DEVER, AO GOSTO COMUM
Salvar
Aliviar a pobreza
Leva as pessoas, além,
A salvar a natureza,
Senão matam-na também,
Ganância de toda a empresa.
- Global solidariedade
Ou a morte o mundo invade.
Gratidão
Afectos de gratidão
Com actos de gentileza
Melhor humor nos trarão,
Mais saúde até na mesa.
É a satisfação na vida,
Felicidade à medida.
Se me sinto agradecido
Por aquilo que recebo,
Por algo que haja ocorrido,
É gratidão que concebo.
E é com outrem ligação,
Ao sentir a relação
Com o que é maior que nós.
- E maravilho-me após.
Cancro
Sim, tive um cancro. E daí?
Foi a possibilidade
De ter a família aqui
Com mais regularidade,
De apreciar mais a vida,
De
até ganhar cicatrizes
Que, numa boa medida,
São lindas novas matrizes.
- Quando nisto me concentro,
Que mal me atinge cá dentro?
Toma
Toma em mãos cada minuto,
Mas um só de cada vez.
Não te engane este usufruto
De mar vasto que ora vês,
Antes aceita, ultrapassa
A circunstância inerente,
Seja de sorte ou desgraça,
Que ante ti ele apresente.
Depois, com todo o requinte,
Passa então para o seguinte.
Medrar
Ver medrar o meu vizinho
Que mais mérito não tem
Que o que em mim eu adivinho
Enerva e tem-me refém.
Só me liberto da algema
Se olhar muito mais além,
Se o Todo tomar por lema,
Tudo a entregar-lhe também..
Minha
“Para mim minha vantagem,
A riqueza a qualquer preço,
Seja lícita a triagem
Ou ilícito tropeço.”
No labirinto adivinho
Que este será seu caminho.
A si próprio só se vê,
Sua vidinha em progresso,
Ínfimo como é seu pé
Do coração no recesso.
E assim tudo é que a perder
Deita, afinal, sem o ver.
Entregar
Ao entregar tudo aos céus
Me abandono inteiro, inerme,
Sem poderes nenhuns meus,
Sou menos que qualquer verme.
Aí é que então, por fim,
Toma o Céu conta de mim.
Tristeza
Se a tristeza é mesmo grande,
Então importa ficar.
Sem soluções que desmande,
Estratégia a camuflar...
- Só depois se apresta a vida
Mostrando a melhor saída.
Escravizar-se
Nem sequer o mundo inteiro
Sacia a fome jamais:
Escravizar-se ao dinheiro
É requerer sempre mais.
Tudo o mais, num nevoeiro,
Morrerá sem dar sinais...
- E os mais vão-se no lameiro
Das enxurradas letais.
Nunca
“Nunca mais me alguém controla,
Que eu controlarei primeiro.
Nenhum abuso me imola,
Que o poder sou eu cimeiro...”?!
- Do Cosmos até que a lei
Te arraste à perda e sem grei:
Podes sempre até ter tudo,
Que a morte é o fim do sortudo.
Lavrar
Quando me solto da dor
É que me consigo então
Erguer um porvir melhor,
Lavrar em frente o meu chão.
É difícil bom futuro
De vida em dor se o penduro.
Normas
Entrar em comunidade
Com normas com que o celebre
Faz que às vezes em mim quebre
Com a minha identidade.
Deixo de saber quem sou,
Num vazio interior,
Sinto-me mal onde vou,
Não sou eu, seja quem for.
Vivo de mim à distância
Mas ainda corro mais,
A preencher qualquer ânsia
Mais me enchendo dos demais.
Sei lá bem donde é que venho,
Sei lá bem aonde vou,
Sei lá que gosto é que tenho,
Nem sei que não sou quem sou!
Vejam
Busco a minha referência
Nos outros que em redor vivem:
Ajudo com excelência,
Procuro que se motivem...
“Vejam como sou incrível,
Como sou sacrificado!
Respondam-me ao mesmo nível,
Que sou tão bem comportado.”
É tal como se estivessem
A dizer-me quem eu sou.
Meus vazios já me esquecem,
Talvez se encham do que ecoo...
Mas ninguém me reconhece,
Dizem que eu saio de mim
Buscando o que me falece
Noutrem, sem ser eu assim.
