O mal não veio dali,

Foi relógio avariado!...

 

 

Cão

 

Se um cão vir um osso,

Quer logo roê-lo.

E dum homem posso

O mesmo dizê-lo...

 

 

Tiro

 

Dói

O tiro crítico certeiro?

Todavia, nenhum boi verdadeiro

Protesta quando lhe chamam boi...

É mesmo mais inteligente

Que a gente?

 

 

Pretender

 

Pretender ser importante

Não dá a importância que peça,

Dá uma nulidade adiante,

Brilhantina na cabeça.

 

 

Importância

 

Quem ali quiser entrar

Tem de ter nome importante?...

- A importância que levar

É a do bancário montante!

 

 

Amendoim

 

Porque não dar amendoim ao rato

Quando lograr assim, mui de mansinho,

Evitar o pior do desacato,

Afastá-lo de vez do meu toucinho?

 

 

Todos

 

Todos têm muito valor

Quando se trata de apanhar

O que for

De supor

Ser outrem a pagar!

 

 

Agir

 

Como é que os homens permitem

Todo o dia aos javalis

Que para agir se concitem,

Homens ontem, hoje vis?

 

 

Proclama

 

Se um homem altivamente

Proclama que é um cavalheiro,

Proclama que, enfim, não sente

Que é um palhaço por inteiro.

 

 

Destino

 

Se eu próprio quero, quero!

Não a cadeira pregada,

Prego a prego, à martelada,

Por qualquer destino mero!

 

 

Idosa

 

A idosa ao neto garante

Seguro na praia andar.

Vem uma onda gigante,

Logo o arrasta para o mar.

 

Desvairada, ajoelha, implora:

“Meu Deus, salva-me o meu neto!”

Outra onda, ali na hora,

Trá-lo à praia, são, completo.

 

Mas grita a avó contra o céu:

“Ele trazia um chapéu!”

 

Comenta o povo a saída:

“Pobre e mal agradecida...”

 

 

Sherlock

 

Sherlock Holmes acampar

Foi com Watson certo dia.

Na tenda após ressonar

Acordou na noite fria.

 

Sacudiu logo o parceiro:

“Olha ao alto, que é que vês?”

“Vejo o Cosmos todo inteiro,

Biliões de estrelas talvez...”

 

“Que podemos deduzir

Duma tal afirmação?”

“Um astrónomo existir

Vê galáxias ao milhão.

 

Um astrólogo verá

Em que signo está um planeta.

Metereologia dá

Que amanhã bom tempo espreita.

 

Um teólogo entender

Consegue o poder de Deus

E quão minúsculo ser

Somos nós perante os céus...

 

E, Holmes, que é que deduz

De tão grandiosa oferenda?”

“Watson, és mesmo um lapuz:

Vê, roubaram-nos a tenda!”

 

 

Médico

 

Conta o médico ao doente:

“Não tenho boas notícias,

Pouco tempo tem à frente...

Goze todas as blandícias.”

 

“Mas quanto tempo me resta?”

“Dez...” “Dez quê? Dias, semanas?...”

O médico não se apresta

A sair. Com poucas ganas,

 

Antes que a questão renove,

Continua, calmo: “...nove...”

 

- A vida é curta e mais curta

Se a cada dia se furta.

 

 

Fila

 

Na manhã dos grandes saldos

Há fila de madrugada.

Por entre os clientes baldos

Fura um, pela calada.

 

Logo a multidão o agarra,

Põe-no no estacionamento.

É, porém, homem de garra,

Tenta outra vez, no momento.

 

Mal avança, a multidão

De novo o atropela, impede.

A coxear, rezingão,

Vai para a frente, não cede.

 

“És maluco?!” – alguém pergunta –

“Dão cabo de ti se tentas

Furar tanta gente junta.”

“Bem sei. Com as horas lentas,

 

Ninguém de facto se arroja...

Mas fique a espera tranquila:

Se eu não chego à frente à fila,

Não consigo abrir a loja!”

 

 

Barbeiro

 

“Está vendo aquele miúdo?”

- Diz o barbeiro ao cliente. –

“Mais estúpido é que tudo!

Quer ver mesmo? Então atente.”

 

Dum euro toma uma moeda,

Outra de dois noutra mão.

Pede ao miúdo conceda

Escolher qual quer então.

 

Logo ele agarra na dum

E corre à rua, ligeiro.

“Mais burro que qualquer um!”

- Remata alegre o barbeiro.

 

O cliente vai-se embora,

Vê o miúdo nos gelados.

“Porque não quiseste agora

De dois euros ter trocados?”

