POEMAS  IRREGULARES

 

 

 

AFECTOS

 

 

 

 

Vida

 

Sessenta e cinco anos,

Quem diria!

É que a vida te traria

Desenganos,

Mil e um danos

De qualquer idade à utopia.

 

Todavia,

Colheste também

A sabedoria

Que cada dia

Contém.

 

Então, de fora,

A velhice

É tontice

Para quem dentro de si mora.

 

E, do amor nos laços

Que nos movem,

São teus traços,

De ano em ano, de quem é mais jovem.

 

Do amor

O tição,

Extinto o fulgor,

Finda em carvão?

 

Que importa,

Se o carvão, pelo tempo adiante

Suporta

Quanta dureza lhe brotar diante,

Transpondo da escuridão a porta,

Até derivar, brilhante,

Num diamante?

 

 

Adiante

 

A felicidade

Resulta

De quanta divindade

Me catapulta

Para a infinidade:

Quão mais por Deus avanço,

Mais serenidade

Alcanço.

 

No fundo, ser feliz

É ser Deus, de raiz.

 

Quesito

consumável no Infinito.

 

Mas vou a caminho

E, quão mais adiante, menos sozinho:

 

Quanto mais com todos e tudo me concilio

Mais sou quase Deus por um fio.

 

Quão mais encontrar e viver o fio universal

Da unidade,

Mais serenidade.

 

- É o eterno fanal

Da felicidade.

 

 

Estranha

 

O país natal

É como a mulher amada.

Estranha até ser-nos dada,

Devém fito principal

Fruirmo-la casada.

 

Mais que tudo no mundo

Querida.

Por ela deixamos pais, irmãos, no jucundo

Fervor de toda a ida.

 

Embora estrangeira,

Fica sempre dela a farinha pura

Da vida na lisura

Da peneira.

 

 

Quando

 

Mulher indiferente,

Quando é amada, a divinizam

Os olhos que a visam

Por entre a gente.

E transmudam um qualquer bruto

Dum diamante em produto.

 

A terra prometida

Que uma mulher procura

Não é terra fementida,

É o instante em que um homem apura

Um amor tão fecundo

Que grita amá-la mais que tudo no mundo.

 

 

Terra

 

A Terra é bastante grande

Para todos pescarmos

Mas pequena demais se quem comande

Se põe a dar ares

E a levantar deveres com que alinharmos

Por nada,

Em quaisquer patamares,

Ao correr da caminhada,

Só para mostrar que ele é que é grande.

 

Torna a Terra tão pequena

Como é pequena esta cena.

 

 

Fabricamos

 

Fabricamos da terra natal

Um mito:

Da infância feliz local,

Dos saudosos amigos dos bancos escolares

Que cumpriam da amizade o requisito...

 

Ignoramos a realidade,

Os trejeitos vulgares

Da quotidianeidade.

 

E que ela se julga a terra de Deus

Sem estar à espera de trejeitos meus.

 

 

Detesta

 

Seja lá qual for o ciúme,

Toda a mulher

Outra mulher detesta ver

Definitivamente do amor na prateleira,

Sem uma oportunidade casamenteira

Qualquer

Que ateie o lume.

 

Bem-querido ou mal-querido,

Um marido!

 

E tudo a isto se resume.

 

O mais são de guerrilha festas

A limar arestas.

 

 

Terna

 

O amor,

Por muito forte que seja,

Nunca é simples nem linear.

É o terror

Numa terna noite de luar

Até que a madrugada alveja.

E, com o alvor,

Tudo viceja.

 

Temos de caminhar para a luz,

Ou o amor nunca amor traduz.

 

 

Idade

 

A idade ingrata

É um tempo de desgraça

Num adolescente, num povo, numa civilização...

Ou mudo ou me mata.

Quando mutuamente nos mudamos, a graça

Da mutação

Reacende a comunhão

E o amor reina na praça.

 

Toda a humanidade

Descobre que a persuade

Uma costela de irmão.

 

- E é o que vida fora mais agrade.

 

 

Tolher-vos-ão

 

Vós, os novos,

Não penseis em nós, os velhos.

Tolher-vos-ão os artelhos,

Não haverá mais renovos.

 

Cuidai antes do porvir!

Aí, todos juntos,

Melhor ou pior resolvidos os assuntos,

Poderemos todos ir.

 

Com mais ou menos demora,

Estrada fora,

Iremos todos a rir.

 

E até nos esqueceremos

De quão velhos nos tolhemos.

 

 

Passagens

 

Na guerra como na paz,

As aventuras mais perigosas

Forjam amizades saborosas

E as melhores evocações que a vida traz.

 

Quem vergou o perigo

Transmudou inimigo em amigo,

 

Quando não em pessoa,

Nos trejeitos da vida à toa:

 

Em cada viela

Há-de haver aquele particular abrigo

De sentinela.

 

 

Respira

 

Asfixia,

E, todavia,

Respira pela primeira vez,

Hoje em dia:

É o teor

Do amor,

A tez

A arder do rubor

Que nada doravante apagaria,

Fogo a incendiar os instantes

De diamantes.

 

 

Nome

 

Corrigir

Em nome do que for melhor

Para quem se dirigir

É amor.

 

E a birra

Tem o balsâmico perfume

Da mirra

Que apenas o amor assume.

 

Por mais desagradável que seja o tom,

Afinal, no fundo, é bom.

 

 

Gosto

 

Gosto de ter-te por aqui.

Todavia,

A aparição

De ti

Melhor a saborearia

Se a saboreara com moderação.

A habituação

Traz-lhe o enguiço

De tornar cada um de nós irritadiço.

 

O vislumbre do sonho

Então

Onde o ponho?