Dependo dum elogio
Para o vazio acalmar?
É de navalha meu fio,
Acabei de me cortar.
Longe
Tenho os outros de mim dentro,
Deles a me alimentar?
Então já perdi meu centro,
Não tenho mais meu lugar.
Como é que pode dar certo
De mim tão longe o meu perto?
Desactivar
É desactivar meu ego,
É parar de querer tanto,
Ele é que quer sem sossego
E finda no desencanto.
E refrescar o meu imo,
Alma em mim que tudo aceita,
Que acolhe da base ao cimo,
Aberta à infinda colheita.
Quão mais quero, mais distante
Sou de mim, de mim diante.
Vislumbra
Quando um indivíduo muda
O que pode ser mudado
E acolhe de alma desnuda
O que mudar não lhe é dado,
É que o ego desactiva,
Vislumbra em si que é Luz viva.
Deixo
Deixo de ser ser de luz
Para agradar às pessoas,
A ver se este amor traduz
O acúmen das prendas boas:
Do Infinito algum sinal
De amor incondicional.
Só que então monto defesas
Para me tornar imune,
Da fragilidade as rezas
Já nada em mim as reúne.
Ora, é na fragilidade
Que meu imo em mim me invade.
A defesa é uma ilusão,
Roja-me de vez ao chão.
Activar
Se eu não activar quem sou,
Aquilo com que cruzar
À defesa é similar
Da máscara com que vou,
O que nos não alimenta,
Só destrói a quem o tenta.
Atitudes
As atitudes herdadas
Que apostaram na defesa
E são por mim evocadas
Para não ser eu a presa,
Longe de me defender,
Nunca mais saem de mim,
Vão-me incorporar meu ser,
Tornam-se eu até ao fim.
Se jamais eu as limpar,
Nunca estou no meu lugar.
Diabo
“Eu poderei proteger-te”
- Diz o meu diabo em mim.
“Não quero!” - digo, solerte.
“És impune até ao fim,”
- Sugere, antes que eu desperte -
“Dou-te domínio seguro.”
“Mas onde é que eu me inauguro?”
Que me importa ser impune
Ou de vez ficar imune?
Quero a alegria, a tristeza,
A emoção com inteireza,
Ser completo, verdadeiro,
Ser eu mesmo por inteiro.
Nunca, por trás duma fronde,
Alguém que de si se esconde.
Aí tocarei no Céu,
Aí, por fim, serei eu!”
Medo
Encarar o medo de mudar que herdei,
Suportando a dor que o medo em mim provoca:
Responsabilizo-me do mal que achei,
Da limitação que no meu imo toca,
Invento saídas de transpor limites,
De quem os transcende acolho os sãos palpites.
Se na vida outrora correu tudo mal,
É que a relação andou de fora a dentro,
Foi a tentativa de ter doutro o aval,
A me dar valor, perdido então meu centro.
Seguirei agora pela inversa margem,
Vou de dentro a fora na certeira viagem.
Ambição
A ambição, que maravilha!
Porém, não demasiada:
Às vezes quer só a partilha
De divertir, relaxada,
Tudo uma festa pegada...
E ninguém é responsável
De nada, ao fim, desejável.
Ora a vida, no final,
É mais que ensaio geral
De peça nunca encenada.
Sal
Conflitos na relação
Importam sempre demais:
São o sal da refeição
Que alimentará os casais,
Se for com mútuo respeito,
Da forma que aos dois der jeito.
Íntimo
Se de teu íntimo falas
Complicado ou doloroso,
Num imo doutro intercalas
Empatia, pressuroso.
Compreensão emocional
Na mental compreensão,
É a mão no ombro ou sinal
Que olhos marejados dão.
O mais baixo trepa acima,
De quanto nos aproxima.
Útil
Quando eu ficar encravado
Num modo de funcionar,
Se o outro me vem mostrar
Porque encravado hei ficado,
É bem útil, que mudar
Irei meu modo de ver.
Assim, ao me acompanhar,
Quem proibir nos vai de ser?
Jardim
Dei com um jardim inteiro
Pejado de borboletas
Coloridas e com cheiro
Dentro em mim e em minhas metas...