 

“No dia em que isso escolher

Finda o jogo. Está a ver?...”

 

Falso tolo e seu dinheiro

Vão-se embora alegremente.

Veja bem, por derradeiro,

Quem mais tolo é dentre a gente.

 

 

Selva

 

A selva leva a entender

O nosso papel no mundo:

Animais como qualquer

Animal outro, no fundo.

 

 

Mamã

 

- Mamã, porque casaste com o papá?

- Porque ele me fazia rir um pedaço.

- Pois é. Nem reparaste lá

Que podias ter casado com um palhaço...

 

 

Fascinante

 

De repente, a rapariga

Com quem ninguém quer falar

É a mais fascinante intriga

Com que se pode topar?

- É das redes sociais

Dela com fotos a mais!

 

 

Barrigas

 

Quando a festa for de arromba

Há lá barrigas pejadas!

Há lugar para o que tomba

E mais quarenta garfadas...

 

 

Cura

 

A melhor cura contra o preconceito

Racista, político, religioso...,

Não é varrê-los a eito,

O que seria por igual preconceituoso.

- A melhor maneira

É atingi-los na carteira.

 

 

Verdade

 

Verdade não é carroça

Que ande tanto mais depressa

Quanto mais burros lhe engrossa

A longa fila à cabeça.

 

 

Caricatura

 

Não há, não, como morrer

Para que gostem de nós:

É a caricatura a ser

Quem não fui mas sou após.

 

 

Trocam

 

Os homens trocam ternura

E sempre de boa-fé

De forma muito segura:

- Muita vez ao pontapé!

 

 

Morto

 

Todo o morto se parece

Com os mais a vida toda:

Um morto nunca acontece

Que venha a passar de moda.

 

 

Dom

 

Muito dom de feiticeiro,

Pé contido, não conduz

A qualquer filho da luz,

Mas onde aflora o dinheiro.

 

 

Galinha

 

A galinha de ovos de oiro

Há quem a mate, não mango,

Jogando fora o tesoiro,

Só para ir comer frango.

 

 

Punirem

 

O meio mais eficaz,

O de mais finos regalos

Para punirem os pais

É deveras imitá-los.

 

 

Chamava

 

Quando chamava a atenção

Do meu filho, perguntei:

“Não ouviste chamar, não?”

“As duas primeiras sei

Que não ouvi, de certeza.

Esta agora foi surpresa!”

 

 

Pensam

 

Uns pensam em comprimento

Outros pensam em largura.

Nuns poucos, o pensamento

Da profundidade cura.

E a maioria compensa:

- Aí ninguém nada pensa!

 

 

Comer

 

Para levar um miúdo

A comer os vegetais

Mistura-lhe o conteúdo

Às comidas principais:

Ripa a cenoura encoberta

Na caixa dos lápis certa!

 

 

Circo

 

Do circo um trabalhador

Limpa bosta de elefante.

É só calor e suor...

E ele firme, ali constante.

 

“Porque é que tu não arranjas

Um labor num habitáculo?”

“E deixo os loiros e as franjas,

Deixo o mundo do espectáculo?!”

 

 

Gestor

 

O gestor anda a mexer,

Gato na caixa de areia,

Sempre a tentar esconder

Fezes que faz volta e meia.

 

 

Fazer

 

Quenquer se pode propor

De labor sempre um montão,

Basta não ser o labor

Que for de fazer então.

 

 

Velhote

 

“Qual será mesmo o segredo

De tanta longevidade?”

E o velhote, quase a medo:

“Não morri!” E é verdade...

 

 

Pequeno

 

Sem que ninguém lho demande

Pergunta cada freguês:

“Que queres ser quando grande?”

“ É ser pequeno outra vez!”

 

 

Trará

 

Uma comunhão de bens

Trará grandes benefícios

Quando aos afectos que tens

Acrescem mil e um resquícios.

Mas antes assina os vales

Da separação de males.

 

 

 

Balearam

 

A um assassino ladrão

Que a gente nem adivinha

Balearam no coração

Que felizmente não tinha.

 

 

Livra-te

 

Se amas e fores amado,

Livra-te de te queixares

De a sorte te pôr de lado,

Longe de seus patamares.

 

Se amas e fores amado

E não te sentes sortudo,

Cume de todo o sobrado,

Então tens juízo miúdo.

 

Não grites mais de teu curro:

Tua voz é mesmo um zurro!

 

 

Dura

 

O amor, o amor mata!

...Só porque, com sorte,

Quando bem se acata,

Dura até à morte.

