PEQUENOS ATILHOS
Reclama
A comunicação
São catástrofes e desgraças:
Quem perde reclama o pão,
Pede ajuda em todas as praças.
Da vitória ninguém fala,
Não é notícia de jeito:
Quem ganha cala
E frui do proveito.
E quem vier a seguir
Maldiz do anterior
Para o cume que atingir
Culminar de valor.
- E eis como uma visão distorcida
Impregna a vida.
Radica
Teu imo radica lá em cima
E lá de cima se alimenta.
Incarna em teu corpo e seu clima
À escolha te apresenta.
Conhece do Infindo o caminho
E de o calcorrear as trilhas,
Bem como as armadilhas
Da negrura do carvão e da brancura do arminho.
Sabe como lá chegar,
É só ir perguntando
Enquanto, caminhando,
Pedirmos para vislumbrar.
Juntos, fecundos,
Iremos até ao fim dos mundos.
Ouvinte
O ouvinte fica por cima
De quenquer com que ele fale:
Três vezes mais termos rima
Do que este aqui traz à gala.
Então, se faz a pergunta,
Tem de parar e de ouvir
Em silêncio quanto assunta
Para o outro retorquir.
Mesmo em longa relação,
Ninguém sabe de quenquer
Se vai ser o mesmo ou não
Aquilo que responder.
Se houver surpresa, é um início:
Logo a vida é um benefício.
Porta
Toda a bênção é uma oferta,
Terei sempre de a aceitar,
Perceber a porta aberta
Que nela se escancarar.
Ajuda a curar a dor,
A enfrentar um amanhã.
Sabe, pois, acolhedor,
Usá-la por temporã.
Se não tenho a mente aberta,
Alma gémea no caminho
Nem atenção me desperta,
Não a colho em meu ancinho.
Assim a bênção se esvai
E eis como a vida se vai.
Águia
Águia quando um homem for
É preciso recordar:
Não tem bando nem tem par,
É um solitário voador.
Prendê-lo no galinheiro
É mesmo cortar-lhe as asas:
Privará todas as casas
De seu olhar pioneiro.
Quem julgar que o grupo é tudo
Ignora que em gávea pôr
Um cego é não dar valor
Ao risco a que o grupo grudo.
Do extremo desta mania,
Um dia perdem o dia.