- Eis-me por mim apanhado
Deveras apaixonado.
Par
Em meu par procuro apoio,
Não inversa opinião.
Mas se esta, posta em função,
Original, um comboio
De claques é o que atrair
Que críticas hei-de ouvir?
Que é que então será pior:
Ouvir dela as negativas
Ou ir em frente propor
Mil derrotas sucessivas?
E que palmas de vitória
Me irão ecoar na memória?
Retém
Na vida sê como o pato.
À superfície, mui calmo,
Mas sempre num desacato
Batendo as patas, se um palmo
De água te retém em baixo,
Quase te apagando o facho.
Contam
Quando tenho qualidades
Que os mais contam por defeitos,
Não serão propriedades
Que Deus pôs em meus trejeitos,
À espera de realidades
Que nem sonhamos, de afeitos
Deste hoje às banalidades
Que nos rejeitam os peitos
Deles nas profundidades?
- Terei mesmo de olhar bem
Que é que um juízo contém...
Resposta
A resposta soa leve
E na nossa própria voz:
O Espírito se conteve
E fala através de nós,
Em sossegados momentos,
Pelos nossos pensamentos.
É a música na cabeça
Que trauteio mentalmente
Sem ligar sequer à peça
Nem dela ser consciente,
Mas que corre num ribeiro
Dentro em mim o dia inteiro.
Deslindar
Os sinais trazem lições
Que devemos aprender
Para deslindar questões
E poder, enfim, crescer:
No privado, no País,
No mundo que também fiz...
De agora para o futuro
Que desde aqui inauguro.
Trilhar
Poderei trilhar a vida
Duma doença a sofrer
E por mor dela morrer
E, de tudo isto apesar,
Ter uma vida vivida
Que é sã em toda a medida
Por o meu imo a aceitar:
Fiz o melhor das escolhas,
Vivi ao máximo os dias
Nas limitadas recolhas
Da doença sem melhorias.
E tudo termina bem
Contra o mal que a vida tem.
Parede
“Isto é o meu fim!” - grita o rato -
“Tenho uma parede à esquerda,
Outra à direita e, se trato
De ir em frente, a nada lerda
Ratoeira de mim dá cabo!”
“Só tens de dar meia volta,
Ir onde te aponta o rabo...”
- Diz-lhe o gato, a garra solta,
A persegui-lo por trás.
“Sorte a do gato!” - dirias.
- Se rato és, não és capaz
De asas ganhar? Voarias!...
Melhor
É sempre melhor dizer
Uma parcial verdade
Com toda a boa vontade
Que, como a se defender,
Deixar sair, impoluta,
Qualquer verdade absoluta
(Que nisto é sempre mentira,
Pois que acabada que se mira).
A coalizão aparente
Entre quem não sabe e o sente
Força à reciprocidade,
Lealdade a lealdade,
O ouvinte renitente.
Grande
Prometer grande riqueza
É esperança perigosa:
Corrupta influência preza
E de oportunismo goza...
Então ninguém se contenta
Com a vida que levar.
Ao gorar-se tal, quem tenta
Ao anterior retornar?
Quem queijo nunca comeu
Nunca a falta lhe sentiu...
Quem uma vez o provou
Sempre lhe a falta chorou!
Passo
Porquê dar tanta importância
A tudo o que me acontece?
Um passo atrás e a distância
Perspectiva o que o merece.
Não é fuga à realidade,
É dar-lhe o lugar devido.
Mais que isto é mais que vontade
De melhorar o vivido:
Porque há-de ser importante
A preocupação do instante?
Música
Ser optimista é tocar
A música do presente,
Sem atrás prender o olhar
Nem o adiar para a frente.
Não faz sentido esperar
Pelo que se não tiver
Sem aqui apreciar
Aquilo que à mão houver.
Incerto
Um optimista não vê
Mais lindo o mundo do que é,
Mas mais feio também não
Do que for na ocasião.
É tudo incerto deveras
Nesta como noutras eras.
Mas o copo meio cheio
Tem promessas no outro meio.
Tolos
Optimista e pessimista
Fazem que o mundo se integre,
Ao fim de todo o despiste,
De tolos na longa lista:
O optimista é um tolo alegre,
Pessimista, um tolo triste.