 

 

Deixa

 

Um dia deixa de haver,

Deixa de haver amanhã.

Vais acordar e, ao ver,

Não podes nessa manhã.

É bom que antes de tal dia

Acordes a aurora fria.

 

 

Teimoso

 

“Teimoso! Teimoso, não.

Apenas tenho, decerto,

Mais ao longe, mais ao perto,

Sempre, mas sempre, razão!”

 

 

Noite

 

De noite, ergue-se da cama

E a cabeçada à parede

Tem ali logo de ganho:

“Para onde,” – ei-lo reclama –

“Sempre a tentar que me enrede,

Fugiu a casa de banho?”

 

 

Sente

 

Quenquer se sente superior

Quando, entre marionetas,

Pertence ao pendor

Dos que sabem.

Nem que, afinal, todos acabem

Atolados em tretas.

 

 

Resumo

 

O resumo bem pascácio

Da humana ambição se esboça

Em aspirar a um palácio

E terminar numa choça.

 

 

Proveito

 

Novo ou velho,

Que proveito se pode tirar

De guisar um coelho

Antes de o caçar?

 

 

Política

 

A política influência

Sem nenhuma competência

 

Pesa muitas vezes mais

Que a competência que amais

 

Mas que nunca tem à mão

Qualquer recomendação.

 

É o que sempre mantém podre

O mundo fedendo a odre.

 

 

Tratado

 

No meu país

Todo o mundo

É tratado por vagabundo

Até que tudo dobra a cerviz

Para todo o lado

- Porque entreviu um deputado!

 

 

Repórter

 

Local de crime é descanso

Para o repórter novato:

Sigo o rebanho que alcanço

E pronto, já estou em acto!

 

 

Revista

 

Revista de culinária

Se a cortar gordura actua,

Entra em falência sumária:

- Todos no olho da rua!

...É que gordura demais

É ela. E não dá sinais!

 

 

Diante

 

Diante dum monumento,

Um homem velho olha a estátua,

A mulher, o guia atento,

E o jovem, a mulher fátua.

 

 

Acaba

 

Há quem tanto diz que diz,

Dos outros sempre na pista,

Que acaba com o nariz

Mais comprido do que a vista.

 

 

Preconceito

 

Provoca sempre um abalo

O preconceito, quando ataca:

“Um homem deve andar como um cavalo

E a mulher, como uma vaca!”

- Não, não é o meu riso,

É que está a cair granizo...

 

 

Concorda

 

Cada qual concorda bem

Que os mais procedem mui mal

Quando maltratam alguém...

E o mesmo os mais, por sinal!

 

 

Adore

 

Há quem adore arte

Quando, sem desdoiro,

Calce ela, destarte,

Sapatinhos de oiro.

 

 

Rebento

 

Há muito progenitor

Que dá com o predilecto

Rebento feito um senhor

E fica mui desafecto.

 

Se ela uma inútil beldade,

Se ele um mui amarelento

Foram de idade em idade,

Dependentes, sem alento,

 

Que satisfeito por ter

Um doméstico brinquedo

Bonito com que entreter

O interminável folguedo!

 

A afeição familiar

É metade sentimento

De propriedade alvar

E superior alimento

 

Duma superioridade

Dum ninguém que tudo invade.

 

E com tal estupidez

Do lar se tece o entremez.

 

 

Mundo

 

O mundo é tão atraente!

Quem diria que é um lugar

Tão ignóbil, indecente

Como o usamos nós tornar?!

 

 

Macacas

 

Há mestres de cantoria

Com macacas a guinchar

Que as amestram, dia a dia,

Para o mercado trepar:

É a corrida ao casamento

Onde imitam um portento.

 

 

Comunhão

 

A comunhão de gostos por arte

Contribui para a felicidade conjugal

Decerto como, por outro lado,

Comparte,

Por igual,

O gosto comum por cabrito assado.

Da felicidade depende o tema

De para que horizonte se rema.

Tudo o mais

É mera paisagem por que passais.

 

 

Conhecer

 

Para quem celebridade não é

Não há nada, na verdade,

Como conhecer, num finca-pé,

Uma celebridade.

 

 

Indicações

 

O mundo inteiro a seguir

As indicações que dou

E a minha casa a se rir

Deste estúpido que sou!

 

 

Mais

 

Porque é que os homens guerreiam?

Querem mais terras, dinheiro,

Mais lonjura aonde ameiam,

Mais gado, vaca ou carneiro,

Mais à refeição comida,

Mais na libação bebida...

 

Querem mais... E não é mal.

Mal é tirá-lo aos demais

Que querem mais, por sinal,

Iguaizinhos, pois, aos tais.

Findam todos destruídos,

Desta estupidez varridos.

 

 

Após

 

Após três copos de vinho:

Ganha o capitão batalhas;

Os doutores,

Sorvendo licores,

Despejam, de caminho,

Sabedoria pelas calhas;

O comerciante

Mente lucros fabulosos adiante;

O funcionário desata a chorar,

Que até o vencimento já pago lhe está por pagar...

 

Entretanto, os leitões assados

Erguem no ar os pernis destroçados,

Olhando desoladamente

As bochechas de tanta gente

Dita, em todos os povoados

Em religião, mui crente.

 

 

Rei

 

Ao rei do mundo não basta

Todo este império terreno.

Logrado este, é doutra casta

O sonho de ser em pleno:

Quer ser Deus e, desta guisa,

Só adorado ser divisa.

 

 

Eficiência

 

A eficiência medra

Quando o cidadão

Que atirar a pedra

Esconder a mão.

 

 

Comum

 

Em nós é comum e forte

A repulsão, relutância

De afirmar sermos o norte

Da culpa, ser dela a instância.

 

Ajuda infinitamente

Bater dos outros no peito

A minha culpa que mente

Quem por fim dela é o sujeito.

 

Destino, determinismo,

A fatalidade, o instinto,

Um irracional abismo...

- Tudo é o diabo que me pinto.

 

Todo o pecador, portanto,

É um impoluto inocente,

Vítima de insídia tanto

Quão da escuridão que o tente.

 

 

Parceiro

 

Diabo de tudo culpar

É torná-lo omnipotente,

Parceiro de Deus a par,

E eu cá na plateia assente

Às palmas e assobios

E jamais dono dos fios.

 

 

Espantalhos

 

Se nos tornámos vedetas

Para um povo barrigudo

E era de só sermos setas

De amor por um povo mudo,

Espantalhos apupados

Somos por crer ser amados.

 

 

Odeio

 

“Odeio a guerra!” – diz ela.

E, como fêmea animal

Ama o que a guerra interpela

E quem a faz por igual.

 

 

Provém

 

Se a minha difamação

Provém dum homem tarado,

Prova já que sou, então,

Um homem equilibrado.

 

 

Reza

 

O que tem a gente boa

São só mortos e canalhas

Por quem toda a reza ecoa...

Do mundo o resto? São gralhas!

 

 

Cego

 

Quem é cego, cego é

E, se outro encontra o que busca,

Nega-o, batendo o pé.

Mas que coisa mais patusca!

 

 

Grande

 

Grão Nabucodonosor,

Grande imperador assírio!

Um dia, em louco furor,

Da loucura no delírio,

 

Põe-se a quatro pelo chão,

Pelos campos fora foi

Convencido, desde então,

A pastar, crendo que é um boi!

 

- É tal a grandeza humana

Que só rindo não engana!

 

 

Calamidades

 

Para as bolsas de quem reina

Calamidades do povo

São teoria que se aleina,

Não vá galar algum ovo.

 

 

Nunca

 

Os livros para bebés

Dizem que eles vão comer

Cada duas horas, três...

 

Mas nunca nos vão dizer

Que um comportamento igual

Irão ter até fazer

 

Dezoito anos e que vale

Até que, batendo a asa,

Sairão de vez de casa.

 

 

Pasteleiro

 

Do pasteleiro o maior

Elogio dentre os seus

É que eu engordei um ror

De saborear-lhe os pitéus.

 

 

Cães

 

Campos de concentração.

Os judeus foram levados,

Os cães deles, porém, não:

Só as pessoas foram gados,

Sem proveito nem combate,

Tudo pronto para abate.

 

 

 

 

ÍNDICE

 

 

Quadras Regulares – Afectos

 

Quadras Regulares – Deveres

 

Quadras Regulares – O Ser

 

Quadras Regulares – Utopia

 

Quadras Irregulares – Conjunção

 

Quintilhas e Sextilhas Regulares – Conjunção

 

Quintilhas e Sextilhas Irregulares – Conjunção

 

Sonetos

 

Poemas Longos Regulares – Afectos

 

Poemas Longos Regulares – Deveres

 

Poemas Longos Regulares – O Ser

 

Poemas Longos Regulares – Utopia

 

Poemas Longos Irregulares – Afectos

 

Poemas Longos Irregulares – Deveres

 

Poemas Longos Irregulares – O Ser

 

Poemas Longos Irregulares – Utopia

 

Miscelânia – Da Ironia ao Bom-humor